O documento discute o Prêmio Nobel de Literatura, incluindo seus critérios de seleção e países que receberam o prêmio. Também comenta sobre a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e seu compromisso com a literatura.
1. Jornal
O Bandeirante
Ano XIX - no 214 - setembro de 2010
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
Perfilando o Prêmio Nobel de
Literatura
“O homem é, no universo, uma força, porém superior às outras, pelo pensamento.”
Thomas Wittlam Atkinson (1799-1861), arquiteto e escritor inglês.
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).
Quaisquer que sejam as premiações a ver com a Fundação Nobel, não deven- (Karl Adolph Gjellerup e Henrik Pon-
em concursos em âmbito nacional ou do ser erroneamente denominado de toppidan, ambos dinamarqueses); 1966
mundial, nenhuma delas sequer se apro- Prêmio Nobel de Economia. (Shmuel Yosef Agnon, israelense, e Nelly
xima ao valor do galardão auferido com Por sua vez, entre os jurados dos Prê- Sachs, alemã) e 1974 (Eyvind Johnson e
um Nobel. mios Nobel têm-se a Academia Real de Harry Martinson, ambos suecos).(...)
Seu inesquecível mecenas foi Alfred Ciências da Suécia para os prêmios de Apesar de o português ser falado por
Bernhard Nobel (1833-1896), quími- Física, Química e Economia; Instituto 230 milhões de pessoas – o quinto idio-
co sueco, que se tornou milionário por Real da Suécia de Medicina e Cirurgia; ma mais falado no mundo (!) –, apenas
causa de suas numerosas descobertas na de Caroline para o de Fisiologia ou Me- Portugal, dos países lusófonos, recebeu
área de explosivos, particularmente a dicina; Academia de Literatura da Suécia um Nobel de Literatura. O nosso Conti-
dinamite, em 1866, e que passou a ser para o de Literatura; e um comitê desig- nente Americano recebeu 16 premiações
comercializada em grande escala no fi- nado pelo parlamento norueguês para o (15%), sendo que nove destas (56,2%)
nal do século XIX. Seu gênio inventor prêmio da Paz. foram destinadas aos Estados Unidos da
proporcionou-lhe a detenção de mais A cerimônia de premiação é realizada América. Dos seis países restantes, um é
de 350 patentes. Fundou companhias e anualmente no dia 10 de dezembro, dia da América do Norte (México); dois são
laboratórios em cerca de 20 países. Tam- do aniversário da morte de Alfred Ber- da América do Sul (Chile e Colômbia), e
bém escreveu poesia e drama e chegou a nhard Nobel. Em Estocolmo – Suécia, três são da América Central (Guatemala,
pensar em se tornar escritor. Entretanto, para os prêmios de Física, Química, Fisio- Santa Lúcia e Trinidad e Tobago), sendo
era consciente dos perigos que envol- logia ou Medicina e Literatura, e, em Oslo que dois têm o vernáculo inglês como
viam o uso indevido de sua invenção e, – Noruega, para o da Paz. Os agraciados idioma oficial.(...)
