O documento discute o uso de algemas pela Polícia Federal em operações policiais no Brasil. Em três pontos: 1) O Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma súmula para limitar o uso de algemas e exigir justificativa por escrito, mas ela tem sido ignorada; 2) Dois casos recentes ilustram a discriminação, com um réu detido sem algemas e outro apresentado algemado; 3) É grande a tentação de criticar a diferença de tratamento pela discriminação social e racial, reforçando a necessidade de cumprir a
1. 6 Quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
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O GLOBO
OPINIÃO
Discriminação e arbítrio no uso de algemas
A
Polícia Federal, a partir do primeiro é claro, não ocorria com o habeas corpus con- graha, um festival de irregularidades, o Supre- da caso é um caso e exige a explicação formal
governo Lula, realizou várias ope- cedido pelo juiz, por considerar que o inqué- mo Tribunal Federal baixou súmula para limi- de por que o preso foi manietado, a regra tem
rações de repercussão. Batizadas rito policial, de formulação precária, não jus- tar o uso de algemas, punir abusos e exigir a de ser cumprida. Se não, cai-se num vácuo em
por nomes criativos, as investidas tificava a prisão preventiva. Mas justificativa, por escrito, da polí- que vale aquilo que decidir o policial. Dois
policiais, sempre acompanhadas pela im- o show já havia sido dado. cia, quando fossem utilizadas. A exemplos recentes são esclarecedores do es-
prensa, convocada com antecedência, gera- O uso de algemas sem justifi- Corte foi levada a endurecer paço existente para o desmando: enquanto
vam imagens de impacto para o noticiário. cativa era constante. O desvio fi- Súmula do diante do caso de um preso acu- Marcos Valério, do mensalão, foi detido sem
Raras operações não eram contra empre- cou evidente em pelo menos sado de homicídio ter compare- ser algemado, William da Rocinha, acusado de
sários acusados de sonegação ou de estar li- duas operações da PF em 2005: Supremo é cido ao tribunal do júri algema- conivência com o tráfico, apareceu para ser
gados a algum esquema de corrupção. Inten- na sede da Daslu, à época grande do. O STF anulou o julgamento. fotografado com argolas nos pulsos.
cionalmente ou não, a linha de trabalho da PF e sofisticada loja em São Paulo, e ignorada por Como mostrou reportagem de O comportamento dos policiais no caso de
conquistou apoio popular. Pessoas bem ves- para deter executivos e acionis- ontem do GLOBO, a súmula não Marcos Valério, sempre envolvido em opera-
tidas e algemadas pareciam reforçar a ideia tas da Schincariol, fabricante de polícias e “pegou”, é letra morta, mesmo ções obscuras, foi correto. Por que não fize-
de uma polícia de fato “republicana” — como cerveja. Prisões foram feitas em sendo “vinculante” — todas as ram o mesmo com William, não conhecido
costumava qualificar o então ministro da Jus- dez estados, além de São Paulo e juízes instâncias inferiores da Justiça por ser de “alta periculosidade”? Pelas expli-
tiça Marcio Thomaz Bastos —, um órgão pú- Rio de Janeiro. E era indiscutível têm de obedecer a ela. Não é o cações oficiais, deduz-se que não se cumpriu
blico de Estado cumpridor da lei, blindado que se abusara das algemas. As que acontece. Há vários argu- a súmula do STF, ou seja, não houve justifica-
contra interferências políticas. operações, contra sonegação, fi- mentos a favor da algema, inclu- tiva específica por escrito. É grande a tenta-
Não demorou para se detectarem os exces- zeram aumentar as críticas. Em algum mo- sive o da proteção do próprio preso. Nos Es- ção de se criticar a diferença de atitude da po-
sos. Um deles, a própria exposição de acusa- mento, a própria PF anunciou a criação de tados Unidos, pelo menos em Nova York, nem lícia nos dois casos pela discriminação social
dos como se já culpados fossem. Se a deten- normas de conduta, mas, em agosto de 2008, Strauss-Kahn, ainda diretor-gerente do FMI, e racial. Mais um motivo para ser cumprida à
ção conquistava grande destaque, o mesmo, depois de detenções feitas na Operação Satia- escapou delas. Mas, se a lei estabelece que ca- risca a súmula do Supremo.
