Este trabalho apresenta um estudo de caso sobre a Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida (COOPERVITA) localizada em Tapejara, Rio Grande do Sul. A pesquisa aborda o conceito de Desenvolvimento Humano Sustentável e como ele é aplicado no contexto da cooperativa através do cooperativismo, analisando a construção da subjetividade dos cooperados e a promoção do desenvolvimento a partir das pessoas.
1. Universidade do Extremo Sul Catarinense
Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais
DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA –
COOPERVITA LTDA- TAPEJARA-RS.
Caroline Benvenuti
Criciúma, SC
2009
2. Caroline Benvenuti
DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA –
COOPERVITA LTDA-TAPEJARA-RS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Ambientais da Universidade
do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título
de Mestre em Ciências Ambientais.
Área de Concentração: Sociedade, Desenvolvimento
e Meio Ambiente.
Orientadora:
Prof. Dra. Teresinha Maria Gonçalves.
Criciúma, SC
2009
3. Caroline Benvenuti
DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA TERRA E VIDA –
COOPERVITA LTDA-TAPEJARA-RS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Ambientais da Universidade
do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título
de Mestre em Ciências Ambientais.
Área de Concentração: Sociedade, Desenvolvimento
e Meio Ambiente.
BANCA EXAMINADORA
Dra. Teresinha Maria Gonçalves (Orientadora)
Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento – UNESC
Dr. Geraldo Milioli
Doutor em Engenharia de Produção e Sistemas- UNESC
Dr. José Ivo Follmann
Doutor em Sociologia - Universite Catholique de Louvain.
5. Á Deus, por ter colocado pessoas tão especiais no
meu caminho durante essa trajetória e por não ter me
desamparado em momento algum.
6. AGRADECIMENTOS
Tantas foram as pessoas que contribuíram com este trabalho, seja com seus
conhecimentos, vivências ou até mesmo aquele apoio em um momento difícil.
Os meus sinceros agradecimentos à minha família que não mediu esforços e sonhou
junto comigo.
Aos meus amigos pelo incentivo, especialmente à Micheli e Milena por terem me
acolhido nesta cidade (Criciúma).
Ao Tiago, pelo companheirismo e carinho.
Não somente aos participantes da pesquisa, mas estendo minha gratidão a todos os
membros da COOPERVITA LTDA, pela colaboração, pelo calor humano e pelo grande
exemplo que vou levar para minha vida.
A todos os colegas e professores deste curso. Entendo agora o que é trabalhar de
forma multidisciplinar. Este trabalho tem, com certeza, um pouco de cada um de vocês: seus
comentários em sala de aula, suas experiências de vida, seus sonhos...as nossas esperanças.
Por fim, agradeço à minha professora orientadora Maria Teresinha Gonçalves. Por
ter me apresentado a Psicologia Ambiental, tema tão fascinante. Pela preocupação, pela
dedicação e apoio.
7. “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo
para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas
fracas deste mundo para confundir as fortes” (1 Co
1:27).
8. RESUMO
Vivemos em um tempo paradoxal, ou seja, o que acontece na nossa sociedade é levado por
uma contradição lógica.Essas contradições são decorrentes de um modelo de desenvolvimento
que tem como sinônimo apenas o crescimento econômico. Assim, diz-se que determinado
pais é desenvolvido quando o mesmo possui um elevado PIB (Produto Interno Bruto). Para
esse modelo, o que está em jogo é o capital, sem levar em consideração de onde ele
provém.As pessoas foram consideradas como máquinas, visando a mão-de-obra barata e não a
individualidade.Temos constantemente ouvido falar em qualidade de vida. E pergunto: como
vamos alcançá-la através de um modelo de desenvolvimento tão reducionista, que tem apenas
a riqueza material como foco? Sabemos que nossas necessidades vão muito além disso,
precisamos ter acesso a saúde, educação, resguardar nossa cultura, ter um meio ambiente
equilibrado, viver em comunidade sem medo da violência. Uma nova tendência acredita que
as pessoas devam ser o centro do desenvolvimento. Essa teoria desenvolvimentista é chamada
de Desenvolvimento Humano Sustentável. Em síntese, o novo modo de ver o
desenvolvimento afirma que ele deve ser: das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.
Embora se trate de um tema recente, acredita-se que essa noção possa ser utilizada na
formulação de políticas públicas, que buscam uma forma mais justa e eqüitativa de ver o
desenvolvimento. Tratamos essa nova visão aplicada ao cooperativismo, tendo como objeto
de pesquisa a experiência da Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida-
COOPERVITA LTDA, localizada em Tapejara, Rio Grande do Sul. A economia solidária
surgiu como uma forma de resistência das minorias, a um sistema de padronização e exclusão
social. Em meio a isso valores e princípios são empregados, como é o caso da solidariedade.
Através do cooperativismo, a competição dá espaço à cooperação, a construção da
subjetividade, ao respeito à diversidade humana e cultural. A abordagem de Amartya Sen, fala
sobre um desenvolvimento como liberdade, como reflexo da expansão das liberdades
substantivas. Enfocamos como resultante do processo do Desenvolvimento Humano
Sustentável um agente de mudanças, um sujeito autônomo, capaz de influenciar a sociedade,
fazer suas próprias escolhas, de acordo com aquilo que ele julga ser importante no seu modo
de vida. Um cidadão que visa não somente uma cidadania referente ao exercício de direitos e
deveres, mas uma cidadania planetária, que se preocupa a conseqüência das suas ações.
Palavras-chave: Desenvolvimento Humano Sustentável; Cooperativismo; Subjetividade.
9. ABSTRACT
We live in a time paradox, is the case in our society is led by a logical contradiction. These
contradictions are caused by a type of development that has as a synonym only economic
growth. Thus, it says that a parent is developed when it has a high PIB. For this model, which
is in game is the capital,without taking account of where come. As people were seen as
machines, to the labor-cheap and not individuality. We have constantly heard about the
quality of life. And I ask: how do we achieve it through a development model as reductionist,
it is only the material wealth as a focus? We know that our needs go much further, we have
access to health, education, protecting our culture, have a balanced environment, living in the
community without fear of violence. A trend that people believe to be the center of
development. This theory is called the developmental Sustainable Human Development. In
summary, the new way of seeing development states that it should be: the people, by people
for people. Although this is a recent issue, it is believed that this concept can be used in the
formulation of public policies that seek a more just and equitable to see the development. We
applied this new vision of cooperation, with the object of the search experience of the
Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida- COOPERVITA LTDA, located in
Tapejara, Rio Grande do Sul. The social economy has emerged as a strength of minorities, a
system of standardization and social exclusion. Among the values and principles that are
employed, such as solidarity. Through cooperation, the competition gives room for
cooperation, the construction of subjectivity, respect for human diversity and culture. The
approach of Amartya Sen, talks about a development as freedom, reflecting the expansion of
substantive freedoms. Focus as a result of the process of Sustainable Human Development an
agent of change, an autonomous subject, capable of influencing the society, make their own
choices according to what he thinks is important in its way of life. A citizen who seeks not
only referring to an exercise of citizenship rights and duties, but a global citizenship, which
concerns the consequences of their actions.
Keywords: Sustainable Human Development; Cooperatives; Subjectivity.
10. LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Imagem aérea da unidade de pesquisa – Cooperativa de Produção Agropecuária
Terra e Vida – COOPERVITA LTDA. .................................................................................... 19
Figura 2: Colheita de morangos por associados, no início das atividades da COOPERVITA
LTDA. ...................................................................................................................................... 22
Figura 3: Produção na Agroindústria, mão-de-obra predominantemente feminina. ................ 26
Figura 4: Bandeira do Brasil ..................................................................................................... 52
Figura 5: Diagrama Desenvolvimento Humano Sustentável....................................................66
Figura 6: Igreja católica da Comunidade de Vila Campos. ...................................................... 74
Figura 7: Onça capturada nos anos 70. ..................................................................................... 79
11. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
COOPERVITA LTDA – Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida Ltda
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
ONU – Organização das Nações Unidas
UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
UPF – Universidade de Passo Fundo
PIB – Produto Interno Bruto
ONGs – Organizações Não Governamentais
CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
RS – Rio Grande do Sul
SC – Santa Catarina
DDT – Diclorodifeniltricloretano
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
CPAs – Cooperativas de Produção Agropecuária
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
SIES – Sistema Nacional de Economia Solidária
OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras
ACI – Aliança Cooperativa Internacional
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
12. SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
1.1 Justificativa ....................................................................................................................... 14
1.2 Objetivos ............................................................................................................................ 16
2 O PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................................. 17
2.1 Metodologia do Trabalho................................................................................................. 17
2.2 Características da Pesquisa ............................................................................................. 17
2.3 Sobre a Unidade de Pesquisa ........................................................................................... 18
2.3.1 Contexto .......................................................................................................................... 19
2.3.2 Primórdios e Construção da Identidade Cooperativa ...................................................... 21
2.3.3 Áreas de atuação .............................................................................................................. 25
3 A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE....................................................................... 27
3.1 Identidade: o Individual e o Social.................................................................................. 30
3.2 Atores Sociais e Identidade de Papéis ............................................................................. 34
3.3 O Lugar e seu Conteúdo Simbólico ................................................................................ 37
4 SOCIEDADE, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: DA PERFEIÇÃO DA
CRIAÇÃO AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE ......................................... 41
4.1 Criou Deus os Céus e a Terra (Gênesis 1.1) ................................................................... 42
4.2 A Natureza que Chora com Dores de Parto ................................................................... 45
4.2.1 A Policrise Planetária ...................................................................................................... 50
4.3 Correndo atrás do Vento: Desenvolvimento, Sustentável para Quem? ...................... 54
5 O NOVO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO SUSTENTÁVEL . 60
5.1 Conceito, Abrangência e Finalidades ............................................................................. 60
5.2 As Fomes Coletivas ........................................................................................................... 66
5.3 Tirando a Casca da Semente: Algumas Premissas para o Desenvolvimento Humano
Sustentável............................................................................................................................... 69
6 AGRICULTURA E SUSTENTABILIDADE ................................................................... 76
6.1 A Agricultura Familiar: as Mãos no Arado. .................................................................. 76
6.2 A Crise no Campo ............................................................................................................ 79
6.2.1 As Revoluções Tecnológicas ........................................................................................... 82
6.3 (Re) Construção: O Ecológico na Agricultura ............................................................... 86
7 O COOPERATIVISMO: TECENDO NOVOS CAMINHOS ........................................ 90
13. 7.1 Breve Histórico da Economia Solidária ......................................................................... 91
7.1.1 No Brasil .......................................................................................................................... 93
7.2 A Identidade Cooperativa ................................................................................................ 95
7.2.1 Princípios ......................................................................................................................... 97
7.3 O Humano no Cooperativismo ...................................................................................... 100
7.3.1 A Solidariedade ............................................................................................................. 102
7.3.2 A Emancipação Social ................................................................................................... 103
7.3.3 A Educação Cooperativa ............................................................................................... 106
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 108
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116
APÊNDICE ........................................................................................................................... 123
ANEXOS ............................................................................................................................... 147
14. 12
1 INTRODUÇÃO
O sujeito se funda na coletividade, ou seja, só é possível constituir-se sujeito pelo
outro. O sujeito é individual no sentido de que é um ser singular, único, com sua história, sua
personalidade, seus desejos e sua visão de mundo. A Humanidade impressa no sujeito é dada
pela coletividade, pelo ato de relacionar-se com seus semelhantes. Está implícito no humano
valores que se agregam à vida no sentido de torná-la possível de forma pacífica, saudável e
criativa, portanto, sustentável.
