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Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
Regência: JORGE DUARTE PINHEIRO
Introdução ............................................................................................................................................................2
Designação Sucessória..........................................................................................................................................5
Critério do Objeto.............................................................................................................................................5
Critério da Fonte...............................................................................................................................................8
Sucessão Legítima...............................................................................................................................................10
Sucessão Legítima Hereditária .......................................................................................................................10
Sucessão Legítima Anómala...........................................................................................................................13
Regime da Sucessão Legítima ........................................................................................................................14
Sucessão Testamentária .....................................................................................................................................15
Requisitos de Fundo.......................................................................................................................................16
Requisitos de Forma.......................................................................................................................................19
Conteúdo Pessoal e Patrimonial do Testamento ...........................................................................................23
Ineficácia lato sensu do testamento ..............................................................................................................25
Sucessão Contratual............................................................................................................................................28
Pactos Sucessórios Designativos.....................................................................................................................28
Critério do Beneficiário ..............................................................................................................................29
Critério do Objeto ......................................................................................................................................31
Sucessão contratual anómala? .......................................................................................................................32
Sucessão Legitimária ...........................................................................................................................................33
Abertura da Sucessão e Vocação Sucessória ......................................................................................................38
Abertura da sucessão – art. 2031º.................................................................................................................38
Vocação Sucessória ........................................................................................................................................38
Indignidade................................................................................................................................................40
Deserdação................................................................................................................................................41
Modalidades de Vocação....................................................................................................................................43
Vocação Originária vs. Subsequente..............................................................................................................43
Vocação Pura vs. Condicional, a Termo ou Modal .........................................................................................43
Vocação Única vs. Múltipla ............................................................................................................................43
Princípio da Indivisibilidade da Vocação....................................................................................................44
Vocação Direta vs. Indireta ............................................................................................................................45
Vocação Imediata vs. Derivada ......................................................................................................................45
Vocação Comum vs. Anómala........................................................................................................................46
Transmissão do Direito de Suceder................................................................................................................46
Vocações Indiretas .........................................................................................................................................48
Substituição Direta – art. 2281º ................................................................................................................48
Direito de Representação – art. 2039º......................................................................................................50
Direito de Acrescer – art. 2301º ................................................................................................................53
Substituição Fideicomissárias.........................................................................................................................56
Liberalidades em favor de sucessíveis legitimários .............................................................................................59
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
2
A. Liberalidades inter vivos .............................................................................................................................60
I. Doações (isoladas) sujeitas a Colação......................................................................................................60
II. Doações (isoladas) não sujeitas a colação ..............................................................................................65
III. Doações integradas numa Partilha em Vida..........................................................................................66
B. Liberalidades mortis causa .........................................................................................................................67
Pré-Legado (art. 2264º)..............................................................................................................................67
Legado por Conta da Legítima (art. 2163º a contrario)..............................................................................67
Legado em Substituição da Legítima (art. 2165º).......................................................................................68
Deixas a título de Herança .........................................................................................................................69
Imputação Subsidiária................................................................................................................................70
Imputação ex se.........................................................................................................................................70
Tutela da Legítima...............................................................................................................................................70
Tutela Quantitativa.........................................................................................................................................70
Tutela Qualitativa ...........................................................................................................................................70
Cautela Sociniana – art. 2164º...................................................................................................................70
Princípio da Intangibilidade Qualitativa da Legítima ..................................................................................71
Natureza da Legítima Subjetiva ......................................................................................................................71
Da Pendência da Sucessão à Partilha ..................................................................................................................72
Fase da Pendência = Herança Jacente ............................................................................................................72
Aceitação e Repúdio ..................................................................................................................................73
Herança Partilhada .........................................................................................................................................74
Prova da qualidade de sucessor.................................................................................................................74
Meios de tutela do sucessor ......................................................................................................................75
Administração da Herança .........................................................................................................................76
Testamenteiro............................................................................................................................................77
Sonegação de bens da herança..................................................................................................................78
ALIENAÇÃO DA HERANÇA....................................................................................................................................78
LIQUIDAÇÃO E PARTILHA DA HERANÇA ..............................................................................................................79
Responsabilidade dos sujeitos pelos encargos da herança.............................................................................80
Modos de liquidação dos encargos da Herança..............................................................................................80
Partilha da Herança ........................................................................................................................................81
Modalidades de partilha ............................................................................................................................82
Operações de Partilha................................................................................................................................82
Efeitos da Partilha ......................................................................................................................................82
Impugnação da Partilha – art. 2121º..........................................................................................................82
Natureza jurídica da partilha......................................................................................................................83
RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS............................................................................................................................84
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
3
Introdução
Direito das Sucessões é o conjunto de normas jurídicas que regulam a instituição “sucessão”.
Direito das Sucessões não é Direito da Família1
, pois nem sempre há relações familiares, embora
existam conexões.
➢ A sucessão não opera exclusivamente em benefício de familiares do de cujus2
:
o Basta haver testamento para pessoa fora da família;
o Basta o Estado poder vir a herdar.
➢ O Direito da Família ocupa-se das ligações pessoais e patrimoniais que se estabelecem
entre pessoas vivas, enquanto as Sucessões preocupa-se com o destino do património
de uma pessoa que faleceu.
Direito das Sucessões tem identidade própria.
Finalidade do Direito das Sucessões
Descobrir quem será o titular das situações jurídicas patrimoniais que ficaram sem sujeito, por
morte deste.
➢ Sucessão mortis causa – têm origem no facto “morte”
Sucessão por morte em direitos é uma liberalidade3
à custa do património do de cuius – logo,
não tem caráter sucessório o art. 2018º, 2020º e atribuição do seguro de vida – pois fundam-se na necessidade
dos sobrevivos e em contratos onerosos e não na intenção (presumida ou conjetural) de
generosidade ou espontaneidade do de cujus.
• Definiu-se sucessão por morte como uma aquisição por morte de uma liberalidade (ou
vinculação) à custa do património do falecido.
o Liberalidade entendida em sentido restrito
o Sucessões regula liberalidades mortis causa como manifestações da sucessão
voluntária.
JDP = Galvão Telles4
: o sucessor não se distingue do transmissário e ambos adquirem situações
jurídicas e ocupam a posição que coube a outrem. No entanto a sucessão por morte não é
entendida como uma espécie do género transmissão pois há casos em que não é apenas uma
aquisição/vinculação derivada translativa.
Regula-se o fenómeno da sucessão.
➢ Art. 2024º
o Dimensão patrimonial5
o Pessoa física/singular6
1
Opinião JDP contra Leite de Campos
2
De cuius = aquele de cuja sucessão se trata
3
Direito das Sucessões é o Direito das liberalidades – só uma das partes produz uma atribuição
patrimonial
4
Contrário a Oliveira Ascensão com uma variante autonomista que colide com o art. 2030º/1.
5
Excluem-se situações não patrimoniais decorrentes do art. 2024º e do preceito que caracteriza os
sucessores pelo art. 2030º/2.
Não se adquire, como diz alguma doutrina, direitos de personalidade do de cuiús e apenas beneficiam ex
novo de legitimação processual para defesa da memória do falecido.
6
As pessoas coletivas não morrem, extinguem-se
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
4
JDP: sucessão não se limita ao chamamento – isto é uma imprecisão – pois a sucessão por morte
em sentido restrito comporta várias fases e inicia-se logo quando a pessoa morre (deixa de fora
várias situações que fazem parte do fenómeno sucessório)
➢ Começa com a abertura da sucessão e só termina quando termina a orfandade das
situações jurídicas patrimoniais.
JDP: não se limita a direitos sobre os bens pois compreende-se todo o património da pessoa
falecida (ativo e passivo)
Direito de Suceder
Situação jurídica paradigmática – ius succedendi ou ius delationis
➢ Direito potestativo7
de aceitar ou repudiar as situações jurídicas patrimoniais de um de
cujus – direito de aceitar a herança ou o legado em que por lei ou testamento o respetivo
titular tenha sido designado.
Direito das Sucessões assenta8
no confronto do Direito Romano e Germânico
1. Romano: por influência da “Política” de Sócrates e da filosofia aristotélica faz-se a
apologia da vontade do de cuius (liberdade total de dispor)
2. Germânico: por influência do estoicismo faz-se a apologia da proteção da família
(impossibilidade de dispor totalmente)
➔ Em Portugal, resolve-se quase sempre a favor do direito da família
Contenda Direito das Sucessões vs. Direito das Obrigações
• JDP: não se aplica o art. 496º CC e sim as regras sucessórias gerais ao dano morte9
e
indemnização, pois o dano foi adquirido pelo de cuiús entre o momento de lesão e o
momento da morte e o de cuiús adquire-o e passa aos sucessores pela herança (é parte
do ativo hereditário).
Classificação das Sucessões
Legal – em função de relações familiares, vem da lei
• Legítima – opera na ausência da vontade válida eficaz do de cuius e tem como
beneficiários o cônjuge, parentes próximos do falecido e supletivamente o Estado.
• Legitimária – reserva porção de bens de que o de cuius não pode dispor ao cônjuge e
aos parentes na linha reta do falecido.
Voluntária – em função da vontade do de cuius
• Testamentária – espaço da autonomia da vontade do de cuius no domínio sucessório.
Testamento é ato unilateral (art. 2179º/1)
• Contratual
7
Não é direito subjetivo nem poder funcional, como as situações jurídicas familiares.
8
Tem ainda uma matriz pré-industrial, de uma época em que o bem imóvel era o exemplo mais
significativo de riqueza.
9
Mas não se está perante sucessão quando certas pessoas beneficiam de uma indemnização destinada a
compensar os danos que elas próprias sofreram por morte de outrem que lhes era próximo.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
5
Classificação dos Sucessíveis – art. 2030º
• Herdeiro
• Legatário
o Relevância da distinção é a responsabilidade pelos encargos da herança.
Designação Sucessória
Fase Pré-Sucessória
Operação feita em vida do de cuius mediante a qual se indicam as pessoas que, por morte
dele, podem vir a suceder-lhe: acontece antes da pessoa morrer e apenas se faz antes de se
abrir a sucessão.
• Sucessíveis – beneficiário de um facto designativo que ainda não foi chamado à
sucessão (ou que chamado, ainda não a aceitou) – pessoas que podem vir a suceder,
quando a sucessão abrir10
, ou que ainda não aceitaram após a abertura.
Critério do Objeto
Em vida o autor da sucessão, é indicada a qualidade que virá a caber ao sucessível no momento
do chamamento. Depende daquilo que venha a ser atribuído aos sucessíveis.
➢ Que apenas surgem numa das formas do art. 2030º: Herdeiro ou Legatário
O critério é a formulação da deixa pelo autor da sucessão ou como é perspetivado pela
própria lei11
- designação sucessória com base no objeto
Herdeiro: art. 2030º/2 – a deixa perspetiva-se em função do todo hereditário. Herda em
frações abstratas (não preenchidas de bens específicos) na perspetiva do todo patrimonial. Ex:
deixo tudo a A; deixo 1/3 do meu património a B
Legatário: art. 2030º/2 – a deixa perspetiva-se para bem determinado. Só sucede na sucessão
voluntária (pois a especificação dum bem, para ser deixado em legado, só pode ser feito em
deixa) Ex: deixo uma casa a A; deixo 5 canetas a B
➢ Mesmo que esse bem específico seja o todo do seu património – depende da forma como
estiver disposto e não da quantidade dos bens
➢ Mais que a determinação, a lei exige a determinabilidade (no momento da abertura da
sucessão) – comprova-se no art. 2253º. Ex: deixo a A um dos meus livros. A é legatário
porque não perspetivei a deixa em função do todo hereditário e sim só uma parte de
bens
Art. 2030º/3 – ex: se deixar carro a B e resto a C, C é herdeiro. Se o resto for uma casa e disser
que deixo a caneta a C, C é legatário.
Art. 2030º/4 – se for da totalidade, tem estatuto próximo ao do herdeiro e se for usufrutuário
de uma quota tem direito de exigir a partilha da herança.
Art. 2030º/5 – o autor da sucessão não pode dizer quem é herdeiro ou legatário.
➢ É a lei que o diz, em função da deixa (que nos diz o objeto)
10
Não seriam sucessores, isso é apenas quando se aceita a sucessão.
11
A diferença não assenta no volume dos bens – critério qualitativo e não quantitativo
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
6
Herança ex re certa
Casos em que a distinção entre herdeiro e legatário não é nítida
1. Deixas categoriais dicotómicas que esgotam a totalidade da herança12
Deixas – instituições de herdeiros por via testamentária
Categoriais – fração abstrata de bens
Dicotómicas – são 2
Esgota a Totalidade da Herança – esgotam a herança uma em relação à outra
Perspetiva-se o património pelo todo, constituindo 2 grandes quotas, embora um esteja
especificado e outro não. A deixa de um funciona como remanescente para outro (art.
2030º/3)13
• Ex: deixo todos os móveis a A e o remanescente a B (todos os imóveis)
Ambos são considerados herdeiros
Oliveira Ascensão caracteriza a deixa a título de legado como uma intenção limitativa – a
exclusão da variabilidade do conteúdo da deixa entre o momento da feitura do testamento e o
momento da abertura da sucessão.
• JDP discorda porque o art. 2030º não tem como critério a variação do conteúdo da deixa
entre a data do testamento e a da morte.
Galvão Telles considera ambos legatários.
2. Legado por conta da quota
“Deixo a B uma casa em Lisboa para preencher a sua quota de herdeiro legal” – refere-se a um
bem específico e uma quota do património.
• Sucessível parece ser ambas as coisas, pois várias coisas se perspetivam
JDP: não há uma dupla qualidade, porque não seria claro quem era responsável pelo passivo.
➢ Teria que prevalecer uma das soluções: prevalece o herdeiro – regime de maior relevo
na estruturação do fenómeno sucessório
o Sucede em bens determinados e é tido como herdeiro. Caso de ex re certa:
legado por conta da quota – alguém é herdeiro de um bem determinado
o Pamplona: qualificação pelo testador como legatário é para afastar as normas
supletivas da figura de herdeiro, nomeadamente o acrescer (art. 2304º) – seria
herdeiro mas não poderia ter direito de acrescer.
Se o valor dos bens determinados ficar aquém do valor da sua quota, o sucessível que aceitar
o legado por conta tem o direito de exigir a diferença. Ex: tem direito a quota de 100. Deixam-
lhe carro a valer 50. Tem direito a exigir os outros 50.
Se o valor dos bens exceder, será herdeiro até ao limite do valor da quota e legatário quanto ao
valor dos bens em excesso. Ex: tem direito a quota de 100. Deixam-lhe carro a valer 200.
Entende-se que quiseram beneficiá-lo e no excesso é legatário.
12
Avançado por Pamplona Corte-Real e com a concordância de JDP. Não tem muitos apoiantes na
doutrina.
13
Artigo imperativo face ao art. 2030º/5, por exemplo
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
7
≠ Distingue-se do legado em substituição da quota – que consiste numa disposição mortis causa
de bens determinados cuja aceitação pelo beneficiário implica a não aquisição de uma quota
hereditária em que, de outra forma, ele teria o direito de suceder (art. 2165º/1 e 2). Não sucede
numa quota, é simples legatário.
Estatutos-tipo de Herdeiro e Legatário
Estatutos não são rígidos e acabam por ser maleáveis em função das normas que traçam o
regime das atribuições a título de herança ou legado comportarem exceções ou assumirem cariz
supletivo.
Oliveira Ascensão: herdeiro é um sucessor pessoal do de cuius, enquanto que o legatário
é mero beneficiário duma atribuição patrimonial
Herdeiro
1. Direito de exigir partilha – mas há exceções (como os da ex re certa) – de forma a
preencher a quota com bens determinados
2. Responde pelos encargos da herança (art. 2068º, art. 2071º, art. 1072º)
• É ao herdeiro que também cabe cumprir o legado (o que pode ser visto como
um encargo da herança)14
• Se a herança não chegar para se realizar o cumprimento integral dos legados,
por força do passivo, o herdeiro paga as dívidas e depois reparte o que restar
do ativo entre os legatários na proporção do valor dos bens que o autor da
sucessão lhes pretendia deixar.
3. Beneficiários exclusivos da transmissão do direito de suceder (art. 2058º)
4. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário (art.
2130º/1)
5. Princípio da indivisibilidade da vocação múltipla
6. Sujeitos a sanções por sonegação de bens da herança (art. 2096º)
Legatário
1. Não responde pela existência de passivos.
• Exceções: casos em um de cujus deixa um bem a A, tendo A de pagar todas as
dívidas – alguém é tecnicamente legatário mas está a ser responsabilizado por
um passivo. Ou seja, essa deixa patrimonial não tem o valor do bem, mas sim o
valor do bem menos o passivo.
• Os herdeiros respondem externamente aos credores, tendo direito de regresso
sobre o legatário (cuja responsabilidade sobre dívidas será sempre medida pelo
herdeiro – legatário é internamente responsável e o herdeiro é-o
externamente)
O legatário só responde externamente quando não há figura de herdeiro que seja
conhecida e a herança estiver toda repartida em legados.
14
Assume a figura do executor de herança que existe noutros ordenamentos jurídicos – como herda no
ativo e no passivo ele é uma espécie de liquidatário da herança.
vs. Legatário que é apenas um credor de 2ª linha da herança sucedendo em bens, em ativo, atrás
dos credores externos da herança (são graduados atrás do direito desses credores).
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
8
Se houver vários legatários, cada um responde na medida do que beneficiou
(art. 2277º)
É a única exceção. Há outros casos de sacrifício patrimoniais decorrentes da
existência de encargos (art.2072º, 2276º, 2278º)
2. Não podem exigir direito de partilha – mas há exceções (como o usufruto de uma quota
da herança)
Critério da Fonte
Depende de onde vem o direito de suceder – da lei ou da vontade?
Factos designativos são circunstâncias que atribuem a alguém a qualidade de sucessível/
permite alguém ser sucessível – podem ser negociais (testamento e pacto sucessório – na base
da sucessão voluntária) ou não negociais (relações jurídicas e vínculos familiares e para-
familiares – na base da sucessão legal; também há o vínculo da cidadania que leva o Estado a
ser o último dos sucessores legítimos).
• Art. 2026º fala impropriamente em títulos de vocação sucessória – essa é apenas uma
das fases na sucessão e estamos ainda na fase pré-sucessória; e nem o testamento nem
o contrato são títulos de vocação.
Factos designativos não atribuem de modo definitivo a qualidade de sucessíveis a determinadas
pessoas, com exclusão de outras. Podem ser afastados - antes da abertura da sucessão, o mapa
de sucessíveis é instável (pode alterar-se).
Art. 2026º-2028º
O critério da fonte pode ser cruzado com o critério do objeto.
Os factos designativos desembocam em espécies de sucessão.
Uma mesma pessoa pode beneficiar de múltiplos factos designativos que lhe confiram a
qualidade de sucessível em diversas modalidades de sucessão.
Modalidades de sucessão voluntária – não há restrições à designação de um sucessível como
herdeiro ou legatário; qualificação depende do objeto da deixa (portanto, da vontade do de
cuius).
Modalidades de sucessão legal – legítima comum: sucessível é designado para suceder na
totalidade da herança ou parte, sem especificação; legítima anómala: objeto da designação de
um bem determinado; legitimária anómala: objeto da designação de um bem determinado.
Hierarquia das Modalidades de Sucessão
Legitimária > Contratual > Testamentária > Legítima
➢ Legitimária prevalece sobre todas as outras (Caráter injuntivo – art. 2027º que confere
ao sucessível o direito à legítima porção de bens de que o de cuius não pode dispor, por
ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários – à margem da vontade do de cuius)
e a Legítima cede perante as demais (Caráter supletiva – art. 2027º pode ser afastada
pela vontade do autor da sucessão. Opera-se quando o falecido não tiver disposto válida
e eficazmente daquele património que podia dispor).
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
9
A ordem relativa das sucessões contratual e testamentária reflete-se no regime da revogação.
• Os pactos sucessórios podem revogar o testamento do disponente mas, em regra, não
é afetado por um testamento do autor da sucessão e não é unilateralmente revogável.
• O valor hierárquico do pacto sucessório é idêntico a uma disposição testamentária
quando o pacto sucessório a favor de terceiro, em que o disponente tenha reservado
para si a faculdade de livre revogação (art. 1705º/2). Porque em outro caso, o pacto
sucessório tem valor hierárquico superior pois integra a vontade do de cuiús com outra
vontade.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
10
Sucessão Legítima
Art. 2131º e ss.
Modalidade de sucessão supletiva ab intestato (“de intestado” – de quem não fez testamento15
)
➢ JDP: CC fala da Sucessão Hereditária Legítima – o sucessível sucede por herança, da
legítima – é sempre herdeiro
1. Se houver só um sucessível legítimo comum, ele é chamado à totalidade (ex:
art. 2144º e art. 2152º);
2. Se houver vários sucessíveis legítimos comuns, eles são chamados para suceder
numa quota
3. Se o falecido não dispuser da totalidade dos bens (não legitimários), o
remanescente vai por sucessão legítima para um herdeiro. (ex2 e 3: art. 2139º
e 2142º/1 e 3)
➢ Porque há a categoria de Sucessão Legítima Anómala – diz respeito a legados legítimos.
Ex: atribuições patrimoniais do cônjuge sobrevivo.
Fundamento da sucessão legítima é evitar o abandono das situações jurídicas patrimoniais de
que era titular o de cujus.
• Pode ocorrer sucessão legítima quando o único sucessível legitimário repudiar a herança
(art. 2062º) ou se o de cuiús era incapaz de testar (art. 2189º/b; art. 2190º)
• E nos casos em que o testamento tiver uma ineficácia lato sensu, abre-se espaço à
sucessão de cariz supletivo.
Sucessão Legítima Hereditária
Art. 2131º: Parte do património de que o de cujus podia dispor mas que não o fez. São chamados
à sucessão desses bens os herdeiros legítimos.
