O resumo é o seguinte em 3 frases ou menos:
1) A ação trata de atos de improbidade administrativa cometidos por réus na contratação irregular de empresa para coleta de lixo municipal.
2) A sentença de primeira instância condenou os réus, que apelaram sob alegação de nulidade e prescrição.
3) O relator negou as preliminares e manteve a condenação, uma vez que não houve violação aos princípios do juiz natural e da identidade física do juiz.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Improbidade na licitação de coleta de lixo em Criciúma
1. Apelação Cível n. 2013.077286-4, de Criciúma
Relator: Des. Pedro Manoel Abreu
Apelações cíveis em ação de improbidade administrativa.
Licitação. Coleta de lixo. Seleção e contratação mediante
procedimento licitatório na modalidade convite. Conluio entre o
alcaide, servidor público e particular para a constituição de
empresa de coleta de lixo, que se sagrou vencedora do certame.
Licitação dirigida. Constituição de empresa despida de aptidão
técnica para a prestação de serviço público. Decreto de
procedência em primeira instância, condenando os requeridos à
sanções da Lei de Improbidade Administrativa. Preliminares de
nulidade da sentença em vista de violação ao princípio do juiz
natural, vedação à instituição de tribunais de exceção e
prescrição. Inocorrência. Flexibilização do princípio do juiz natural
em nome da celeridade processual. Possibilidade. Princípio que
não é absoluto. Prejuízo ao erário caracterizado. Condutas
ímprobas demonstradas. Sentença acertada. Recursos
desprovidos.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
firmou-se entendimento no sentido de que o princípio da
identidade física do juiz não tem caráter absoluto, podendo o juiz
titular ser substituído por seu sucessor nas hipóteses previstas no
artigo 132 do Código de Processo Civil, entre as quais está
incluída a expressão "afastado por qualquer outro motivo", a partir
da qual pode-se considerar o afastamento do magistrado em
decorrência do regime de exceção/mutirão, que visa a agilização
da prestação jurisdicional (STJ, Min. Benedito Gonçalves).
A prescrição da pretensão punitiva, nas ações de improbidade
é quinquenal e tem o seu dies a quo no momento em que se
encerra o mandato eletivo, cargo, emprego ou função perante a
Administração Pública, sendo imprescritível a pretensão
meramente ressarcitória.
Ao administrador exige-se o fiel cumprimento dos requisitos
legais, notadamente os de caráter objetivo-normativo. Assim, os
requisitos delineados na Lei n. 8.666/93 devem ser observados
em todos os procedimentos licitatórios e a escolha por esta ou
aquela modalidade deve ser devidamente motivada em ato
administrativo que haverá de precede-los. Ao eleger a
modalidade licitatória do convite, o Administrador deve observar
que os convidados devem ser obrigatoriamente do ramo em que
se deve realizar a obra ou serviço público, sob pena de
2. contaminar-se o ato pela ilegalidade.
Os atos de improbidade administrativa, de regra, exigem o
dolo, in casu consistente na vulneração deliberada dos princípios
da legalidade, moralidade administrativa e eficiência.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2013.077286-4, da comarca de Criciúma (2ª Vara da Fazenda), em que são apelantes
Douglas Gleen Warmling e outros, e apelado Ministério Público do Estado de Santa
Catarina:
A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime,
afastar as preliminares e, no mérito, negar provimento aos recursos interpostos.
Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 13 de dezembro de 2015, foi presidido
pelo Exmos. Srs. Des. Vanderlei Romer, com voto, e dele participou o Des. Cesar
Abreu.
Florianópolis, 20 de janeiro de 2015.
Pedro Manoel Abreu
RELATOR
Gabinete Des. Pedro Manoel Abreu - DAKF
3. RELATÓRIO
Cuida-se dos recursos de apelação cível interpostos, respectivamente,
por Douglas Gleen Warling, Pricila Novelli Joaquim e Cláudio Conti contra sentença
proferida nos autos da ação por ato de improbidade administrativa movida pelo
Ministério Público Estadual.