O conceito de sustentabilidade está de certo ponto contaminado pelo conceito de
sustentabilidade econômica. Este trabalho apresentará o esforço para construí-lo de uma
forma mais abrangente que encontramos na literatura. O Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, por exemplo, aborda o conceito do Desenvolvimento Humano Sustentável
mencionando as dimensões da erradicação da pobreza, a promoção da equidade e inclusão
sociais, da igualdade de gênero e raça, da sustentabilidade ambiental, da participação política
dos direitos humanos.
Segundo Gonçalves (2009) esses são princípios morais e sociais ligados a teoria do
Estado de Direito e da cidadania. Válidos, deverão ser perseguidos sempre. Porém, ressalta a
autora que esses princípios de cidadania serão efetivados por uma coletividade formada de
seres humanos de subjetividade integrada, amorosos, criativos, solidários.
Habermas fala da razão e agir comunicativos em oposição a razão e agir
instrumentais. Da mesma forma, Moscovici fala de universos reificados e consensuais. Esses
autores nos dão instrumentos para pensar nos tipos diversos de sociedade, a razão e o agir
comunicativo de Habermas se opõe a razão e agir instrumentais da atual sociedade
contemporânea regidas pelos princípios do capitalismo. Da mesma forma, os universos
consensuais de Moscovici se opõem ao universo reificado do capitalismo. Assim sendo, a
cooperação torna-se mais exeqüível nesses tipos de pensar e agir. Uma cooperativa, seja para
qual finalidade for, só alcançará os objetivos coletivos quando formada por sujeitos singulares
cuja personalidade se desenvolveu em um coletivo saudável, ou seja, em uma sociedade justa
e igualitária. Ou então, na reflexão sobre essa possibilidade de sociedade.
Harvey (1998) fala dos tempos individuais na vida social. As práticas materiais de
que os nossos conceitos de espaço e de tempo são tão variadas e estão envolvidas em uma
gama de experiências coletivas. Nas práticas cotidianas os sujeitos são movidos por um
propósito de engajamento em projetos que absorvem tempo através do movimento no espaço.
15. 13
Dessa forma, Harvey nos faz pensar a dinâmica da cooperativa onde cada membro desenvolve
sua biografia nesse espaço-tempo onde ele constrói o coletivo e a si mesmo.
Quais são os universos da cooperativa? Que imaginário se constrói ali? Se a
cooperativa tenta uma nova forma de produção diferente daquelas ditadas pela lógica do
mercado poderemos levantar a hipótese de que essa cooperativa estaria imersa em um
universo consensual que, no dizer de Moscovici (2003) haveria possibilidade de diálogo, de
construção de regras, de agregação de valores humanos. E no dizer de Habermas seria o
universo regido pela razão comunicativa que, por meio do diálogo, buscaria o consenso para
manutenção da produção e da vida coletiva.
Na fala dos entrevistados aparecem referências a vivências do coletivo, como por
exemplo, a divisão de tarefas na manutenção da casa e nos trabalhos da lavoura, a renda era
familiar e não individual. O universo rural coloca necessariamente o sujeito na
interdependência com outros sujeitos, principalmente se for o universo rural dos pequenos
proprietários, da agricultura familiar.
Habermas (1987) atenta para a necessidade de construirmos uma linguagem
competente para que todos possam chegar ao desenvolvimento. Esses proferimentos
linguísticos seriam como atos de fala através dos quais chegaríamos ao entendimento sobre
algo no mundo.
Para Habermas (1987) quando eu falo, eu ajo. Nesse sentido, a teoria não estaria
despregada da realidade. Ao explicar o fato, estaríamos analisando criticamente um dado de
realidade estando implícito aí a perspectiva da mudança. Toda ação é precedida de uma
intenção. Nessa intenção está contido um conteúdo pragmático. Esse sentido performativo de
uma ação de fala só é captado por um ouvinte potencial que assume um enfoque de uma
segunda pessoa, abandonando a perspectiva do observador e adotando a do participante.
Habermas (1987) quer dizer que essa é a perspectiva do sujeito ouvinte, porque na
linguagem competente e comunicativa é tão importante ouvir quanto falar. Essa prática é
embasada por esses conceitos de razão e ação comunicativa de Habermas e podem se
constituir instrumentos numa dinâmica coletiva como no caso das cooperativas. A eficiência e
a eficácia de um sistema de produção cooperativo se dá por meio de sujeitos potencialmente
capazes de uma linguagem competente onde todos falam e decifram os mesmos códigos e só é
possível pela razão e ação comunicativa.
Esse trabalho pretende analisar a prática da Cooperativa de Produção Agropecuária
Terra e Vida- COOPERVITA LTDA na perspectiva teórica explicitada por esses e outros
16. 14
autores com o objetivo de contribuir para o enriquecimento do conceito de Desenvolvimento
Humano Sustentável no âmbito das Ciências Ambientais.
1.1 Justificativa
Tive, desde criança, muitas experiências e grande convívio com famílias de pequenos
agricultores no Rio Grande do Sul, região do Planalto Médio. Tamanha a minha admiração e
respeito por estes que trabalham com a terra e na sua simplicidade lutam por uma vida
melhor.
Sempre percebi suas dificuldades, o que comovia e me fazia refletir sobre a
desvalorização de tal trabalho e porque não dizer do ser humano, já que muitas eram as
impossibilidades e poucas as oportunidades de mudanças. Enquanto eu, morava na cidade e
acordava meia hora antes do horário da escola, um filho de agricultor que estudava na mesma
classe e morava no meio rural tinha que acordar ainda de madrugada, caminhar por um longo
percurso até chegar ao local onde pegava a condução, e às vezes passar a manhã toda molhado
nos dias de chuva.
Todos esses fatores me levaram à indagações sobre as liberdades substantivas, de
escolhas, sobre as heranças culturais e a atual situação problemática dessas pessoas que
dependiam do Estado e muitas vezes não tinham o apoio necessário. São pessoas que
“adotaram” uma maneira de viver, baseada num sistema capitalista, e que viviam visando
atingir um padrão, algo mostrado como ideal pela sociedade.
Ao analisarmos o padrão de desenvolvimento rural decorrente do modelo
produtivista, fica notório que o mesmo fez surgir uma série de conseqüências prejudiciais nos
âmbitos social, econômico, cultural e ambiental.
A fragmentação do saber tradicional e do meio ambiente, através do sistema
biotecnológico vigente, vincula os agricultores a uma extremada dependência. A falta de
perspectivas no campo, já evidente na época da Revolução Verde, faz com que os mesmos
percam seu referencial e deixem de atuar em suas propriedades. Essa migração do campo para
as cidades, traz conseqüências tanto pessoais quanto sociais. Sendo uma das mais graves o
desenraizamento das pessoas de sua cultura, de suas origens e de sua história. As
consequências sociais se expressam na degradação sócioambiental das cidades que não têm
17. 15
estrutura suficiente de se preparar para receber esses contingentes de desempregados e
abandonados do campo.
Segundo a EMATER (2006), a partir da introdução do modo de Plantio Direto, por
volta de 1990, os agricultores gaúchos se viram obrigados a fazer parte do sistema moderno
de maquinários. As famílias deixaram de plantar de forma tradicional e passaram a lidar com
graves problemas, determinados pelo endividamento resultante da aquisição de máquinas,
implementos, insumos e o surgimento de mão-de-obra ociosa pela substituição do trabalho
braçal pelas máquinas.
Ressaltando a inegável importância da agricultura e dos seus impactos
socioeconômicos e ambientais, cabe fazer uma reflexão acerca do desenvolvimento humano
no meio rural. Esse trabalho visa tratar do Desenvolvimento Humano Sustentável, que deve
ser analisado sob um olhar interdisciplinar, pois objetiva satisfazer as necessidades humanas,
econômicas, sociais, ambientais e culturais da geração atual sem comprometer os direitos das
que estão por vir.
Como escreve Morin (1995, p. 109):
A noção de desenvolvimento deve tornar-se multidimensional, ultrapassar ou
romper os esquemas não apenas econômicos, mas também civilizacionais e culturais
ocidentais que pretendem fixar seus sentidos e suas formas. Deve romper com a
concepção do progresso como certeza histórica, e deve compreender que nenhum
desenvolvimento é adquirido para sempre: como todas as coisas vivas e humanas,
ele sofre o ataque do princípio da degradação e precisa incessantemente ser
regenerado.
Segundo Santos (2002, p. 29), as alternativas ao sistema capitalista criam novos
espaços onde imperam três fatores essenciais: igualdade, os frutos do trabalho são distribuídos
de maneira eqüitativa pelos seus produtores e o processo de produção implica a participação
de todos na tomada de decisões, como nas cooperativas de trabalhadores; solidariedade, o que
uma pessoa recebe depende das suas necessidades e a contribuição depende da sua
capacidade; proteção ambiental, em nome da proteção do meio ambiente, a escala e o
processo de produção se ajustam a imperativos ecológicos, mesmo quando eles contrariam o
crescimento econômico.