• Opera-se a sucessão regulando o destino dessa parte de bens que o de cuiús podia
dispor e não o fez.
• O espaço da sucessão legítima corresponde aquele que não tiver sido efetivamente
ocupado pela sucessão legitimária e pela sucessão voluntária.
o O de cujus pode ter feito testamento e ainda assim se operar a sucessão legítima
– significa que o falecido podia dispor de mais bens do que aqueles que testou
e não o fez.
Quem pode suceder: art. 2132º
• Atinge a finalidade da proteção da família (herança germânica)
Por que ordem: art. 2133º
• Todos os da linha reta podem suceder, mas não podem suceder todos os parentes.
o Se não forem descendentes de irmãos e forem parentes além do 4º grau, não
sucedem (pelo art. 2133º/1/d)
o Se forem parentes além do 4º grau mas descenderem de irmãos, já podem
suceder (pelo art. 2133º/1/c)
15
Se bem que pode coexistir com a sucessão testamentária
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
11
Com que regras da sucessão legítima:
Elenco vasto de sucessíveis mas em que nem todos são chamados a suceder.
art. 2134º + art. 2135º - restringem o núcleo de sucessíveis que pode beneficiar da sucessão
(filtram sucessíveis) – apenas os Prioritários
➢ Preferência de classes: os sucessíveis de uma classe só são chamados a suceder se
nenhum dos sucessíveis da classe precedente quiser ou puder aceitar a herança
(corolário no art. 2137º). Ex: se ao de cujus sobreviver 2 descendentes e 2 ascendentes,
são chamados originalmente à herança os 2 descendentes e só estes. Se um deles
repudiar a herança, essa parte acresce à do outro descendente (art. 2137º/2) o que
obsta ao chamamento dos ascendentes. Se ambos repudiarem, então chama-se os
sucessíveis subsequentes (art. 2137º/1), que são os ascendentes, a classe imediata.
➢ Preferência dos graus de parentesco: não prejudica o Direito de Representação, como
disposto no art. 2138º
Identificados os sucessíveis prioritários, é preciso repartir a herança legítima entre eles – critério
geral dado pela regra da divisão por cabeça
art. 2136º - tem várias exceções
➢ Quanto ao cônjuge: 2139º/1/2ªparte e art. 2142º/1
➢ Quanto aos irmãos: art. 2146º
➢ Quanto ao Direito de Representação: divisão faz-se por estirpe
Cálculo da Herança na Sucessão Legítima
• Coexistindo com a sucessão legitimária: valor total da herança legítima é igual ao valor
da quota disponível menos o valor das liberalidades mortis causa válidas e eficazes. VTH
= QD – Liberalidades mortis causa
• Não havendo legitimária: ao valor do relictum é abatido o valor do passivo e o valor de
todas as liberalidades válidas e eficazes. VTH = QD – Liberalidades inter vivos –
Liberalidades mortis causa
Regime de Sucessão Legítima por Classes de Sucessíveis
❖ Cônjuge – não é chamado a suceder se se encontrar divorciado ou separado de pessoas
e bens, por sentença ou decisão do conservador do registo civil (art. 2133º/3); também
não sucede se o casamento for inexistente ou anulado (mas salvaguarda-se o cônjuge
de boa fé no casamento putativo)
❖ Descendente – depende da constituição legal (e do registo) do vínculo familiar.
1ª Classe: pode abranger só o cônjuge, só os descendentes ou ambos
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
12
• No caso de ambos – reparte-se em porções. Mas se o cônjuge concorrer com mais de 3
filhos há uma exceção de que o cônjuge fica com ¼ da herança, dividindo-se os restantes
¾ em parcelas iguais pelos filhos (art. 2139º/1)
• Só descendentes – herança legítima divide-se pelos filhos em partes iguais.
o Porção que cabe aos filhos é sempre igual entre eles (concorram ou não com o
cônjuge), ainda que não se esteja perante idêntica modalidade de filiação ou
que uns tenham sido dentro e outros fora do casamento.
o Os descendentes de segundo grau são chamados à sucessão legítima em
representação do descendente de 1º grau que não quis aceitar a herança (art.
2140º)
• Só cônjuge – concorre sozinho (não havendo ascendentes) – art. 2141º
2ª classe: ocorre quando não houver descendentes (art. 2142º/1)
Sucessão legítima dos ascendentes pressupõe que o vínculo de parentesco no primeiro grau da
linha reta com o de cujus tenha sido legalmente constituído e registado, e que não tenha sido
eliminado retroativamente.
➢ A perfilhação posterior à morte do filho não confere qualidade de sucessível (art. 1856º)
O cônjuge não será chamado se se verificar alguma das situações que impediam o seu
chamamento na primeira classe.
• Ambos chamados – exceção à regra da divisão por cabeça (art. 2142º/1)
• Só ascendentes – art. 2142º/2
• Só cônjuge – art. 2144º; só tem lugar se não houver nenhum ascendente que possa ou
queira aceitar a herança legítima.
3ª classe: na falta de cônjuge e de parentes na linha reta
Quinhão é idêntico entre irmão bilaterais ou entre irmãos unilaterais (art. 2136º).
No caso de irmãos bilaterais e irmãos unilaterais, o dos irmãos bilaterais é o dobro dos
unilaterais (art. 2146º).
➢ A cada parte de um irmão unilateral, correspondem 2 partes de um irmão bilateral. Ex:
Herança é 60. Há 1 unilateral e 1 bilateral. 1 parte do uni, 2 partes do bi 60/3 (partes)
= 20. Cada quinhão é 20. O uni recebe 20, o bi recebe 40.
4ª classe: prefere-se sempre o grau mais próximo
5ª classe: o Estado sucede após declaração de herança vaga
• Implica reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis legítimos (art.
2155º).
Atinge a finalidade que justifica a sucessão legítima.
Como há equiparação entre a adoção e a filiação biológica, o adotante deve ser considerado
um descendente equiparado a qualquer outro.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
13
• Não há sucessão legítima entre o adotado e os membros da sua família biológica (que
não sejam descendentes do adotado), a não ser que o adotado seja filho do cônjuge do
adotante, pois a adoção extingue as relações familiares entre adotado e os seus
ascendentes e colaterais biológicos.
• Integrado na família do adotante, o adotado é sucessível do adotante e igualmente
sucessível legal hereditário de vários parentes do adotante – que não consentiram na
adoção (OA critica pois a Reforma de 1977 permite que o adotante crie sucessíveis legais
para terceiros16
)
Cônjuge sucede sempre na primeira linha.
• Galvão Telles: resultado da reforma de 1977 em que a figura do cônjuge deu um salto
espetacular, uma vez que antes sucedia em 4º lugar se não houvesse descendentes e
ascendentes. Agora está em 1º lugar
• JDP critica pois o casamento já não tem essa importância toda na atual sociedade e no
atual contexto do Direito da Família.
Situação jurídica dos sucessíveis legítimos, em vida do de cujus
• Titular de interesse reflexamente protegido – não tem um direito de suceder nem uma
expetativa jurídica.
o Proteção muito contingente devido à variabilidade constante dos factos
designativos legais e à supletividade da designação legítima, colocada no último
lugar da hierarquia das modalidades de sucessão.
• Ao sucessível legítimo é reconhecida legitimidade para requerer a justificação da
ausência do de cuiús e a entrega de bens à luz do regime da curadoria definitiva, para
requerer a interdição e para intentar ações de nulidade e anulabilidade do testamento
antes da morte do testador.
Sucessão Legítima Anómala
Anomalia consiste no facto de não se exprimir numa designação de alguém a título supletivo
para ser titular de herança, mas sim será tutelar de um legado.
➢ Objeto da sucessão é um legado e não uma herança.
Transmissiva – reconhece-se a certas pessoas o direito de adquirir, por morte, uma
indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, entre o momento da lesão e o
momento do falecimento, que foram causados pelo ato que lhe viria a retirar a vida. Ex: a
angústia da morte iminente – art. 496º/4
• Não se refere a outros danos não patrimoniais (incluindo o dano morte) que são
transmitidos pelas regras sucessórias comuns.
• Não se funda em facto designativo e sim em relações familiares ou parafamiliares. Não
é um direito ex novo porque o direito existiu, enquanto tal, na esfera jurídica do de
cujus.
• É um legado porque diz respeito a um direito determinado e não à totalidade ou quota
de património.
16
Um motivo pelo qual a figura da adoção foi abolida em 1867
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
14
• Sucessão também é anómala quanto aos beneficiários (art. 496º/2 e 3), não observando
as regras da sucessão legítima.
Constitutiva – Situações jurídicas ativas que derivam de um direito (de propriedade)
preexistente no património do de cuius, que não existiam, como tais, nesse património, sendo
constituídos ex novo.
• Não se encontrava no património do de cujus e vêm recortados de um outro direito que
existia no património do cujus.
o Casos como a atribuição de direitos reais sobre a casa de morada comum ao
convivente em economia comum (art. 5º/1 e 2 da LEC); atribuições patrimoniais
ao cônjuge sobrevivo do direito de habitação da casa de morada de família e
respetivo recheio (art. 2103º-A e B)
• Estes direitos podem ser afastados pelo de cuiús mediante legados testamentários ou
pactícios dos bens a que esses direitos se referem. Atribuição preferencial surge num
contexto de partilha – se o de cujus atribuir a casa a alguém, então não se vai verificar a
sucessão legítima.
o Desde 2010 que já não pode acontecer à União de Facto que se tornou
imperativo.
Direitos objeto de legados legítimos são suscetíveis de avaliação – contabilização/avaliação do
valor total da herança. Por aplicação analógica do art. 2250º/2, ao sucessível chamado a suceder
simultaneamente como herdeiro e como legatário legítimo assiste a faculdade de aceitar a herança e
repudiar o legado ou vice-versa.
Regime da Sucessão Legítima
Críticas JDP:
1. Desvalorização social do vínculo matrimonial, que na sucessão impera,
independentemente da duração do vínculo, do regime de bens do casamento e do
relacionamento em concreto que tinha com o falecido.
2. Não articulação legal das regras sucessórias com as familiares é suscetível de originar
um enriquecimento do cônjuge que se mostra excessivo numa perspetiva absoluta ou/e
relativa.
3. Apesar de estarem separados de facto (sendo que mais dum ano pode fundamentar
divórcio sem consentimento, art. 1781º/a) o cônjuge é chamado à sucessão17
.
4. Sucessíveis supletivos ignoram fatores de proximidade efetiva entre eles e o de cuiús.
Não se prevê também (como no §2057 BGB) nenhuma compensação quando um
descendente tenha dado especial contributo pessoal ou patrimonial ao de cujus.
5. Exclui o unido de facto18
, enteados ou filhos do companheiro que tenham auxiliado.
6. Dá igualdade a filhos que podem ter comportamentos e proximidades diferentes com o
de cujus.
17
Há ordenamentos jurídicos que o preveem esta situação impedindo esse cônjuge de herdar
prioritariamente.
18
Terão direitos sobre a casa e sobre o recheio mas não têm direitos nenhuns sobre a herança. Quanto à
herança, o unido de facto do de cujus valerá menos que o Estado e a nada terá direito.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
15
Sucessão Testamentária
Art. 2179º e ss.
Testamento – facto designativo negocial que está na base da sucessão testamentária19
Noção do art. 2179º/1 – não é inteiramente rigorosa pois:
• Testamento não é mero ato jurídico e tem natureza negocial
• Testamento não tem de ser ato meramente de disposição de bens – como o art. 2179º/2
admite
• Testamento, podendo incluir perfilhação não é necessariamente revogável20
– art.
1858º
➔ JDP e OA: Negócio jurídico unilateral pelo qual alguém procede a
disposições de última vontade
Tem identidade própria e geralmente destina-se a fazer atribuições patrimoniais por morte –
fazendo deixas testamentárias a título de herança ou disposições a título de legado.
➢ É o conteúdo patrimonial que liga o testamento à sucessão em sentido técnico e faz dele
um ato específico – caracterização do testamento por referência ao seu conteúdo
patrimonial.
Testamento – 1)
negócio jurídico, 2)
mortis causa, 3)
unilateral, 4)
não receptício,
5)
gratuito, 6)
formal/solene e 7)
livremente revogável. Em regra, é negócio
8)
singular e 9)
pessoal quanto à autoria.
1) Apesar da eficácia pretendida pelo testador está dependente de conjugação de factos
estranhos à vontade do de cujus21
. Regulamenta a sua própria sucessão dentro de
certos condicionalismos legais.
• Na realidade o testamento não é algo que consiga automaticamente, por si só
e com a vontade do de cujus, que alguém adquira certo património. A pessoa
tem que aceitar após abertura da sucessão.
o Para as disposições testamentárias surtirem efeito, o beneficiário tem
que aceitar – ele adquire é o direito de suceder (e esse não precisa de
aceitar), que é o direito de aceitar ou repudiar
2) Disposições testamentárias só produzem efeitos após a morte do testador
3) Tem apenas uma parte.
• A exigência de declaração de aceitação para que se produzam os efeitos
queridos pelo testador não dá corpo a um contrato, cuja proposta seria o
testamento. Não há verdadeiro encontro de vontades, pois ou aceita ou repudia
a sucessão, como configurada pelo testador.
19
Que tem relevância sucessória pois é fum facto designativo – art. 2026º
20
Portanto descaracteriza o próprio conceito de sucessão testamentária e as suas características mais
importantes.
21
A sua morte e a aceitação dos bens pelos beneficiários.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
16
4) As disposições relevam antes de terem sido conhecidas/“recebidas” pelo beneficiário
que adquire o direito de suceder com a abertura da sucessão, não sendo
verdadeiramente destinatário do testamento.
• O beneficiário não é um declaratário, não há ninguém a proteger, porque o
negócio testamentário faz surgir logo um direito.
5) Encerra atribuição patrimonial do autor, sem contrapartida do beneficiário.
• Mesmo que onerada com um encargo (art. 2244º), não representa
contrapartida de atribuição pois se houvesse nexo de correlatividade, a não
satisfação do encargo determinaria a perda da liberalidade.
6) Para ser válido tem de se revestir de determinada forma prescrita na lei (art. 2204º e
ss.)22
7) E o testador não pode renunciar à faculdade da revogabilidade (art. 2311º/1)
8) Art. 2181º: proíbe o testamento em mão comum – fundado na liberdade de testar contra
pressões de terceiros.
• Há exceções.
• A intervenção de várias pessoas no testamento, além dum testador, não colide
com o princípio da unipessoalidade se for ditada por razões de ordem formal
(ex: notário ou testemunhas)
9) Art. 2182º/123
– apenas quanto a disposições testamentárias reputadas essenciais
(instituição de herdeiros, nomeação de legatários, determinação das deixas e
vinculatividade das cláusulas).
• Exceções no art. 2182º/2 e art. 2183º - situações de “delegação de
competências” com faculdades dos art. 2182º/2 e 2183º/2.
• Exceções na substituição pupilar e quase pupilar (art. 2297º a 2300º)
Testamentos sujeitos a disciplina especial ou a aplicação, com adaptações, da disciplina geral
atinente aos requisitos do negócio jurídico.
Requisitos de Fundo
Licitude do Objeto e do Fim:
• Fim – art. 2186º - ajusta o disposto no art. 281º ao testamento (negócio jurídico
unilateral). Ex: deixo uma casa para explorar prostituição de terceiros (fim contrário à
lei, art. 170º CP), para a prática de adultério (fim ofensivo aos bons costumes), para a
organização de atos terroristas (fim contrário à ordem pública).
• Objeto – aplica-se o art. 280º e quanto às condicionais e modais têm-se por não escritas
(art. 2230º e 2245º). Ex: deixo a lua (fisicamente impossível), a praia da Cornélia – bem
de domínio público (juridicamente impossível), uma “coisa qualquer” (indeterminado).
22
Existem formalidades muito estritas para o negócio testamentário que vão condicionar toda a sua
existência: art. 2180º - vontade tem de ser livre e esclarecida; art. 2181º - tem que haver liberdade de
autodeterminação sucessória; art. 2182º/1 – elementos essenciais do testamento
+ art. 2184º, 2185º e 2186º = artigos que enquadram de forma genérica as deixas testamentárias,
sejam patrimoniais ou não e se aplicam imperativamente e genericamente ao testamento
23
Testamento está à margem da ideia de que os negócios de âmbito patrimoniais são feitos, por
excelência, por procuração.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
17
Capacidade
Capacidade testamentária ativa (capacidade para se ser autor do testamento)24
• De gozo – só as pessoas singulares (art. 2188º)
• De exercício – todos aqueles que a lei não declare incapazes (art. 2188º)25
. Não significa
acesso a todas as formas de testamento (ex: quem não sabe ler não pode dispor em
testamento cerrado, art. 2208º)
Substituições Pupilar e Quase-Pupilar – meios de suprimento da incapacidade de testar que só
podem abranger os bens que o substituído haja adquirido por via do “testador” (progenitor que
exerce faculdade de substituição), embora a título de legítima (art. 2300º)26
• Pupilar: art. 2297º - quando progenitor sabe que filho vai morrer antes de fazer 18 anos,
mas depois da morte desse progenitor27
o Assegura que os bens do progenitor, a que o filho sucede, após a morte do filho
vão para as pessoas que o progenitor designa, pois o filho é incapaz de testar
o Não é necessário que o progenitor exerça diretamente e por si o poder tutelar
ou paternal, desde que esse progenitor seja considerado idóneo.
• Quase-Pupilar: art. 2298º
o O mesmo mas para o filho maior de 18 anos interditado28
• Há quem entenda que seja do lado passivo (Guilherme de Oliveira) e não do lado ativo (Pamplona
Corte-Real e JDP: substituídos são pessoas singulares incapazes de testar, autor da substituições
é representante legal desse incapaz; substituições caducam se os substituídos readquirirem
capacidade testamentária ativa.)
Legitimidade para dispor em benefício de certas pessoas
➢ Indisponibilidades Relativas: existem restrições à faculdade de dispor por morte em
benefício de certas pessoas (não se pode designar validamente qualquer pessoa como
sucessível).29
o Nominadas – arts. 2192º a 2198º
▪ O art. 2198º/2 diz que também se consideram interpostas (“inibidas”)
o cônjuge ou herdeiros presumidos de qualquer um dos sujeitos
mencionados nos artigos supra. Ex: não se pode designar o marido da
notária ou o filho da amante.
▪ Fundamento geral é a proteção da liberdade de testar (ou da disposição
patrimonial a título gratuito), pois supõe-se que o testador se encontra
numa situação de inferioridade suscetível de aproveitamento em favor
do beneficiário.
24
Não se confunde com a capacidade testamentária passiva – capacidade de suceder por testamento
25
No art. 2189º estão os incapazes. Mas há muitos incapazes que podem fazer testamento – o Direito das
Sucessões admite uma mais ampla capacidade de testar mas uma mais ampla capacidade de provar
incapacidade acidental nesse testamento (art. 2199º).
26
Não é exceção ao art. 2181º pois só há uma pessoa a testar
27
Sempre depois da morte do progenitor, sob pena de desnecessidade da morte pois se o filho morrer
antes do pai, esse pai é sucessível do filho (a deixa seria ineficaz)
28
Normalmente a interdição tem que já ter transitado em julgado para ser uma substituição válida. Houve
um acórdão (anos 1990) da Relação do Porto em que se diz que basta que a anomalia fosse conhecida.
29
Têm em vista todas as liberalidades e não apenas as testamentárias – os art. 2192º-2198º aplicam-se,
mutatis mutandi, às doações do art. 953º.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
18
▪ Fundamento do art. 2196º é a proteção da ordem matrimonial, pois o
adultério é a violação de um dever conjugal de fidelidade30
▪ Há exceções – art. 2192º, 2195º e 2196º/2
• Como há uma ligação entre o prazo de separação do facto
constante do art. 2196º/2/a e o do art. 1781º/a pelo que uma
interpretação sistemática e teleológica do art. 2196º/2/a
permite a validade se houver uma separação de facto há mais
de 1 ano.
o Inominadas – estão no livro da Família
▪ Art. 1650º/2 – reage à inobservância de 2 impedimentos matrimoniais
impedientes31
com situações de indisponibilidade relativa
▪ Sanciona a violação dos impedimentos aí referidos – sanções punitivas
civis, sujeitas ao princípio da legalidade, não sendo possível aplicar
analogicamente o art. 2198º
▪ Evita que uma das partes se aproveite de uma suposta posição de
superioridade para obter vantagens patrimoniais da outra
▪ Implica a nulidade das disposições testamentárias
Indisponibilidades relativas não são verdadeiras incapacidades e são meras ilegitimidades32
–
as disposições testamentárias são nulas, por causa de uma especial relação que existe entre o
autor e o beneficiário da deixa.
Circunstâncias de indisponibilidade têm de existir à data do testamento – pois acarretam a
invalidade das disposições testamentárias (desvalor que pressupõe vício originário do negócio
jurídico.
Consentimento/Vontade do autor do testamento
Regime especial do consentimento: art. 2180º e art. 2199º a 2203º
➢ Subsidiariamente pode aplicar-se as regras gerais sobre o consentimento no negócio
jurídico (art. 240º a 257º), adaptadas em função do caráter não receptício do
testamento.
Art. 2180º - exige vontade do testador, de forma clara, cumprida, livre e esclarecida.
➢ À declaração do testador deve estar subjacente a vontade de testar – pressupõe uma
vontade negocial e a coincidência entre a vontade negocial
30
Manifestação da oponibilidade erga omnes dos deveres conjugais – terceiros são obrigados a não
contribuírem para o incumprimento dos mesmos, que vinculam os cônjuges.
31
Antes eram 3 pois incluía-se a adoção restrita.
