O documento discute o mecanismo da paranóia a partir da repressão de fantasias homossexuais. Apresenta o caso de Schreber e analisa como ele reconstruiu seu mundo interno através de delírios após a repressão da libido dirigida a outro homem. Conclui que a paranóia envolve uma fixação no estágio narcisista do desenvolvimento e que a quantidade de regressão depende da extensão da sublimação homossexual revertida ao narcisismo.
2. “No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.”
(MANOEL DE BARROS)
3. Ao introduzir o capítulo III, Freud diz
"que caracteristicamente paranóico na
doença foi o fato de o paciente repelir
uma fantasia de desejo homossexual,
ter reagido precisamente com delírios
de perseguição desta espécie." (Freud,
1996, p.67)
4. A partir dessas informações pode-se afirmar
que os seres humanos "são levados pela
experiência a atribuir às fantasias de desejo
homossexuais, uma relação íntima com
essa forma de enfermidade." (Freud, 1996,
p.67).
5. As características notáveis no início da paranóia,
para os homens em particular, são as humilhações e
desconsiderações sociais, mas se buscar a fundo
sobre o assunto, pode-se perceber que o que é
realmente eficaz nesses transtornos “sociais está na
parte que nelas se desempenham os componentes
homossexuais da vida emocional.” (Freud, 1996,
p.68). É necessário ressaltar que enquanto um
indivíduo age normalmente no meio social, pode-se
duvidar de que suas relações tenham algo a ver com
a sexualidade. Schreber, até o momento antes de
adoecer, não havia apresentado nenhum tipo de
homossexualidade.
6. Portanto, pode-se concluir que o centro do
conflito, no que se refere aos casos de
paranóia em indivíduos do sexo
masculino, é a fantasia do desejo
homossexual, de amar um homem. Esta
conclusão só pode ser feita após a
investigação de inúmeros casos de toda
espécie de distúrbio da paranóia. Tendo,
então, de se preparar para um único tipo de
paranóia.
7. As principais formas de paranóia conhecidas podem ser todas
representadas como contradições da proposição única “eu
(um homem) o amo (um homem)”, e que na verdade, exaurem
todos as maneiras possíveis em que tais contradições
poderiam ser formuladas.
- A proposição “eu (um homem)” o amo e contraditório por:
Delírios de perseguição - levado por suas convicções
delirantes o
psicótico recrimina os que o rodeiam pelas intenções explicitas
ou implícitas.
Exemplo: Eu não o amo- Eu o odeio.
Essa contradição que deve ter sido anunciada assim no
inconsciente, não pode tornar-se consciente na paranóia sob
essa forma. - Outro elemento é escolhido para a contradição
na erotomania, que permanece totalmente ininteligível sob
qualquer outro ponto de vista.
Exemplo: “Eu não o amo - Eu a amo.
8. Outra modalidade pela qual a proposição original pode
ser contradita por delírio de ciúme, que podemos
estudar nas formas características sob que aparecem
em cada sexo
- Delírios alcoólicos de ciúme: o papel desempenhado
pelo álcool nesse distúrbio, e sob todos os aspectos
inteligível.
Exemplo: Eu um homem, amo um homem.
- Os delírios de ciúme nas mulheres: são exatamente
análogos.
Exemplo: “Não sou eu quem ama as mulheres - ele as
ama”.
9. Pode-se supor que a proposição é composta de três
termos:
-Delírio de ciúme; contradiz o sujeito.
-Delírio de perseguição; contradiz o predicado.
-Erotomania; contradiz o objeto.
Porem é possível um quarto tipo de contradição, a
qual o sujeito rejeita a proposição como um todo.
Exemplo: Não o amo de modo algum - não amo
ninguém.
10. A característica mais notável da formação
dos sintomas na paranóia é a projeção.
Essa por sua vez é suprimida e ao invés,
seu conteúdo, após sofrem certo tipo de
deformação ingressa na consciência sob
forma de percepção externa. Assim no
delírio de perseguição a uma transformação
do afeto, o deveria ser sentido internamente
com o amor é percebido externamente como
ódio.
11. O processo de repressão na paranóia
encontra-se vinculado á história do
desenvolvimento da libido e á disposição
ou forma a que ele dá origem, do que a
maneira pela qual se da à formação dos
sintomas. Ao examinar mais de perto a
“repressão” podemos distinguir esse
processo em três fases ou momentos:
12. A fase inicial é marcada pela fixação que se
apresenta como precursora e condição para
a emergência de toda “repressão”. Fixação é
um processo no qual determinado instinto ou
componente instintual deixa de acompanhar
os demais ao longo do caminho normal
previsto de desenvolvimento, em
consequência desta inibição em seu
desenvolvimento, é deixado para trás, num
estádio mais infantil.