Dessa forma, a relevância do trabalho diz respeito à discussão sobre a possibilidade
da melhoria da qualidade de vida no meio rural; maiores oportunidades e capacitação; uma
forma solidária de economia; liberdade; equilíbrio ambiental; e acima de tudo, possibilidade
de se manter no campo com a dignidade que por direito lhes deve ser atribuída.
18. 16
1.2 Objetivos
Esse trabalho tem como objetivos complementares:
Verificar se os princípios do conceito de Desenvolvimento Humano Sustentável
ocorrem no processo de organização e atuação da COOPERVITA LTDA.
Realizar uma reflexão sobre os limites e possibilidades para o Desenvolvimento
Humano Sustentável, dentro dos moldes da agricultura atual no Brasil;
Realizar um estudo de história de vida de determinados membros da COOPERVITTA
LTDA, enfatizando os aspectos pessoais, sociais, ambientais e econômicos.
19. 17
2 O PERCURSO METODOLÓGICO
2.1 Metodologia do Trabalho
Este capítulo vai ressaltar a metodologia que foi utilizada para a elaboração deste
trabalho. Foi uma busca para fazer a melhor reflexão possível sobre o marco teórico, a fala
dos entrevistados e a essência presente em cada visita ao objeto de estudo: a cooperativa.
Tamanha foi a dedicação visando o entrosamento com as pessoas, o lugar e cada detalhe que
trazia à tona a identidade ali presente.
Assim, tratamos aqui sobre os métodos de pesquisa escolhidos, a explanação sobre a
unidade de pesquisa, definição da amostra, métodos de entrada em campo e contato com os
entrevistados.
2.2 Características da Pesquisa
Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa. Para Bauer e Gaskell (2002, p. 91)
“não há experiência humana que não possa ser expressa na forma de narrativa (transhistórica,
transcultural...), [...] está simplesmente ali como a própria vida.”
O método adotado para esta pesquisa é o estudo de caso, que consiste no “[...] estudo
profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo
e detalhado do mesmo [...]” ( GIL, 1989, p. 78 apud GONÇALVES, 2006).
A coleta de dados se deu por meio de entrevistas-narrativas, que segundo
Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 90) “são histórias contadas por pessoas de determinados
grupos ou comunidades cujas palavras e sentidos são específicos à sua experiência e ao seu
modo de vida”. Ainda, acompanharam as entrevistas um diário de campo que narra algumas
análises da pesquisadora obtidas por observação sistemática do lugar, modo de vida e
entrosamento com os entrevistados. Por fim, foi feita uma pesquisa documental relativa ao
histórico da cooperativa, aspectos relativos a sua identidade e alguns aspectos da comunidade
na qual está localizada.
20. 18
A amostra da coleta de dados foi definida por 6 entrevistados, escolhidos de acordo
com as áreas especificas de trabalho na cooperativa, sendo assim selecionados:
Administrativo – 1 entrevistado
Produção vegetal – 1 entrevistado
Produção animal – 1 entrevistado
Industrialização – 2 entrevistados.
Os dados foram analisados pela técnica de conceitos chave que segundo Gonçalves
(2006, p. 39), “é uma técnica onde os conteúdos são analisados por meio de conceitos chaves
elencados do marco teórico da pesquisa ou dos discursos dos entrevistados”.
2.3 Sobre a Unidade de Pesquisa
A escolha da unidade de pesquisa foi feita não somente por questões de metodologia
de pesquisa, mas também por um envolvimento pessoal desta autora. Minha curiosidade sobre
a atuação da COOPERVITA LTDA teve início com uma relação de mera consumidora. Ao
obter produtos de origem ecológica, passei a me questionar sobre quem seriam as pessoas que
estavam “atrás” dessa produção e de que forma viviam. Então, fiz minha primeira visita à
cooperativa em questão.
No curso de Especialização em Direito Ambiental, da Universidade Federal de Santa
Catarina, abordei o tema Desenvolvimento Humano Sustentável na Agricultura Atual. No
entanto, não exigia-se uma pesquisa de campo, somente uma análise teórica. Por isso, ainda
tinha a vontade de voltar a estudar tal tema de forma mais profunda.
Ao ingressar no Mestrado em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC tive a oportunidade de rever esse assunto, agora incluindo a
contribuição da Psicologia Ambiental e de uma unidade de pesquisa. De imediato, remeti-me
ao trabalho da cooperativa que evidencia uma preocupação sócioambiental.
21. 19
2.3.1 Contexto
A pesquisa se iniciou com as primeiras visitas à cooperativa, mesmo que
despretenciosas com relação às questões metodológicas visavam uma aproximação com os
associados e a observação da sua rotina, cultura e características peculiares do trabalhar
coletivo. Foi meramente uma forma de obter a necessária aproximação, mas sem
comprometer a relação de imparcialidade da pesquisadora com seus entrevistados.
O inverno rigoroso do Rio Grande do Sul foi o cenário da maioria das entrevistas, as
baixas temperaturas só eram amenizadas com o calor humano daquelas pessoas . No ano de
2008, seguiram-se então a série de cinco entrevistas.
A COOPERVITA LTDA localiza-se no Município de Tapejara, Rio Grande do Sul.
Este, segundo dados de Dallagasperina e Oliveira (2006), apresenta uma população de
aproximadamente 15.123 habitantes, sendo 20% moradores do meio rural, com predomínio de
agricultores familiares. A etnia dominante é composta por descendentes de italianos, cerca de
60% e alemães, 20%. A agropecuária representa 22,61% da sua economia, sendo as principais
culturas: milho, soja, trigo, cevada e as criações de gado de leite, suínos, e aves.
Figura 1: Imagem aérea da unidade de pesquisa – Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida –
COOPERVITA LTDA.
Fonte: EMATER/RS-ASCAR (2004).
22. 20
A cooperativa é formada por 18 famílias, totalizando 29 sócios. Sua estrutura fica na
Comunidade de Vila Campos, distante 8 Km da sede do município. As famílias, como a
maioria do município, são de descendência italiana. São famílias consideradas tradicionais na
região e muito conhecidas, algumas iniciaram a desbravação do lugar para dar início à prática
agrícola, como é o caso da família Gaiardo vinda de Caxias do Sul.
Suas instalações compreendem 13 estabelecimentos rurais, em uma área de 171,5
hectares. Neste espaço foram construídas moradias, pomares, hortas, espaços para criação de
animais (frangos e suínos), setor administrativo, fábrica de ração, panificadora e
agroindústria. A estrutura das instalações e moradias recebem luz elétrica, ainda possuem
poço artesiano para o abastecimento de água e serviço telefônico. Chama atenção a
concentração de tantas atividades em uma área de pequenas dimensões, na qual oito famílias
possuem o título de proprietários e quatro são arrendatários. De grande importância ressaltar
que todas essas edificações estão em uma área cedida em comodato por um dos associados.
O trabalho é desenvolvido tanto por mulheres quanto por homens. A maioria dos
homens trabalham no cultivo dos pomares, hortas e criação de animais; enquanto as mulheres
se dedicam à panificação e agroindústria. Mas, esta divisão varia de acordo com a
necessidade, algumas épocas exigem maior empenho em certas áreas.
As famílias estão envolvidas em vários núcleos da comunidade que pertencem.
Todas são da religião católica, e participam ativamente nas atividades da igreja local. Soma-se
a isso o envolvimento com a educação das crianças, já que possuem uma escola de ensino
fundamental com nucleação, fazendo parte desta alunos das comunidades próximas. Todas as
crianças em idade escolar estão matriculadas e possuem boa freqüência, contando também
com um ônibus municipal para transportá-las.
Os jovens freqüentam o ensino médio na rede estadual, na sede do município. Para
isso, também recebem a assistência do transporte público. Alguns cursam ensino superior, em
universidades da região. Sendo que dois deles já concluíram a faculdade de Engenharia de
Alimentos e Engenharia Agrícola, e ambos atuam na própria cooperativa.
O entrosamento com a comunidade é muito bom, tendo seus líderes voz ativa nas
decisões e grande influência na realização de melhoramentos no local, como é o caso do
asfaltamento feito na entrada da Vila. Ainda, anualmente ocorre um evento tradicional na sede
da Comunidade de Vila Campos, entre os meses de agosto e setembro, com o objetivo de
divulgar o consumo da carne suína. Tal evento consiste em um jantar organizado pela
COOPERVITA LTDA, que reúne autoridades do município, representantes de outras
23. 21
cooperativas e demais pessoas da região. Este, já entrou no calendário de eventos do mês de
comemoração do aniversário do município.
2.3.2 Primórdios e Construção da Identidade Cooperativa
A COOPERVITA LTDA foi criada a partir da iniciativa de seus sócios- fundadores
para um trabalho diferente na região. Inspiraram-se na organização dos assentamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, que já atuavam na área do
associativismo.
A agricultura familiar no Rio Grande do Sul, por volta de 1990, passou por uma
grande crise. Foi uma época marcada pela implantação do Plantio Direto, substituindo o
sistema de plantio utilizado até então, que consistia na grande mobilização do solo e uso de
produtos químicos. Os agricultores tiveram que se adaptar comprando novo maquinário,
fizeram dívidas e conviveram com a falta de trabalho decorrente da substituição da mão-de-
obra pelas máquinas.
Foi assim que o grupo começou a se mobilizar, em busca de sobreviver no campo as
primeiras experiências foram realizadas através de uma produção coletiva: de alho, alfafa e
outras culturas que tinham um custo baixo de produção. Em meio a muitas frustrações, a
organização de trabalho permaneceu e em 1991 foi formada uma associação de agricultores,
denominada de “Associação dos Agricultores do Condomínio Rural São Domingos”.
Foi justamente nesse contexto que o grupo de agricultores, que hoje formam a
COOPERVITA LTDA, perceberam que era necessário se unir para resistir no campo e buscar
novas alternativas que aliassem a preservação de suas origens com a subsistência familiar.
Em 1998, foi fundada a atual Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vida-
COOPERVITA LTDA. Desde sua fundação muitas tentativas foram feitas, no sentido de
trabalhar a terra que possuíam utilizando a mão-de-obra dos membros das próprias famílias
associadas. De início, muitas fracassaram por falta de experiência, atingia-se bons índices de
produtividade e poucas oportunidades no mercado.