32
Embora se discuta se são ilegitimidades testamentárias ativas ou passivas:
• Artigos deste capítulo acentuam a vertente ativa (são nulas)
• Art. 1650º/2 acentua a vertente passiva (incapacidade de certas pessoas receberem)
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
19
Falta de Vontade Negocial
Incapacidade Acidental – art. 2199º - grande importância e ampliação na sucessão
testamentária, basta a prova da incapacidade acidental não se exige o requisito do
conhecimento ou notoriedade (cognoscibilidade) do art. 257º.33
• Âmbito reduzido das incapacidades testamentárias ativas amplia o âmbito de potencial
aplicação da incapacidade acidental ao testamento (podendo cobrir não só situações
temporárias como situações permanentes de incapacidade).
• Ausência de regime geral das outras situações – recorre-se às normas gerais, embora as
obrigações de indemnizar (dos art. 245º/2 e 246º) só existem nos negócios com
declaratário.
Divergência entre Vontade e Declaração
Art. 2200º - não havendo declaratário no negócio testamentário, o acordo simulatório é feito
entre o testador e a pessoa aparentemente designada no testamento (simulação relativa
subjetiva, por interposição fictícia de pessoa34
) – consequência da anulabilidade, e não nulidade da
parte geral
• Disposição testamentária dissimulada é válida nos termos do art. 241º/2; e há uma
também válida no art. 2259º/1
• Mas disposição por interposição fictícia de pessoa dificilmente será válida pois não
consta do testamento o verdadeiro beneficiário (faltando um mínimo de
correspondência entre o ato dissimulado e o contexto do testamento)
Reserva mental – art. 244º/2 – anulável a disposição testamentária contrária à vontade real do
testador (a vontade contrária do testador tem de ter um mínimo de correspondência no
contexto do testamento). Como não há declaratário, também não pode haver indemnização.
Art. 2203º - traduz conversão legal de disposição anulável em outra que corresponda à vontade
do testador.
Vícios na Formação da Vontade
Art. 2202º - anulação do testamento com base em erro-vício implica o preenchimento de 2
requisitos: essencialidade do erro e essencialidade resultante do próprio testamento.
• Não se admite prova complementar e tem de resultar do próprio documento chamado
testamento (aquele texto com aquela forma)35
o A coação, regulada no art. 2201º, já admite prova complementar
Requisitos de Forma
Para uma vontade ser respeitada, tem que haver certa forma no testamento – “a forma pode matar
a vontade, mas, é para defesa da própria vontade”
33
Pois a sucessão testamentária, como negócio não receptício, não tem a figura do declaratário.
34
Embora simulação absoluta ou simulação relativa objetiva sejam atendíveis no negócio testamentário,
por aplicação subsidiária das regras gerais – desvalor é anulabilidade, garantindo a unidade de
consequências associadas à simulação testamentária
35
Pois fala do próprio “testamento” e não da “interpretação do testamento” como no art. 2203º
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
20
Testamento caracteriza-se pela solenidade – sujeito a mínimo de forma.36
• Testamento Oral = Testamento Nuncupativo não é admissível, sendo nulo (art. 220º) –
exigência de forma escrita é requisito mínimo de validade do testamento.
Art. 2204º e ss. - Formas Comuns do Testamento
Art. 2210º e ss. – Formas Especiais do Testamnto
Art. 946º/2 – Forma Especialíssima – doação mortis causa
Art. 1704º - Forma Especialíssima – disposições testamentárias nas convenções antenupciais.
Formas Comuns do Testamento37
Acrescenta-se 1 forma às do art. 2204º, sendo as formas comuns de testamento as seguintes:
1) Testamento Público – lavrado por notário em livro de notas para testamentos públicos
(art. 2205º) e guardado no cartório;
a. não é feito por escritura pública;
b. pressupõe a intervenção de testemunhas instrumentárias (art. 67º/1/a e nº2
CN);
c. tem caráter confidencial38
2) Testamento Cerrado – manuscrito e com exigências do art. 2206º;
a. tem que ser aprovado pelo notário – implica a nulidade do Testamento
Ológrafo39
(aquele que é escrito e assinado pelo testador) e do Codicilo (é
escrito e assinado pelo testador contendo apenas deixas a título de legado ainda
que de pequeno valor);
b. aprovação notarial é de índole formal;
c. data da aprovação do testamento cerrado é a data do testamento (para efeitos
legais do art. 2191º e da verificação do preenchimento de outros requisitos de
fundo) – art. 2207º;
d. testador decide quanto à guarda e conservação do testamento
3) Testamento Internacional (art. 4º do Código Notariado) – escrito pelo testador em
qualquer língua e sem a exigência de ser manuscrito;
a. tem de ser elaborado nos modelos da LUFTI (Lei Uniforme sobre a Forma de um
Testamento Internacional);
b. deve ser assinado pelo testador e pode ser aprovado por notários (em território
nacional) e agentes consulares portugueses (no estrangeiro) – resulta do art. 1º
DL 177/79;
c. certificado do testamento internacional equivale à aprovação do testamento
cerrado40
;
d. testador decide quanto à guarda e conservação do testamento
36
As exigências de formalismo na lei portuguesa dão abertura à sucessão legal e não tanto à voluntária.
37
Em que o art. 32º/2 CN impõe o princípio da confidencialidade, antes da abertura da sucessão –
excetuando o testador ou seu procurador com poderes especiais.
38
O que não acontece nas escrituras públicas, que também não exigem testemunhas e são inscritas
noutro livro.
39
A lei portuguesa requer sempre mais que um documento escrito e assinado pelo testador com o título
de “Testamento” – exige-se a intervenção dum notário.
40
São figuras afins.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
21
Art. 38º/1 e 2 do CN regula a composição dos testamentos públicos e cerrados, das escrituras
de revogação de testamentos e dos instrumentos de aprovação de testamentos cerrados.
A composição e aprovação do testamento internacional – o certificado – é regulado pelos art.
3º e 10 da LUFTI.
Formas Especiais de Testamento
• Testamento Militar
• Testamento Marítimo
• Testamento feito a bordo de navio
• Testamento feito em caso de calamidade pública
Testamentos sujeitos a um prazo de eficácia – caducam 2 meses após a cessação da causa que
obstava a que o testador usasse as formas comuns do testamento (art. 2222º/1)
➢ Demonstra que o uso das formas especiais do testamento são uma exceção.
Não é forma especial o testamento feito por português em território estrangeiro (art. 2223º)
– trata-se aqui de uma restrição a uma regra de DIPrivado (do art. 65º) – para ser válido em
Portugal tem que ter forma escrita, com intervenção de entidade dotade de fé pública e
observando a lei estrangeira competente.
Testamento “Per Realtionem”
Art. 2184º - aquele testamento que remete para outro ato que completa uma disposição
testamentária. Ex: diz no testamento que deixa os bens que estão escritos num papel que está
na mesa de cabeceira a A e B.
• JDP41
: disposição testamentária remissiva só seria válida se o próprio documento para o
qual remete o testamento per relationem tiver a forma de testamento cerrado
o As disposições testamentárias essenciais42
devem observar uma certa
dignidade formal (e constar em testamento de forma solene), sob pena de
carecer de sentido a prescrição de uma forma legal para os testamentos – são
aquelas que têm de ser feitas pessoalmente pelo testador, exigindo-se forma
legal para o testamento (ou escritura pública pelo art. 946º)
o Se as disposições testamentárias não forem essenciais43
, são válidas se a
remissão for feita para documentos escritos e assinados pelo testador com a
mesma data ou anterior à do testamento (interpretação declarativa e a
contrario do art. 2184º, 2ª parte)
Interpretação do Testamento
Art. 2187º - contém normas especiais de interpretação do testamento e só na insuficiência
destas se recorre às normas gerais (dos art. 236º a 238º) – vontade do testador balizada pelo
testamento
nº1: orientação subjetivista – visa a deteção da vontade real do testador “apontada
para o momento presumível da morte”, ou seja, tem de detetar uma “vontade real, se
41
Contrário a Guilherme de Oliveira, Pires de Lima e Antunes Varela.
42
Elementos essenciais – art. 2182º/1 – determinação dos bens e das pessoas, não a sua repartição (que
pode ser delegada a terceiros); é o que se retira do art. 2182º/2 e 2183º
43
Entendido pela doutrina como aquelas que não estiverem abrangidas pelo art. 2182º/1
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
22
bem que conjetural…”44
– relevando apenas a vontade do testador manifestada pelo
“contexto do testamento” (atende-se ao teor de todo o testamento e da relação das
disposições umas com as outras e com o conjunto45
)
nº2: admite-se prova complementar extrínseca ao testamento, sem bem que tem de ter
um contexto mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa
Art. 236º tem uma orientação objetivista, pelo que não parece adequado ao testamento, no
entanto, se for impossível alcançar a vontade real do de cuius da forma subjetivista do art.
2187º, numa lógica de aproveitamento do ato, pode-se utilizar este artigo e legitimar a que se
interprete o testamento com o sentido que uma pessoa normal daria ao que foi declarado.
Art. 237º pode relevar para interpretar o testamento no sentido que se retire menos património
Art. 238º/2 tem sentido, substituindo “texto” por “contexto”, para disposições testamentárias
não essenciais.
Também há outras normas interpretativas de disposições testamentárias: art. 2225º a 2228º,
2260º, 2262º, 2263º, 2274º e etc.
Integração de Lacunas do Testamento
O cariz formal do negócio testamentário e o art. 2187º não autorizam a integração de lacunas
quanto a aspetos essenciais da sucessão testamentária (que, como decorre do art. 2182º/1,
devem ser regulados pelo próprio testador)46
.
➢ O art. 2185º prevê a integração de aspetos essenciais da sucessão testamentária se for
possível provar-se “de algum modo” e tornar determinada a pessoa. Ex: deixo tudo à
pessoa que me salvou. Se for possível identificar o sucessível por meio de prova –
testemunho de uma pessoa, relatório policial – ainda que não tenha mínimo de
correspondência no contexto do testamento, é possível essa pessoa suceder.
Art. 239º só é relevante no que toca a pontos secundários e instrumentais – aí o testamento
pode ser integrado em harmonia com a vontade do de cuius. Ex: depois de determinar que cargo
de testamenteiro era remunerado, o testador não fixa o valor da remuneração.
44
Pois o testamento é feito num momento para surtir efeitos noutro: o que o testador quereria (vontade
real), quando escreveu o testamento, para o momento da sua morte (vontade conjetural).
45
Isto confere uma maior latitude ao apuramento da vontade real no testamento que na maioria dos
negócios formais – que apenas atendem ao “Texto”. Isto porque há uma irrepetibilidade no testamento
que só é aberto aquando da morte do seu autor. Valoriza-se os elementos que reproduzam a vontade real
do testador.
46
Se não se conseguir extrair do testamento o que o de cujus queria, então essas disposições não são
válidas – sendo que quem beneficia destas situações é o sucessível legítimo.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
23
Conteúdo Pessoal e Patrimonial do Testamento
Art. 2179º
Caráter pessoal/não patrimonial – 1. situações de perfilhação (art. 1853º/b)47
, 2. declaração
de maternidade (art. 114º/ e 129º CRC), 3. designação de tutor (art. 1928º/3) e sufrágios ou favor
da alma (missas, orações e etc.)48
• Doutrina apresenta outros: instituição de fundação (art. 185º/1), confissão extrajudicial
(art. 358º4), designação de administrador de bens e revogação (art. 1967º e 1968º),
deserdação (art. 2166º/1), reabilitação de sucessível indigno ou deserdado (art. 2038º,
2166º/2), revogação do testamento (art. 2315º e 2316º), nomeação de testamenteiro
(art. 2320º)
o É questionável a arrumação no campo exclusivamente pessoal, dado o efeito
que elas têm – efeito patrimonial
Art. 2179º/2 – só podem figurar num testamento as disposições cuja inclusão seja permitida
(expressa ou tacitamente) por um certo preceito legal.
➢ Permite inserir no testamento todas as disposições de caráter não patrimonial cuja
inclusão não seja vedada, direta ou indiretamente, pela própria lei.
Geralmente podem versar as situações de caráter não patrimonial suscetíveis de serem
exercidas por ato unilateral do seu titular – tal como aquelas acerca do próprio corpo, funeral,
transferência post mortem de embrião e etc.
Não se deve hiperbolizar o conteúdo pessoal pois é a centralidade do conteúdo patrimonial que
liga o testamento à sucessão em sentido técnico.
Caráter patrimonial – destacam-se duas distinções (conteúdo principal vs. conteúdo acessório
e conteúdo comum vs. conteúdo anómalo)
Conteúdo Principal
Herança – quando autor atribui uma quota da herança. Calcula-se tendo por base o R, deduzido
do P – raciocínio lógico que se deduz do sistema e em que não se computa o donatum pois não
há disposição legal que o imponha49
➢ VTH Testamentário = R - P
Legados 3 classificações de legados
1. Classificação Romanista
a. Legados per vindicationem – implica a atribuição da propriedade ou de outro
direito real – objeto é direito real
b. Legados per damnationem – atribui ao legatário um direito de crédito contra o
herdeiro – objeto é direito de crédito
2. Classificação de Galvão Telles
47
Sempre irrevogável e não é prejudicada pela revogação do testamento em que tenha sido feita (art.
1858º)
48
Válidos quando o testador designe os bens que devem ser utilizados para esse fim ou quando seja
possível determinar a quantia necessária para o efeito, recaindo o encargo correspondente sobre o
herdeiro ou legatário (art. 2224º) – tornam-nas em conteúdo patrimonial
49
E computar o donatum é fazer uma restrição, pelo que só pode haver restrições impostas pela lei.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
24
a. Legados dispositivos – diminuição do ativo da herança, podendo ser de direitos
reais e de crédito preexistentes como tais no património do de cujus. Legados
de direitos novos formados à custa de direitos preexistentes no património do
falecido (ex: deixa de usufruto de um bem que pertencia ao de cuius). Legados
de exoneração de obrigações (o de cuius beneficia o legatário perdoando-lhe
uma dívida que tinha para com ele)
i. Art. 2269º e 2271º contêm normas supletivas, na falta de disposição do
testador
ii. Art. 2272º, 2261º, 2273º, 2258º
b. Legados obrigacionais – aumentam o passivo hereditário. O legatário adquire
um direito perfeitamente novo que não foi sequer constituído à custa de um
direito preexistente do autor da sucessão (ex: legado de coisa pertencente a
terceiro em que o testador sabia quem era o proprietário da mesma; de cujus
atribui bem de 3º, de que não tem direito quando morre. Mas sabe que esse 3º
vai entregar o bem pela compensação que a herança lhe trará – não afeta o
ativo (nunca esteve no seu património), mas afeta o passivo porque terá de dar
contrapartida para que o 3º dê o bem.)
3. Classificação em Típicos vs. Atípicos
a. Típicos – tipificados na lei
i. Legados de coisa onerada, de crédito, de prestação periódica, de
alimentos, de usufruto
ii. Legado de coisa alheia – art. 2251º, 2252º, 2254º, 2256º - testador
deixa uma coisa que, no todo ou em parte, não lhe pertence. Não está
no património do testador no momento da sua morte. Em regra é nula.
➢ Exceções: não pertencia ao testador na feitura do testamento
mas depois tornou-se sua (tem-se como se fosse do testador ao
tempo do testamento – art. 2251º/3); pertence ao património
do casal (art. 1685º/3) e beneficiário apenas adquire o direito
de exigir o respetivo valor em dinheiro (art. 1685º/2); válido se
não lhe pertencia no todo (art. 2252º/1/1ª parte) e válido se o
testador não sabia que não lhe pertencia a totalidade da coisa
(art. 2252º/2/2ª parte); válido se pertencia ao legatário (art.
2256º/2)
iii. Legado de coisa genérica – art. 2253º - tem por objeto uma coisa
indeterminada de certo género. Escolha cabe ao sucessor onerado com
o encargo, exceto se a escolha for atribuída ao legatário ou a terceiro
(art. 2266º). Se não houver no património do testador coisa do género,
a deixa será válida enquanto legado de coisa alheia.
iv. Legado alternativo – art. 2267º - tem por objeto duas ou mais coisas
para que seja escolhida uma (regime adaptado ao das obrigações
alternativas)
Conteúdo Anómalo
Demarca-se do conteúdo comum e inclui o conteúdo acessório, instituição de fundações,
substituição direta e a fideicomissária (estipulações do testador destinadas a originar vocações
de sucessíveis que estão sujeitos a cláusulas acessórias peculiares)
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Conteúdo acessório do testamento – art. 2229º e ss.
• Condições: muitas alinham pelas regras gerais e as condições já vêm desde há muitos
séculos e muitas vezes estão em legislação avulsa – em regra permite-se a nomeação de
legatário ou instituição de herdeiro sob condição suspensiva ou resolutiva.
o Quanto às condições ilícitas ou impossíveis, não advém a nulidade do art. 271º,
mas sim o disposto no art. 2230º - alguns exemplos de condições contrárias à
lei (que acarretam a nulidade) estão nos art. 2231º, 2232º, 2233º
• Termos: atitude do legislador não é generosa; admite-se para nomeação de legatário
mas não tem projeção prática – art. 2243º. A inadmissibilidade dos termos não prejudica
as disposições principais
• Encargos/Cláusulas modais: distinguem-se da condição (da qual depende a eficácia da
deixa), pois no encargo, se a pessoa não cumpre, não perde o bem; há possibilidade de
se exigir que ela cumpra o encargo – qualquer interessado pode exigir o cumprimento
(art. 2247º) e haver resolução (art. 2248º).
o Art. 2244º.
o O encargo distingue-se da condição suspensiva pois não impede a produção de
efeitos da disposição testamentária e apenas vincula o beneficiário a adotar
determinado comportamento.
o O encargo distingue-se da condição resolutiva pois na condição a liberalidade é
configurada pelo autor como mero instrumento para obter finalidade enquanto
que no encargo, o autor quer beneficiar alguém com uma atribuição
patrimonial, mas aproveita para alcançar um objetivo.
Instituição de Fundações
Art. 185º a 188º
Ato de instituição de fundação por testamento não pode ser revogado pelos herdeiros do
testador, mas não está imune ao instituto de redução de liberalidades (art. 185º/4).
➢ Matéria das fundações e sua instituição estão na parte geral – problema conceptual
inicial de que o de cujus deixa bens a um ente que ainda não tem personalidade jurídica;
resolve-se instituindo-a
Ineficácia lato sensu do testamento
Abarca-se a inexistência, a invalidade, a revogação e a caducidade, mas, também, as que
resultam de inoficiosidades.
Inexistência – correspondem às do negócio jurídico em geral e estão submetidas ao regime
geral – disposições testamentárias inexistentes não produzem qualquer efeito e podem ser
invocadas por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial.
Invalidade – regras especiais para o negócio testamentário – regime específico para as
invalidades da sucessão testamentária que se demarcam dos demais desvalores do negócio
jurídico em geral.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
26
• Art. 2308º/1 – ação de nulidade caduca ao fim de 10 anos e nesse tempo pode ser
invocada por um interessado; diferente da nulidade geral que é invocável a todo o
tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal
o Interessados na arguição das invalidades: todos os que serão chamados a
suceder se o testamento ou a disposição for invalidade (será os sucessíveis
legítimos, por exemplo)
• Art. 2309º - nulidade testamentária atípica é suscetível de confirmação (o que não
acontece com a nulidade típica; e esta distingue-se da do art. 288º pois não sana
completamente a invalidade)
• Art. 2310º - atribui caráter imperativo ao regime de arguição das invalidades.
Relevância das invalidades testamentárias está inteiramente dependente da ação ou omissão
dos particulares e são eles os únicos que a podem invocar. E a eles cabe também a faculdade de
sanar a invalidade.
➢ JDP: não se pode dizer que a nulidade típica, sem prazo e suscetível de conhecimento
oficioso, regulada no art. 286º, não se aplica ao negócio testamentário.
o Essa nulidade afeta as disposições testamentárias, condicionais ou modais,
ilícitas ou impossíveis, que se têm por não escritas. E também se aplica às
disposições testamentárias principais ilícitas, impossíveis, com fim ilícito ou que
não observem a forma legalmente prescrita.
Por ordem de gravidade, a invalidade do negócio testamentário é: nulidade típica, nulidade
atípica e anulabilidade atípica.
➢ Normalmente utiliza-se a nulidade atípica, criada especialmente para o negócio
testamentário. Nas situações que forem incompatíveis com o dar relevância aos
interessados para agirem, haverá nulidade típica.
Revogação – ato jurídico do autor do testamento pelo qual ele manifesta vontade de extinguir
o negócio que se realizou – manifestação de vontade do autor da sucessão contrária às
disposições que inicialmente fez.
➢ É um modo de extinção e de ineficácia do negócio jurídico que se demarca da
caducidade (pois esta última não consiste num ato jurídico e o seu efeito decorre de um
facto jurídico).
Art. 2311º/1 (que reforça uma das características essenciais do testamento do art. 2179º/1).
Revogação total e revogação parcial
Revogação expressa, tácita e real
• Expressa: testado declara, em testamento posterior ou escritura pública subsequente,
que revoga no todo ou em parte o testamento anterior (art. 2312º)
• Tácita: testador faz testamento posterior incompatível (art. 2313º/1)50
50
Um pacto sucessório posterior e incompatível também é uma manifestação revogatória tácita – se
fosse ao contrário (testamento a revogar tacitamente um pacto designativo) o testamento poderia ser
válido mas era tido como não eficaz
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
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o Art. 2314º alude a estas duas modalidades de revogação – roboração do art.
213º/2 tem de ser feita em testamento posterior e não se aplica à revogação
real
• Real: destruição física do testamento ou da coisa legada (bem como a sua
transformação ou alienação) – art. 2315º e 2316º51
o Por inutilização só se aplica ao testamento cerrado (e, por maioria de razão, ao
testamento internacional) enquanto que a alienação ou transformação da coisa
legada se aplica a testamento cerrado e testamento público
o Se a destruição for por pessoa diversa do testador, pelo testador sem intenção
revogatória ou quando o mesmo se encontrava privado do usa da razão, então
torna-se caducidade.
o Não há revogação se se provar que o testador, ao alienar ou transformar a coisa,
não quis revogar o legado (sendo este eficaz como legado de coisa alheia). Se
for alienada por outro testamento do testador, então a revogação é tácita.