13. A fase segunda se apresenta como a repressão
propriamente dita. Fase que provém dos sistemas
desenvolvidos do ego __ sistemas capazes de
serem conscientes, que pode ser descrita como um
processo de “pós-pressão”. Podem sofrer repressão
os derivados psíquicos dos instintos retardados
originais, quando estes se reforçam e entram em
conflito com o ego, querem tendências psíquicas
que, por outras razões, despertaram uma forte
aversão. Esta aversão, por se própria, não conduz a
repressão, a menos que haja alguma vinculação
estabelecida entre as tendências indesejáveis que
têm de ser reprimidas e aquelas que já foram.
14. A terceira fase consiste no fracasso da
repressão, da irrupção, do retorno do
reprimido. Esta irrupção toma seu impulso
do ponto de fixação, implica uma regressão
do desenvolvimento libidinal a esse ponto. A
luz do conceito da repressão Freud
posteriormente propõe a investigação e a
análise do caso Schreber, no que tange o
mecanismo de repressão propriamente dita
predominante na paranóia.
15. Schreber ‘Não posso evitar reconhecer
que, considerado externamente. Tudo
está como costumava ser. Se, todavia,
não pode ter havido uma profunda
mudança interna é uma questão a que
retomarei mais tarde’ (84-5). O fim do
mundo é a projeção dessa catástrofe
interna; seu mundo subjetivo chegou
ao fim, desde seu retraimento de seu
amor por ele.
16. O paranóico reconstrói esse mundo
quebrado e destruído, segundo Freud
não mais esplendido, ou talvez até
mais. Ou seja, o constrói de maneira a
poder viver nele novamente. Constrói-
o com o trabalho de seus delírios. A
formação delirante, que presumimos
ser o produto de uma patologia, é na
verdade, a tentativa de
restabelecimento ou uma
reconstrução.
17. Tu o destruíste,
O belo mundo,
Com punho poderoso!
Em ruínas foi derrubado,
Pelo golpe de um semideus despedaçado!
Mais poderoso
Para os filhos dos homens,
Mais esplêndido,
Constrói-o novamente,
Em seu próprio seio constrói-o de novo!
GOETHE, Fausto, Parte I, Cena 4.
18. Considerações finais:
O desligamento da libido não pode, em si próprio,
ser o fator patogênico na paranóia, tem de haver
alguma característica especial que distinga o
desligamento paranóico da libido dos outros tipos.
Esta característica seria na paranóia concluída da
seguinte maneira: a libido liberada vincula-se ao
ego e é utilizada para o engrandecimento deste.
Faz-se assim um retorno ao estádio do narcisismo
(que reconhecemos como estádio do
desenvolvimento da libido), no qual o único objeto
sexual de uma pessoa é seu próprio ego.
19. Logo, os paranóicos trouxeram
consigo uma fixação no estádio do
narcisismo, e podemos asseverar que
a extensão do retrocesso do
homossexualismo sublimado para o
narcisismo que constitui medida da
quantidade de regressão característica
da paranóia.
20. Objeção igualmente plausível pode-se basear na
história clínica de Schreber, pois se pode alegar que os
delírios de perseguição (que eram dirigidos contra
Flechsig) inquestionavelmente surgiram em data
anterior à da fantasia de fim do mundo. Mas o fato é
que o desligamento da libido em relação à figura de
Flechsig pode ter constituído o elementar no caso de
Schreber; foi imediatamente seguido pelo aparecimento
do delírio, que trouxe a libido de volta novamente para
Flechsig (embora com sinal negativo, para assinalar o
fato de que a repressão se efetuara) e anulou assim o
trabalho da repressão.
21. No caso de Schreber podemos avaliar
a quantidade de sublimações
transformadas em ruínas pela
catástrofe do desligamento geral da
libido, diante as engenhosas
construções erigidas pelo delírio de
Schreber no campo da religião – a
hierarquia de Deus, as almas
provadas, as antes-salas do Céu, o
Deus inferior e o superior.
22. No quadro clínico como de Schreber
pode ocorrer, e merecer o nome de
demência paranóide, a partir do fato de
que, na produção de uma fantasia de
desejo e de alucinações, ele apresenta
traços parafrênicos, enquanto que, na
causa ativadora, no emprego do
mecanismo da projeção, e no
desfecho, exibe um caráter paranóide.
23. Outro dado importante de Schreber que
devemos mencionar aqui, são os ‘raios de
Deus’ de Schreber, que se constituíam de
uma condensação de raios de Sol, fibras
nervosas e espermatozóides, nada mais
são, na realidade, que uma representação
concreta e uma projeção para o exterior de
catexias libidinais, e emprestam assim a
seus delírios uma conformidade marcante
com nossa teoria.
24. REFERÊNCIAS:
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud :
v.12: O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros
trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, [1996]. 463p.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 10. ed. Rio
de Janeiro: Record, 2001. 103p.
ZÉ, Tom. Ui! (Você inventa). In: CALLIGARIS, Bete. Um
Tom do Zé. Independente, 2001. Faixa 11. CD.
25. Integrantes do Grupo
Caroline de Cássia Guilherme
Tássia F. de Souza Oliveira
Thamara Rodrigues Arantes
Thamires Cristina da Silveira
Professora: Silvane Carozzi
Psicopatologia Geral II 6º Período.