A enchente no rio Paraíba em Quebrangulo, Alagoas deixou 3.200 pessoas desabrigadas ou desalojadas e destruiu a maioria da cidade. A tragédia também atingiu outras cidades como Paulo Jacinto, Barreiros em Pernambuco e Rio Largo em Alagoas, deixando milhares mais sem moradia.
Quebrangulo enchente junho de 2010 - Terra de graciliano ramos é devastada ...
A tragédia das enchentes em Quebrangulo e as dificuldades enfrentadas pelos desabrigados
1. ‘O que vai ser da minha vida e dos meus filhos agora?’ Page 1 of 3
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27.06.2010 - 09h29
‘O que vai ser da minha vida e dos meus
filhos agora?’
Comunidade de Quebrangulo ainda está incrédula com tragédia provocada pelas chuvas
G a z e t a d e A la g oa s - Pa t r í c ia B as to s , S e v e ri no C ar v a lh o e M ar c o s Ro d ri gu e s
Quebrangulo – “Chape-chape. Os três pares de alpercatas batiam na lama rachada, seca e branca por cima,
preta e mole por baixo. A lama da beira do rio, calcada pelas alpercatas, balançava”. Essa frase, que serve bem
para descrever a jornada de uma família de desabrigados da cheia do rio Paraíba, em Quebrangulo, na verdade
é um trecho do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. O autor da obra que retrata o sofrimento da vida do
sertanejo nunca poderia imaginar que parte da cidade onde nasceu um dia seria arrasada pela força da água.
Nem ele, nem os 3.200 moradores que estão desabrigados ou desalojados no município – segundo informações
da prefeitura. A maioria das pessoas ainda vê, incrédula, a destruição provocada pela maior cheia que se tem
conhecimento no rio Paraíba. A enxurrada, que na última sexta-feira completou uma semana, não levou apenas
os pertences pessoais e a moradia delas, a água e a lama sepultaram também sonhos e perspectivas de vida.
População é vítima das enchentes pela 2ª vez em 20 anos
Quebrangulo – Morador antigo da Rua da Cachoeira, uma das mais afetadas pela enchente, o agricultor Carlos
Roberto da Rocha, lembra da outra vez que o Rio Paraíba causou estragos na cidade. “Foi em 1989, o rio
encheu e muita gente perdeu as coisas que tinha dentro de casa. Mas naquela vez a água não derrubou casas,
como desta vez. Teve gente que precisou reconstruir muros e reforçar paredes, mas não foi nada parecido com
o que aconteceu agora”, explicou o agricultor.
Carlos Roberto conta que foi uma das vítimas da cheia de 1989 e por isso, na época, decidiu reformar a casa
construindo uma estrutura de pedra com mais de um metro de altura. Por isso, a casa dele foi uma das poucas
que resistiram naquele trecho. Mesmo estando muito acima do nível da rua, a residência dele ainda foi invadida
pela água. As marcas da parede, do lado de dentro da casa, tem quase um metro de altura. PB
Tragédia revela muitos “Fabianos”
Quebrangulo – Ao caminhar pelas ruas que foram devastadas pela enxurrada do rio Paraíba, ainda é possível
encontrar no meio da lama e dos destroços objetos que formam a história de famílias. Nos restos de uma casa,
um homem mexe com o pé, os cacos do que um dia foi seu lar. Ele se chama Francisco Ferreira da Paz e é
agricultor, mas poderia ser também “Fabiano” personagem principal de Vidas Secas.
No livro de Graciliano Ramos, Fabiano – que também vive do trabalho com a terra – vive um período de
felicidade, quando a seca passa e ele arruma trabalho em uma fazenda, para onde leva a família. |PB
Famílias tentam recuperar o que restou
Paulo Jacinto – Uma semana após a calamidade que deixou duas mil pessoas desabrigadas e desalojadas – e
uma morte – segundo dados fornecidos pela prefeitura, Paulo Jacinto está em reconstrução. Nas ruas que
foram mais atingidas pelas enchentes, famílias trabalham para tentar recuperar o que restou. Móveis e
eletrodomésticos são colocados ao sol, enquanto a lama é retirada de dentro da residência.