por causa disso, sempre apoiou movi- recebem uma medalha de ouro com a efí- Ninguém se torna um escritor para
mentos em prol da paz. gie de Alfred Nobel, gravada com o seu receber quaisquer que sejam os prêmios
Ao falecer era dono de um ciclópico nome, um diploma e um prêmio em di- e, de modo particular, um Nobel. A vo-
império industrial. Idealista, destinou nheiro, que geralmente ultrapassa a quan- cação de escritor flui espontaneamente
colossal fortuna à criação de uma funda- tia de 1 milhão de dólares ou euros. e se realiza por si mesma. As premiações
ção que deveria financiar, anualmente, A primeira cerimônia de entrega, na não são a finalidade, mas meros aciden-
cinco grandes prêmios internacionais, Suécia, ocorreu no Conservatório Real de tes de percurso na trajetória de qualquer
não somente àqueles que serviram ao Estocolmo, em 1901. A partir de 1902 os profissional. A Sociedade Brasileira de
bem da humanidade, ou que a ela pro- prêmios de Física, Química, Fisiologia ou Médicos Escritores – Regional do Estado
porcionaram benefícios, destacando-se Medicina e Literatura são formalmente de São Paulo (Sobrames – SP) sabe disso
em Física, Química, Fisiologia ou Me- concedidos pelo rei da Suécia, e o prê- há muito tempo. Congratula-se não so-
dicina, Literatura, mas também àqueles mio da Paz, pelo rei da Noruega. mente com as deidades do Nobel, mas
que mais se dedicassem em prol da Paz, Ao longo de 108 anos de Prêmio Nobel com cada um de seus membros, sobre-
ou seja, da amizade e do entendimento de Literatura (1901-2009), não houve pre- modo, com aqueles que jamais recebe-
entre as nações. miação em sete anos (1914, 1918, 1935, ram alguma comenda, pois todos têm
Em 1968, o Sveriges Riksbank – ban- 1940, 1941, 1942 e 1943). Houve 41 pa- um só denomidador comum – a arte de
co central sueco – instituiu o Prêmio de íses agraciados e 106 ganhadores, uma compartilhar suas vidas, colocando pe-
Ciências Econômicas em memória de Al- vez que dois autores ganharam nos anos culiarmente no papel, em versos ou em
fred Nobel. Entretanto, essa honraria é de 1904 (Frédéric Mistral, francês, e José prosa, seus sonhos, anseios, ficções, his-
custeada pelo banco central e nada tem Echegaray y Eizaguirre, espanhol); 1917 tórias, pensamentos e sentimentos.
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2. 2 O BANDEIRANTE - Setembro de 2010
É sempre prazeroso notar a alegria que tem tomado
eXPeDIeNte
conta de nossas Pizzas Literárias, com uma interação en-
Jornal O Bandeirante
ANO XIX - no 214 - Setembro 2010
tre este universo que se forma sempre na terceira quinta-
feira de cada mês. Assistimos a um feliz casamento entre
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos
amigos, textos, pizzas e principalmente aplausos que to-
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP . dos merecem. Participe desta festa na qual o traje de gala
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604
está vestindo o coração de quem escreve, sinta o prazer de
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche. Jornalista participar de uma família que aqui se reúne, fortalecendo
Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb
17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Carlos Augusto
cada vez mais a nossa Sobrames São Paulo!
F. Galvão, Geovah Paulo da Cruz, Helio Begliomini, Hélio
José Déstro, Luiz Jorge Ferreira, Márcia Etelli Coelho,
Roberto Antonio Aniche, Rodolpho Civile, Sergio Perazzo
e Walter Whitton Harris.Tiragem desta edição: 300 Carlos Augusto F. Galvão
exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF
enviados por e-mail. Roberto Antonio Aniche
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus
autores e não representam, necessariamente, a
O Malho
opinião da Sobrames-SP
Editores de O Bandeirante
Parece que os sobramistas de Sampa já estão entendendo o espírito da coisa.
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Textos curtos não agridem os ouvidos e o cérebro os analisa, o que não acontece
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996 com textos longos, próprios para serem degustados em leituras, nunca ouvidos.
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000 Foi show! A competência, sobretudo o discernimento dos colegas. Acredito que
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009
textos cansativos sejam coisas do passado.
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -
Presidentes da Sobrames – SP
1 Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)
o
2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996)
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
5o Walter Whitton Harris (1999-2000)
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
7o Luiz Giovani (2003-2004)
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
Walter Whitton Harris
Cirurgia do Pé e Tornozelo
Ortopedia e Traumatologia Geral
Editores: Carlos A. F Galvão, Roberto A. Aniche
.