A associação começou então a investir, além dos produtos básicos para a subsistência
das famílias, em pomares e na suinocultura. Apesar da crise econômica e das dificuldades,
começaram a obter êxito nessas atividades. Ainda, como forma de agregar valor aos seus
24. 22
produtos, optaram pela industrialização de doces e conservas e pela produção baseada na
agroecologia.
A COOPERVITA LTDA é uma cooperativa de produção agropecuária, caracterizada
por voltar-se à industrialização do produto lavoureiro ou pecuário. Lauschner (1995, p.36)
conceitua a agroindústria como uma “unidade produtiva que transforma o produto
agropecuário natural ou manufaturado para utilização intermediária ou final”.
Figura 2: Colheita de morangos por associados, no início das atividades da COOPERVITA LTDA.
Fonte: EMATER/RS-ASCAR (2004).
Através do Estatuto Social é oficialmente constituída. Para efeito de admissão de
associados, abrange os municípios de Ibiaçá, Santa Cecília do Sul, Charrua, Sananduva, Vila
Lângaro, Água Santa, Passo Fundo e Coxilha.
A Assembléia Geral é o órgão máximo da sociedade cooperativa, podendo deliberar
todas as questões relativas a mesma, sendo que suas decisões serão consideradas aprovadas
sempre que obtiverem no mínimo 2/3 dos votos dos associados presentes.
Ainda, é formada por um setor administrativo que compreende: Conselho de
Administração, composto por três diretores associados, para um mandato de dois anos,
podendo ser reeleito para o mesmo cargo somente por mais um mandato consecutivo. É
formado por um Presidente, um Tesoureiro e um Secretário, eleitos em Assembléia Geral. A
25. 23
fiscalização dos seus atos é feita através de um Conselho Fiscal, composto por três membros
efetivos e três suplentes, eleitos anualmente em Assembléia Geral.
Tem como objetivo, segundo o seu Estatuto, promover o desenvolvimento
econômico, social e cultural de forma integrada das famílias associadas, elevando o nível de
renda, a qualidade de vida e garantindo a permanência dos mesmos no meio rural. Em linhas
mais especificas, seus objetivos são:
Desenvolver atividades produtivas visando o crescimento econômico, o desenvolvimento
sócio cultural e a utilização racional da mão-de-obra disponível;
Desenvolver um planejamento estratégico de desenvolvimento que leve em conta a
autosustentabilidade das propriedades, o incentivo, a criação de práticas alternativas de
produção orgânica e diversificada, a racionalização de maquinários e equipamentos
agrícolas, a agroindustrialização e a inserção dos produtos no mercado, bem como o bem
estar social de todas as famílias;
Realizar operações de comercialização em mercados locais, regionais e outras iniciativas
que permitem, individualmente ou em forma de parceria, a eliminação de atravessadores
no processo comercial;
Estimular e desenvolver a agroindustrialização da matéria prima disponível nas
propriedades, visando agregar valor aos produtos e viabilizar o desenvolvimento de
alternativas de produção primária com diversificação, escalonamento da renda e da
ocupação da força de trabalho;
Realizar atividades culturais, recreativas e educacionais que motivem ao trabalho coletivo;
Promover cursos, treinamentos, seminários e outros eventos, que permitam elevar os
conhecimentos técnicos;
Estimular e aprimorar as formas de cooperação entre as famílias, desenvolvendo uma
pratica de vivência coletiva de grupo e de fortalecimento de valores humanos da
solidariedade, partilha e fraternidade.
Ainda, segundo o seu Estatuto Social, é alicerçada nos princípios do cooperativismo,
ressaltando outras características como:
Organização de atividades produtivas onde os meios de produção são coletivos;
Assistência técnica e programas alternativos de desenvolvimento das propriedades
individuais;
Organização cooperativa de trabalho;
Desenvolvimento de atividades educacionais e sociais a todos os associados;
26. 24
Qualificação profissional para o trabalho dos associados e membros;
Seleção rigorosa para a admissão de novos associados.
A filiação à cooperativa pode ser efetuada, segundo o seu estatuto, por pessoas
físicas ou jurídicas que residam na área de atuação da mesma e comprovem a possibilidade de
contribuir com seus objetivos, sendo que a aprovação é realizada pela Assembléia Geral. Em
muitos casos a família é associada, não os agricultores individualmente, mas o casal e seus
filhos. A efetivação das filiações só ocorrerá aos a aprovação na Assembléia Geral e a
subscrição do montante das quotas partes desejadas, respeitando o montante mínimo definido
no Estatuto.
No início, o seu capital era traduzido pelo trabalho de cada membro, ou seja, cada
agricultor deveria contribuir com 150 horas, que posteriormente foi contabilizada no valor de
R$ 150, 00. Isso se justifica porque na época da sua formação a mão-de-obra era o maior bem
que possuíam, a forma que encontraram para gerar rendas nas terras. Atualmente, segundo a
regulamentação, a cota parte social é representada pelo valor mínimo de R$ 2.680,00. Em
termos de horas trabalhadas, o sócio contribui com 10 horas mensais ou o seu equivalente
caso não possa trabalhar.
Nota-se que mesmo que alguns sócios desempenham outras atividades, fazem
questão de manter esse vínculo de trabalho com a cooperativa, participando ainda que por um
tempo reduzido. Os mesmos fazem questão de se manter informados sobre o desenvolvimento
das atividades e o cotidiano da cooperativa.
Além da atuação dos sócios, a Cooperativa ainda emprega trabalhadores
permanentes, integrando sua mão-de-obra à disposição da Cooperativa; trabalhadores
temporários, que supre essa demanda eventualmente; e os contratados, que apenas prestam
alguns serviços.
O trabalho realizado é recompensado através das sobras e dos lucros. Segundo
Dallagasperina e Oliveira (2006), isso é dividido em três formas:
Remuneração do trabalho: calculada por hora, levando em consideração a projeção da
renda necessária para a manutenção da família e a renda prevista da produção coletiva;
Fundos de reservas legais;
Distribuição complementar, perante a Assembléia Geral Ordinária.
Ao tratar da remuneração do trabalho são respeitados os direitos como a hora extra
calculada em cinqüenta por cento do valor básico. Quando se refere ao trabalho temporário, o
valor da hora é determinado pela Assembléia. E, quando o trabalho for permanente, existe um
27. 25
acréscimo de quinze por cento ao valor básico da hora de trabalho. Quando existe a
necessidade de contratar mais pessoas, o valo básico da hora vai ser estipulado conforme a
especialidade de trabalho.
A cooperativa se preocupa muito com a questão da formação e capacitação. Para
isso, conta com Embrapa, EMATER/RS, Iterra, Universidade de Passo Fundo (UPF) e corpo
técnico da Perdigão. Assim, são realizados, cursos e treinamentos visando a formação de
líderes. Assim como recebe incentivos, também está sempre à disposição para receber alunos,
técnicos e professores na sua sede. É um momento de troca de experiências, no qual é relatado
desde o início das atividades, visitas às instalações e degustação dos produtos.
2.3.3 Áreas de atuação
O trabalho é dividido em duas unidades básicas: a da produção e da
agroindustrialização. A primeira consiste na produção vegetal e animal, com criação de suínos
e frangos. A produção vegetal é o principal abastecimento da agroindústria, seus pomares e
hortas fornecem a matéria prima para a fabricação das conservas, colocadas no mercado com
a marca Doce Sabor.
Além das atividades voltadas para o interesse da Cooperativa, outras são mais
referentes à subsistência dos próprios associados e suas famílias, que cultivam seus próprios
pomares, hortas e criam animais para abate.
As equipes de trabalho se dividem em: Produção Vegetal, Produção Animal e
Agroindustrialização. Deve ser ressaltado que, apesar dessa organização devido a grande
necessidade de mão-de-obra, muitos acabam atuando em vários setores diferentes. Isso fica
dependendo da época das colheitas e plantios.
A agroindustrialização é considerada como o avanço mais importante na história da
cooperativa pelos seus membros. Teve por objetivo o aproveitamento da matéria-prima
existente, geração de mão-de-obra permanente, autosustentabilidade, melhoria do nível de
vida a todas as famílias. A diversificação da renda e a permanência das famílias no campo
sempre são fatores mencionados como prioridade.
28. 26
Figura 3: Produção na Agroindústria, mão-de-obra predominantemente feminina.
Fonte: EMATER/RS-ASCAR (2004).
Atualmente, a COOPERVITA LTDA produz quinze produtos na linha da
agroindústria, frutas e olerícolas, resultando em vinte e quatro doces em conservas. Ainda,
essa industrialização é feita com produtos de origem agroecológica, se afastando do método
tradicional no que diz respeito ao controle químico. O objetivo é buscar mercados
alternativos, o chamado nicho verde, de pessoas que visam uma qualidade nos alimentos que
consomem. Ainda, os mesmo se preocupam com a qualidade dos alimentos consumidos pelas
pessoas, respeitando a natureza e pensando na qualidade de vida.
Uma das características da sua atuação é a auto-suficiência na produção de matéria
prima. Segundo Dallagasperina e Oliveira (2006), a cooperativa produz cerca de 70% da
matéria-prima que utiliza, como é o caso da fábrica de ração instalada em sua sede e dos
diversos pomares que fornecem as frutas e vegetais para a agroindústria.
A venda dos produtos é feita na própria sede, através de vendedores em toda a região
e em órgãos públicos, como é o caso dos pães que são vendidos à Prefeitura Municipal para
abastecer as creches e escolas.
29. 27
3 A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE
Rey (2003) define subjetividade como um processo complexo de construção
simbólica de sentidos, sobre si e o mundo, simultaneamente um fenômeno da pessoa ou
sujeito singular e de seu lugar sócio-histórico.
O sujeito não é um ser social e individual, pois o social está no individual e o
individual no social. Assim, existe um ponto de conexão entre o individual e o
social, chamado de epistemologia convergente, é somente nele que se pode falar de
individualidade do grupo e sociabilidade do sujeito. (GONÇALVES, 2007, p. 33).
É “[...] resultante do entrecruzamento de produções coletivas, sociais, culturais,
econômicas, tecnológicas, de mídia; que irão produzir efeitos no marco singular da
individualidade e construir formas de ser sujeito no mundo” (VERONESE, 2007, p. 4).