Caducidade – art. 2317º tem elenco exemplificativo dos casos de caducidade. Há outros que
se detetam:
• instituição testamentária de fundação que não tenha sido reconhecida em virtude de o
fim visado não ter sido considerado de interesse social (art. 188º/1);
• cônjuge que violou prazo internupcial ao voltar a casar (art. 1650º/1);
• caducidade da convenção antenupcial (art. 1704º e 1716º);
• invalidade ou revogação de disposição testamentária em convenção antenupcial (art.
1706º/1);
• ultrapassagem do prazo do art. 2059º, ultrapassagem do prazo de eficácia das formas
especiais de testamento (art. 2222º);
• não verificação da condição suspensiva ou preenchimento da condição resolutiva (art.
2229º);
• legado de coisa adquirida pelo legatário nos termos do art. 2257º;
• impossibilidade superveniente de leitura;
• legado de coisa certa que tenha perecido por causa não imputável ao testador.
Situação jurídica dos sucessíveis testamentários, em vida do de cuius
É apenas titular de um interesse reflexamente protegido e as invalidades testamentárias e
declaração judicial de indignidade tutelam diretamente o consentimento do de cuius.
➢ A entrega dos bens aos sucessíveis testamentários, no âmbito da curadoria definitiva,
não traduz a atribuição de um verdadeiro direito de suceder por via testamentária.
Devido à faculdade de revogação, a qualidade de sucessível é extremamente precária.
51
já foi considerada situação de revogação tácita, sendo autonomizadas dessa categoria. Tem a ver com
a coisa (vem de “res”). Age sobre o próprio testamento cerrado (art. 2315º) ou age sobre a coisa versada
pela deixa (art. 2316º)
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
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Sucessão Contratual
Art. 2028º prevê 3 modalidades de pactos sucessórios:
1. pactos renunciativos (mediante os quais alguém renuncia à sucessão de outrem ainda
vivo);
2. pactos aquisitivos/designativos (mediante os quais alguém regula a própria sucessão –
doações por morte, mediante as quais o doador designa o donatário seu herdeiro ou
legatário.);
3. pactos dispositivos (mediante os quais alguém dispõe de sucessão de terceiro ainda não
aberta).
Art. 2028º/2 – apenas são válidos os pactos sucessórios previstos na lei – resulta que são
nulos os pactos renunciativos e dispositivos, mas podem ser válidos os pactos designativos.
52
• Nulidade típica dos negócios jurídicos (art. 285º e ss.), não sendo aplicável a
nulidade atípica, exclusiva das disposições testamentárias (art. 2308º e ss.).
Regra geral de proibição de pactos sucessórios destina-se a garantir a faculdade individual de
decisão53
– de decisão do de cuius quanto à disposição por morte de seus bens e do sucessível
quanto ao exercício do direito de suceder.
• Isto porque o pacto sucessório é ato bilateral que, em princípio, não é livremente
revogável pelo doador – bilateralidade do pacto condiciona o teor das deixas a título de
herança e de legado.
• Os atos de aceitação e repúdio (dos pactos dispositivos e renunciativos), estando
integrados em contratos sucessórios, foram concertados entre o autor e a outra parte,
não sendo unilateralmente revogáveis e como são praticados numa altura em que a
sucessão não está aberta, o seu autor ainda não está em condições de tomar uma
decisão esclarecida (dada a suscetibilidade de variação do património hereditário e do
mapa de sucessíveis até ao momento da morte do de cuius).
Pactos Sucessórios Designativos
Em regra, as doações por morte são nulas – art. 946º/1 ex vi art. 2028º/2
• Doações mortis causa inválidas são alvo de conversão em disposições
testamentarias – art. 946º/2 – que exige que se tenham observado as formalidades
dos testamentos54
– conversão legal em que o negócio muda de natureza de doação
para disposição testamentária.
52
Sucessão contratual é pária, pois em regra é inválida. Encontra-se a válida no livro da Família e no art.
946º de Obrigações.
Expressão “pacto sucessório” só aparece escrito no art. 1755º/2 = doação por morte = doação mortis
causa.
53
Têm pouca admissibilidade porque se tem de proteger a vontade do doador.
54
Como é raro, doutrina (OA, Carvalho Fernandes, Pamplona Corte-Real) entende que basta a doação por
morte ser feita por escritura pública – aproxima-se do testamento público.
Art. 946º - partes celebram contrato, mas que vai valer apenas como disposição testamentária –
conversão legal se se verificarem as formalidades da escritura pública.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
29
o Conversão legal do art. 946º/2 tem implicações de regime – negócio
concebido como doação, sujeito à revogação por mútuo consentimento,
acaba por ser livremente revogável pelo disponente.
Art. 1704º não se refere a doações por morte mas a disposições testamentárias – pois há apenas
uma parte, o autor da sucessão; enquanto que a doação por morte implica uma proposta de
alguém e aceitação de outrem55
Para pacto sucessório ser válido tem de: ser designativo, em convenção antenupcial
e em que uma das partes é esposada.
• Pactos sucessórios designativos têm de ser feitos em convenção antenupcial – art.
1699º/1/a, 1700º, 1701º, 1705º e 1710º.
• No pacto sucessório tem de estar um esposado como doador ou donatário – art.
1700º/1
o Só é válido se naquela doação por morte intervém como parte um dos
esposados a cujo o casamento se refere a convenção antenupcial que
institui o pacto sucessório. 56
Se não se observar esta forma, as doações por morte, quanto muito, valem nos termos do art.
946º/2 (ex vi art. 1756º/2).
• Se observarem as condições, pactos designativos são admitidos em nome do
princípio do favorecimento matrimonial.
Primeiro temos de ver se é válido (art. 1702º), se não for temos de ver se vale como outra coisa
(art. 946º/2).
Apurando-se a validade, temos de ver outra situações: se estava em convenção antenupcial e
se celebrou casamento (não caducou a convenção antenupcial)
Admitem-se cláusulas de reversão ou fideicomissárias (art. 1700º/2), aplicando o art. 960º e
2286º a 2296º, respetivamente.
• São revogáveis livremente e a todo o tempo pelo doador (art. 1707º)57
• Por igualdade ou maioria de razão, pode apor-se aos pactos cláusulas de substituição
direta (subordinadas a disciplina de revogação idêntica à das cláusulas de reversão ou
fideicomissárias e, mutatis mutandi, aos art. 2281º a 2285º).
Pactos designativos válidos podem agrupar-se sob dois critérios:
Critério do Beneficiário
Em que se tem de distinguir as doações por morte feitas por esposado em favor de terceiro e doações
para casamento por morte (art. 1700º/1)
55
E não é livremente revogável, em princípio, ao passo que o testamento, no seu conteúdo patrimonial é
56
Isto porque o fundamento dos pactos sucessórios é a estabilidade da vida familiar.
57
Desvio, raro, à lógica da sucessão contratual
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
30
Art. 1700º/1/a – modalidade de doação para casamento por morte = Doações mortis causa
para casamento
Donatário é sempre um esposado
• Regime do art. 1753º a 1760º
• Art. 1701º a 1703º ex vi art. 1755º/2 – art. 1755º/2: doações mortis causa para casamento,
mandando aplicar o previsto nos art. 1701º a 1703º, sem prejuízo dos art. 1756º a 1760º.
o Doações mortis causa para casamento feitas por terceiros só podem ser
revogadas por mútuo consentimento das partes – não é possível a revogação
unilateral (expressa), nem é lícito ao doador prejudicar o donatário por atos
gratuitos de disposição (art. 1701º/1), inter vivos ou mortis causa.
o Doações mortis causa para casamento entre esposados são irrevogáveis – art.
1758º; art. 1701º/1 a contrario)
Art. 1700º/1/b – modalidade de doações mortis causa de esposado a favor de terceiro
Doador é sempre um esposado
• Regime do art. 1705º, 1701º e 1702º (ex vi art. 1705º)
o Doações mortis causa a favor de terceiro só podem ser revogadas por mútuo
consentimento das partes – art. 1705º/1 e 1701º/1.
▪ Pode ser livremente revogada pelo esposado-doador se este tiver
reservado contratualmente a faculdade de revogação unilateral (art.
1705º/2)
Limitações ao exercício do direito de disposição a título gratuito pelo doador.
Limitam também as prerrogativas do donatário, que aceitou a proposta de doação por morte
em vida do de cuius.
• Adquire automaticamente estatuto de sucessor se tiver capacidade sucessória
passiva, obtendo a titularidade das situações jurídicas patrimoniais abrangidas pelo
pacto sucessório, sem ter que voltar a aceitar e sem ter a faculdade de repudiar.
o Confirmado pelo art. 2055º que só coloca o problema da aceitação ou do
repúdio após o chamamento, no que respeita aos títulos legais e
testamentário.
o Na altura da abertura da sucessão, a posição do sucessível contratual é
análoga à do Estado, enquanto sucessível legítimo (art. 2154º)
Caducidade varia em razão do beneficiário
• Doações para casamento por morte: art. 1703º/158
– caducidade dos pactos
sucessórios para casamento nos casos previstos no art. 1760º/1/a.
• Doações mortis causa de esposado a favor de terceiro: art. 1705º/4 - caducidade dos
pactos sucessórios de o donatário falecer antes do doador a não ser que se verifique
situação do art. 1703º/2.
58
Sendo que o art. 1703º/2 é o único caso de direito de representação no regime da sucessão contratual
– tem que ser um filho daquele casamento; tem de ser feita por terceiro (e se for outro esposado, caduca)
➢ Solução que acautela a vontade hipotética do doador, que quis beneficiar aquele casamento e
aqueles que surgissem por via daquele casamento – coerência com o princípio do favorecimento
matrimonial
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
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• Art. 1791º/1 – caducidade dos pactos sucessórios no caso de divórcio (ou separação
nos termos do art. 1794º).
• Art. 1705º/1 e 1716º - caducidade dos pactos sucessórios nos casos de caducidade das
convenções antenupciais.
• Art. 1706º/1 – caducidade dos pactos sucessórios se ficar designado na convenção
antenupcial o caráter correspetivo59
das duas disposições, a invalidade ou revogação de
uma produz a caducidade da outra.
Pacto sucessório anterior prevalece sobre posterior.
Critério do Objeto
Contraposição dos pactos de instituição de herdeiro e pactos de nomeação de legatário.
• Através dos pactos sucessórios podem ser designados herdeiros ou legatários,
independentemente de quem seja o beneficiário.
Art. 1702º - regula instituição de herdeiro em favor de esposado (sendo aplicável à instituição
de terceiro ex vi art. 1705º/1).
Quando o objeto é uma quota de herança
Art. 1702º/1 – Cálculo do VTH Contratual:
• R (inclui bens que foram eventualmente objeto de disposições testamentárias ou
doações por morte) + Dposterior ao pacto (tanto as doações em vida como as por
morte e testamentárias) – P
Quando o objeto é totalidade da herança
Art. 1702º/2 – Doador pode dispor gratuitamente, em vida ou por morte, de uma terça parte
dessa herança, quantificada com base no cálculo do VTH Contratual
Quando o objeto é um legado
Art. 1701º/2 e 3 – disciplinam a situação do legado contratual
• O bem legado por doação mortis causa não pode ser alienado pelo doador (nem a
título gratuito nem oneroso) – a não ser que a alienação se funde em grande
necessidade própria ou da família e tenha havido autorização do donatário.
• Alienação ilícita do bem legado é nula nos termos do art. 294º e a invalidade é
invocável pelo legatário antes da abertura da sucessão.
• Ato de disposição mortis causa de bem previamente legado por pacto sucessório é
igualmente nulo por força do art. 294º..
Relação entre autor da sucessão e terceiro adquirente ou beneficiário da liberalidade mortis
causa – nulidade atípica, aplicando-se analogicamente os art. 892º e ss., art. 956º ou art. 2251º.
Alienação lícita de bem deixado por pacto sucessório converte o legado contratual de bem
determinado num legado de valor ou dinheiro.
59
Quando estão incindivelmente vinculadas uma à outra, no ânimo do disponente, de tal modo que cada
uma delas tenha como condição ou como motivo essencial a realização da outra.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
32
Situação do sucessível contratual em vida do de cuius é análoga à do legitimário.
• Sucessível contratual não tem direito de exigir os bens doados por pacto sucessório em
vida do de cuius, mas beneficia e tutela contra negócios subsequentes.
o Titular de expetativa jurídica, antes da abertura da sucessão pois as doações em
vida posteriores ao pacto são suscetíveis de impugnação lato sensu (art.
1701º/1).
▪ Expetativa mais forte no caso do legatário (pode arguir a nulidade de
negócios subsequentes ao pacto que tenham caráter gratuito ou
oneroso) do que o herdeiro (só pode impugnar negócios gratuitos
posteriores).
Sucessão contratual anómala?
Há alguns negócios bilaterais que não se enquadram, à primeira vista, na definição de negócios
sucessórios mas que apresentam uma relevância sucessória ou desempenham função de
atribuição patrimonial parecida com as deixas testamentárias e pactícias.
Doações em vida têm reflexos sucessórios – o seu valor integra a massa de cálculo que permite
o apuramento do montante da legítima (art. 2162º/1) e da contratual (art. 1702º/1) e a sua
eficácia pode ser total ou parcialmente atingida, a requerimento dos herdeiros legitimários .
• Caso das doações cum moriar (doações com reserva de usufruto);
• Doações si praemoriar (morte do doador funciona como condição da atribuição
patrimonial);
• Doações que realizam a partilha em vida (art. 2029º);
• Doações em vida imputáveis na legítima subjetiva do donatário.
Particularidades das doações em vida (negócio inter vivos) terem efeitos sucessórios e serem
imputáveis na quota indisponível.
Doações feitas a sucessíveis legitimários prioritários tendem a ser imputadas na legítima
subjetiva do donatário, preenchendo a respetiva quota hereditária de modo antecipado.
➢ Têm componente de pacto sucessório renunciativo: ao aceitar uma proposta de doação,
o legitimário aceita que a totalidade ou parte da sua quota hereditária injuntiva seja
antecipadamente preenchida, renunciando à intangibilidade qualitativa da legítima.
Há vários exemplos:
• Art. 443º - contrato a favor de terceiro – pode consistir em liberalidade destinada a produzir
efeitos após a morte do promissário. Ex: seguro de vida, que apesar de de aplicar várias regras
sucessórias (colação, imputação e redução; indignidade e deserdação, indiretamente, por via do
instituto da revogação por ingratidão), o contrato não corresponde a pacto sucessório
designativo. Mas o prémio desse seguro de vida pode ser tratado como doação em vida, uma vez
que é o produto de uma contribuição efetuada pelo promissário em vida, sendo contabilizado
no valor total da herança contratual ou legitimária e estando sujeito a colação, imputação de
liberalidades e redução por inoficiosidade.
• Casos de contas nos bancos e contas solidárias.
• Participação social que se pode transmitir (em que o destino da participação social é
determinado pelas regras sucessórias comuns) ou extinguir.
Licitude de um “trust” pode enfrentar obstáculos, faltando uma disposição legal
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
33
Sucessão Legitimária
Modalidade autónoma60
da sucessão.
➢ Art. 2027º contrapõe a sucessão legítima à legitimária, sendo claramente demarcadas
uma da outra.
Pamplona Corte-Real: sucessão legitimária é a coluna vertebral do sistema sucessório.
Sucessão legitimária tem como fundamento a proteção da família mais próxima do de cuius –
justificada por normas constitucionais.
➢ Representa, no entanto, um limite à eficácia da sucessão voluntária e das doações em
vida.
É injuntiva – não pode ser afastada pelo autor da sucessão
Art. 2156º a 2178º.
Legitimária não existe sempre e só existe quando há as categorias de sucessíveis do art. 2157º
- que sucedem pelas regras dos art. 2133º/1/a, b; 2134º; 2135º; 2136º.61
Art. 2156º - Legítima Objetiva = Quota Indisponível
• Varia de 1/3 a 2/3 consoante a categoria dos sucessíveis legitimários (art. 2158º a
2161º).
o O valor varia consoante a categoria dos herdeiros (ao contrário do que se passa
em outros ordenamentos jurídicos em que tal é invariável)
o Legítima Subjetiva – quota da herança que cabe a um sucessível legitimário
• Divisão é feita por cabeça, a não ser nos casos de direito de representação62
, de
concurso do cônjuge com mais de 3 filhos ou com ascendentes.
• Cônjuge sobrevivo é sucessível legitimário privilegiado – e essas vantagens podem
cumular-se com as vantagens patrimoniais eventualmente decorrentes de um regime
matrimonial diferente do da separação de bens.63
Opõe-lhe a Quota Disponível, porção que o de cuius pode dispor livremente a título gratuito.
➢ A contrario sensu do art. 2156º
Cálculo da Legítima
Art. 2162º/2 dá-nos a massa patrimonial que vai servir para determinação da quota indisponível
ou herança legitimária propriamente dita – obtém-se o valor total da herança para efeitos de
sucessão legitimária:
VTH = R + D – P
• Relictum – massa de bens existentes no património do de cuius no momento da
abertura da sucessão.
60
O nosso livro das sucessões é muito avançado e técnico, aceitando a vocação legitimária e a sua
autonomia.
61
Regras da partilha da herança da sucessão legitimária e da legítima são as mesmas pois os sucessíveis
são os mesmos. Embora os legitimários sejam apenas o cônjuge e os parentes na linha reta.
62
Direito de Representação só funciona na linha reta descendente – só pode existir direito de
representação quando houver direito a suceder.
63
Casos em que os cônjuges não estão em separação de bens ainda tem de se contabilizar a meação do
cônjuge sobrevivo.
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
34
o Inclui-se os bens deixados por testamento ou doados mortis causa (uma vez que
a transmissão da propriedade não ocorre em vida do autor das liberalidades –
são bens que só saem do património aquando após a morte do de cuius, no
momento da abertura da sucessão ainda lá estão) – incluindo aqui os legados.
o Inclui-se o valor dos bens próprios e da meação (se for casado em regime
diferente da separação de bens)
• Donatum – bens doados (em vida) e despesas sujeitas a colação.
o Valor que os bens tiverem no momento da abertura da sucessão.
o Não se contabiliza as coisas doadas que tiverem perecido em vida do de cuius
por facto não imputável ao donatário (art. 2162º/2)
• Passivo – todos os encargos da herança à exceção dos legados (do art. 2068º)
Soma-se o Relictum ao Donatum devido à imperatividade/injuntividade do art. 2162º/1 – porque
a lei o impõe64
.
Divergência entre a Escola de Lisboa e a Escola de Coimbra.
Escola de Coimbra: VTH = R – P + D
➢ Interpretação corretiva da norma pois é o Relictum que responde pelo passivo.
Escola de Lisboa: interpretação errada
➢ Pois art. 2162º tem instrumento de tutela quantitativa da legítima objetiva (assegura
que os sucessíveis legitimários recebam a sua legítima subjetiva), pelo que as doações
em vida são abstrata e ficcionalmente devolvidas ao património, para que o todo vá
responder pelas dívidas.
o Quis acautelar-se o afastamento dos legitimários pelo de cuius com a doação de
património.
Após determinar o VTH apura-se o valor da QI – tendo em conta que sucessíveis legitimários
sobreviveram ao de cuius.
Se não houver sucessão legitimária, ao valor do Relictum abate-se o Passivo e o valor das
liberalidades mortis causa. A consideração do Relictum e dedução do Passivo decorrem das
regras gerais sobre a sucessão e a herança.
Imputação de Liberalidades (negociais)
Operação de enquadramento contabilístico de liberalidades numa quota – quota disponível ou
indisponível? Há várias opções doutrinárias pois a lei não explicita.
• Imputam-se as liberalidades feitas pelo autor da sucessão em benefício de terceiro, i.e,
alguém que não seja sucessor legitimário na QD.
• Imputam-se as liberalidades feitas pelo autor da sucessão em benefício de sucessor
legitimário ou na QD ou na legítima subjetiva do beneficiário.
o Em princípio, as liberalidades são imputadas onde o autor da sucessão disser,
desde que a quota escolhida não esteja preenchida.
64
Tal como o art. 1702º o impõe à Contratual. A lei não impõe à Testamentária nem à Legítima, pelo que
nessas não se contabiliza o Donatum – na falta de disposição legal não se considera o Donatum
Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017
35
o Se não for possível apurar a vontade do autor da sucessão, há que distinguir
entre liberalidades em vida e liberalidades por morte.
▪ Em regra, as liberalidades em vida (caso das doações em vida) são
imputadas na legítima subjetiva do donatário.
▪ Em regra, as liberalidades mortis causa são imputadas na quota
disponível.
Intangibilidade da legítima
Posição do sucessível legitimário está associada a uma proteção especial, que se funda no
princípio da intangibilidade da legítima.
• Vertente qualitativa – art. 2163º, 2164º e 2165º - de cuius não pode, contra a vontade
do legitimário, substituir a sua legitima por uma deixa testamentária, preencher a quota
legitimária do mesmo com bens determinados ou onerá-la com encargos de qualquer
natureza.
• Vertente quantitativa – art. 2166º e 2167º; art. 2168º a 2178º – autor da sucessão está
impedido de privar o legitimário do valor, total ou parcial, que lhe assiste a título de
legítima.
Redução das Liberalidades
São redutíveis65
as liberalidades inoficiosas – aquelas que impedem o sucessível legitimário de
obter o montante da respetiva legítima.
Casos em que o valor das liberalidades feitas a terceiro excedem a quota disponível.
➢ Diferença entre o montante das liberalidades e o da quota disponível é o valor da
inoficiosidade.
o Valor da ineficácia das liberalidades em relação aos sucessíveis legitimários.
Liberalidades e vocações de sucessão voluntária nunca podem ultrapassar o valor da quota
disponível, quando ultrapassa (havendo inoficiosidade nesse valor), há redução por
inoficiosidade.