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receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF)
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3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Setembro de 2010 3
Notícias
EXPOSIÇÃO – Os confrades Dumara e Nelson Jacintho apresentam, entre 27 de agosto e 6 de outubro em Ribeirão
Preto, no Espaço Cultural Pier Luigi Castelfranchi, na Rua Lafaiete, 789 uma vernissage de livros e telas de suas auto-
rias. Todos os confrades estão convidados a uma visita.
Eleições e aniversário da Sobrames São Paulo
Em 16 de setembro a querida Sobrames-SP completou 22 anos de profícua existência.
Nessa mesma data houve eleição da diretoria para o biênio 2011-2012. Apenas uma chapa concorreu, liderada pela
sócia Josyanne Rita de Arruda Franco, atual vice-presidente e membro da entidade desde 1991.
Estranhas considerações sobre o ser humano
Rodolpho Civile
Na Natureza nada se destrói ou se perde, tudo se transforma. É uma lei de Física. Na sociedade huma-
na o preceito é semelhante: um agrupamento de seres convivem em colaboração mútua. As normas são
comuns, mas o discernimento entre os membros muda de acordo com o lugar, interesses, desenvolvimento
intelectual e religioso. Convivem, mas nem sempre se amam... Às vezes, sorrateiramente, se suportam...
Mudanças...Mudanças... No grande cosmos e no minúsculo cosmos. Principalmente, na mente humana.
Nela, as três grandes fases: na infância, com os seus brinquedos. Na mocidade, com o trabalho, o estudo
e o amor. Na velhice, com a aposentadoria, os remédios, as doenças, a comida e a sonolência. Mas, não
vamos encarar a vida de uma maneira pessimista. Existe o amor! Aquele de que a natureza se utiliza para
a continuidade... Pelo amor a vida se renova e a morte é anulada. “Aquele que não ama, no escuro anda”.
O amor se expressa de várias maneiras, principalmente pela língua, algumas bem compridas e vene-
nosas... Assim: Na fase de namoro e noivado ele é: alto, magro simpático, belo, de olhos azuis fascinantes,
cabelos compridos sedosos, pele acetinada, barba espessa, nariz grego, boca bem feita, dentes perfeitos,
queixo dominante, voz tronante, unhas aparadas, mãos grandes delicadas, pés pequenos, silhueta de atleta.
Um verdadeiro macho latino! Tudo isso, não se considerando a família nobre, um bom emprego e a posse
de alguns cavalos brancos...
Na fase pós-casamento ou simplesmente união, como se usa agora, dependendo da situação econômica
(se ele for um fracassado), ele é ou se transforma em: careca, usa peruca, desdentado, barrigudo, corcunda,
com um olho de vidro e uma perna de pau e ainda por cima, ou melhor, por baixo, um eunuco. Os cavalos
brancos ele os utiliza, pois virou cocheiro... A família é falida. Não tem onde cair morta... Agora, se ele
enriqueceu, estas falhas da natureza são perdoáveis, aceitáveis...
E ela? Durante o namoro e o noivado: é linda, cabelos loiros compridos, boca, nariz, orelhas, olhos, todos
maravilhosos... E virgem... Depois do casamento: feia, velha, implicante, gastona, com pneus na barriga
e silicone nos peitos. Só pensa em comer, dormir, viajar e gastar o dinheiro que não tem... É visionária ou
idealista... Gostaria e sonha ter ao seu lado um Robert Taylor ou um Tyronne Power. Contenta-se com um
Clark Gable de “O Vento Levou”. Não vê a hora que o marido bata os borzeguins e vá para o inferno, onde
ele deveria estar há muito tempo... Tudo isso e o céu também, se a sogra de ambos já morreu...
No tempo de padre Carmelo, vigário da igreja de Nossa Senhora da Achiropita, no Bexiga, havia sem-
pre os comentários jocosos das comadres e beatas. Se a noiva entrava de “barriga”, elas não perdoavam o
noivo. Se ela era namoradeira, diziam: “está vendo, aquela civetona (assanhada, perua), conseguiu pegar
aquele trouxa. Que pena! Um rapaz de tão boa família!”