No se puede desarrollar um limite claro entre nuestra propia persona y las de los
otros: nuestra propia persona existe y participa como tal em nuestra experiência,
pero tanbién solo e la medida em que lãs personas de los otros existen y participan
como tales en nuestra experiencia (GARAY, 2001, p. 3).
Atualmente vivemos numa sociedade paradoxal. Vemos tantos avanços científicos, a
revolução na biotecnologia e da informática, ao passo que muitas pessoas ainda morrem por
falta de alimentos, o trabalho escravo e infantil existem em muitas partes do mundo, altos
índices de violência, e tantas mazelas sociais. Como menciona Damergian (2001, p. 113)
“preocupamo-nos com a violência que mata, mutila, rouba. E não com a violência psíquica,
social, afetiva que nos rodeia, e anula o presente, roubando qualquer esperança de futuro de
milhões de criaturas”.
Quanto mais a sociedade foi exposta a um sistema mecanicista, se afastando da
valorização da vida e de um sistema de auto-organização, as pessoas tiveram seus valores e
práticas padronizados. Capra (2002, p. 136) afirma que “[...] quanto mais compreendemos a
natureza da vida e tomamos consciência de o quanto uma organização pode ser realmente
viva, tanto maior é a nossa dor ao perceber a natureza mortífera do nosso atual sistema
econômico”.
Esses caminhos passam pela construção (ou desconstrução) da subjetividade, pelas
necessidades inerentes ao processo e pelas dificuldades para se manter a identidade
do eu em um cenário em que as interações são marcadas por contrastes violentos,
em que se promove o desenraizamento cultural de migrantes e segmentos
30. 28
expressivos da cultura popular e em que busca eliminar a heterogeneidade e impor
heteronomia na vontade (DAMERGIAN, 2001, p. 88).
Como questiona Gonçalves (2007), em que condições a subjetividade se constrói e
quais são os fatores necessários para o desenvolvimento das capacidades humanas? A autora
supracitada afirma que é preciso conhecer o psíquico e o social que atuam na interação entre
indivíduo e sociedade, tendo em vista que o ponto de partida para a construção da
subjetividade é a primeira experiência de interação do ser humano (GONÇALVES, 2007).
Esse primeiro contato do ser humano, essa interação, é feita entre o bebê e sua mãe.
A personalidade do ser humano vai sendo moldada na medida em que ele interage com os
estímulos trocados com o meio.
Sendo a mãe o ponto fixo, ela é valência positiva que ajuda o bebê, nos primeiros
anos de vida a construir seu mundo interno e sua personalidade. A mãe
suficientemente boa, a mãe capaz de ser continente para as angústias do bebê, capaz,
também, diríamos, de oferecer um ponto fixo, um porto seguro que acolha e
estimule o crescimento emocional (GONÇALVES, 2007, p. 35).
Vemos a descrição de Pedro1 (2008), ao retratar a formação da família e o papel
desempenhado por sua mãe: “E, então a gente era muito apegado à mãe, porque a mãe ficava
lá com nós. Só que também ela também surrava, xingava, ela também cobrava de nós porque
a gente fazia as coisas, ajudava ela, né, no que pudesse fazer”. Menciona o fato do pai ter que
se ausentar por causa do trabalho, e a mãe protetora cuidava dos filhos, mas também lhes
impunha os limites necessários para o seu crescimento.
Ester2 (2008) também fala sobre a presença da mãe, como aquela que dá segurança.
“Lembro que cada peça de roupa que eu riscava para cortar, daí eu pedia pra mãe: Mãe, posso
cortar?”. Se emociona ao relembrar o tempo de menina, no qual a mãe lhe passava a
“firmeza” para fazer as coisas e contribuir com a família.
Na descrição de Silas3 (2008) reaparece a figura da mãe que ampara, que supre a
falta de um pai que tem que sair de casa em busca de sustento para a família. “Eu fui criado só
quase pela minha mãe, né”, relata o mesmo. Desde criança, a mãe lhe atribuía
responsabilidades, tinha que aprender “um pouco de tudo” para ajudá-la, desde as tarefas
domésticas até as práticas agrícolas.
1
Pedro – membro da COOPERVITA LTDA e participante da pesquisa. Atua na área administrativa da mesma.
2
Ester – membro da COOPERVITA LTDA e participante da pesquisa. É líder da agroindústria.
3
Silas – membro da COOPERVITA e participante da pesquisa. Trabalha na agroindústria.
31. 29
Nesses casos, a mãe é o ponto fixo. Essa primeira interação é, portanto, fonte de
toda subjetividade. A estruturação da personalidade é orientada por modelos, como é o caso
da mãe para o bebê. Esta é a chamada valência positiva.
Ao continuar relatando sobre sua vida, Ester (2008) demonstra ressentimento quando
menciona que na mesma época na qual ajudava a mãe com as costuras teve um sonho
frustrado, o de continuar os estudos. Ressalta que tinha a admiração e incentivo do pai por ser
uma ótima aluna, ambos sonhavam com uma futura profissão pra ela. No entanto, por falta de
transporte para levar os alunos até a escola na sede do Município, teve que interromper tal
projeto de vida. Hoje, momento no qual teria as condições, se encontra impossibilitada por
falta de tempo. Mas afirma que ainda pensa em retornar, quando se aposentar.
Retratamos aqui um sonho abortado através um direito negado, o da educação, por
falta de atendimento a uma necessidade pública. Apesar do incentivo da família, a falta de
condições a impediu de concretizar esse projeto. Damergian (2001) diz que a sociedade
também pode ser uma boa mãe ou uma madrasta, no sentido de que oferece modelos
identificatórios (família, escola, instituições de saúde, cultura e mídia, etc).
A sociedade pode ser, então
[...] uma grande mãe, capaz ou incapaz de maternagem, boa ou má, que acolhe e
favorece o desenvolvimento de seus filhos membros ou os desampara. Assim o
inconsciente social também influi na estrutura da personalidade. Acreditamos que a
mãe sociedade também deve funcionar como um ponto fixo para o desenvolvimento
de seus filhos membros ou os desamparar (DAMERGIAN, 2001, p. 96).
Por isso, para entendermos a personalidade do sujeito também é necessário
compreender a sua vida social, o modo como se relaciona com o meio, suas frustrações, seus
laços de amor, sua cultura e de que forma supera suas dificuldades.
Gonçalves (2007, p. 36) considera que “as instituições influenciam os conteúdos
vivenciais do sujeito num processo de mão dupla: projetamos o psíquico no social e
internalizamos o social”.
Damergian (2001, p. 95) explica que para que haja “[...] a interação bem sucedida, é
preciso que a sociedade também ofereça condições favoráveis, uma vez que a díade mãe-bebê
está inserida em um contexto social que afeta sua relação”.
A função da sociedade seria de dar o apoio e o desenvolvimento necessário para que
o sujeito desenvolva suas capacidades, seja um ser consciente dos seus direitos e deveres,
amoroso, solidário com os demais, enfim, um sujeito capaz e autônomo. Hoje, a sociedade
32. 30
que valoriza o “ter” e não o “ser” faz com que a construção da subjetividade se torne um
grande desafio.
Quanto mais automatizadas estão as coisas e os serviços, mais nos afastamos uns dos
outros, e da essência de interação social que nos conecta ao mundo real. Estamos vivendo
uma era de virtualidade, na qual ao mesmo tempo são criadas falsas necessidades para manter
um sistema de mercado e são negligenciadas as necessidades básicas de muitos.
O desejo, o plano simbólico, o projeto de vida, os sonhos ficam fora da esfera de
alcance de grande parte da população. Como sonhar, se o excluídos, os
desamparados, os destituídos tem de lutar contra a dura realidade do cotidiano, do
aqui-agora para sobreviver a cada dia? Desejo é expressão de subjetividade, do que
se é, do que se tem (como realização), do que se quer ser, do que se quer ter? Porque
só alguns podem ter? (DAMERGIAN, 2001, p. 99)
Nas palavras de Gonçalves (2007), a sociedade moderna deixa fraturas na
subjetividade, deixando lacunas nas vontades, desejos e humanidade. A “[...] nossa civilização
continua reduzindo a subjetividade ao cognitivo, à racionalidade, à técnica, ao culto das leis
de mercado e desprezando o mundo dos sentimentos” (DAMERGIAN, 2001, p. 104).
3.1 Identidade: o Individual e o Social
Follman trabalha a identidade na perspectiva de que o “ser humano é um ser de
projeto”. Considera que a identidade do ser humano não faz parte de uma construção estática,
mas que está relacionada com a construção de um projeto vinculado à complexidade das
relações sociais que o envolvem (FOLLMANN, 2001).
[...] é o processo resultante de uma construção social, de uma construção pessoal e
de uma construção na interação do nível pessoal com o social, sendo assim, ao
mesmo tempo, algo proposto socialmente e reivindicado pessoalmente... Ela é, na
nossa concepção, uma construção realizada tanto para outrem como para si mesmo,
tendo por resultado sempre uma “costura”, de uma parte, entre o que é “herdado” e o
que é “almejado” e, de outra parte, entre o que é “atribuído” e o que é “assumido”.
Trata-se de uma costura feita com as agulhas do tempo e espaço. (FOLLMANN,
2001, p. 59)
Assim, ele vincula a identidade à existência de um cenário político no qual todas as
vozes possam ser escutadas, afirmando que a identidade do sujeito se manifesta a partir dos
seus valores, o concebendo como “dono de uma voz”. “Para nós a identidade não existe a não
33. 31
ser na forma de manifestação da capacidade autônoma dos indivíduos e grupos na construção
da sua história” (FOLLMANN, 2001, p. 49).
O autor destaca sua posição contrária à heteronomia, para ele deve se buscar uma
autonomia como forma de manifestar a capacidade dos indivíduos e grupos na construção da
sua própria história. Tal manisfestações relacionam-se com os processos de identidade
explícitos pelos sujeitos em diferentes contextos, nos ambientes onde vivem (grupos,
movimentos, entidades...).