➢ Liberalidades inoficiosas são reduzidas, em tanto quanto for necessário para que a
legítima seja preenchida – afeta a eficácia das liberalidades, na medida do que for
exigível para eliminar a situação de inoficiosidade (art. 2169º).
Art. 2168º - todas as liberalidades são suscetíveis de redução
Art. 2170º - não é permitida a renúncia antecipada à redução por inoficiosidades
Art. 2171º66
- em primeiro as 1º)deixas testamentárias a título de herança, depois as 2º)deixas
testamentárias a título de legado e depois as 3º)liberalidades
➢ No âmbito da ordem da redução, as doações mortis causa são equiparadas às doações
inter vivos, em nome de uma certa identidade quanto ao regime de revogação.
65
Meio, por excelência, de proteção da legítima em geral e da dimensão quantitativa em particular.
66
Primeiro estão as deixas testamentárias porque o testamento é secreto até ao momento da morte e
não cria expetativas jurídicas, sendo, inclusive, revogáveis a todo o tempo
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  • 1. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 Regência: JORGE DUARTE PINHEIRO Introdução ............................................................................................................................................................2 Designação Sucessória..........................................................................................................................................5 Critério do Objeto.............................................................................................................................................5 Critério da Fonte...............................................................................................................................................8 Sucessão Legítima...............................................................................................................................................10 Sucessão Legítima Hereditária .......................................................................................................................10 Sucessão Legítima Anómala...........................................................................................................................13 Regime da Sucessão Legítima ........................................................................................................................14 Sucessão Testamentária .....................................................................................................................................15 Requisitos de Fundo.......................................................................................................................................16 Requisitos de Forma.......................................................................................................................................19 Conteúdo Pessoal e Patrimonial do Testamento ...........................................................................................23 Ineficácia lato sensu do testamento ..............................................................................................................25 Sucessão Contratual............................................................................................................................................28 Pactos Sucessórios Designativos.....................................................................................................................28 Critério do Beneficiário ..............................................................................................................................29 Critério do Objeto ......................................................................................................................................31 Sucessão contratual anómala? .......................................................................................................................32 Sucessão Legitimária ...........................................................................................................................................33 Abertura da Sucessão e Vocação Sucessória ......................................................................................................38 Abertura da sucessão – art. 2031º.................................................................................................................38 Vocação Sucessória ........................................................................................................................................38 Indignidade................................................................................................................................................40 Deserdação................................................................................................................................................41 Modalidades de Vocação....................................................................................................................................43 Vocação Originária vs. Subsequente..............................................................................................................43 Vocação Pura vs. Condicional, a Termo ou Modal .........................................................................................43 Vocação Única vs. Múltipla ............................................................................................................................43 Princípio da Indivisibilidade da Vocação....................................................................................................44 Vocação Direta vs. Indireta ............................................................................................................................45 Vocação Imediata vs. Derivada ......................................................................................................................45 Vocação Comum vs. Anómala........................................................................................................................46 Transmissão do Direito de Suceder................................................................................................................46 Vocações Indiretas .........................................................................................................................................48 Substituição Direta – art. 2281º ................................................................................................................48 Direito de Representação – art. 2039º......................................................................................................50 Direito de Acrescer – art. 2301º ................................................................................................................53 Substituição Fideicomissárias.........................................................................................................................56 Liberalidades em favor de sucessíveis legitimários .............................................................................................59
  • 2. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 2 A. Liberalidades inter vivos .............................................................................................................................60 I. Doações (isoladas) sujeitas a Colação......................................................................................................60 II. Doações (isoladas) não sujeitas a colação ..............................................................................................65 III. Doações integradas numa Partilha em Vida..........................................................................................66 B. Liberalidades mortis causa .........................................................................................................................67 Pré-Legado (art. 2264º)..............................................................................................................................67 Legado por Conta da Legítima (art. 2163º a contrario)..............................................................................67 Legado em Substituição da Legítima (art. 2165º).......................................................................................68 Deixas a título de Herança .........................................................................................................................69 Imputação Subsidiária................................................................................................................................70 Imputação ex se.........................................................................................................................................70 Tutela da Legítima...............................................................................................................................................70 Tutela Quantitativa.........................................................................................................................................70 Tutela Qualitativa ...........................................................................................................................................70 Cautela Sociniana – art. 2164º...................................................................................................................70 Princípio da Intangibilidade Qualitativa da Legítima ..................................................................................71 Natureza da Legítima Subjetiva ......................................................................................................................71 Da Pendência da Sucessão à Partilha ..................................................................................................................72 Fase da Pendência = Herança Jacente ............................................................................................................72 Aceitação e Repúdio ..................................................................................................................................73 Herança Partilhada .........................................................................................................................................74 Prova da qualidade de sucessor.................................................................................................................74 Meios de tutela do sucessor ......................................................................................................................75 Administração da Herança .........................................................................................................................76 Testamenteiro............................................................................................................................................77 Sonegação de bens da herança..................................................................................................................78 ALIENAÇÃO DA HERANÇA....................................................................................................................................78 LIQUIDAÇÃO E PARTILHA DA HERANÇA ..............................................................................................................79 Responsabilidade dos sujeitos pelos encargos da herança.............................................................................80 Modos de liquidação dos encargos da Herança..............................................................................................80 Partilha da Herança ........................................................................................................................................81 Modalidades de partilha ............................................................................................................................82 Operações de Partilha................................................................................................................................82 Efeitos da Partilha ......................................................................................................................................82 Impugnação da Partilha – art. 2121º..........................................................................................................82 Natureza jurídica da partilha......................................................................................................................83 RESOLUÇÃO CASOS PRÁTICOS............................................................................................................................84
  • 3. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 3 Introdução Direito das Sucessões é o conjunto de normas jurídicas que regulam a instituição “sucessão”. Direito das Sucessões não é Direito da Família1 , pois nem sempre há relações familiares, embora existam conexões. ➢ A sucessão não opera exclusivamente em benefício de familiares do de cujus2 : o Basta haver testamento para pessoa fora da família; o Basta o Estado poder vir a herdar. ➢ O Direito da Família ocupa-se das ligações pessoais e patrimoniais que se estabelecem entre pessoas vivas, enquanto as Sucessões preocupa-se com o destino do património de uma pessoa que faleceu. Direito das Sucessões tem identidade própria. Finalidade do Direito das Sucessões Descobrir quem será o titular das situações jurídicas patrimoniais que ficaram sem sujeito, por morte deste. ➢ Sucessão mortis causa – têm origem no facto “morte” Sucessão por morte em direitos é uma liberalidade3 à custa do património do de cuius – logo, não tem caráter sucessório o art. 2018º, 2020º e atribuição do seguro de vida – pois fundam-se na necessidade dos sobrevivos e em contratos onerosos e não na intenção (presumida ou conjetural) de generosidade ou espontaneidade do de cujus. • Definiu-se sucessão por morte como uma aquisição por morte de uma liberalidade (ou vinculação) à custa do património do falecido. o Liberalidade entendida em sentido restrito o Sucessões regula liberalidades mortis causa como manifestações da sucessão voluntária. JDP = Galvão Telles4 : o sucessor não se distingue do transmissário e ambos adquirem situações jurídicas e ocupam a posição que coube a outrem. No entanto a sucessão por morte não é entendida como uma espécie do género transmissão pois há casos em que não é apenas uma aquisição/vinculação derivada translativa. Regula-se o fenómeno da sucessão. ➢ Art. 2024º o Dimensão patrimonial5 o Pessoa física/singular6 1 Opinião JDP contra Leite de Campos 2 De cuius = aquele de cuja sucessão se trata 3 Direito das Sucessões é o Direito das liberalidades – só uma das partes produz uma atribuição patrimonial 4 Contrário a Oliveira Ascensão com uma variante autonomista que colide com o art. 2030º/1. 5 Excluem-se situações não patrimoniais decorrentes do art. 2024º e do preceito que caracteriza os sucessores pelo art. 2030º/2. Não se adquire, como diz alguma doutrina, direitos de personalidade do de cuiús e apenas beneficiam ex novo de legitimação processual para defesa da memória do falecido. 6 As pessoas coletivas não morrem, extinguem-se
  • 4. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 4 JDP: sucessão não se limita ao chamamento – isto é uma imprecisão – pois a sucessão por morte em sentido restrito comporta várias fases e inicia-se logo quando a pessoa morre (deixa de fora várias situações que fazem parte do fenómeno sucessório) ➢ Começa com a abertura da sucessão e só termina quando termina a orfandade das situações jurídicas patrimoniais. JDP: não se limita a direitos sobre os bens pois compreende-se todo o património da pessoa falecida (ativo e passivo) Direito de Suceder Situação jurídica paradigmática – ius succedendi ou ius delationis ➢ Direito potestativo7 de aceitar ou repudiar as situações jurídicas patrimoniais de um de cujus – direito de aceitar a herança ou o legado em que por lei ou testamento o respetivo titular tenha sido designado. Direito das Sucessões assenta8 no confronto do Direito Romano e Germânico 1. Romano: por influência da “Política” de Sócrates e da filosofia aristotélica faz-se a apologia da vontade do de cuius (liberdade total de dispor) 2. Germânico: por influência do estoicismo faz-se a apologia da proteção da família (impossibilidade de dispor totalmente) ➔ Em Portugal, resolve-se quase sempre a favor do direito da família Contenda Direito das Sucessões vs. Direito das Obrigações • JDP: não se aplica o art. 496º CC e sim as regras sucessórias gerais ao dano morte9 e indemnização, pois o dano foi adquirido pelo de cuiús entre o momento de lesão e o momento da morte e o de cuiús adquire-o e passa aos sucessores pela herança (é parte do ativo hereditário). Classificação das Sucessões Legal – em função de relações familiares, vem da lei • Legítima – opera na ausência da vontade válida eficaz do de cuius e tem como beneficiários o cônjuge, parentes próximos do falecido e supletivamente o Estado. • Legitimária – reserva porção de bens de que o de cuius não pode dispor ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido. Voluntária – em função da vontade do de cuius • Testamentária – espaço da autonomia da vontade do de cuius no domínio sucessório. Testamento é ato unilateral (art. 2179º/1) • Contratual 7 Não é direito subjetivo nem poder funcional, como as situações jurídicas familiares. 8 Tem ainda uma matriz pré-industrial, de uma época em que o bem imóvel era o exemplo mais significativo de riqueza. 9 Mas não se está perante sucessão quando certas pessoas beneficiam de uma indemnização destinada a compensar os danos que elas próprias sofreram por morte de outrem que lhes era próximo.
  • 5. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 5 Classificação dos Sucessíveis – art. 2030º • Herdeiro • Legatário o Relevância da distinção é a responsabilidade pelos encargos da herança. Designação Sucessória Fase Pré-Sucessória Operação feita em vida do de cuius mediante a qual se indicam as pessoas que, por morte dele, podem vir a suceder-lhe: acontece antes da pessoa morrer e apenas se faz antes de se abrir a sucessão. • Sucessíveis – beneficiário de um facto designativo que ainda não foi chamado à sucessão (ou que chamado, ainda não a aceitou) – pessoas que podem vir a suceder, quando a sucessão abrir10 , ou que ainda não aceitaram após a abertura. Critério do Objeto Em vida o autor da sucessão, é indicada a qualidade que virá a caber ao sucessível no momento do chamamento. Depende daquilo que venha a ser atribuído aos sucessíveis. ➢ Que apenas surgem numa das formas do art. 2030º: Herdeiro ou Legatário O critério é a formulação da deixa pelo autor da sucessão ou como é perspetivado pela própria lei11 - designação sucessória com base no objeto Herdeiro: art. 2030º/2 – a deixa perspetiva-se em função do todo hereditário. Herda em frações abstratas (não preenchidas de bens específicos) na perspetiva do todo patrimonial. Ex: deixo tudo a A; deixo 1/3 do meu património a B Legatário: art. 2030º/2 – a deixa perspetiva-se para bem determinado. Só sucede na sucessão voluntária (pois a especificação dum bem, para ser deixado em legado, só pode ser feito em deixa) Ex: deixo uma casa a A; deixo 5 canetas a B ➢ Mesmo que esse bem específico seja o todo do seu património – depende da forma como estiver disposto e não da quantidade dos bens ➢ Mais que a determinação, a lei exige a determinabilidade (no momento da abertura da sucessão) – comprova-se no art. 2253º. Ex: deixo a A um dos meus livros. A é legatário porque não perspetivei a deixa em função do todo hereditário e sim só uma parte de bens Art. 2030º/3 – ex: se deixar carro a B e resto a C, C é herdeiro. Se o resto for uma casa e disser que deixo a caneta a C, C é legatário. Art. 2030º/4 – se for da totalidade, tem estatuto próximo ao do herdeiro e se for usufrutuário de uma quota tem direito de exigir a partilha da herança. Art. 2030º/5 – o autor da sucessão não pode dizer quem é herdeiro ou legatário. ➢ É a lei que o diz, em função da deixa (que nos diz o objeto) 10 Não seriam sucessores, isso é apenas quando se aceita a sucessão. 11 A diferença não assenta no volume dos bens – critério qualitativo e não quantitativo
  • 6. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 6 Herança ex re certa Casos em que a distinção entre herdeiro e legatário não é nítida 1. Deixas categoriais dicotómicas que esgotam a totalidade da herança12 Deixas – instituições de herdeiros por via testamentária Categoriais – fração abstrata de bens Dicotómicas – são 2 Esgota a Totalidade da Herança – esgotam a herança uma em relação à outra Perspetiva-se o património pelo todo, constituindo 2 grandes quotas, embora um esteja especificado e outro não. A deixa de um funciona como remanescente para outro (art. 2030º/3)13 • Ex: deixo todos os móveis a A e o remanescente a B (todos os imóveis) Ambos são considerados herdeiros Oliveira Ascensão caracteriza a deixa a título de legado como uma intenção limitativa – a exclusão da variabilidade do conteúdo da deixa entre o momento da feitura do testamento e o momento da abertura da sucessão. • JDP discorda porque o art. 2030º não tem como critério a variação do conteúdo da deixa entre a data do testamento e a da morte. Galvão Telles considera ambos legatários. 2. Legado por conta da quota “Deixo a B uma casa em Lisboa para preencher a sua quota de herdeiro legal” – refere-se a um bem específico e uma quota do património. • Sucessível parece ser ambas as coisas, pois várias coisas se perspetivam JDP: não há uma dupla qualidade, porque não seria claro quem era responsável pelo passivo. ➢ Teria que prevalecer uma das soluções: prevalece o herdeiro – regime de maior relevo na estruturação do fenómeno sucessório o Sucede em bens determinados e é tido como herdeiro. Caso de ex re certa: legado por conta da quota – alguém é herdeiro de um bem determinado o Pamplona: qualificação pelo testador como legatário é para afastar as normas supletivas da figura de herdeiro, nomeadamente o acrescer (art. 2304º) – seria herdeiro mas não poderia ter direito de acrescer. Se o valor dos bens determinados ficar aquém do valor da sua quota, o sucessível que aceitar o legado por conta tem o direito de exigir a diferença. Ex: tem direito a quota de 100. Deixam- lhe carro a valer 50. Tem direito a exigir os outros 50. Se o valor dos bens exceder, será herdeiro até ao limite do valor da quota e legatário quanto ao valor dos bens em excesso. Ex: tem direito a quota de 100. Deixam-lhe carro a valer 200. Entende-se que quiseram beneficiá-lo e no excesso é legatário. 12 Avançado por Pamplona Corte-Real e com a concordância de JDP. Não tem muitos apoiantes na doutrina. 13 Artigo imperativo face ao art. 2030º/5, por exemplo
  • 7. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 7 ≠ Distingue-se do legado em substituição da quota – que consiste numa disposição mortis causa de bens determinados cuja aceitação pelo beneficiário implica a não aquisição de uma quota hereditária em que, de outra forma, ele teria o direito de suceder (art. 2165º/1 e 2). Não sucede numa quota, é simples legatário. Estatutos-tipo de Herdeiro e Legatário Estatutos não são rígidos e acabam por ser maleáveis em função das normas que traçam o regime das atribuições a título de herança ou legado comportarem exceções ou assumirem cariz supletivo. Oliveira Ascensão: herdeiro é um sucessor pessoal do de cuius, enquanto que o legatário é mero beneficiário duma atribuição patrimonial Herdeiro 1. Direito de exigir partilha – mas há exceções (como os da ex re certa) – de forma a preencher a quota com bens determinados 2. Responde pelos encargos da herança (art. 2068º, art. 2071º, art. 1072º) • É ao herdeiro que também cabe cumprir o legado (o que pode ser visto como um encargo da herança)14 • Se a herança não chegar para se realizar o cumprimento integral dos legados, por força do passivo, o herdeiro paga as dívidas e depois reparte o que restar do ativo entre os legatários na proporção do valor dos bens que o autor da sucessão lhes pretendia deixar. 3. Beneficiários exclusivos da transmissão do direito de suceder (art. 2058º) 4. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário (art. 2130º/1) 5. Princípio da indivisibilidade da vocação múltipla 6. Sujeitos a sanções por sonegação de bens da herança (art. 2096º) Legatário 1. Não responde pela existência de passivos. • Exceções: casos em um de cujus deixa um bem a A, tendo A de pagar todas as dívidas – alguém é tecnicamente legatário mas está a ser responsabilizado por um passivo. Ou seja, essa deixa patrimonial não tem o valor do bem, mas sim o valor do bem menos o passivo. • Os herdeiros respondem externamente aos credores, tendo direito de regresso sobre o legatário (cuja responsabilidade sobre dívidas será sempre medida pelo herdeiro – legatário é internamente responsável e o herdeiro é-o externamente) O legatário só responde externamente quando não há figura de herdeiro que seja conhecida e a herança estiver toda repartida em legados. 14 Assume a figura do executor de herança que existe noutros ordenamentos jurídicos – como herda no ativo e no passivo ele é uma espécie de liquidatário da herança. vs. Legatário que é apenas um credor de 2ª linha da herança sucedendo em bens, em ativo, atrás dos credores externos da herança (são graduados atrás do direito desses credores).
  • 8. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 8 Se houver vários legatários, cada um responde na medida do que beneficiou (art. 2277º) É a única exceção. Há outros casos de sacrifício patrimoniais decorrentes da existência de encargos (art.2072º, 2276º, 2278º) 2. Não podem exigir direito de partilha – mas há exceções (como o usufruto de uma quota da herança) Critério da Fonte Depende de onde vem o direito de suceder – da lei ou da vontade? Factos designativos são circunstâncias que atribuem a alguém a qualidade de sucessível/ permite alguém ser sucessível – podem ser negociais (testamento e pacto sucessório – na base da sucessão voluntária) ou não negociais (relações jurídicas e vínculos familiares e para- familiares – na base da sucessão legal; também há o vínculo da cidadania que leva o Estado a ser o último dos sucessores legítimos). • Art. 2026º fala impropriamente em títulos de vocação sucessória – essa é apenas uma das fases na sucessão e estamos ainda na fase pré-sucessória; e nem o testamento nem o contrato são títulos de vocação. Factos designativos não atribuem de modo definitivo a qualidade de sucessíveis a determinadas pessoas, com exclusão de outras. Podem ser afastados - antes da abertura da sucessão, o mapa de sucessíveis é instável (pode alterar-se). Art. 2026º-2028º O critério da fonte pode ser cruzado com o critério do objeto. Os factos designativos desembocam em espécies de sucessão. Uma mesma pessoa pode beneficiar de múltiplos factos designativos que lhe confiram a qualidade de sucessível em diversas modalidades de sucessão. Modalidades de sucessão voluntária – não há restrições à designação de um sucessível como herdeiro ou legatário; qualificação depende do objeto da deixa (portanto, da vontade do de cuius). Modalidades de sucessão legal – legítima comum: sucessível é designado para suceder na totalidade da herança ou parte, sem especificação; legítima anómala: objeto da designação de um bem determinado; legitimária anómala: objeto da designação de um bem determinado. Hierarquia das Modalidades de Sucessão Legitimária > Contratual > Testamentária > Legítima ➢ Legitimária prevalece sobre todas as outras (Caráter injuntivo – art. 2027º que confere ao sucessível o direito à legítima porção de bens de que o de cuius não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários – à margem da vontade do de cuius) e a Legítima cede perante as demais (Caráter supletiva – art. 2027º pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão. Opera-se quando o falecido não tiver disposto válida e eficazmente daquele património que podia dispor).
  • 9. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 9 A ordem relativa das sucessões contratual e testamentária reflete-se no regime da revogação. • Os pactos sucessórios podem revogar o testamento do disponente mas, em regra, não é afetado por um testamento do autor da sucessão e não é unilateralmente revogável. • O valor hierárquico do pacto sucessório é idêntico a uma disposição testamentária quando o pacto sucessório a favor de terceiro, em que o disponente tenha reservado para si a faculdade de livre revogação (art. 1705º/2). Porque em outro caso, o pacto sucessório tem valor hierárquico superior pois integra a vontade do de cuiús com outra vontade.