Ah! Ah! O amor! O Amor! Sem ele o que seria deste mundo?
Vamos rir! Vamos rir! O riso é bom para a saúde: evita as rugas e fortalece as gengivas. O bom humor
prolonga a vida e afasta os males do corpo e da alma! Portanto: vamos rir! Vamos rir!
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4. 4 O BANDEIRANTE - Setembro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Tragédia no mar
Walter Whitton Harris
Nunca havia ouvido falar do Arandora Star.
Durante muitos anos fora tabu entre os britânicos
comentar a seu respeito, principalmente pelos
ítalo-escoceses, descendentes dos imigrantes que
sucumbiram na tragédia que irei relatar.
Era plena Segunda Guerra Mundial. Nos
anos que a precederam, havia muitos italianos
nas Ilhas Britânicas, com uma importante con-
centração na Escócia. Essas famílias moravam ali
desde o começo do século XX. Eram vendedores
de sorvete ou tinham lanchonetes onde se vendia
peixe e batata frita, uma iguaria que vem até
nossos dias, conhecida como fish and chips. Muitos
deles tinham filhos e outros parentes servindo
nas Forças Armadas Britânicas.
Havia pouco que a Itália entrara no conflito. O primeiro-ministro Winston Churchill considerou que os
imigrantes italianos ofereciam perigo à população britânica e achou necessário seu encarceramento. No
começo de junho de 1940, todos os homens italianos não fardados, entre 18 e 70 anos de idade, foram
presos pela polícia ou pelos militares, levados de suas casas ou de seu trabalho. Relatórios da Cruz Ver-
melha comprovam que foram maltratados pelas autoridades e mantidos em campos de internamento, em
condições desumanas, sem alimentação apropriada, facilidades sanitárias ou assistência médica.
Os detentos não tinham quaisquer direitos e lhes foram negados até mesmo aqueles básicos permitidos
a prisioneiros pela Convenção de Genebra. Tiveram seus pertences roubados. Os parentes não foram in-
formados do que acontecera a seus maridos, irmãos ou pais. Quando foram mandados para o além-mar,
ninguém foi notificado. As famílias deles que residiam em áreas costeiras foram obrigadas a mudar para
cidades do interior, sem nenhum apoio governamental. Eram mulheres e crianças sem casa e sem qualquer
assistência.
Decidiu-se mandar um grupo de cativos para o Canadá e a Austrália a bordo de um navio de nome
Arandora Star. Este saiu de Liverpool, levando 1.570 italianos, alemães e judeus. A embarcação fora pintada
de cinza, parecendo um navio de transporte de tropas. Não levava nenhuma cruz vermelha ou qualquer
outro meio de identificação e não tinha nenhum comboio de suporte. O número de barcos salva-vidas era
suficiente para atender a apenas 500 passageiros e havia uma superlotação a bordo. Oitenta por cento da
tripulação fora engajada na manhã do embarque e não houve nenhum treinamento para emergências nem
para a tripulação, nem para os soldados ou prisioneiros.
Na manhã de 2 de julho de 1940, próximo à costa da Irlanda, o Arandora Star foi torpedeado pelos
alemães e afundou, com a perda de quase 700 vidas, das quais 446 eram de imigrantes italianos que haviam
feito do Reino Unido sua residência permanente. Muitos dos italianos dormiam no chão do salão de bailes
do navio quando o torpedo atingiu a embarcação e foram gravemente feridos por estilhaços dos grandes
espelhos lá existentes.
continua na próxima página
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5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Setembro de 2010 5
continuação da página anterior
Os sobreviventes do Arandora Star foram mais uma vez maltratados pelos britânicos quando chegaram à
terra firme e, apesar de tudo pelo qual tinham passado, foram colocados em outros navios e transportados
para campos de internamento na Austrália.
O governo britânico jamais se desculpou pelo ocorrido às vítimas do Arandora Star. O governo ameri-
cano, que teve vários campos para japoneses durante a Guerra, mais tarde pediu desculpas e providenciou
compensação para eles e suas famílias. Entretanto, esses detidos não chegaram a sofrer as mesmas atroci-
dades dos italianos.