Cameron voltou a morar em uma ilha
O
primeiro-ministro David Came- partido, o vice-premier Nick Clegg, criticou Um dos objetivos do novo instrumento é au- xelas a apressar o passo rumo a uma maior
ron fez um movimento arriscado a decisão do primeiro-ministro, mostrando mentar a credibilidade da zona do euro e integração que pudesse dar respaldo à moe-
ao manter a Grã-Bretanha fora fissuras na coalizão. convencer o Banco Central Europeu a ele- da comum.
do pacto de disciplina fiscal Para a Grã-Bretanha, o perigo var substancialmente a compra A decisão de Cameron embute o risco de
aprovado semana passada pelos países da é cair no isolamento e perder de títulos dos países em dificul- deixar o país isolado. E talvez não valha cor-
União Europeia com o objetivo de tentar paulatinamente espaço na UE. dades, contribuindo para a re- rê-lo, pois o argumento do premier, de que
salvar o euro. O premier alegou que o acor- No entanto, embora o país não Primeiro-ministro dução do custo do endivida- sua prioridade é a saúde da City, é inconsis-
do, que deverá estar pronto em março, não tenha aderido ao euro, sua de- mento. Não é fácil, pois estatu- tente: no caso de um colapso do euro, as on-
incluiu as salvaguardas necessárias para fecção pode enfraquecer, aos inglês se isola, tariamente o BCE tem limita- das de choque arrastarão também a Grã-
proteger os serviços financeiros britâni- olhos dos ariscos mercados fi- ções. Bretanha e atingirão todos os mercados fi-
cos, cujo maior símbolo é a City londrina. nanceiros, o esforço europeu abala aliança, A posição ambivalente da nanceiros, hoje intensamente conectados. É
No curto prazo, houve um ganho político: para estancar a crise que amea- Grã-Bretanha em relação à UE é razoável supor que Cameron tenha se pre-
o apoio interno aos conservadores, muitos ça a moeda comum. mas ganha apoio antiga e, no passado, levou De cipitado ao vetar o projeto de acordo de res-
dos quais são os chamados “eurocéticos”, O pacto que amplia a vigilân- Gaulle a, por duas vezes, dizer ponsabilidade fiscal, o que significou o ali-
subiu sete pontos percentuais, para 41%, e, cia sobre as contas dos gover- popular “não” ao ingresso do país. Lon- jamento britânico desse instrumento em
pela primeira vez em 2011, ultrapassou a nos busca evitar uma recorrên- dres nunca viu com bons olhos particular — o país continua fazendo parte
oposição trabalhista, que recuou dois pon- cia da crise que hoje angustia a o caminho para uma união po- da União Europeia. Tudo indica que ele po-
tos para 39%, segundo pesquisa Reuters/Ip- Europa, e foi aprovado por 23 lítica na Europa e esteve sem- deria ter manobrado diplomaticamente pa-
sos. Mas há riscos políticos também, pois países-membros. Outros três — Suécia, pre mais interessada na abertura dos mer- ra fazer com que a Grã-Bretanha acompa-
os conservadores de Cameron governam Hungria e República Tcheca — decidiram cados e na livre circulação de mercadorias e nhasse o processo, sem que isto significas-
com os liberais-democratas, e o líder do submetê-lo aos respectivos parlamentos. pessoas. Mas a crise do euro obrigou Bru- se a adoção do euro. Aguardemos.
Geisel e Lula Marcelo
CARLOS ALBERTO SARDENBERG capital não se move por ideologia, mas
por... dinheiro. Devia ser um bom negó-
N
ão foi por acaso que parte cio entrar num país sem competição,
da esquerda brasileira en- com apoio de um governo local que
cantou-se com a política não devia satisfações ao Legislativo, ao
econômica do presidente Judiciário ou à imprensa.