  • 10. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 10 Sucessão Legítima Art. 2131º e ss. Modalidade de sucessão supletiva ab intestato (“de intestado” – de quem não fez testamento15 ) ➢ JDP: CC fala da Sucessão Hereditária Legítima – o sucessível sucede por herança, da legítima – é sempre herdeiro 1. Se houver só um sucessível legítimo comum, ele é chamado à totalidade (ex: art. 2144º e art. 2152º); 2. Se houver vários sucessíveis legítimos comuns, eles são chamados para suceder numa quota 3. Se o falecido não dispuser da totalidade dos bens (não legitimários), o remanescente vai por sucessão legítima para um herdeiro. (ex2 e 3: art. 2139º e 2142º/1 e 3) ➢ Porque há a categoria de Sucessão Legítima Anómala – diz respeito a legados legítimos. Ex: atribuições patrimoniais do cônjuge sobrevivo. Fundamento da sucessão legítima é evitar o abandono das situações jurídicas patrimoniais de que era titular o de cujus. • Pode ocorrer sucessão legítima quando o único sucessível legitimário repudiar a herança (art. 2062º) ou se o de cuiús era incapaz de testar (art. 2189º/b; art. 2190º) • E nos casos em que o testamento tiver uma ineficácia lato sensu, abre-se espaço à sucessão de cariz supletivo. Sucessão Legítima Hereditária Art. 2131º: Parte do património de que o de cujus podia dispor mas que não o fez. São chamados à sucessão desses bens os herdeiros legítimos. • Opera-se a sucessão regulando o destino dessa parte de bens que o de cuiús podia dispor e não o fez. • O espaço da sucessão legítima corresponde aquele que não tiver sido efetivamente ocupado pela sucessão legitimária e pela sucessão voluntária. o O de cujus pode ter feito testamento e ainda assim se operar a sucessão legítima – significa que o falecido podia dispor de mais bens do que aqueles que testou e não o fez. Quem pode suceder: art. 2132º • Atinge a finalidade da proteção da família (herança germânica) Por que ordem: art. 2133º • Todos os da linha reta podem suceder, mas não podem suceder todos os parentes. o Se não forem descendentes de irmãos e forem parentes além do 4º grau, não sucedem (pelo art. 2133º/1/d) o Se forem parentes além do 4º grau mas descenderem de irmãos, já podem suceder (pelo art. 2133º/1/c) 15 Se bem que pode coexistir com a sucessão testamentária
  • 11. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 11 Com que regras da sucessão legítima: Elenco vasto de sucessíveis mas em que nem todos são chamados a suceder. art. 2134º + art. 2135º - restringem o núcleo de sucessíveis que pode beneficiar da sucessão (filtram sucessíveis) – apenas os Prioritários ➢ Preferência de classes: os sucessíveis de uma classe só são chamados a suceder se nenhum dos sucessíveis da classe precedente quiser ou puder aceitar a herança (corolário no art. 2137º). Ex: se ao de cujus sobreviver 2 descendentes e 2 ascendentes, são chamados originalmente à herança os 2 descendentes e só estes. Se um deles repudiar a herança, essa parte acresce à do outro descendente (art. 2137º/2) o que obsta ao chamamento dos ascendentes. Se ambos repudiarem, então chama-se os sucessíveis subsequentes (art. 2137º/1), que são os ascendentes, a classe imediata. ➢ Preferência dos graus de parentesco: não prejudica o Direito de Representação, como disposto no art. 2138º Identificados os sucessíveis prioritários, é preciso repartir a herança legítima entre eles – critério geral dado pela regra da divisão por cabeça art. 2136º - tem várias exceções ➢ Quanto ao cônjuge: 2139º/1/2ªparte e art. 2142º/1 ➢ Quanto aos irmãos: art. 2146º ➢ Quanto ao Direito de Representação: divisão faz-se por estirpe Cálculo da Herança na Sucessão Legítima • Coexistindo com a sucessão legitimária: valor total da herança legítima é igual ao valor da quota disponível menos o valor das liberalidades mortis causa válidas e eficazes. VTH = QD – Liberalidades mortis causa • Não havendo legitimária: ao valor do relictum é abatido o valor do passivo e o valor de todas as liberalidades válidas e eficazes. VTH = QD – Liberalidades inter vivos – Liberalidades mortis causa Regime de Sucessão Legítima por Classes de Sucessíveis ❖ Cônjuge – não é chamado a suceder se se encontrar divorciado ou separado de pessoas e bens, por sentença ou decisão do conservador do registo civil (art. 2133º/3); também não sucede se o casamento for inexistente ou anulado (mas salvaguarda-se o cônjuge de boa fé no casamento putativo) ❖ Descendente – depende da constituição legal (e do registo) do vínculo familiar. 1ª Classe: pode abranger só o cônjuge, só os descendentes ou ambos
  • 12. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 12 • No caso de ambos – reparte-se em porções. Mas se o cônjuge concorrer com mais de 3 filhos há uma exceção de que o cônjuge fica com ¼ da herança, dividindo-se os restantes ¾ em parcelas iguais pelos filhos (art. 2139º/1) • Só descendentes – herança legítima divide-se pelos filhos em partes iguais. o Porção que cabe aos filhos é sempre igual entre eles (concorram ou não com o cônjuge), ainda que não se esteja perante idêntica modalidade de filiação ou que uns tenham sido dentro e outros fora do casamento. o Os descendentes de segundo grau são chamados à sucessão legítima em representação do descendente de 1º grau que não quis aceitar a herança (art. 2140º) • Só cônjuge – concorre sozinho (não havendo ascendentes) – art. 2141º 2ª classe: ocorre quando não houver descendentes (art. 2142º/1) Sucessão legítima dos ascendentes pressupõe que o vínculo de parentesco no primeiro grau da linha reta com o de cujus tenha sido legalmente constituído e registado, e que não tenha sido eliminado retroativamente. ➢ A perfilhação posterior à morte do filho não confere qualidade de sucessível (art. 1856º) O cônjuge não será chamado se se verificar alguma das situações que impediam o seu chamamento na primeira classe. • Ambos chamados – exceção à regra da divisão por cabeça (art. 2142º/1) • Só ascendentes – art. 2142º/2 • Só cônjuge – art. 2144º; só tem lugar se não houver nenhum ascendente que possa ou queira aceitar a herança legítima. 3ª classe: na falta de cônjuge e de parentes na linha reta Quinhão é idêntico entre irmão bilaterais ou entre irmãos unilaterais (art. 2136º). No caso de irmãos bilaterais e irmãos unilaterais, o dos irmãos bilaterais é o dobro dos unilaterais (art. 2146º). ➢ A cada parte de um irmão unilateral, correspondem 2 partes de um irmão bilateral. Ex: Herança é 60. Há 1 unilateral e 1 bilateral. 1 parte do uni, 2 partes do bi 60/3 (partes) = 20. Cada quinhão é 20. O uni recebe 20, o bi recebe 40. 4ª classe: prefere-se sempre o grau mais próximo 5ª classe: o Estado sucede após declaração de herança vaga • Implica reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis legítimos (art. 2155º). Atinge a finalidade que justifica a sucessão legítima. Como há equiparação entre a adoção e a filiação biológica, o adotante deve ser considerado um descendente equiparado a qualquer outro.
  • 13. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 13 • Não há sucessão legítima entre o adotado e os membros da sua família biológica (que não sejam descendentes do adotado), a não ser que o adotado seja filho do cônjuge do adotante, pois a adoção extingue as relações familiares entre adotado e os seus ascendentes e colaterais biológicos. • Integrado na família do adotante, o adotado é sucessível do adotante e igualmente sucessível legal hereditário de vários parentes do adotante – que não consentiram na adoção (OA critica pois a Reforma de 1977 permite que o adotante crie sucessíveis legais para terceiros16 ) Cônjuge sucede sempre na primeira linha. • Galvão Telles: resultado da reforma de 1977 em que a figura do cônjuge deu um salto espetacular, uma vez que antes sucedia em 4º lugar se não houvesse descendentes e ascendentes. Agora está em 1º lugar • JDP critica pois o casamento já não tem essa importância toda na atual sociedade e no atual contexto do Direito da Família. Situação jurídica dos sucessíveis legítimos, em vida do de cujus • Titular de interesse reflexamente protegido – não tem um direito de suceder nem uma expetativa jurídica. o Proteção muito contingente devido à variabilidade constante dos factos designativos legais e à supletividade da designação legítima, colocada no último lugar da hierarquia das modalidades de sucessão. • Ao sucessível legítimo é reconhecida legitimidade para requerer a justificação da ausência do de cuiús e a entrega de bens à luz do regime da curadoria definitiva, para requerer a interdição e para intentar ações de nulidade e anulabilidade do testamento antes da morte do testador. Sucessão Legítima Anómala Anomalia consiste no facto de não se exprimir numa designação de alguém a título supletivo para ser titular de herança, mas sim será tutelar de um legado. ➢ Objeto da sucessão é um legado e não uma herança. Transmissiva – reconhece-se a certas pessoas o direito de adquirir, por morte, uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, entre o momento da lesão e o momento do falecimento, que foram causados pelo ato que lhe viria a retirar a vida. Ex: a angústia da morte iminente – art. 496º/4 • Não se refere a outros danos não patrimoniais (incluindo o dano morte) que são transmitidos pelas regras sucessórias comuns. • Não se funda em facto designativo e sim em relações familiares ou parafamiliares. Não é um direito ex novo porque o direito existiu, enquanto tal, na esfera jurídica do de cujus. • É um legado porque diz respeito a um direito determinado e não à totalidade ou quota de património. 16 Um motivo pelo qual a figura da adoção foi abolida em 1867
  • 14. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 14 • Sucessão também é anómala quanto aos beneficiários (art. 496º/2 e 3), não observando as regras da sucessão legítima. Constitutiva – Situações jurídicas ativas que derivam de um direito (de propriedade) preexistente no património do de cuius, que não existiam, como tais, nesse património, sendo constituídos ex novo. • Não se encontrava no património do de cujus e vêm recortados de um outro direito que existia no património do cujus. o Casos como a atribuição de direitos reais sobre a casa de morada comum ao convivente em economia comum (art. 5º/1 e 2 da LEC); atribuições patrimoniais ao cônjuge sobrevivo do direito de habitação da casa de morada de família e respetivo recheio (art. 2103º-A e B) • Estes direitos podem ser afastados pelo de cuiús mediante legados testamentários ou pactícios dos bens a que esses direitos se referem. Atribuição preferencial surge num contexto de partilha – se o de cujus atribuir a casa a alguém, então não se vai verificar a sucessão legítima. o Desde 2010 que já não pode acontecer à União de Facto que se tornou imperativo. Direitos objeto de legados legítimos são suscetíveis de avaliação – contabilização/avaliação do valor total da herança. Por aplicação analógica do art. 2250º/2, ao sucessível chamado a suceder simultaneamente como herdeiro e como legatário legítimo assiste a faculdade de aceitar a herança e repudiar o legado ou vice-versa. Regime da Sucessão Legítima Críticas JDP: 1. Desvalorização social do vínculo matrimonial, que na sucessão impera, independentemente da duração do vínculo, do regime de bens do casamento e do relacionamento em concreto que tinha com o falecido. 2. Não articulação legal das regras sucessórias com as familiares é suscetível de originar um enriquecimento do cônjuge que se mostra excessivo numa perspetiva absoluta ou/e relativa. 3. Apesar de estarem separados de facto (sendo que mais dum ano pode fundamentar divórcio sem consentimento, art. 1781º/a) o cônjuge é chamado à sucessão17 . 4. Sucessíveis supletivos ignoram fatores de proximidade efetiva entre eles e o de cuiús. Não se prevê também (como no §2057 BGB) nenhuma compensação quando um descendente tenha dado especial contributo pessoal ou patrimonial ao de cujus. 5. Exclui o unido de facto18 , enteados ou filhos do companheiro que tenham auxiliado. 6. Dá igualdade a filhos que podem ter comportamentos e proximidades diferentes com o de cujus. 17 Há ordenamentos jurídicos que o preveem esta situação impedindo esse cônjuge de herdar prioritariamente. 18 Terão direitos sobre a casa e sobre o recheio mas não têm direitos nenhuns sobre a herança. Quanto à herança, o unido de facto do de cujus valerá menos que o Estado e a nada terá direito.
  • 15. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 15 Sucessão Testamentária Art. 2179º e ss. Testamento – facto designativo negocial que está na base da sucessão testamentária19 Noção do art. 2179º/1 – não é inteiramente rigorosa pois: • Testamento não é mero ato jurídico e tem natureza negocial • Testamento não tem de ser ato meramente de disposição de bens – como o art. 2179º/2 admite • Testamento, podendo incluir perfilhação não é necessariamente revogável20 – art. 1858º ➔ JDP e OA: Negócio jurídico unilateral pelo qual alguém procede a disposições de última vontade Tem identidade própria e geralmente destina-se a fazer atribuições patrimoniais por morte – fazendo deixas testamentárias a título de herança ou disposições a título de legado. ➢ É o conteúdo patrimonial que liga o testamento à sucessão em sentido técnico e faz dele um ato específico – caracterização do testamento por referência ao seu conteúdo patrimonial. Testamento – 1) negócio jurídico, 2) mortis causa, 3) unilateral, 4) não receptício, 5) gratuito, 6) formal/solene e 7) livremente revogável. Em regra, é negócio 8) singular e 9) pessoal quanto à autoria. 1) Apesar da eficácia pretendida pelo testador está dependente de conjugação de factos estranhos à vontade do de cujus21 . Regulamenta a sua própria sucessão dentro de certos condicionalismos legais. • Na realidade o testamento não é algo que consiga automaticamente, por si só e com a vontade do de cujus, que alguém adquira certo património. A pessoa tem que aceitar após abertura da sucessão. o Para as disposições testamentárias surtirem efeito, o beneficiário tem que aceitar – ele adquire é o direito de suceder (e esse não precisa de aceitar), que é o direito de aceitar ou repudiar 2) Disposições testamentárias só produzem efeitos após a morte do testador 3) Tem apenas uma parte. • A exigência de declaração de aceitação para que se produzam os efeitos queridos pelo testador não dá corpo a um contrato, cuja proposta seria o testamento. Não há verdadeiro encontro de vontades, pois ou aceita ou repudia a sucessão, como configurada pelo testador. 19 Que tem relevância sucessória pois é fum facto designativo – art. 2026º 20 Portanto descaracteriza o próprio conceito de sucessão testamentária e as suas características mais importantes. 21 A sua morte e a aceitação dos bens pelos beneficiários.
  • 16. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 16 4) As disposições relevam antes de terem sido conhecidas/“recebidas” pelo beneficiário que adquire o direito de suceder com a abertura da sucessão, não sendo verdadeiramente destinatário do testamento. • O beneficiário não é um declaratário, não há ninguém a proteger, porque o negócio testamentário faz surgir logo um direito. 5) Encerra atribuição patrimonial do autor, sem contrapartida do beneficiário. • Mesmo que onerada com um encargo (art. 2244º), não representa contrapartida de atribuição pois se houvesse nexo de correlatividade, a não satisfação do encargo determinaria a perda da liberalidade. 6) Para ser válido tem de se revestir de determinada forma prescrita na lei (art. 2204º e ss.)22 7) E o testador não pode renunciar à faculdade da revogabilidade (art. 2311º/1) 8) Art. 2181º: proíbe o testamento em mão comum – fundado na liberdade de testar contra pressões de terceiros. • Há exceções. • A intervenção de várias pessoas no testamento, além dum testador, não colide com o princípio da unipessoalidade se for ditada por razões de ordem formal (ex: notário ou testemunhas) 9) Art. 2182º/123 – apenas quanto a disposições testamentárias reputadas essenciais (instituição de herdeiros, nomeação de legatários, determinação das deixas e vinculatividade das cláusulas). • Exceções no art. 2182º/2 e art. 2183º - situações de “delegação de competências” com faculdades dos art. 2182º/2 e 2183º/2. • Exceções na substituição pupilar e quase pupilar (art. 2297º a 2300º) Testamentos sujeitos a disciplina especial ou a aplicação, com adaptações, da disciplina geral atinente aos requisitos do negócio jurídico. Requisitos de Fundo Licitude do Objeto e do Fim: • Fim – art. 2186º - ajusta o disposto no art. 281º ao testamento (negócio jurídico unilateral). Ex: deixo uma casa para explorar prostituição de terceiros (fim contrário à lei, art. 170º CP), para a prática de adultério (fim ofensivo aos bons costumes), para a organização de atos terroristas (fim contrário à ordem pública). • Objeto – aplica-se o art. 280º e quanto às condicionais e modais têm-se por não escritas (art. 2230º e 2245º). Ex: deixo a lua (fisicamente impossível), a praia da Cornélia – bem de domínio público (juridicamente impossível), uma “coisa qualquer” (indeterminado). 22 Existem formalidades muito estritas para o negócio testamentário que vão condicionar toda a sua existência: art. 2180º - vontade tem de ser livre e esclarecida; art. 2181º - tem que haver liberdade de autodeterminação sucessória; art. 2182º/1 – elementos essenciais do testamento + art. 2184º, 2185º e 2186º = artigos que enquadram de forma genérica as deixas testamentárias, sejam patrimoniais ou não e se aplicam imperativamente e genericamente ao testamento 23 Testamento está à margem da ideia de que os negócios de âmbito patrimoniais são feitos, por excelência, por procuração.
  • 17. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 17 Capacidade Capacidade testamentária ativa (capacidade para se ser autor do testamento)24 • De gozo – só as pessoas singulares (art. 2188º) • De exercício – todos aqueles que a lei não declare incapazes (art. 2188º)25 . Não significa acesso a todas as formas de testamento (ex: quem não sabe ler não pode dispor em testamento cerrado, art. 2208º) Substituições Pupilar e Quase-Pupilar – meios de suprimento da incapacidade de testar que só podem abranger os bens que o substituído haja adquirido por via do “testador” (progenitor que exerce faculdade de substituição), embora a título de legítima (art. 2300º)26 • Pupilar: art. 2297º - quando progenitor sabe que filho vai morrer antes de fazer 18 anos, mas depois da morte desse progenitor27 o Assegura que os bens do progenitor, a que o filho sucede, após a morte do filho vão para as pessoas que o progenitor designa, pois o filho é incapaz de testar o Não é necessário que o progenitor exerça diretamente e por si o poder tutelar ou paternal, desde que esse progenitor seja considerado idóneo. • Quase-Pupilar: art. 2298º o O mesmo mas para o filho maior de 18 anos interditado28 • Há quem entenda que seja do lado passivo (Guilherme de Oliveira) e não do lado ativo (Pamplona Corte-Real e JDP: substituídos são pessoas singulares incapazes de testar, autor da substituições é representante legal desse incapaz; substituições caducam se os substituídos readquirirem capacidade testamentária ativa.) Legitimidade para dispor em benefício de certas pessoas ➢ Indisponibilidades Relativas: existem restrições à faculdade de dispor por morte em benefício de certas pessoas (não se pode designar validamente qualquer pessoa como sucessível).29 o Nominadas – arts. 2192º a 2198º ▪ O art. 2198º/2 diz que também se consideram interpostas (“inibidas”) o cônjuge ou herdeiros presumidos de qualquer um dos sujeitos mencionados nos artigos supra. Ex: não se pode designar o marido da notária ou o filho da amante. ▪ Fundamento geral é a proteção da liberdade de testar (ou da disposição patrimonial a título gratuito), pois supõe-se que o testador se encontra numa situação de inferioridade suscetível de aproveitamento em favor do beneficiário. 24 Não se confunde com a capacidade testamentária passiva – capacidade de suceder por testamento 25 No art. 2189º estão os incapazes. Mas há muitos incapazes que podem fazer testamento – o Direito das Sucessões admite uma mais ampla capacidade de testar mas uma mais ampla capacidade de provar incapacidade acidental nesse testamento (art. 2199º). 26 Não é exceção ao art. 2181º pois só há uma pessoa a testar 27 Sempre depois da morte do progenitor, sob pena de desnecessidade da morte pois se o filho morrer antes do pai, esse pai é sucessível do filho (a deixa seria ineficaz) 28 Normalmente a interdição tem que já ter transitado em julgado para ser uma substituição válida. Houve um acórdão (anos 1990) da Relação do Porto em que se diz que basta que a anomalia fosse conhecida. 29 Têm em vista todas as liberalidades e não apenas as testamentárias – os art. 2192º-2198º aplicam-se, mutatis mutandi, às doações do art. 953º.