Uñiguez (2001), considera que a identidade é acima de tudo um dilema. Acrescenta
que é uma construção relativa ao processo sócio histórico, considerando o contexto social e
nossas trocas com os demais. Assim, é
Un dilema entre la singularidad de uno/a mismo/a y la similitud com nuestros
congêneres, entre la especificidad de la propia persona y la semejanza com los/as
otros, entre lãs peculiaridades de nuestra forma de ser o sentir y la homogeneidad
Del comportamiento, entre lo uno y lo múltiple. (UÑIGUEZ, 2001, p. 209)
Ainda, aliadas à idéia de identidade estão as noções de “tempo” e “espaço”. Segundo
Harvey (1998, p.195), os indivíduos são movidos por seus projetos que requerem tempo e
movimento no espaço. Dessa forma, “as biografias individuais podem ser tomadas como
“trilhas da vida no tempo e espaço”, começando com rotinas cotidianas de movimento (da
casa para a fábrica, as lojas, a escola, e de volta para casa) e estendendo-se a movimentos
migratórios que alcançam a duração de uma vida [...]”.
Bachelard (1964), por sua vez, dirige a nossa atenção para o espaço da imaginação-
“o espaço poético”. Um espaço que foi “apropriado pela imaginação não pode
permanecer como um espaço indiferente, sujeito às medidas e estimativas do
pesquisador”, assim como não pode ser representado de modo exclusivo como o
“espaço afetivo” dos psicólogos. “Pensamos que nos conhecemos no tempo, escreve
ele, “quando tudo o que conhecemos é uma sequência de fixações nos espaços das
estabilidades do ser”. As lembranças são imóveis e quanto mais seguramente fixadas
no espaço, tanto mais sólidas são”. Os ecos de Heidegger são fortes aqui. “O espaço
contem tempo comprimido. É para isso que serve o espaço. E o espaço fundamental
para a memória é a casa- “uma das maiores forças de integração dos pensamentos,
lembranças e sonhos da humanidade”. Porque é dentro desse espaço que
aprendemos a sonhar e imaginar (HARVEY, 1998, p. 200).
É errôneo considerar a identidade apenas como um processo histórico,é também a
maneira com que lidamos com os eventos atuais e planejamos o tempo vindouro. “É na
maneira com que um indivíduo ou um grupo (uma coletividade) estabelece a relação entre seu
futuro e seu passado ou, ainda, entre seus projetos e sua trajetória, que temos, de forma
particular, as indicações principais para desvendar qual é a sua identidade” (FOLLMANN,
34. 32
2001, p. 50). Assim, a identidade inclui o passado e o presente, o vivido e o que está por vir, o
que já foi conquistado e o almejado.
Nas práticas espaciais e temporais de toda a sociedade são abundantes as sutilezas e
as complexidades. Como elas estão estreitamente implicadas em processos de
reprodução e transformação das relações sociais, é preciso encontrar alguma maneira
de descrevê-las e de fazer uma generalização sobre seu uso. A história de mudança
social é em parte apreendida pela história das concepções de espaço e de tempo, bem
como dos usos ideológicos que podem ser dadas a essas concepções. Além disso,
todo projeto de transformação da sociedade deve aprendeer a complexa estrutura da
transformação das concepções e práticas espaciais e temporais (HARVEY, 1998, p.
201).
Follman afirma que existe uma alienação decorrente da falta de oportunidades para
que as pessoas realizem seus projetos pessoais, passando a viver de acordo com projetos que
não foram construídos por si, sonhados por outros e/ou impostos pelo sistema dominante.
“Eu quero nem que seja sair para a estrada, mas eu não vou mais ficar dentro de
casa”, fala Ester (2008). Hoje, muito atuante e com uma capacidade de liderança
surpreendente, é responsável pela coordenação da agroindústria da COOPERVITA LTDA.
Conta sobre sua superação após uma crise, naquele momento decidiu mudar e não costurar
mais. A função que lhe foi atribuída desde criança, para ajudar na renda da família, já não a
satisfazia mais. A estrada representava a liberdade, sentia-se sufocada, necessitava de novos
horizontes.
Follmann (2001) reporta-se a Tourine (1993), especificamente falando sobre a
questão da identidade e dos movimentos sociais. Para o mencionado autor, esses movimentos
são a expressão de uma busca da identidade e de resguardar suas tradições e experiências
coletivas. “A consciência popular pode ser dominada pela alienação; ela o é quando não se
forma um movimento social”, considera o mesmo (FOLLMANN, 2001, p. 47). Seriam assim
pontos centrais dos movimentos sociais a identidade e a alienação, no sentido de que a
primeira se opõe a segunda.
O objetivo seria vencer a crise de identidade, possibilitando que todos possam ser
escutados. Follmann (2001, p. 48) diz que “os atores sociais populares são marcados por uma
fraqueza estrutural bastante acentuada, mas, em certos casos, essa fraqueza se encontra
misturada a uma grande força”.
A força que o autor faz referência diz respeito aos vários envolvimentos que uma
pessoa pode ter na sociedade, como é o caso do cenário político, religioso e do próprio
engajamento em movimentos populares, que dão maior possibilidade de que a mesma seja
escutada.
35. 33
Dentre os entrevistados, vemos que todos foram pessoas dispostas a participar da
sociedade, da própria comunidade, das atividades da paróquia, dos grupos de jovens,
movimentos estudantis e sociais. Isso resultou em uma capacidade de liderança, articulação, e
de não acomodação frente às dificuldades. Como afirma Emanuel 4 (2008), “quando a
comunidade tava em crise né, com algumas coisa, algum conflito, me colocavam pra... eu era
considerado como um conciliador, um cara né, que tinha jogo de cintura pra... pra dar a volta
por cima, né”. Aos setenta e dois anos e uma grande bagagem, acha até graça ao relembrar
todos os cargos que ocupou na comunidade: “quando eu não era tesoureiro, era secretário, era
presidente,e era não sei o que, né!” Se orgulha pelas participações em congressos nacionais,
época em que era dirigente do Sindicato de Trabalhadores Rurais.
Seu filho, Pedro, conseguiu realizar seus estudos graças a rede de relacionamentos do
pai. A oportunidade de fazer um curso de nível médio, técnico em cooperativismo, surgiu no
ano de 1993. Foi então estudar na FUNEP, em Braga/RS. Esta porta se abriu na mesma época
em que começavam os trabalhos na COOPERVITA LTDA, ele afirma que foi um passo
muito importante: “... era aquilo que a gente sonhava!”. Sentindo-se mais capacitado, deu
todo o apoio técnico para a formação da cooperativa e até hoje é responsável por toda a parte
administrativa.
Dessa forma, essa identidade resulta “[...] da articulação de uma singularidade no seu
entorno de pluralidade, ou seja, uma pessoa ou um sujeito tendo vários engajamentos
diferentes e tendo experimentado situações variadas” (FOLLMANN, 2001, p. 52). Muitas
vezes, nos projetos coletivos, se encontra espaço para dar vazão aos projetos individuais,
como é o caso da cooperativa pesquisada.
Follmann (2001) ainda fala sobre um núcleo de identidade, que sintetiza essa
pluralidade de referências e experiências que o sujeito teve ao longo da sua história. Assim, se
os projetos que construímos não levam em consideração o modo de executá-los, como vamos
colocar em prática aquilo que almejamos os mesmos correm o risco de não passarem de
meros sonhos. É necessário que, através de elos entre o individual e o coletivo, haja uma
estratégia referente aos projetos, abarcando essas duas esferas isoladamente e seus
entrecruzamentos.
O ser humano é um ser de projetos. A sociedade atual traz consigo uma cultura
reducionista, fragmentada e individualista. Como podemos colocar em prática nossos
projetos, sendo que precisamos englobar o coletivo, a solidariedade, a interação social?
4
Emanuel – membro da COOPERVITA LTDA e participante da entrevista. Atua na área de produção vegetal,
entre outras. É um dos fundadores.
36. 34
Follmann considera que corremos sim o risco de perder a referência para o futuro e que essas
“costuras, do individual e do social, são necessárias e até urgentes” (FOLLMANN, 2001, p.
53).
3.2 Atores Sociais e Identidade de Papéis
Castells (1999, p. 22) diz que “[...] entende por identidade o processo de construção
de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais
inter-relacionados o(s) qual (is) prevalece (m) sobre outros significados”.
Assim, para ele, existem múltiplas identidades. Estas, no entanto, devem se
diferenciar dos papéis, que “[...] são definidos por normas estruturadas pelas instituições e
organizações da sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 23). São, por exemplo, os papeis de ser
mãe, esposa, agricultora, vizinha, participante da comunidade, etc.
São considerados por Castells como menos importantes do que identidades, porque
elas envolvem a autoconstrução e a individuação. “Em termos mais genéricos, pode-se dizer
que identidades organizam significados, enquanto papeis organizam funções” (CASTELLS,
1999, p. 23).
A identidade é um processo de construção, que se vale de “[...] matéria–prima
história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e
por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso” (CASTELLS,
1999, p.23). No entanto, tudo isso vai ser processado pelo indivíduo e pelos grupos sociais,
reorganizando seus significados a partir das tendências sociais e projetos culturais enraizados
em sua estrutura social, bem como uma sua visão de tempo/espaço.
Castells (1999) distingue três formas de construção da identidade, levando em
consideração as relações de poder. Refere-se primeiramente à identidade legitimadora,
introduzida pelas instituições dominantes da sociedade para expandir e racionalizar sua
dominação em relação sociais; é a que dá origem à sociedade civil, como um conjunto de
instituições, organizações e atores sociais.
Já a identidade de resistência é aquela gerada por atores que se encontram em
posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica de dominação, construindo
assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que
permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos; dá origem a
37. 35
formas de resistência coletivas, comunas ou comunidades, estando fundamentada por uma
opressão sofrida.
As cooperativas surgiram num processo de resistência contra o sistema capitalista,
foram iniciativas geradas por pessoas que tinham em mente que sozinhas não obteriam êxito.
“Organizam-se então em contextos de lutas, de resistências, mas de forma pró-ativa, positiva,
não permanecendo numa mera postura de contestação” (SCHNEIDER; HENDGES, 2006, p.
45).
Muitos planos econômicos fracassados, levaram a agricultura para uma situação
muito difícil. Era cada vez mais difícil para os pequenos agricultores se manter no campo, a
maioria adquiria muitas dívidas e acabavam migrando para as cidades. Esses são relatos de
Emanuel (2008), que também afirmou:
[...] o pequeno agricultor então pra não ficar inadimplente nos banco ou no comércio
acabava vendendo as terras, né, e indo morar na cidade. E a gente vendo essa
situação, começamos, né, pensar uma forma de... tá na hora da gente pensar alguma
coisa que se possa dar a volta por cima sem precisar de ir buscar emprego na cidade.