O decisum hostilizado julgou parcialmente procedente o pedido inicial
para reconhecer os atos de improbidade administrativa praticados pelos requeridos,
condenando-os: a) de forma solidária, ao ressarcimento integral do dano (R$
47.760,00), corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE e juros de mora de 1% desde a
publicação da sentença; b) à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 anos; c)
ao pagamento, de forma solidária, de multa civil no valor do dano (R$ 47.760,00),
corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE e juros de mora de 1% desde a data de
publicação da sentença; d) à proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos.
Foram os réus condenados ainda, de forma solidária, ao pagamento de custas
processuais.
Em sua insurgência, os requeridos Douglas Gleem Warling e Pricila
Noveli Joaquim suscitaram as prefaciais de: a) nulidade da sentença por
inobservância do princípio do juiz natural, que não chegou a ser examinada pela
instância a quo mesmo em sede de embargos aclaratórios; b) de violação à garantia
de proibição constitucional da instalação e julgamento por tribunais de exceção, posto
que remetido o feito à Academia Judicial para cumprimento de determinação do
Corregedor-Geral de Justiça; c) incidência da prescrição e; d) inépcia da exordial. No
mérito, disseram que: e) o Ministério Público busca a responsabilização dos
requeridos por práticas definidas como atos de improbidade administrativa ocorridas
no ano de 2005; f) houve um longo período de apuração dos fatos que culminou no
ajuizamento da presente demanda e na responsabilização dos requeridos; g) estava
presente a legalidade no processo licitatório deflagrado na modalidade "convite", no
qual resultou como vencedora a empresa que apresentou o menor preço; h) não se
fez prova da ação ou omissão dolosa praticada pelos réus; i) havia grande rivalidade
política no Município de Siderópolis; j) algumas das pessoas ouvidas no processo
deixaram extravasar sua revolta contra a pessoa do apelante em razão de não serem
mais aproveitadas pela municipalidade; k) não restou igualmente demonstrada a
participação de Pricila Novelli Joaquim, cujos depoimentos fundantes da sentença
foram prolatados por rivalidade política; l) não há óbice algum na escolha da
modalidade convite e muito menos que outra modalidade iria importar em benefícios
maiores à Administração Pública; m) o Município carecia que os serviços fossem
desde logo prestados; n) não se demonstrou que o preço era incompatível com a
prestação dos serviços; o) os depoimentos, tomados depois de anos, são frágeis a
supedanear decreto condenatório; p) seria necessário demonstrar ao menos culpa
grave pelos requeridos e prejuízo ao erário; r) o objeto de licitação comportaria até
Gabinete Des. Pedro Manoel Abreu - DAKF
4. mesmo a hipótese de dispensa, nos termos do art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93; s) o
contrato de prestação de serviços foi rescindido na data de 19.07.2005, vigendo por
apenas 4 meses. Assim, pagou-se somente pelo serviço prestado e não pelo valor
contratado e, por fim; t) não há, assim, justificativa para o decreto condenatório.
Ao final, requereram o acolhimento das preliminares ou, no mérito, a
improcedência da demanda.
Cláudio Luiz Conti também apelou, dizendo, em suma, que: a) a
sentença é contraditória, pois restou demonstrado ter havido processo licitatório em
que o ora apelante, na qualidade de representante legal da empresa convidada,
apresentou todos o documentos exigidos para sagrar-se, ao final, vencedor; b) não
restou demonstrado o dano ao erário; c) o negócio acabou gerando prejuízo e dores
de cabeça ao apelante, que agora se vê obrigado a trabalhar de motorista fazendo
viagens pelo País todo; d) jamais recebeu qualquer favorecimento ilícito ou indevido.
Ao contrário, sentiu-se prejudicado com a rescisão do contrato; e) a empresa foi
constituída para participar da licitação e depois o apelante pretendia eventualmente
expandir para outros Municípios; porém, depois da rescisão seu sonho virou um
inferno; f) a modalidade "convite" foi corretamente eleita pela Administração; g) não
houve lesão ao erário; h) o valor pago referiu-se apenas ao serviço prestado até o
momento da rescisão e; i) o dano ao erário, o dolo e o enriquecimento ilícito dos
demandados deveria ter sido demonstrado.
Ao final, requereu o provimento do recurso, no sentido de julgar-se
improcedente o pedido inicial.