Ernesto Geisel, na década de 70. O ge- Do mesmo modo, as multinacio-
neral, que trazia uma bronca dos ame- nais do petróleo, hoje, vão topar (ou
ricanos, tinha uma visão muito ao não) o novo modelo de exploração
gosto da chamada ala desenvolvimen- do pré-sal não por motivos políticos,
tista da América Latina: o Estado co- mas pela possibilidade de ganhar (ou
manda as atividades, investindo, fi- não) dinheiro.
nanciando, subsidiando, autorizando Lula, no regime democrático, substi-
(ou vetando) os negócios e a atuação tuiu o AI-5 pela ampla base partidária,
de empresas. Mais ainda: com a força cooptada e/ou comprada com vanta-
das estatais e seus ban- gens e cargos. Na econo-
cos, o governo organiza mia, sobraram instrumen-
companhias para atuar tos poderosos, como os
em determinadas áreas. Lula recuperou o bancos públicos, espe-
O presidente Geisel, cialmente o braço arma-
claro, tinha mais poderes modelo, no que do de empréstimos espe-
do que os governantes da ciais do BNDES. Além dis-
democracia. Todos os se- foi apoiado e so, em um país de carga
tores impor tantes da tributária tão elevada,
economia estavam nas seguido por qualquer redução dá uma
mãos de estatais, de mo- vantagem enorme ao se-
do que o controle era Dilma tor escolhido. O governo
mais direto. Além disso, Lula-Dilma usa e abusa nem ONGs para suspender obras. crise mundial dos anos 70, com inflação mes, como a transposição do Rio São
havia o AI-5. Quando o desse recurso. Já Lula e Dilma passam o tempo todo e recessão, consequência da alta dos Francisco ou o trem-bala.
presidente dizia a um em- Geisel ampliou a ação tentando driblar esses “estorvos”, mas preços do petróleo, de alimentos e, em Como Geisel, Lula também herdou
presário ou banqueiro o que deveria da Petrobras, levando-a à petroquími- vai tudo mais devagar. Inclusive porque seguida, do choque de juros, a fonte se- uma estabilidade construída pela ad-
fazer, a proposta, digamos assim, ti- ca, ao comércio externo e ao varejo dos a repartição do governo por critérios cou e o Brasil quebrou. ministração anterior e se beneficiou
nha uma força extra. postos de gasolina. O presidente Lula partidários retira eficiência da adminis- Resultaram estatais tão grandes de um ambiente internacional extre-
Mas Lula arranjou um modo de recu- também mandou a Petrobras ampliar tração, abre espaço para a corrupção. quanto ineficientes. E empresas pri- mamente favorável.
perar o modelo, no que foi apoiado e seus negócios e tratou de devolver à es- O governo Geisel deixou uma ampla vadas que não resistiam à menor O ambiente internacional está mais
seguido por Dilma. Geisel, por exemplo, tatal parte do poder que perdera com a coleção de cemitérios fiscais e empre- competição. Sem as tetas do gover- hostil. E já são visíveis alguns ossos de
era o dono da Vale. Lula não era, mas lei do petróleo de 1997, colocando-a co- sariais. Sua presidência beneficiou-se no, simplesmente sumiram, deixan- esqueletos: obras atrasadas e mais ca-
pressionou a mineradora, impôs negó- mo dominante no pré-sal. da estabilidade promovida pelas refor- do empresários ricos e uma conta pa- ras, investimentos ficando pelo cami-
cios e terminou substituindo o presi- Geisel tocou grandes obras, grandes mas da dupla Bulhões/Roberto Cam- ra o contribuinte. nho, indústrias locais protegidas (e
dente da companhia. Geisel montou as projetos. Lula, idem. Não é coincidên- pos, no governo Castello Branco, e de Convém pensar nisso quando Lula e ineficientes), gasto público elevado,
famosas companhias da área petroquí- cia que o petista tenha retomado usi- uma conjuntura mundial favorável. En- Dilma forçam os bancos públicos a desequilíbrios econômicos voltando,
mica, tripartites, constituídas por uma nas nucleares que constavam do Brasil quanto o Brasil conseguiu financiamen- ampliarem seus financiamentos. Quan- como a persistente inflação.
empresa estrangeira, uma nacional pri- Potência do general. Geisel tinha outra to externo, com os bancos internacio- do levam a Petrobras e empresas pri-
vada e uma estatal, na base do um ter- grande vantagem. Na época, não tinha nais passando para os países em de- vadas a investimentos provavelmente CARLOS ALBERTO SARDENBERG é
ço cada. Aliás, convém notar: não fal- licença ambiental, não tinha Ministério senvolvimento os petrodólares, a juros acima de suas capacidades. Ou quan- jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br;
taram multinacionais interessadas. O Público, nem sindicatos, nem juízes, baratos, o modelo ficou de pé. Com a do o governo toca essas obras enor- carlos.sardenberg@tvglobo.com.br.
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