Anualmente são celebradas missas na Itália e nas comunidades italianas do Reino Unido, em memória
dos que pereceram, para que nunca se esqueça os sofrimentos pelos quais as vítimas passaram.
Recentemente, o primeiro-ministro escocês e um arcebispo de origem italiana anunciaram que um me-
morial seria erguido em Glasgow, próximo à Catedral de St. Andrews, para lembrar essa “tragédia esque-
cida” e consideraram-no um “símbolo adequado” da amizade existente entre a Escócia e a Itália. Contudo,
muitos não concordam com isso: gostariam de ouvir desculpas oficiais do governo britânico e ver as famílias
compensadas pela perda de seus entes queridos.
Quarto de entulhos
Sergio Perazzo
Nos papéis que se avolumam no tampo da escrivaninha, um não mais acabar de memórias. Objetos
inumeráveis nas prateleiras da estante. Não importa se bibelôs, gatos de louça, medalhas antigas, peças de
cerâmica, pequenas esculturas, bonequinhos de papel machê, máscaras africanas, uma tapeçaria berrante
de Quito, um pedaço de papiro egípcio, um mapa-múndi envelhecido por mil navegações imaginárias,
uma bailarina de porcelana em graciosa reverência.
Não são enfeites, são afetos apenas, colecionados na passagem dos dias. Porta-retratos balizando ins-
tantâneos desenxabidos ou irreverentes de adolescência, penteados mirabolantes (diria escalafobéticos?)
ou línguas de fora, ou de ingênua ou espaçosa infância de tudo querer participar com a intensidade que a
vida nunca mais ousou repetir, nunca mais reproduziu brilhar (nada pior que uma infância contida). Cacos
de um longo estilhaçamento a teimar permanecer na lembrança, sem que se queira jogar fora ou esquecer
no quarto de entulhos, espirrando bolas de marfim numa mesa de bilhar. Na pilha empoeirada das quase
inutilidades. Caixas de papelão. Tampas de isopor. Fitas descoloridas que amarraram presentes e olhos em
embrulhos de natais e páscoas. Em cada um de todos os aniversários com seus bolos confeitados com flores
de anilina coloridas, que dava pena de comer, e o resto de granulado de chocolate no fundo das forminhas
de brigadeiro, a ponta dos dedos pegajosa de quindins e cajuzinhos de amendoim.
No fundo da gaveta, envelopes manchados de sobrescritos, o endereço do amor já meio apagado, como
tinta invisível de tudo que faltou dizer das emoções não realmente vividas. Estandarte encardido de sonhos.
Mortalha de paixões não mais revividas ou revisitadas. Telescópio embaçado de fragmentos de recordações
que migraram no inverno com os pássaros loucos, batendo as asas por verões distantes, em formação de
esquadrilha, sumindo na nuvem que antecede a tempestade ou que somente emoldura um esboço de raio
de sol teimando amanhecer, insistindo dissolver o orvalho, lágrimas de pedra a congelar o verde e o velu-
do das folhas da macieira que guardava o muro de tijolo do fundo do quintal. Bem ali onde se divisava o
reflexo do vidro da janela do vizinho e o gancho de pendurar rede na sesta preguiçosa do meio-dia.
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6. 6 O BANDEIRANTE - Setembro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Um triste 2 de julho
Márcia Etelli Coelho
No ruidoso estádio sul-africano
um grito, bem alto, o mundo todo ouviu.
No rosto do povo, muita dor e espanto:
o grito de GOL era contra o Brasil.
Mais um favorito deixaria a Copa
por despreparo, arrogância ou azar.
E o meu coração, no amargor da derrota,
segura o choro... Vontade é de xingar! Imagination, without
O sonho desfeito abraça a realidade.
Não dá mais pra encobrir imensas mazelas.
rebolation
O placar me obriga a encarar a verdade.