Contrarrazões à fl. 579.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Vera
Lúcia Ferreira Copetti, manifestou-se pelo desprovimento dos recursos interpostos.
Este é o relatório.
Gabinete Des. Pedro Manoel Abreu - DAKF
5. VOTO
Trata-se de apelações cíveis interpostas, respectivamente, por Douglas
Gleen Warling, Pricila Novelli Joaquim e Cláudio Conti, contra sentença proferida nos
autos da ação por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público
Estadual.
A decisão guerreada reconheceu ato de improbidade administrativa na
conduta dos réus, condenando-os: a) de forma solidária, ao ressarcimento integral do
dano (R$ 47.760,00), corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE e juros de mora de
1% desde a publicação da sentença; b) à suspensão dos direitos políticos pelo prazo
de 5 anos; c) ao pagamento, de forma solidária, de multa civil no valor do dano (R$
47.760,00), corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE e juros de mora de 1% desde a
data de publicação da sentença; d) à proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5
anos. Foram os réus condenados ainda, de forma solidária, ao pagamento de custas
processuais.
Os apelos, com exceção das preliminares levantadas pelos primeiros
apelantes Douglas e Pricila Noveli, apresentam praticamente o mesmo contexto
fático, motivo pelo qual serão examinados conjuntamente.
Douglas Gleem Warling e Pricila Noveli Joaquim, em seu recurso,
suscitaram as prefaciais de: a) nulidade da sentença por inobservância do princípio do
juiz natural, vício este não examinado pela instância a quo mesmo em sede de
embargos aclaratórios b) violação à garantia de proibição constitucional da instalação
e julgamento por tribunais de exceção, posto que remetido o feito à Academia Judicial
para cumprimento de determinação do Corregedor-Geral de Justiça e; c) incidência
da prescrição.
1. PREFACIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA EM FACE DE
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E VEDAÇÃO À INSTALAÇÃO DE
TRIBUNAIS DE EXCEÇÃO
Argumentam os requeridos Douglas Gleem Warling e Pricila Noveli
Joaquim ter havido violação do do princípio do juiz natural, posto que o magistrado
que instruiu o feito não fora aquele que prolatou a decisão ora combatida.
Em verdade, a presente ação foi proposta em 16.03.2010, tendo sido
processada perante o juízo da 2.ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Criciúma.
O decisum sob exame foi prolatado pelo Dr. Edison Alvanir Anjos de Oliveira Júnior,
magistrado substituto designado em caráter de cooperação por ordem do Corregedor
Geral de Justiça, Des. Vanderlei Romer, o que motivou o encaminhamento do feito à
Academia Judicial, consoante os termos do Pedido de Providências n.
0013720-20.2012.8.24.0600 (cf. fl. 514).
Nesse sentido, a orientação do Superior Tribunal de Justiça é no sentido
de que os princípios do juiz natural e da identidade física do juiz não possuem caráter
Gabinete Des. Pedro Manoel Abreu - DAKF
6. absoluto, podendo ser flexibilizados em nome da celeridade processual e de
programas de enfrentamento de demandas, como, aliás, é o caso dos autos. Esse
entendimento, consolidado naquela instância desde o ano de 2009, é também
adotado nesta Corte, nos programas de aperfeiçoamento e treinamento de
magistrados recém aprovados em Concurso Público para a carreira da Magistratura.
Colaciona-se:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO
MÉDICO. CIRURGIA ORTOPÉDICA. PACIENTE QUE FICOU TETRAPLÉGICA.
MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE POR ESTA
CORTE. SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ DISTINTO DAQUELE QUE
ACOMPANHOU OS ATOS INSTRUTÓRIOS. FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ (ART. 132 DO CPC). REGIME DE
EXCEÇÃO/MUTIRÃO. POSSIBILIDADE. PREJUÍZO NÃO EVIDENCIADO.