  • 18. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 18 ▪ Fundamento do art. 2196º é a proteção da ordem matrimonial, pois o adultério é a violação de um dever conjugal de fidelidade30 ▪ Há exceções – art. 2192º, 2195º e 2196º/2 • Como há uma ligação entre o prazo de separação do facto constante do art. 2196º/2/a e o do art. 1781º/a pelo que uma interpretação sistemática e teleológica do art. 2196º/2/a permite a validade se houver uma separação de facto há mais de 1 ano. o Inominadas – estão no livro da Família ▪ Art. 1650º/2 – reage à inobservância de 2 impedimentos matrimoniais impedientes31 com situações de indisponibilidade relativa ▪ Sanciona a violação dos impedimentos aí referidos – sanções punitivas civis, sujeitas ao princípio da legalidade, não sendo possível aplicar analogicamente o art. 2198º ▪ Evita que uma das partes se aproveite de uma suposta posição de superioridade para obter vantagens patrimoniais da outra ▪ Implica a nulidade das disposições testamentárias Indisponibilidades relativas não são verdadeiras incapacidades e são meras ilegitimidades32 – as disposições testamentárias são nulas, por causa de uma especial relação que existe entre o autor e o beneficiário da deixa. Circunstâncias de indisponibilidade têm de existir à data do testamento – pois acarretam a invalidade das disposições testamentárias (desvalor que pressupõe vício originário do negócio jurídico. Consentimento/Vontade do autor do testamento Regime especial do consentimento: art. 2180º e art. 2199º a 2203º ➢ Subsidiariamente pode aplicar-se as regras gerais sobre o consentimento no negócio jurídico (art. 240º a 257º), adaptadas em função do caráter não receptício do testamento. Art. 2180º - exige vontade do testador, de forma clara, cumprida, livre e esclarecida. ➢ À declaração do testador deve estar subjacente a vontade de testar – pressupõe uma vontade negocial e a coincidência entre a vontade negocial 30 Manifestação da oponibilidade erga omnes dos deveres conjugais – terceiros são obrigados a não contribuírem para o incumprimento dos mesmos, que vinculam os cônjuges. 31 Antes eram 3 pois incluía-se a adoção restrita. 32 Embora se discuta se são ilegitimidades testamentárias ativas ou passivas: • Artigos deste capítulo acentuam a vertente ativa (são nulas) • Art. 1650º/2 acentua a vertente passiva (incapacidade de certas pessoas receberem)
  • 19. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 19 Falta de Vontade Negocial Incapacidade Acidental – art. 2199º - grande importância e ampliação na sucessão testamentária, basta a prova da incapacidade acidental não se exige o requisito do conhecimento ou notoriedade (cognoscibilidade) do art. 257º.33 • Âmbito reduzido das incapacidades testamentárias ativas amplia o âmbito de potencial aplicação da incapacidade acidental ao testamento (podendo cobrir não só situações temporárias como situações permanentes de incapacidade). • Ausência de regime geral das outras situações – recorre-se às normas gerais, embora as obrigações de indemnizar (dos art. 245º/2 e 246º) só existem nos negócios com declaratário. Divergência entre Vontade e Declaração Art. 2200º - não havendo declaratário no negócio testamentário, o acordo simulatório é feito entre o testador e a pessoa aparentemente designada no testamento (simulação relativa subjetiva, por interposição fictícia de pessoa34 ) – consequência da anulabilidade, e não nulidade da parte geral • Disposição testamentária dissimulada é válida nos termos do art. 241º/2; e há uma também válida no art. 2259º/1 • Mas disposição por interposição fictícia de pessoa dificilmente será válida pois não consta do testamento o verdadeiro beneficiário (faltando um mínimo de correspondência entre o ato dissimulado e o contexto do testamento) Reserva mental – art. 244º/2 – anulável a disposição testamentária contrária à vontade real do testador (a vontade contrária do testador tem de ter um mínimo de correspondência no contexto do testamento). Como não há declaratário, também não pode haver indemnização. Art. 2203º - traduz conversão legal de disposição anulável em outra que corresponda à vontade do testador. Vícios na Formação da Vontade Art. 2202º - anulação do testamento com base em erro-vício implica o preenchimento de 2 requisitos: essencialidade do erro e essencialidade resultante do próprio testamento. • Não se admite prova complementar e tem de resultar do próprio documento chamado testamento (aquele texto com aquela forma)35 o A coação, regulada no art. 2201º, já admite prova complementar Requisitos de Forma Para uma vontade ser respeitada, tem que haver certa forma no testamento – “a forma pode matar a vontade, mas, é para defesa da própria vontade” 33 Pois a sucessão testamentária, como negócio não receptício, não tem a figura do declaratário. 34 Embora simulação absoluta ou simulação relativa objetiva sejam atendíveis no negócio testamentário, por aplicação subsidiária das regras gerais – desvalor é anulabilidade, garantindo a unidade de consequências associadas à simulação testamentária 35 Pois fala do próprio “testamento” e não da “interpretação do testamento” como no art. 2203º
  • 20. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 20 Testamento caracteriza-se pela solenidade – sujeito a mínimo de forma.36 • Testamento Oral = Testamento Nuncupativo não é admissível, sendo nulo (art. 220º) – exigência de forma escrita é requisito mínimo de validade do testamento. Art. 2204º e ss. - Formas Comuns do Testamento Art. 2210º e ss. – Formas Especiais do Testamnto Art. 946º/2 – Forma Especialíssima – doação mortis causa Art. 1704º - Forma Especialíssima – disposições testamentárias nas convenções antenupciais. Formas Comuns do Testamento37 Acrescenta-se 1 forma às do art. 2204º, sendo as formas comuns de testamento as seguintes: 1) Testamento Público – lavrado por notário em livro de notas para testamentos públicos (art. 2205º) e guardado no cartório; a. não é feito por escritura pública; b. pressupõe a intervenção de testemunhas instrumentárias (art. 67º/1/a e nº2 CN); c. tem caráter confidencial38 2) Testamento Cerrado – manuscrito e com exigências do art. 2206º; a. tem que ser aprovado pelo notário – implica a nulidade do Testamento Ológrafo39 (aquele que é escrito e assinado pelo testador) e do Codicilo (é escrito e assinado pelo testador contendo apenas deixas a título de legado ainda que de pequeno valor); b. aprovação notarial é de índole formal; c. data da aprovação do testamento cerrado é a data do testamento (para efeitos legais do art. 2191º e da verificação do preenchimento de outros requisitos de fundo) – art. 2207º; d. testador decide quanto à guarda e conservação do testamento 3) Testamento Internacional (art. 4º do Código Notariado) – escrito pelo testador em qualquer língua e sem a exigência de ser manuscrito; a. tem de ser elaborado nos modelos da LUFTI (Lei Uniforme sobre a Forma de um Testamento Internacional); b. deve ser assinado pelo testador e pode ser aprovado por notários (em território nacional) e agentes consulares portugueses (no estrangeiro) – resulta do art. 1º DL 177/79; c. certificado do testamento internacional equivale à aprovação do testamento cerrado40 ; d. testador decide quanto à guarda e conservação do testamento 36 As exigências de formalismo na lei portuguesa dão abertura à sucessão legal e não tanto à voluntária. 37 Em que o art. 32º/2 CN impõe o princípio da confidencialidade, antes da abertura da sucessão – excetuando o testador ou seu procurador com poderes especiais. 38 O que não acontece nas escrituras públicas, que também não exigem testemunhas e são inscritas noutro livro. 39 A lei portuguesa requer sempre mais que um documento escrito e assinado pelo testador com o título de “Testamento” – exige-se a intervenção dum notário. 40 São figuras afins.
  • 21. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 21 Art. 38º/1 e 2 do CN regula a composição dos testamentos públicos e cerrados, das escrituras de revogação de testamentos e dos instrumentos de aprovação de testamentos cerrados. A composição e aprovação do testamento internacional – o certificado – é regulado pelos art. 3º e 10 da LUFTI. Formas Especiais de Testamento • Testamento Militar • Testamento Marítimo • Testamento feito a bordo de navio • Testamento feito em caso de calamidade pública Testamentos sujeitos a um prazo de eficácia – caducam 2 meses após a cessação da causa que obstava a que o testador usasse as formas comuns do testamento (art. 2222º/1) ➢ Demonstra que o uso das formas especiais do testamento são uma exceção. Não é forma especial o testamento feito por português em território estrangeiro (art. 2223º) – trata-se aqui de uma restrição a uma regra de DIPrivado (do art. 65º) – para ser válido em Portugal tem que ter forma escrita, com intervenção de entidade dotade de fé pública e observando a lei estrangeira competente. Testamento “Per Realtionem” Art. 2184º - aquele testamento que remete para outro ato que completa uma disposição testamentária. Ex: diz no testamento que deixa os bens que estão escritos num papel que está na mesa de cabeceira a A e B. • JDP41 : disposição testamentária remissiva só seria válida se o próprio documento para o qual remete o testamento per relationem tiver a forma de testamento cerrado o As disposições testamentárias essenciais42 devem observar uma certa dignidade formal (e constar em testamento de forma solene), sob pena de carecer de sentido a prescrição de uma forma legal para os testamentos – são aquelas que têm de ser feitas pessoalmente pelo testador, exigindo-se forma legal para o testamento (ou escritura pública pelo art. 946º) o Se as disposições testamentárias não forem essenciais43 , são válidas se a remissão for feita para documentos escritos e assinados pelo testador com a mesma data ou anterior à do testamento (interpretação declarativa e a contrario do art. 2184º, 2ª parte) Interpretação do Testamento Art. 2187º - contém normas especiais de interpretação do testamento e só na insuficiência destas se recorre às normas gerais (dos art. 236º a 238º) – vontade do testador balizada pelo testamento nº1: orientação subjetivista – visa a deteção da vontade real do testador “apontada para o momento presumível da morte”, ou seja, tem de detetar uma “vontade real, se 41 Contrário a Guilherme de Oliveira, Pires de Lima e Antunes Varela. 42 Elementos essenciais – art. 2182º/1 – determinação dos bens e das pessoas, não a sua repartição (que pode ser delegada a terceiros); é o que se retira do art. 2182º/2 e 2183º 43 Entendido pela doutrina como aquelas que não estiverem abrangidas pelo art. 2182º/1
  • 22. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 22 bem que conjetural…”44 – relevando apenas a vontade do testador manifestada pelo “contexto do testamento” (atende-se ao teor de todo o testamento e da relação das disposições umas com as outras e com o conjunto45 ) nº2: admite-se prova complementar extrínseca ao testamento, sem bem que tem de ter um contexto mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa Art. 236º tem uma orientação objetivista, pelo que não parece adequado ao testamento, no entanto, se for impossível alcançar a vontade real do de cuius da forma subjetivista do art. 2187º, numa lógica de aproveitamento do ato, pode-se utilizar este artigo e legitimar a que se interprete o testamento com o sentido que uma pessoa normal daria ao que foi declarado. Art. 237º pode relevar para interpretar o testamento no sentido que se retire menos património Art. 238º/2 tem sentido, substituindo “texto” por “contexto”, para disposições testamentárias não essenciais. Também há outras normas interpretativas de disposições testamentárias: art. 2225º a 2228º, 2260º, 2262º, 2263º, 2274º e etc. Integração de Lacunas do Testamento O cariz formal do negócio testamentário e o art. 2187º não autorizam a integração de lacunas quanto a aspetos essenciais da sucessão testamentária (que, como decorre do art. 2182º/1, devem ser regulados pelo próprio testador)46 . ➢ O art. 2185º prevê a integração de aspetos essenciais da sucessão testamentária se for possível provar-se “de algum modo” e tornar determinada a pessoa. Ex: deixo tudo à pessoa que me salvou. Se for possível identificar o sucessível por meio de prova – testemunho de uma pessoa, relatório policial – ainda que não tenha mínimo de correspondência no contexto do testamento, é possível essa pessoa suceder. Art. 239º só é relevante no que toca a pontos secundários e instrumentais – aí o testamento pode ser integrado em harmonia com a vontade do de cuius. Ex: depois de determinar que cargo de testamenteiro era remunerado, o testador não fixa o valor da remuneração. 44 Pois o testamento é feito num momento para surtir efeitos noutro: o que o testador quereria (vontade real), quando escreveu o testamento, para o momento da sua morte (vontade conjetural). 45 Isto confere uma maior latitude ao apuramento da vontade real no testamento que na maioria dos negócios formais – que apenas atendem ao “Texto”. Isto porque há uma irrepetibilidade no testamento que só é aberto aquando da morte do seu autor. Valoriza-se os elementos que reproduzam a vontade real do testador. 46 Se não se conseguir extrair do testamento o que o de cujus queria, então essas disposições não são válidas – sendo que quem beneficia destas situações é o sucessível legítimo.
  • 23. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 23 Conteúdo Pessoal e Patrimonial do Testamento Art. 2179º Caráter pessoal/não patrimonial – 1. situações de perfilhação (art. 1853º/b)47 , 2. declaração de maternidade (art. 114º/ e 129º CRC), 3. designação de tutor (art. 1928º/3) e sufrágios ou favor da alma (missas, orações e etc.)48 • Doutrina apresenta outros: instituição de fundação (art. 185º/1), confissão extrajudicial (art. 358º4), designação de administrador de bens e revogação (art. 1967º e 1968º), deserdação (art. 2166º/1), reabilitação de sucessível indigno ou deserdado (art. 2038º, 2166º/2), revogação do testamento (art. 2315º e 2316º), nomeação de testamenteiro (art. 2320º) o É questionável a arrumação no campo exclusivamente pessoal, dado o efeito que elas têm – efeito patrimonial Art. 2179º/2 – só podem figurar num testamento as disposições cuja inclusão seja permitida (expressa ou tacitamente) por um certo preceito legal. ➢ Permite inserir no testamento todas as disposições de caráter não patrimonial cuja inclusão não seja vedada, direta ou indiretamente, pela própria lei. Geralmente podem versar as situações de caráter não patrimonial suscetíveis de serem exercidas por ato unilateral do seu titular – tal como aquelas acerca do próprio corpo, funeral, transferência post mortem de embrião e etc. Não se deve hiperbolizar o conteúdo pessoal pois é a centralidade do conteúdo patrimonial que liga o testamento à sucessão em sentido técnico. Caráter patrimonial – destacam-se duas distinções (conteúdo principal vs. conteúdo acessório e conteúdo comum vs. conteúdo anómalo) Conteúdo Principal Herança – quando autor atribui uma quota da herança. Calcula-se tendo por base o R, deduzido do P – raciocínio lógico que se deduz do sistema e em que não se computa o donatum pois não há disposição legal que o imponha49 ➢ VTH Testamentário = R - P Legados 3 classificações de legados 1. Classificação Romanista a. Legados per vindicationem – implica a atribuição da propriedade ou de outro direito real – objeto é direito real b. Legados per damnationem – atribui ao legatário um direito de crédito contra o herdeiro – objeto é direito de crédito 2. Classificação de Galvão Telles 47 Sempre irrevogável e não é prejudicada pela revogação do testamento em que tenha sido feita (art. 1858º) 48 Válidos quando o testador designe os bens que devem ser utilizados para esse fim ou quando seja possível determinar a quantia necessária para o efeito, recaindo o encargo correspondente sobre o herdeiro ou legatário (art. 2224º) – tornam-nas em conteúdo patrimonial 49 E computar o donatum é fazer uma restrição, pelo que só pode haver restrições impostas pela lei.
  • 24. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 24 a. Legados dispositivos – diminuição do ativo da herança, podendo ser de direitos reais e de crédito preexistentes como tais no património do de cujus. Legados de direitos novos formados à custa de direitos preexistentes no património do falecido (ex: deixa de usufruto de um bem que pertencia ao de cuius). Legados de exoneração de obrigações (o de cuius beneficia o legatário perdoando-lhe uma dívida que tinha para com ele) i. Art. 2269º e 2271º contêm normas supletivas, na falta de disposição do testador ii. Art. 2272º, 2261º, 2273º, 2258º b. Legados obrigacionais – aumentam o passivo hereditário. O legatário adquire um direito perfeitamente novo que não foi sequer constituído à custa de um direito preexistente do autor da sucessão (ex: legado de coisa pertencente a terceiro em que o testador sabia quem era o proprietário da mesma; de cujus atribui bem de 3º, de que não tem direito quando morre. Mas sabe que esse 3º vai entregar o bem pela compensação que a herança lhe trará – não afeta o ativo (nunca esteve no seu património), mas afeta o passivo porque terá de dar contrapartida para que o 3º dê o bem.) 3. Classificação em Típicos vs. Atípicos a. Típicos – tipificados na lei i. Legados de coisa onerada, de crédito, de prestação periódica, de alimentos, de usufruto ii. Legado de coisa alheia – art. 2251º, 2252º, 2254º, 2256º - testador deixa uma coisa que, no todo ou em parte, não lhe pertence. Não está no património do testador no momento da sua morte. Em regra é nula. ➢ Exceções: não pertencia ao testador na feitura do testamento mas depois tornou-se sua (tem-se como se fosse do testador ao tempo do testamento – art. 2251º/3); pertence ao património do casal (art. 1685º/3) e beneficiário apenas adquire o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro (art. 1685º/2); válido se não lhe pertencia no todo (art. 2252º/1/1ª parte) e válido se o testador não sabia que não lhe pertencia a totalidade da coisa (art. 2252º/2/2ª parte); válido se pertencia ao legatário (art. 2256º/2) iii. Legado de coisa genérica – art. 2253º - tem por objeto uma coisa indeterminada de certo género. Escolha cabe ao sucessor onerado com o encargo, exceto se a escolha for atribuída ao legatário ou a terceiro (art. 2266º). Se não houver no património do testador coisa do género, a deixa será válida enquanto legado de coisa alheia. iv. Legado alternativo – art. 2267º - tem por objeto duas ou mais coisas para que seja escolhida uma (regime adaptado ao das obrigações alternativas) Conteúdo Anómalo Demarca-se do conteúdo comum e inclui o conteúdo acessório, instituição de fundações, substituição direta e a fideicomissária (estipulações do testador destinadas a originar vocações de sucessíveis que estão sujeitos a cláusulas acessórias peculiares)
  • 25. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 25 Conteúdo acessório do testamento – art. 2229º e ss. • Condições: muitas alinham pelas regras gerais e as condições já vêm desde há muitos séculos e muitas vezes estão em legislação avulsa – em regra permite-se a nomeação de legatário ou instituição de herdeiro sob condição suspensiva ou resolutiva. o Quanto às condições ilícitas ou impossíveis, não advém a nulidade do art. 271º, mas sim o disposto no art. 2230º - alguns exemplos de condições contrárias à lei (que acarretam a nulidade) estão nos art. 2231º, 2232º, 2233º • Termos: atitude do legislador não é generosa; admite-se para nomeação de legatário mas não tem projeção prática – art. 2243º. A inadmissibilidade dos termos não prejudica as disposições principais • Encargos/Cláusulas modais: distinguem-se da condição (da qual depende a eficácia da deixa), pois no encargo, se a pessoa não cumpre, não perde o bem; há possibilidade de se exigir que ela cumpra o encargo – qualquer interessado pode exigir o cumprimento (art. 2247º) e haver resolução (art. 2248º). o Art. 2244º. o O encargo distingue-se da condição suspensiva pois não impede a produção de efeitos da disposição testamentária e apenas vincula o beneficiário a adotar determinado comportamento. o O encargo distingue-se da condição resolutiva pois na condição a liberalidade é configurada pelo autor como mero instrumento para obter finalidade enquanto que no encargo, o autor quer beneficiar alguém com uma atribuição patrimonial, mas aproveita para alcançar um objetivo. Instituição de Fundações Art. 185º a 188º Ato de instituição de fundação por testamento não pode ser revogado pelos herdeiros do testador, mas não está imune ao instituto de redução de liberalidades (art. 185º/4). ➢ Matéria das fundações e sua instituição estão na parte geral – problema conceptual inicial de que o de cujus deixa bens a um ente que ainda não tem personalidade jurídica; resolve-se instituindo-a Ineficácia lato sensu do testamento Abarca-se a inexistência, a invalidade, a revogação e a caducidade, mas, também, as que resultam de inoficiosidades. Inexistência – correspondem às do negócio jurídico em geral e estão submetidas ao regime geral – disposições testamentárias inexistentes não produzem qualquer efeito e podem ser invocadas por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial. Invalidade – regras especiais para o negócio testamentário – regime específico para as invalidades da sucessão testamentária que se demarcam dos demais desvalores do negócio jurídico em geral.