Irritada estou com as mil vuvuzelas. Geovah Paulo da Cruz
Médico - Biólogo - Escritor
Perdemos o hexa e eu pergunto: E daí?
A vida prossegue... É bola pra frente!
E eu posso ajudar a mim mesma e ao País. Em sonho uma melosa sereia
No próximo voto ser mais consciente. Cantou-me um samba-canção;
Eu mergulhei de sapato e meia
Com a urna e a lei, vou driblar os entraves No mar da imaginação.
e todo infiel jogar para escanteio.
Ainda que me prendessem com peia,
Um craque serei com belíssimos passes
no progresso feliz de um lance certeiro. Fosse ela bonita ou feia,
Eu tentaria uma fecundação.
Vitórias, eu sei, hei de ter no futuro. Pro instinto não tem cadeia,
Meu Brasil se destina a ser campeão.
Gozar é uma compulsão.
Mas o céu, de repente, ficou tão escuro
Seria virgem aquela sereia?
que eu irei me animar... Mas, hoje, não!
Tingiria o mar com menstruação?
Hoje eu descobri o avesso do sonho Para curiosidade minha ou alheia
Ao ver o meu filho em frente à janela Nem soube se era mulher ou cação.
retirar em silêncio, lento e tristonho,
A água ocultava seu “rebolation”
a velha bandeirola verde e amarela.
Eu quis levá-la para areia
Mas não venci sua “esquivation”.
Tentar, tentei. Amar, quase amei-a
E sequer alcancei uma noturna polução.
A quem que me ouça ou me leia:
-Nem mesmo com imaginação...
Sonhos e fantasias me ocupem
Com outro tipo de fêmea fatal.
As sereias que me desculpem:
Mas, xota é fundamental!
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7. sUPLemeNto LIterÁrIo
O BANDEIRANTE - Setembro de 2010 7
No contexto
Luiz Jorge Ferreira
Doutro lado do aquário estavam, o sol por trás da janela, um pé de Dr. Carlos Augusto Galvão
jabuticaba. Psiquiatria e Psicoterapia
Duas aranhas que, transando naturalmente, balançavam na teia, ao
Rua Maestro Cardim, 517
sopro de uma brisa preguiçosa. Paraíso – Tel: 3541-2593
Deste lado Liborio atirava comida de peixe para suas duas pai-
xões. Um carpado quase azulado e um tigre avermelhado, ambos de PUBLICIDADE
TABELA DE PREÇOS 2009
espécies diferentes e os dois machos. O primeiro ele ganhara em uma (valor do anúncio por edição)
partida de pôquer na casa de Lourdinha, a segunda esposa de Paulo 1 módulo horizontal R$ 30,00
Rodolfo. O segundo trouxera de um hotel em que fora para um Con- 2 módulos horizontais R$ 60,00
3 módulos horizontais R$ 90,00
gresso de Mágicos no Caribe. 2 módulos verticais R$ 60,00
4 módulos R$ 120,00
Liborio chegou da Espanha todo assado. Maldita hora em que fora 6 módulos R$ 180,00
montar. Por duas horas galopara como um dos personagens de Rodol- Outros tamanhos sob consulta
fo Valentino. Quase cairá e isto lhe rendera duas carnes vivas entre as
sobramessaopaulo@gmail.com
virilhas. E uma dor extrema ao defecar.
Do sofá viu o aquário. Estava iluminado pelos últimos raios de sol
que se dividia em nuances coloridas por ação do vidro fosco da janela. reVIsÃo
Esperou que ela ligasse. Dois meses sem vê-la. Podia imaginá-la de textos em geral
entre espumas e bocejos comendo avelãs. Sempre explosiva e fatal.
Ligia Pezzuto
Embrulhou as aranhas em um papel laminado e as pôs para assar Especialista em Língua Portuguesa
no micro-ondas por 15 segundos. Tomou a água do Aquário e depen- (11) 3864-4494 ou 8546-1725
durou os dois peixes satisfeitos de ração para secar na jabuticabeira.