“Como o rio não passa pela rua, ninguém acreditava que ele fosse chegar aqui. Até porque nem estava
chovendo na hora. Minha esposa não queria sair de dentro de casa de jeito nenhum, estava com medo de que
invadissem e levassem a geladeira nova que ainda vamos começar a pagar. Ela colocou uma cadeira na frente
da porta e disse que não sairia dali. Só quando a água já estava muito alta e a correnteza forte foi que ela
mudou de ideia”, relata o aposentado José Paulo da Silva.
Filho se culpa por não ter conseguido salvar a mãe
Paulo Jacinto – A sensação de que poderia ter salvo a própria mãe se tivesse agido minutos antes é quase tão
grande quanto a dor da perda para o agricultor Manoel Alves dos Santos, filho de Júlia Ferreira dos Santos, 73,
única vítima fatal da enchente em Paulo Jacinto. Ele se culpa por ter pensado tanto em cuidar das coisas dentro
de casa e só depois perceber que a mãe poderia estar em perigo.
http://gazetaweb.globo.com/v2/impressao.php?canal=noticias&uid=451623 27/6/2010
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“Eu me preocupei com a minha casa porque ficava mais perto do rio, e não imaginava que a água fosse até a
casa dela. Quando inundou, o teto caiu em cima da minha mãe, e ela ainda foi arrastada pela correnteza; só no
dia seguinte é que encontramos o corpo”, relata.
Polo comercial é destruído pela cheia
Barreiros, PE – Quando a Central Açucareira cerrou as portas, na década de 1990, pensava-se que seria o fim
de Barreiros. A usina de cana-de-açúcar era orgulho do lugar. Fornecia emprego e fazia o dinheiro circular. A
moenda parou, mas a redenção econômica veio com um comércio pujante. Aos poucos o município do Litoral
Sul pernambucano, com 44 mil habitantes, se tornava o maior entreposto comercial daquela região, referência
inclusive para o Norte de Alagoas.
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No campo educacional, a cidade vem formando, ao longo de décadas, mão-de-obra especializada para as mais
diversas áreas, suprindo, sobretudo, a necessidade da rede hoteleira da Costa dos Corais. Por isso, a enchente
que devastou Barreiros consternou os moradores dos dois Estados, unindo alagoanos e pernambucanos pela
tragédia.
De acordo com dados da Defesa Civil de Pernambuco, 95% da cidade foi atingida. Estima-se que 10 mil
estejam desabrigados e 20 mil desalojados. Dois corpos foram encontrados e dezenas continuam
desaparecidos. O cheiro de morte se espalha pelas ruas de Barreiros. É o fogo-fátuo exalado pela destruição.
Famintos, desabrigados catam comida na lama
Barreiros – Pelas ruas tomadas pela lama, atribulados, as vítimas da enchente vagueiam em busca de comida,
água, atendimento médico. “Precisamos de vacina”, clamava um. “O governo tem de liberar o PASEP. Não
adianta soltar apenas o Fundo de Garantia, pois só vai beneficiar os trabalhadores da rede privada”, sugeria
outro.
Famintos e desesperados, moradores catam na lama as sobras de alimentos e roupas descartados pelos
comerciantes que tiveram suas lojas destruídas. É o homem na condição animal, agindo por instinto, pela
necessidade, tal qual os porcos caititus que habitavam a região onde foi erguida a cidade e por isso
denominada de Barreiros.
Em meio à multidão de desgraçados, surge Josilene Nalberto, 43. Carrega sobre os ombros uma antena
parabólica que conseguiu salvar da casa da cunhada. Açoitada pelo castigo de perder a moradia e a locadora
de DVD, ela chora antes mesmo de se identificar. SC
Mergulhadores resgatam 180 pessoas
Barreiros, PE – O socorro a Barreiros chegou pela mão amiga dos moradores de Maragogi, município do Litoral
Norte de Alagoas que faz limite com a cidade pernambucana arrasada pelas enchentes dos rios Una e Carimã.
Empresas náuticas cederam embarcações utilizadas no resgate das vítimas e os cidadãos estão realizando
mutirões de arrecadação de donativos aos flagelados.
Tanta atenção revela o carinho dos alagoanos para o com o povo de Barreiros. A solidariedade não reconhece
divisas num momento de atribulação. Moradores de Maragogi e de Japaratinga cruzam a ponte sobre o rio
Persinunga para oferecer um pouco de conforto aos irmãos pernambucanos. SC
Hospital de campanha funcionou no Haiti
Barreiros – O hospital de campanha montado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em Barreiros, na área do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE), tem capacidade para realizar 400
atendimentos diários nas especialidades básicas como ortopedia, pediatria e clínica médica.