Os agricultores encontraram então no cooperativismo uma forma de se manter no
campo, de resistir. A união entre famílias, possibilitaria nesse caso a manutenção dos seus
membros bem como a expectativa de uma vida melhor.
Castells (1999) fala ainda sobre as identidades de projeto. Afirma que ocorrem
quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance,
constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de
buscar a transformação de toda a estrutura social.
Cabe também ressaltar a importância do atributo cultural, como fator para a
formação da identidade. Morin (2005, p. 35) a descreve, ao abordar a Humanidade da
Humanidade, como “[...] o conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes,
normas, interditos, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se perpetua de geração em
geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a complexidade social”.
Para Claval (1997, p. 63), “a cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das
técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante as suas vidas
e, em uma outra escala, pelo conjunto de grupos de que fazem parte”. Assim, a compreende
como uma herança, sendo transmitida por etapas e tendo como componentes códigos de
comunicação próprios.
38. 36
A herança cultural é algo que chama a atenção na cooperativa em foco. A maioria
são mantenedores da sua tradição, da sua descendência, guardam as características dos seus
antepassados, a sua simplicidade, e se orgulham da sua história. Isso se torna evidente da fala
de Pedro (2008), “[...] a gente já vem de uma família que tem um certo costume, uma certa
tradição, né. Tem os pais que são de origem italiana, os dois os dois eram aqui da
comunidade”. Afirma que foi nesse meio, de origem simples e de tradições preservadas que
eles se criaram.
Cada cultura estabeleceu códigos que lhe são próprios, atitudes e gestos. Ela implica
em: o que fazer, como fazer? “No campo e na fazenda, convém saber como e quando laborar,
esterroar, semear, tirar a erva, colher, e aprender onde guardar os animais, o que lhes dar para
comer, como os ordenhar e os atrelar” (CLAVAL, 1997, p. 80).
A identidade cultural se traduz em gestos e práticas, evidenciados na vida cotidiana.
Claval (1997) exemplifica com a vida familiar, certos rituais como o das refeições onde todos
estão sentados ao redor de uma mesa. Para ele, a cultura faz passar de uns aos outros as
representações coletivas. A leitura que fizemos do mundo é aquilo que aprendemos a ver e
essa apreensão do real tem uma dimensão social, que a partir da coletividade pode ajudar os
homens a dar um sentido ao seu meio ou os impedir de ver alguns traços.
Leff (2000) fala sobre o meio rural do Terceiro Mundo, a relação intima entre a
estrutura social desses povos e os valores e processos de significações que originam a cultura
e regularizam a forma como se relacionam com o entorno natural. Enfatiza que a organização
cultural de cada lugar é que regula o modo como as pessoas utilizam os recursos naturais
disponíveis. Por isso, é tão importante manter as identidades étnicas, baseadas em valores
tradicionais, de manutenção dos ecossistemas, com a visão da complexidade socioambiental.
A cultura, entendida como as formas de organização simbólica do gênero humano,
remete a um conjunto de valores, formações ideológicas e sistemas de significação,
que orientam o desenvolvimento técnico e as praticas produtivas, e que definem os
diversos estilos de vida das populações humanas ao processo e assimilação e
transformação da natureza (LEFF, 2000. p. 123).
Como afirma Morin (2005, p. 35), “a cultura acumula o que é conservado,
transmitido, apreendido e comporta vários princípios de aquisição e programas de ação. O
primeiro capital humano é a cultura. O ser humano, sem ela, seria um primata do mais baixo
escalão”.
Ester (2008) fala sobre a preocupação com as futuras gerações, com as crianças, os
filhos dos associados. Toda a história das famílias, suas origens humildes, seu trabalho e
39. 37
perseverança é algo que não pode ser esquecido. Caso isso aconteça, não “tocarão” da mesma
forma a cooperativa, isso deve ser passado aos futuros líderes. O saber o quão difícil foi pra
chegar até ali, pode ser o incentivo para manter os princípios e valores dos mais velhos.
Notamos então que o ser humano nunca é um ser acabado, ele é a junção de toda a
sua existência e do que está por vir, do individual e do social, do meio, da sua cultura. Como
afirma Boff (2002, p. 161), “o ser humano na verdade, nunca termina de construir-se. Cada
fim é um novo começo. Vive distendido entre a galinha que permanentemente quer a
concreção e a águia que sempre busca a superação”.
3.3 O Lugar e seu Conteúdo Simbólico
O ambiente é a vivência concreta do sujeito, no qual ele trabalha, constrói sua casa,
faz sua poética, constrói laços, apega-se, sente-se pertencente àquele lugar (GONÇALVES,
2007). Segundo a autora, a relação entre a pessoa e o meio no qual ela vive é inevitável, pois é
o local onde o sujeito constrói a sua subjetividade.
A relação das pessoas com o meio tem uma dimensão simbólica. Para Gonçalves
(2007, p. 28), o espaço, entorno e lugar aqui são entendidos como “[...] o meio ambiente que
trata da vida cotidiana do sujeito e do grupo social.”
Porque o atravessam permanentemente códigos sociais e culturais, todo espaço é um
lugar onde se constroem socialmente significados que condicionam a nossa vida e,
ao mesmo tempo, são condicionados por ela; entre eles podemos destacar uma
constante: o valor do lugar vivido simultaneamente como ponto de amarragem e
matriz relacional (FISCHER, 1994, p. 195).
A subjetividade é construída também pelo local onde o sujeito vive, trabalha,
interage com as demais pessoas, sente-se como parte daquele meio. O agir do sujeito, seja
individual ou coletivamente, vai ser orientado por signos, objetos, símbolos, que
contextualizam o meio no qual eles vivem, sua cultura.
Pedro (2008) relembra a casa da sua infância, com nostalgia a descreve como “uma
casinha de madeira” e “bem simples”. O modo de vida da família grande, constituída pelos
pais e pelos oito irmãos, é contextualizado pela sua maneira de habitar. Para Gonçalves (2007,
p. 44), a casa não representa somente o abrigo, mas também os nossos sonhos. “A casa é o
40. 38
lugar do espaço onde o sujeito se referencia”. A casa aqui, reflete a simplicidade na qual
viviam e a união da família.
“[...] O simbolismo do espaço aparece ligado ao sentimento de pertença, (termo
próprio da psicologia) (ALTMAN, 1975), à apropriação do espaço (KOROSEC-SERFATY,
1986; PROSHANSKY, 1976) e à construção da identidade social” (GONÇALVES, 2007, p.
28).
Fischer (1994, p. 196) afirma que não existe espaço vazio ou neutro, do ponto de
vista psicológico. “Mas o significado dos lugares resulta também dos valores criados pela
sociedade, o que nos leva a sublinhar a importância da carga cultural presente nas
organizações sociais”.
A construção social de uma identidade comunitária surge das interações que os
membros de um território local estabelecem com “os de fora”, servindo para definir sua
comunidade. Gonçalves (2007, p. 33) afirma que “as relações entre comunidades são
permeadas de significados socialmente elaborados que configuram identidades sociais a um
entorno ”.
“Una persona lo es porque pertenece a una comunidad, en la medida que ésta Le
proporciona lo que son sus princípios, las actitudes reconocidas de todos los miembros de la
comunidad hacia lo que son los valores de esa comunidad” (GARAY, 2001, p. 3).
Dessa forma, quando fala-se de identidade de lugar, Gonçalves (2007, p. 27) aborda-
a como “[...] um componente específico do “eu” do sujeito, forjado por meio de um
complexo processo de idéias conscientes e inconscientes, sentimentos, valores, objetivos,
preferências, habilidades e tendências”.
Sobre a apropriação do espaço, Gonçalves (2007, p. 28) afirma que tem sido definida
por Korosec-Serfaty “[...] como o sentimento de possuir e gestionar um espaço,
independentemente de propriedade legal, por uso habitual ou por identificação.” O espaço
onde se encontram as instalações da COOPERVITA LTDA não é de propriedade dos seus
associados, e sim cedido por comodato por um dos seus membros. João (2008) fala que
quando a cooperativa foi fundada, sua família já possuía uma situação mais estável. Dessa
forma, preocupados com o êxodo rural, resolveram ajudar às outras famílias. Mesmo não
sendo de propriedade da cooperativa, tal local é gestionado de forma coletiva, zelado por
todos, apropriado como sede da COOPERVITA LTDA.
Para que haja apropriação é preciso que o sujeito deixe sua marca, de forma que
tanto ele quanto o lugar sejam influenciados. Atualmente, a sociedade de consumo nos
41. 39
apresenta uma imagem ou significação pronta. Isso não gera a apropriação, no sentido de que
não instiga a pessoa a fazer parte de alguma forma da significação daquele lugar ou objeto.
Os processos psicossociais da apropriação, segundo Pol (s.d.), compreendem os
processo cognitivos, afetivos, simbólicos e estéticos que dependem da relação com
outros sujeitos, grupos e de situações objetivas ligadas ao modo de viver, de morar.
A partir das cores, das formas, dos odores, das sensações e do prazer, o sujeito vão
modificando as paisagens concretas do lugar, deixando sua marca, e, ao mesmo
tempo, vai transformando sua paisagem interna, ou seja, as paisagens de seu mundo
interno (GONÇALVES, 2007, p. 29).
O enraizamento é outro fator da identidade, que atribui ao espaço um valor ligado ao
indivíduo. O jovem Silas (2008) se criou em um meio rural, envolvido com muitas atividades
na comunidade, com relacionamentos típicos de tal meio, onde as pessoas se conhecem com
mais facilidade. Enfrentou as dificuldades de uma mudança de ambiente ao iniciar a
universidade. Conta que de repente se viu sem chão, em um lugar diferente, onde não
conhecia as pessoas e existia uma outra cultura. “Eu saia pra rua, sei lá, me sentia realizado o
dia que alguém me cumprimentava só na rua, pra mim já tava bom”, afirma o mesmo.
Assim são as ligações psicológicas que o sujeito tem a determinado lugar. Fischer
(1994, p. 198) fala sobre um porto de atracagem, “[...] o homem não só tem necessidade de
um espaço mínimo para aí viver e trabalhar, como precisa também de “estar num sítio”, de
nele exercer um domínio físico e psicológico através de atividades que indicam a sua
influência pessoal”.