Ligou o telefone celular no site de música e ficou a ouvir Elis Regina
roberto CAetANo mIrAGLIA
cantando “Dois pra lá e dois pra cá”. Como se ela estivesse viva ali na ADVoGADo - oAb-sP 51.532
sala próxima à cristaleira cheia de copos nunca usados. Dançou do
sofá a geladeira sempre em uma das pernas. À esquerda. ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
Esta era a mais curta, porém a mais forte, suportava seu peso, mas COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
balançava como um pêndulo. ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
teLeFoNes: (11) 3277-1192 – 3207-9224
Ouviu o som da campainha tocando.
Espremeu algumas gotas de limão sobre o prato de jabuticabas.
terminou de
Riscou o seu retrato sobre um baú envelhecido com traços fortes de escrever seu
uma caneta de cor preta para acentuar as sobrancelhas espessas.
livro? então
Rápido abriu o trinco facilitando a entrada dela na sala. Mais rá- publique!
pido ainda, correu e se escondeu dentro do baú. Como um passe de
mágica.
Nesta hora importante, não deixe de
Quando ela entrou na sala, a sala estava cheia de um cheiro de consultar a rUmo eDItorIAL.
aranhas queimadas. Publicações com qualidade impecável,
dedicação, cuidado artesanal e preço
Ela não o encontrando, ficou gritando de raiva, logo em seguida, justo. Você não tem mais desculpas
arrastou o baú e o atirou dentro do aquário. Saiu carregando o par de para deixar seu talento na gaveta.
sapatos nos dedos da mão direita. rumoeditorial@uol.com.br
(11) 9182-4815
Não ligando a mínima para o celular que tocava insistentemente.
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8. 8 O BANDEIRANTE - Setembro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
“O bebê e o ancião” (são extremos)
Hélio José Déstro
Aqui... Ali
O bebê é um musical infantil... o ancião um péssimo dramalhão.
O bebê ao sorrir encanta... o ancião seu sorriso desencanta.
O bebê ao comer é um lindo porquinho... o ancião é o verdadeiro porcão.
No sono o bebê está na paz de DEUS...o ancião não dorme, anda é um deus nos acuda.
Os primeiros passos quanta emoção... os trôpegos passos traz preocupação.
Quando o bebê faz cocô quanta alegria... o ancião só faz porcaria.
Se o ancião fizer cocô fora da bacia não tem educação.
Mas cocô normal do bebê traz enorme alegria.
Se o bebê chorar será sempre mimado... o ancião é sempre criticado.
Bebê lindo... de todos tem semelhança é sempre admirado.
O ancião quer e deseja só ser elogiado.
Após a mamada é bom o bebê dar um alto arroto. O ancião, só dá camuflado.
Se o bebê for turrão, chorão e teimoso é sempre perdoado.
Se o ancião for turrão, teimoso é um velho safado.
O bebê ao dar os primeiros passos quanta beleza.
O ancião só dá passos com plena certeza.
Ao pronunciar as primeiras palavras é motivo de grande satisfação.
O ancião fala sozinho e sempre os mesmos assuntos.
O bebê é como os três macacos: surdo, cego e mudo.
O ancião perde o direito de ouvir, perde a visão e é proibido de aconselhar.
Bebê de pele é tenra, macia e sedosa.
O ancião enrugado, estriado, todo pintado é de pele sebosa.
Se o bebê nascer careca tem acolhida.
O ancião perde os cabelos, que embranquecem final do ciclo da vida.
O bebê é o presente com sonhos de futuro, o ancião é passado e suas saudades.
Um é o princípio, a busca da felicidade, ao outro se entreabre a porta da eternidade.
Viver não é nada...
Saber viver é tudo
Enfim quem soube viver não tem medo de morrer.
O ancião passou por todas as fases...
Não tem o que reclamar.
O bebê quer amor e tem amor a dar.
– Em plena idade... Será?
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