  • 26. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 26 • Art. 2308º/1 – ação de nulidade caduca ao fim de 10 anos e nesse tempo pode ser invocada por um interessado; diferente da nulidade geral que é invocável a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal o Interessados na arguição das invalidades: todos os que serão chamados a suceder se o testamento ou a disposição for invalidade (será os sucessíveis legítimos, por exemplo) • Art. 2309º - nulidade testamentária atípica é suscetível de confirmação (o que não acontece com a nulidade típica; e esta distingue-se da do art. 288º pois não sana completamente a invalidade) • Art. 2310º - atribui caráter imperativo ao regime de arguição das invalidades. Relevância das invalidades testamentárias está inteiramente dependente da ação ou omissão dos particulares e são eles os únicos que a podem invocar. E a eles cabe também a faculdade de sanar a invalidade. ➢ JDP: não se pode dizer que a nulidade típica, sem prazo e suscetível de conhecimento oficioso, regulada no art. 286º, não se aplica ao negócio testamentário. o Essa nulidade afeta as disposições testamentárias, condicionais ou modais, ilícitas ou impossíveis, que se têm por não escritas. E também se aplica às disposições testamentárias principais ilícitas, impossíveis, com fim ilícito ou que não observem a forma legalmente prescrita. Por ordem de gravidade, a invalidade do negócio testamentário é: nulidade típica, nulidade atípica e anulabilidade atípica. ➢ Normalmente utiliza-se a nulidade atípica, criada especialmente para o negócio testamentário. Nas situações que forem incompatíveis com o dar relevância aos interessados para agirem, haverá nulidade típica. Revogação – ato jurídico do autor do testamento pelo qual ele manifesta vontade de extinguir o negócio que se realizou – manifestação de vontade do autor da sucessão contrária às disposições que inicialmente fez. ➢ É um modo de extinção e de ineficácia do negócio jurídico que se demarca da caducidade (pois esta última não consiste num ato jurídico e o seu efeito decorre de um facto jurídico). Art. 2311º/1 (que reforça uma das características essenciais do testamento do art. 2179º/1). Revogação total e revogação parcial Revogação expressa, tácita e real • Expressa: testado declara, em testamento posterior ou escritura pública subsequente, que revoga no todo ou em parte o testamento anterior (art. 2312º) • Tácita: testador faz testamento posterior incompatível (art. 2313º/1)50 50 Um pacto sucessório posterior e incompatível também é uma manifestação revogatória tácita – se fosse ao contrário (testamento a revogar tacitamente um pacto designativo) o testamento poderia ser válido mas era tido como não eficaz
  • 27. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 27 o Art. 2314º alude a estas duas modalidades de revogação – roboração do art. 213º/2 tem de ser feita em testamento posterior e não se aplica à revogação real • Real: destruição física do testamento ou da coisa legada (bem como a sua transformação ou alienação) – art. 2315º e 2316º51 o Por inutilização só se aplica ao testamento cerrado (e, por maioria de razão, ao testamento internacional) enquanto que a alienação ou transformação da coisa legada se aplica a testamento cerrado e testamento público o Se a destruição for por pessoa diversa do testador, pelo testador sem intenção revogatória ou quando o mesmo se encontrava privado do usa da razão, então torna-se caducidade. o Não há revogação se se provar que o testador, ao alienar ou transformar a coisa, não quis revogar o legado (sendo este eficaz como legado de coisa alheia). Se for alienada por outro testamento do testador, então a revogação é tácita. Caducidade – art. 2317º tem elenco exemplificativo dos casos de caducidade. Há outros que se detetam: • instituição testamentária de fundação que não tenha sido reconhecida em virtude de o fim visado não ter sido considerado de interesse social (art. 188º/1); • cônjuge que violou prazo internupcial ao voltar a casar (art. 1650º/1); • caducidade da convenção antenupcial (art. 1704º e 1716º); • invalidade ou revogação de disposição testamentária em convenção antenupcial (art. 1706º/1); • ultrapassagem do prazo do art. 2059º, ultrapassagem do prazo de eficácia das formas especiais de testamento (art. 2222º); • não verificação da condição suspensiva ou preenchimento da condição resolutiva (art. 2229º); • legado de coisa adquirida pelo legatário nos termos do art. 2257º; • impossibilidade superveniente de leitura; • legado de coisa certa que tenha perecido por causa não imputável ao testador. Situação jurídica dos sucessíveis testamentários, em vida do de cuius É apenas titular de um interesse reflexamente protegido e as invalidades testamentárias e declaração judicial de indignidade tutelam diretamente o consentimento do de cuius. ➢ A entrega dos bens aos sucessíveis testamentários, no âmbito da curadoria definitiva, não traduz a atribuição de um verdadeiro direito de suceder por via testamentária. Devido à faculdade de revogação, a qualidade de sucessível é extremamente precária. 51 já foi considerada situação de revogação tácita, sendo autonomizadas dessa categoria. Tem a ver com a coisa (vem de “res”). Age sobre o próprio testamento cerrado (art. 2315º) ou age sobre a coisa versada pela deixa (art. 2316º)
  • 28. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 28 Sucessão Contratual Art. 2028º prevê 3 modalidades de pactos sucessórios: 1. pactos renunciativos (mediante os quais alguém renuncia à sucessão de outrem ainda vivo); 2. pactos aquisitivos/designativos (mediante os quais alguém regula a própria sucessão – doações por morte, mediante as quais o doador designa o donatário seu herdeiro ou legatário.); 3. pactos dispositivos (mediante os quais alguém dispõe de sucessão de terceiro ainda não aberta). Art. 2028º/2 – apenas são válidos os pactos sucessórios previstos na lei – resulta que são nulos os pactos renunciativos e dispositivos, mas podem ser válidos os pactos designativos. 52 • Nulidade típica dos negócios jurídicos (art. 285º e ss.), não sendo aplicável a nulidade atípica, exclusiva das disposições testamentárias (art. 2308º e ss.). Regra geral de proibição de pactos sucessórios destina-se a garantir a faculdade individual de decisão53 – de decisão do de cuius quanto à disposição por morte de seus bens e do sucessível quanto ao exercício do direito de suceder. • Isto porque o pacto sucessório é ato bilateral que, em princípio, não é livremente revogável pelo doador – bilateralidade do pacto condiciona o teor das deixas a título de herança e de legado. • Os atos de aceitação e repúdio (dos pactos dispositivos e renunciativos), estando integrados em contratos sucessórios, foram concertados entre o autor e a outra parte, não sendo unilateralmente revogáveis e como são praticados numa altura em que a sucessão não está aberta, o seu autor ainda não está em condições de tomar uma decisão esclarecida (dada a suscetibilidade de variação do património hereditário e do mapa de sucessíveis até ao momento da morte do de cuius). Pactos Sucessórios Designativos Em regra, as doações por morte são nulas – art. 946º/1 ex vi art. 2028º/2 • Doações mortis causa inválidas são alvo de conversão em disposições testamentarias – art. 946º/2 – que exige que se tenham observado as formalidades dos testamentos54 – conversão legal em que o negócio muda de natureza de doação para disposição testamentária. 52 Sucessão contratual é pária, pois em regra é inválida. Encontra-se a válida no livro da Família e no art. 946º de Obrigações. Expressão “pacto sucessório” só aparece escrito no art. 1755º/2 = doação por morte = doação mortis causa. 53 Têm pouca admissibilidade porque se tem de proteger a vontade do doador. 54 Como é raro, doutrina (OA, Carvalho Fernandes, Pamplona Corte-Real) entende que basta a doação por morte ser feita por escritura pública – aproxima-se do testamento público. Art. 946º - partes celebram contrato, mas que vai valer apenas como disposição testamentária – conversão legal se se verificarem as formalidades da escritura pública.
  • 29. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 29 o Conversão legal do art. 946º/2 tem implicações de regime – negócio concebido como doação, sujeito à revogação por mútuo consentimento, acaba por ser livremente revogável pelo disponente. Art. 1704º não se refere a doações por morte mas a disposições testamentárias – pois há apenas uma parte, o autor da sucessão; enquanto que a doação por morte implica uma proposta de alguém e aceitação de outrem55 Para pacto sucessório ser válido tem de: ser designativo, em convenção antenupcial e em que uma das partes é esposada. • Pactos sucessórios designativos têm de ser feitos em convenção antenupcial – art. 1699º/1/a, 1700º, 1701º, 1705º e 1710º. • No pacto sucessório tem de estar um esposado como doador ou donatário – art. 1700º/1 o Só é válido se naquela doação por morte intervém como parte um dos esposados a cujo o casamento se refere a convenção antenupcial que institui o pacto sucessório. 56 Se não se observar esta forma, as doações por morte, quanto muito, valem nos termos do art. 946º/2 (ex vi art. 1756º/2). • Se observarem as condições, pactos designativos são admitidos em nome do princípio do favorecimento matrimonial. Primeiro temos de ver se é válido (art. 1702º), se não for temos de ver se vale como outra coisa (art. 946º/2). Apurando-se a validade, temos de ver outra situações: se estava em convenção antenupcial e se celebrou casamento (não caducou a convenção antenupcial) Admitem-se cláusulas de reversão ou fideicomissárias (art. 1700º/2), aplicando o art. 960º e 2286º a 2296º, respetivamente. • São revogáveis livremente e a todo o tempo pelo doador (art. 1707º)57 • Por igualdade ou maioria de razão, pode apor-se aos pactos cláusulas de substituição direta (subordinadas a disciplina de revogação idêntica à das cláusulas de reversão ou fideicomissárias e, mutatis mutandi, aos art. 2281º a 2285º). Pactos designativos válidos podem agrupar-se sob dois critérios: Critério do Beneficiário Em que se tem de distinguir as doações por morte feitas por esposado em favor de terceiro e doações para casamento por morte (art. 1700º/1) 55 E não é livremente revogável, em princípio, ao passo que o testamento, no seu conteúdo patrimonial é 56 Isto porque o fundamento dos pactos sucessórios é a estabilidade da vida familiar. 57 Desvio, raro, à lógica da sucessão contratual
  • 30. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 30 Art. 1700º/1/a – modalidade de doação para casamento por morte = Doações mortis causa para casamento Donatário é sempre um esposado • Regime do art. 1753º a 1760º • Art. 1701º a 1703º ex vi art. 1755º/2 – art. 1755º/2: doações mortis causa para casamento, mandando aplicar o previsto nos art. 1701º a 1703º, sem prejuízo dos art. 1756º a 1760º. o Doações mortis causa para casamento feitas por terceiros só podem ser revogadas por mútuo consentimento das partes – não é possível a revogação unilateral (expressa), nem é lícito ao doador prejudicar o donatário por atos gratuitos de disposição (art. 1701º/1), inter vivos ou mortis causa. o Doações mortis causa para casamento entre esposados são irrevogáveis – art. 1758º; art. 1701º/1 a contrario) Art. 1700º/1/b – modalidade de doações mortis causa de esposado a favor de terceiro Doador é sempre um esposado • Regime do art. 1705º, 1701º e 1702º (ex vi art. 1705º) o Doações mortis causa a favor de terceiro só podem ser revogadas por mútuo consentimento das partes – art. 1705º/1 e 1701º/1. ▪ Pode ser livremente revogada pelo esposado-doador se este tiver reservado contratualmente a faculdade de revogação unilateral (art. 1705º/2) Limitações ao exercício do direito de disposição a título gratuito pelo doador. Limitam também as prerrogativas do donatário, que aceitou a proposta de doação por morte em vida do de cuius. • Adquire automaticamente estatuto de sucessor se tiver capacidade sucessória passiva, obtendo a titularidade das situações jurídicas patrimoniais abrangidas pelo pacto sucessório, sem ter que voltar a aceitar e sem ter a faculdade de repudiar. o Confirmado pelo art. 2055º que só coloca o problema da aceitação ou do repúdio após o chamamento, no que respeita aos títulos legais e testamentário. o Na altura da abertura da sucessão, a posição do sucessível contratual é análoga à do Estado, enquanto sucessível legítimo (art. 2154º) Caducidade varia em razão do beneficiário • Doações para casamento por morte: art. 1703º/158 – caducidade dos pactos sucessórios para casamento nos casos previstos no art. 1760º/1/a. • Doações mortis causa de esposado a favor de terceiro: art. 1705º/4 - caducidade dos pactos sucessórios de o donatário falecer antes do doador a não ser que se verifique situação do art. 1703º/2. 58 Sendo que o art. 1703º/2 é o único caso de direito de representação no regime da sucessão contratual – tem que ser um filho daquele casamento; tem de ser feita por terceiro (e se for outro esposado, caduca) ➢ Solução que acautela a vontade hipotética do doador, que quis beneficiar aquele casamento e aqueles que surgissem por via daquele casamento – coerência com o princípio do favorecimento matrimonial
  • 31. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 31 • Art. 1791º/1 – caducidade dos pactos sucessórios no caso de divórcio (ou separação nos termos do art. 1794º). • Art. 1705º/1 e 1716º - caducidade dos pactos sucessórios nos casos de caducidade das convenções antenupciais. • Art. 1706º/1 – caducidade dos pactos sucessórios se ficar designado na convenção antenupcial o caráter correspetivo59 das duas disposições, a invalidade ou revogação de uma produz a caducidade da outra. Pacto sucessório anterior prevalece sobre posterior. Critério do Objeto Contraposição dos pactos de instituição de herdeiro e pactos de nomeação de legatário. • Através dos pactos sucessórios podem ser designados herdeiros ou legatários, independentemente de quem seja o beneficiário. Art. 1702º - regula instituição de herdeiro em favor de esposado (sendo aplicável à instituição de terceiro ex vi art. 1705º/1). Quando o objeto é uma quota de herança Art. 1702º/1 – Cálculo do VTH Contratual: • R (inclui bens que foram eventualmente objeto de disposições testamentárias ou doações por morte) + Dposterior ao pacto (tanto as doações em vida como as por morte e testamentárias) – P Quando o objeto é totalidade da herança Art. 1702º/2 – Doador pode dispor gratuitamente, em vida ou por morte, de uma terça parte dessa herança, quantificada com base no cálculo do VTH Contratual Quando o objeto é um legado Art. 1701º/2 e 3 – disciplinam a situação do legado contratual • O bem legado por doação mortis causa não pode ser alienado pelo doador (nem a título gratuito nem oneroso) – a não ser que a alienação se funde em grande necessidade própria ou da família e tenha havido autorização do donatário. • Alienação ilícita do bem legado é nula nos termos do art. 294º e a invalidade é invocável pelo legatário antes da abertura da sucessão. • Ato de disposição mortis causa de bem previamente legado por pacto sucessório é igualmente nulo por força do art. 294º.. Relação entre autor da sucessão e terceiro adquirente ou beneficiário da liberalidade mortis causa – nulidade atípica, aplicando-se analogicamente os art. 892º e ss., art. 956º ou art. 2251º. Alienação lícita de bem deixado por pacto sucessório converte o legado contratual de bem determinado num legado de valor ou dinheiro. 59 Quando estão incindivelmente vinculadas uma à outra, no ânimo do disponente, de tal modo que cada uma delas tenha como condição ou como motivo essencial a realização da outra.
  • 32. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 32 Situação do sucessível contratual em vida do de cuius é análoga à do legitimário. • Sucessível contratual não tem direito de exigir os bens doados por pacto sucessório em vida do de cuius, mas beneficia e tutela contra negócios subsequentes. o Titular de expetativa jurídica, antes da abertura da sucessão pois as doações em vida posteriores ao pacto são suscetíveis de impugnação lato sensu (art. 1701º/1). ▪ Expetativa mais forte no caso do legatário (pode arguir a nulidade de negócios subsequentes ao pacto que tenham caráter gratuito ou oneroso) do que o herdeiro (só pode impugnar negócios gratuitos posteriores). Sucessão contratual anómala? Há alguns negócios bilaterais que não se enquadram, à primeira vista, na definição de negócios sucessórios mas que apresentam uma relevância sucessória ou desempenham função de atribuição patrimonial parecida com as deixas testamentárias e pactícias. Doações em vida têm reflexos sucessórios – o seu valor integra a massa de cálculo que permite o apuramento do montante da legítima (art. 2162º/1) e da contratual (art. 1702º/1) e a sua eficácia pode ser total ou parcialmente atingida, a requerimento dos herdeiros legitimários . • Caso das doações cum moriar (doações com reserva de usufruto); • Doações si praemoriar (morte do doador funciona como condição da atribuição patrimonial); • Doações que realizam a partilha em vida (art. 2029º); • Doações em vida imputáveis na legítima subjetiva do donatário. Particularidades das doações em vida (negócio inter vivos) terem efeitos sucessórios e serem imputáveis na quota indisponível. Doações feitas a sucessíveis legitimários prioritários tendem a ser imputadas na legítima subjetiva do donatário, preenchendo a respetiva quota hereditária de modo antecipado. ➢ Têm componente de pacto sucessório renunciativo: ao aceitar uma proposta de doação, o legitimário aceita que a totalidade ou parte da sua quota hereditária injuntiva seja antecipadamente preenchida, renunciando à intangibilidade qualitativa da legítima. Há vários exemplos: • Art. 443º - contrato a favor de terceiro – pode consistir em liberalidade destinada a produzir efeitos após a morte do promissário. Ex: seguro de vida, que apesar de de aplicar várias regras sucessórias (colação, imputação e redução; indignidade e deserdação, indiretamente, por via do instituto da revogação por ingratidão), o contrato não corresponde a pacto sucessório designativo. Mas o prémio desse seguro de vida pode ser tratado como doação em vida, uma vez que é o produto de uma contribuição efetuada pelo promissário em vida, sendo contabilizado no valor total da herança contratual ou legitimária e estando sujeito a colação, imputação de liberalidades e redução por inoficiosidade. • Casos de contas nos bancos e contas solidárias. • Participação social que se pode transmitir (em que o destino da participação social é determinado pelas regras sucessórias comuns) ou extinguir. Licitude de um “trust” pode enfrentar obstáculos, faltando uma disposição legal
  • 33. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 33 Sucessão Legitimária Modalidade autónoma60 da sucessão. ➢ Art. 2027º contrapõe a sucessão legítima à legitimária, sendo claramente demarcadas uma da outra. Pamplona Corte-Real: sucessão legitimária é a coluna vertebral do sistema sucessório. Sucessão legitimária tem como fundamento a proteção da família mais próxima do de cuius – justificada por normas constitucionais. ➢ Representa, no entanto, um limite à eficácia da sucessão voluntária e das doações em vida. É injuntiva – não pode ser afastada pelo autor da sucessão Art. 2156º a 2178º. Legitimária não existe sempre e só existe quando há as categorias de sucessíveis do art. 2157º - que sucedem pelas regras dos art. 2133º/1/a, b; 2134º; 2135º; 2136º.61 Art. 2156º - Legítima Objetiva = Quota Indisponível • Varia de 1/3 a 2/3 consoante a categoria dos sucessíveis legitimários (art. 2158º a 2161º). o O valor varia consoante a categoria dos herdeiros (ao contrário do que se passa em outros ordenamentos jurídicos em que tal é invariável) o Legítima Subjetiva – quota da herança que cabe a um sucessível legitimário • Divisão é feita por cabeça, a não ser nos casos de direito de representação62 , de concurso do cônjuge com mais de 3 filhos ou com ascendentes. • Cônjuge sobrevivo é sucessível legitimário privilegiado – e essas vantagens podem cumular-se com as vantagens patrimoniais eventualmente decorrentes de um regime matrimonial diferente do da separação de bens.63 Opõe-lhe a Quota Disponível, porção que o de cuius pode dispor livremente a título gratuito. ➢ A contrario sensu do art. 2156º Cálculo da Legítima Art. 2162º/2 dá-nos a massa patrimonial que vai servir para determinação da quota indisponível ou herança legitimária propriamente dita – obtém-se o valor total da herança para efeitos de sucessão legitimária: VTH = R + D – P • Relictum – massa de bens existentes no património do de cuius no momento da abertura da sucessão. 60 O nosso livro das sucessões é muito avançado e técnico, aceitando a vocação legitimária e a sua autonomia. 61 Regras da partilha da herança da sucessão legitimária e da legítima são as mesmas pois os sucessíveis são os mesmos. Embora os legitimários sejam apenas o cônjuge e os parentes na linha reta. 62 Direito de Representação só funciona na linha reta descendente – só pode existir direito de representação quando houver direito a suceder. 63 Casos em que os cônjuges não estão em separação de bens ainda tem de se contabilizar a meação do cônjuge sobrevivo.
  • 34. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 34 o Inclui-se os bens deixados por testamento ou doados mortis causa (uma vez que a transmissão da propriedade não ocorre em vida do autor das liberalidades – são bens que só saem do património aquando após a morte do de cuius, no momento da abertura da sucessão ainda lá estão) – incluindo aqui os legados. o Inclui-se o valor dos bens próprios e da meação (se for casado em regime diferente da separação de bens) • Donatum – bens doados (em vida) e despesas sujeitas a colação. o Valor que os bens tiverem no momento da abertura da sucessão. o Não se contabiliza as coisas doadas que tiverem perecido em vida do de cuius por facto não imputável ao donatário (art. 2162º/2) • Passivo – todos os encargos da herança à exceção dos legados (do art. 2068º) Soma-se o Relictum ao Donatum devido à imperatividade/injuntividade do art. 2162º/1 – porque a lei o impõe64 . Divergência entre a Escola de Lisboa e a Escola de Coimbra. Escola de Coimbra: VTH = R – P + D ➢ Interpretação corretiva da norma pois é o Relictum que responde pelo passivo. Escola de Lisboa: interpretação errada ➢ Pois art. 2162º tem instrumento de tutela quantitativa da legítima objetiva (assegura que os sucessíveis legitimários recebam a sua legítima subjetiva), pelo que as doações em vida são abstrata e ficcionalmente devolvidas ao património, para que o todo vá responder pelas dívidas. o Quis acautelar-se o afastamento dos legitimários pelo de cuius com a doação de património. Após determinar o VTH apura-se o valor da QI – tendo em conta que sucessíveis legitimários sobreviveram ao de cuius. Se não houver sucessão legitimária, ao valor do Relictum abate-se o Passivo e o valor das liberalidades mortis causa. A consideração do Relictum e dedução do Passivo decorrem das regras gerais sobre a sucessão e a herança. Imputação de Liberalidades (negociais) Operação de enquadramento contabilístico de liberalidades numa quota – quota disponível ou indisponível? Há várias opções doutrinárias pois a lei não explicita. • Imputam-se as liberalidades feitas pelo autor da sucessão em benefício de terceiro, i.e, alguém que não seja sucessor legitimário na QD. • Imputam-se as liberalidades feitas pelo autor da sucessão em benefício de sucessor legitimário ou na QD ou na legítima subjetiva do beneficiário. o Em princípio, as liberalidades são imputadas onde o autor da sucessão disser, desde que a quota escolhida não esteja preenchida. 64 Tal como o art. 1702º o impõe à Contratual. A lei não impõe à Testamentária nem à Legítima, pelo que nessas não se contabiliza o Donatum – na falta de disposição legal não se considera o Donatum
  • 35. Sebenta Sucessões – DNB 2016/2017 35 o Se não for possível apurar a vontade do autor da sucessão, há que distinguir entre liberalidades em vida e liberalidades por morte. ▪ Em regra, as liberalidades em vida (caso das doações em vida) são imputadas na legítima subjetiva do donatário. ▪ Em regra, as liberalidades mortis causa são imputadas na quota disponível. Intangibilidade da legítima Posição do sucessível legitimário está associada a uma proteção especial, que se funda no princípio da intangibilidade da legítima. • Vertente qualitativa – art. 2163º, 2164º e 2165º - de cuius não pode, contra a vontade do legitimário, substituir a sua legitima por uma deixa testamentária, preencher a quota legitimária do mesmo com bens determinados ou onerá-la com encargos de qualquer natureza. • Vertente quantitativa – art. 2166º e 2167º; art. 2168º a 2178º – autor da sucessão está impedido de privar o legitimário do valor, total ou parcial, que lhe assiste a título de legítima. Redução das Liberalidades São redutíveis65 as liberalidades inoficiosas – aquelas que impedem o sucessível legitimário de obter o montante da respetiva legítima. Casos em que o valor das liberalidades feitas a terceiro excedem a quota disponível. ➢ Diferença entre o montante das liberalidades e o da quota disponível é o valor da inoficiosidade. o Valor da ineficácia das liberalidades em relação aos sucessíveis legitimários. Liberalidades e vocações de sucessão voluntária nunca podem ultrapassar o valor da quota disponível, quando ultrapassa (havendo inoficiosidade nesse valor), há redução por inoficiosidade. ➢ Liberalidades inoficiosas são reduzidas, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida – afeta a eficácia das liberalidades, na medida do que for exigível para eliminar a situação de inoficiosidade (art. 2169º). Art. 2168º - todas as liberalidades são suscetíveis de redução Art. 2170º - não é permitida a renúncia antecipada à redução por inoficiosidades Art. 2171º66 - em primeiro as 1º)deixas testamentárias a título de herança, depois as 2º)deixas testamentárias a título de legado e depois as 3º)liberalidades ➢ No âmbito da ordem da redução, as doações mortis causa são equiparadas às doações inter vivos, em nome de uma certa identidade quanto ao regime de revogação. 65 Meio, por excelência, de proteção da legítima em geral e da dimensão quantitativa em particular. 66 Primeiro estão as deixas testamentárias porque o testamento é secreto até ao momento da morte e não cria expetativas jurídicas, sendo, inclusive, revogáveis a todo o tempo