Decorrente disso vai ser a identificação comunitária, que ocorre a partir da
construção do social dos significados e das comunidades. A exclusão social é manifesta
através de várias formas na sociedade. Para Frantz e Schönardie não se refere apenas às
limitações materiais, sendo um processo de rompimento de identidades e laços sociais de
pertença. Está enraizada, segundo os autores, na “[...] perda de poder nas relações econômicas
e políticas, destruição das identidades e laços sociais, a ruptura de estruturas socioculturais e a
perda de valores e tradições de referência” (FRANTZ; SCHÖNARDIE, 2006, p. 7).
Moscovici (2003) fala que entre os vários conceitos pertinentes à representação
social está o senso comum, uma forma de conhecimento cuja finalidade é atender às
necessidades do dia-a-dia. Existe “uma necessidade contínua de re-construir o “senso
comum” ou a forma de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual
nenhuma coletividade pode operar” (MOSCOVICI, 2003, p. 48). Assim, cada grupo social
tem suas próprias características, sua cultura, seu modo de agir, de interagir, que constituem a
sua identidade. Esse senso comum pode, na visão do autor, alimentar a diversas ciências. É o
42. 40
caso, por exemplo, da ciência jurídica que baseia-se em suprir as necessidades de
regulamentação social, e que não é estática e muda de acordo com as próprias alterações da
sociedade.
Em meio a tantas teorias, cabe questionar: a sociedade pós-moderna tem formado
que tipo de sujeito, de quem especificamente estamos falando como resultado do modelo
capitalista? Levando em consideração tantos antagonismos, a perda de um vínculo criativo do
trabalho, a aculturação, pode-se afirmar que estamos diante de um sujeito não crítico, que
aceita padrões estabelecidos por um sistema dominante; sem motivação para o trabalho
visando muitas vezes apenas o capital; competitivo para responder as expectativas da “lei da
selva” e para suprir suas necessidades instigadas pela mídia; que prioriza o cognitivo, o
racional, e não desenvolve outras capacidades como o afetivo e o simbólico.
Neste trabalho enfocamos que a subjetividade não pode ser reduzida às exigências do
mercado, à racionalidade. O Homem não pode ser considerado como uma máquina,
renegando toda sua formação histórica-cultural, suas raízes, seus lugares. Ao resgatar a
solidariedade, o cooperativismo pode envolver um vínculo de afetividade, de interação
humana em prol de um objetivo comum.
É oportuna a noção de sujeito de Damergian (2001, p. 88), que ressalta uma
concepção humanista “[...] subjacente à construção da subjetividade e que seja capaz de nos
conduzir a uma sociedade mais solidária, mais amorosa, mais humana”. Quer-se esse sujeito
reflexivo, mas pautado na viabilidade de experiências concretas, mais especificamente um
agente de mudanças.
43. 41
4 SOCIEDADE, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: DA PERFEIÇÃO DA
CRIAÇÃO AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE
Refletir sobre os conflitos da sociedade se faz urgente, tanto mais sobre a inter-
relação entre os aspectos humanos e ambientais que permeiam tais implicações. A
reflexividade é umas das características da chamada sociedade de risco.
Etimologicamente, desenvolver é tirar a casca da semente. Todo desenvolvimento
significa des-envolver algo que está envolvido, ou seja, abrir, desfazer, destruir, para
reorganizar e reenvolver o que foi des-envolvido em um novo padrão, em uma nova estrutura,
com outras propriedades e funções (MELLO, 2006).
Mendes (1995, p. 54) define desenvolvimento como a “[...] criação de condições
tendentes à produção do ser humano em sua integridade”. É dessa forma, um processo e um
resultado, um meio e um fim.
Como envolvimento defino as articulações do ser humano com o ambiente que o
cerca: seu comprometimento e os cometimentos correspondentes. E, ao falar em
ambiente, não falo só do natural, que precede, condiciona, e afinal sucede ao
homem. Falo também do ambiente que procede do homem, fruto das relações que
ele entretece com o entorno e consigo mesmo (MENDES, 1995, p. 55).
Segundo critérios econômicos, quanto mais riqueza material a sociedade possui mais
ela será desenvolvida. No entanto, os conflitos sócioambientais demonstram que esse conceito
de desenvolvimento não condiz com o bem-estar social, deixando uma grande lacuna na
forma de progresso implantada pela visão capitalista.
Como afirma Aristóteles, “a riqueza não é, evidentemente, o bem que procuramos,
pois ela é útil apenas para obter outra coisa qualquer” (ARISTÓTELES). É justamente essa
concepção que instiga a propor teorias desenvolvimentistas que levem em consideração a
complexidade humana e ambiental.
Existe uma riqueza que não é evidenciada com a mera acumulação de capital, como é
o caso das diferentes culturas espalhadas pelo mundo e da biodiversidade que abarca tantos
tesouros compondo esse todo, a Terra, nossa casa maior.
Para entender a problemática sócioambiental é necessário, a princípio, compreender
as origens da relação conflituosa entre o Homem e a natureza, quais são os pensamentos
dominantes na sociedade, para posteriormente embasar novas teorias.
44. 42
4.1 Criou Deus os Céus e a Terra (Gênesis 1.1)
Muito se fala sobre as raízes da nossa oposição à natureza. O ponto de partida
bastante mencionado é a narrativa da Criação, fonte bíblica da construção do Universo.
Mendes (1995), fala que a discussão sobre a crise planetária e suas raízes não se limita no
plano técnico, mas avança nos âmbitos teológico e religioso, apelando às “Escrituras
Sagradas”.
Salatino tem uma visão muito peculiar sobre tal tema e merece ser aqui exposto.
Considera o autor que o início da nossa atitude anti-natural é antiga e funda-se na tradição
judaico-cristã. Ao basear-se num Deus único, diferentemente das culturas orientais politeístas,
perdeu-se o sagrado mítico da natureza. Para ele, “[...] a natureza perde todo o significado
espiritual e retém ainda alguma conexão sagrada apenas como o exemplo do esplendor divino
da criação” (SALATINO, 2001, p. 485).
O autor se refere à questão da mitologia, que implicava na presença de deuses
correspondentes aos fenômenos e elementos naturais. Dessa forma, os Homens teriam um
respeito maior devido à associação do natural com o sobrenatural.
Trevisol (2003) também fala sobre as fases da história da relação Homem- natureza a
primeira seria a de dependência e temor à mesma. Este foi, segundo o autor, o maior período
da história, englobando desde a visão geocêntrica do universo até a organização social
baseada na agricultura. Eram as civilizações do chamado mundo pré-moderno, que
exploravam a natureza apenas para o seu sustento e dela dependiam diretamente. Havia uma
dualidade nesta relação, o Homem experimentava tanto os fatores provedores e bondosos da
natureza quanto as adversidades e os seus mistérios.
A religião gerava no Homem tanto o temor quanto a benignidade da natureza. Dela
era explorado com limites, apenas o necessário para a subsistência desses povos que usavam a
caça, pesca e agricultura de forma orgânica. Essa visão, consequentemente, levava a uma
postura ecológica, pois o Homem se integrava à natureza de tal forma que respeitava seus
ciclos e interferia o menos possível nela. Ele não era um ser superior, nem melhor, era um
participante.
A argumentação sugerida indica que a transposição do politeísmo para uma cultura
de um único Deus teria estabelecido, como posiciona-se Mendes (1995, p. 65), uma “[...]
relação unilateral de domínio”. O Homem, à semelhança do Deus Pai, teria como subordinada
toda a restante criação, tendo a capacidade de domínio sobre todas as coisas.
45. 43
Estas considerações, de que o contexto bíblico foi grande influenciador na postura
anti-ecológica da Humanidade, recebe aqui algumas contestações. Adotamos a visão da eco-
teologia para embasar que a Bíblia pode ser interpretada também a partir de uma perspectiva
ecológica.
A eco-teologia é considerada recente, tendo surgido nos últimos trinta anos, a partir
da preocupação de alguns teólogos com a questão ambiental. Ela demonstra o caráter de
urgência de um novo paradigma, conciliando uma obra das mais antigas vista sob um novo
modelo, lembrando que Deus está também na natureza.
Reportamo-nos ao início, à criação. “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era
muito bom.” A passagem bíblica de Gênesis 1:31, descreve o ato da criação, tendo Deus
como o grande escultor de todo o Universo. O Homem foi criado, segundo as escrituras, como
a última grande obra que faria parte do todo.
Para Deus, tudo o que Ele havia criado era muito bom, “[...] esse tudo compreendia
Adão e Eva, e “os peixes do mar”, “as aves do céu”, “os animais que rastejam sobre a terra”,
“as ervas que dão semente” e “todas as árvores que dão fruto”, bem como, para arrematar, “o
céu e seu exército” (de seres)” (MENDES, 1995, p. 61).
A Bíblia nos mostra a necessidade de olhar para o cosmos como uma obra divina e
que tudo o que Deus fez é bom (Gênesis 1:31). A criação, o universo, a natureza são
obras de um Ser maior e não me cabe o direito de propriedade. O livro de Jó faz uma
afirmação de extrema valia: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei a ele” (Jó,
1,21). Se olharmos a realidade, não conseguiremos fugir dessa constatação simples:
por mais luxuoso que seja o mausoléu, a realidade é comum a todos depois da
morte. Viemos ao mundo sem nada e tudo o que fazemos deixamos aqui. Portanto,
se compararmos o ventre da mãe ao ventre da terra, viemos e voltamos a ela nas
mesma condições (MAZZAROLO, 2008, p. 09).
Alguns autores ainda mencionam o seguinte texto, afirmando daí ter decorrido o
poder de domínio do Homem: “[...] sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a;
dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela
terra” (GÊNESIS, 1:28). No entanto, a sua seqüência deixa bem claro qual seria o intuito de
Deus ao colocar nas mãos do Homem tal poder, transcorre o texto enfatizando que Deus
concedeu todas as coisas para o seu sustento: “E a todos os animais da terra, e a todas as aves
dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será
para mantimento” (GÊNESIS, 1:30).
A poética inserida na descrição do Jardim do Éden mostra o equilíbrio que no
princípio existia entre o Homem e a natureza. Descreve o mesmo com diversos rios, flores,