São 52 militares dentre os quais 15 médicos, 20 enfermeiros e sete auxiliares. A maioria chegou a menos de um
mês do Haiti, devastado por um terremoto. Guardando as proporções, o major Roberto compara a catástrofe
ocorrida naquele País com a destruição verificada em Barreiros.
“Estamos vindo agora do Haiti. Num terremoto existe uma emergência muito mais cirúrgica. Nas enchentes,
você vai ter uma emergência mais clínica, que é a parte de gastrenterite, pneumonia, doenças
infectocontagiosas comuns quando ocorre a baixa das águas”, disse o militar. SC
Habitantes de Barreiros se queixam do prefeito
Barreiros – A ausência do prefeito de Barreiros, Antônio Vicente de Souza (PSB), o “Toinho da Coca-Cola”, nas
ruas da cidade durante a enchente, revoltou muitos moradores. “O prefeito de Barreiros sumiu, se escondeu. Se
não fossem os prefeitos dos outros municípios, como o de Maragogi (Marcos Madeira) a desgraça tinha sido
pior”, comentou o comerciante José Elias da Silva Sarafim que perdeu casa e comércio para a enchente. Com
um pé engessado, o prefeito rebateu as críticas.
http://gazetaweb.globo.com/v2/impressao.php?canal=noticias&uid=451623 27/6/2010
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“O prefeito não pode estar na rua pegando uma geladeira no meio da lama. Sou um prefeito, além disso. Estou
com o pé machucado aqui, mas não é por isso. Se eu estivesse com o pé bom eu não iria para o meio da rua,
porque o dever do prefeito é trazer recursos para a cidade”, justificou Toinho. SC
‘Agora isso aqui é uma cidade fantasma’
Rio Largo – A dor da perda provocada pelas enchentes, que devastaram o bairro Gustavo Paiva, em Rio Largo,
ainda ecoa nas ruas e abrigos. Por toda parte há feridas deixadas pelas águas do Rio Mundaú. As mais
doloridas estão na alma dos moradores que tiveram de abandonar suas casas. Onde havia vida e harmonia de
espaços reina o vazio e um clima de cidade fantasma.
A Gazeta percorreu, na última quinta-feira, a rua do ponto mais atingido no sábado, dia 19. Em todos os cantos
há pedaços de casas, sofás, camas, roupas e muita lama. Em meio aos destroços, a memória das famílias.
Grupo teme saques e vigia casas
Rio Largo – De volta à rua, encontramos um homem, visivelmente embriagado, com uma quentinha nas mãos.
Ao reconhecer o carro da reportagem, exclama com voz atrapalhada: “Está tudo acabado”. Com os pés no
chão, sem camisa e um olhar de tristeza, ele segue seu caminho.
A cada passo da reportagem, detalhes chamam a atenção. Numa das residências, sofás e camas ficaram
enganchados no teto. A fachada da casa tem pouco mais de 2,5 metros, o que ajuda a entender a violência da
enxurrada. Mesmo estando a 500 m do leito do rio, as casas não foram poupadas.
Em um outro ponto, duas mulheres caminham devagar entre o que restou. A dona de casa Maria José da Silva,
47, e sua nora, Ivanúbia Santos, 35, também presenciaram a chegada das águas. “Estávamos a caminho da
feira. Foi quando percebemos as pessoas dizendo que o rio estava transbordando. Em seguida já vimos a água
avançando e uma correria. Foi tudo muito rápido”, relembrou Maria José. MR
Desabrigados dependem de doações
Rio Largo – Na mesma noite, a Gazeta seguiu para a Escola Estadual Machado de Assis, onde está abrigada
parte dos moradores do bairro Gustavo Paiva. Onde antes os filhos estudavam, agora são os pais que
aprendem a conviver sem nenhum conforto.
Cada sala tem trinta metros quadrados, o suficiente para quatro famílias. Elas se instalaram nos cantos da
parede. Para cercar os colchões, colocados no chão, fizeram “muros” com as caixas de alimentos e roupas que
receberam.
No prédio, a preocupação com a limpeza demonstra o zelo das famílias, quase todas de classe média baixa.
Mesmo não vivendo com luxo, nunca deixaram de se alimentar e conseguir garantir o sustento de seus entes.
Agora, dependem de doações e de gestos humanitários de desconhecidos.
Leia mais na versão impressa.
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