NULIDADE DA SENTENÇA NÃO CONFIGURADA. 1. Hipótese em que se alega,
além de divergência jurisprudencial, violação aos princípio do devido processo legal
(artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal) e da identidade física do juiz (artigo
132 do Código de Processo Civil), ao argumento de que a sentença foi prolatada por
magistrado distinto daquele que colheu as provas periciais e testemunhais, o que
teria gerado enormes prejuízos ao recorrente. Pretende-se a determinação de
retorno dos autos à primeira instância a fim de ser proferida outra sentença, desta
vez, pelo juiz titular da vara que acompanhou a instrução do processo. 2. A
insurgência referente à suposta violação do princípio do devido processo legal,
constante do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, envolve matéria estranha
ao âmbito de cabimento do recurso especial, disposto no artigo 105, inciso III, da
Carta da República. Tal irresignação tem como via adequada de revisão, em matéria
constitucional, o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, de forma, que,
nesse particular, não merece ser conhecido o apelo especial. 3. Na forma do art. 132
do Código de Processo Civil, o magistrado que concluir a audiência só não julgará a
lide se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou
aposentado, caso em que a passará ao seu sucessor. 4. Sob esse enfoque, a Corte
Especial deste Tribunal, por ocasião do julgamento do AgRg no Ag 624.779/RS, de
relatoria do Min. Castro Filho, firmou entendimento no sentido de que o princípio da
identidade física do juiz não tem caráter absoluto, podendo o juiz titular ser
substituído por seu sucessor nas hipóteses previstas no artigo 132 do Código de
Processo Civil, entre as quais está incluída a expressão "afastado por qualquer outro
motivo", a partir da qual pode-se considerar o afastamento do magistrado em
decorrência do regime de exceção/mutirão, que visa a agilização da prestação
jurisdicional. Precedentes. 5. Além disso, a jurisprudência entende que a simples
alegação de afronta ao referido dispositivo legal não tem o condão de acarretar a
nulidade da sentença, porquanto imperioso ventilar qual o prejuízo efetivamente
sofrido. 6. No caso em foco, verifica-se da leitura dos fundamentos do acórdão
recorrido que, indubitavelmente, foram levados em consideração os elementos
probatórios produzidos nos autos, dentre eles, documentos, prova testemunhal e
pericial, de modo que, em assim sendo, não há como vislumbrar qualquer prejuízo
ao recorrente. E, sem prejuízo, não há nulidade. 7. Com efeito, desde que não haja
prejuízo para nenhuma das partes, consoante ocorre na espécie, o princípio do juiz
natural pode ser flexibilizado, a fim de conferir efetividade ao Judiciário, como nas
hipóteses de mutirões. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta
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7. extensão, não provido (STJ, REsp 380466/PR, rel. Min. Benedito Gonçalves, j.
13.10.2009).
Seguindo essa orientação, fica igualmente derruída a alegação de que a
providência em comento teria criado juízo ou tribunal de exceção, porque disso,
evidentemente, não se trata.
Afasta-se, portanto, essas preliminares.
2. PRESCRIÇÃO
Os requeridos Douglas Gleen Warmling e Pricila Novelli Joaquim alegam
ter se verificado a prescrição no caso concreto, pois o processo licitatário com
suposto "intuito fraudulento" teve início em 1.º.03.2005, há mais de 05 anos do
ajuizamento, que só ocorreu em 17.03.2010, e da citação, que só ocorreu em
02.09.2010.
Há que se fazer uma clara distinção no momento, a respeito do prazo
prescricional para as ações de improbidade. O legislador constituinte – em tais
demandas - distinguiu a pretensão ao ressarcimento do erário de todas as demais
hipóteses de responsabilização de agentes públicos ou políticos. Por isso, consoante
se infere do art. 37, § 5.º da Constituição Federal, o constituinte delegou à Lei
ordinária, in casu, a Lei n. 8.429/92 tratar da prescrição das sanções correlatas aos
atos de improbidade administrativa, mas ressalvou, in fine, as ações puramente de
ressarcimento ao erário, que os tribunais vêm afirmando serem imprescritíveis.
Portanto, prescrevem em 05 anos praticamente todas as penalidades, menos a de
ressarcimento. Nesse sentido, aliás, acórdão da lavra do signatário:
Agravo de instrumento em ação de improbidade administrativa. Pretensão de
ressarcimento ao erário. Fatos longevos, distantes cerca de treze anos do
ajuizamento da ação. Alegada prescrição. Inocorrência, no tocante à pretensão
reparatória, que é imprescritível, por força de disposição constitucional. Prescrição
reconhecida, porém, quanto às demais sanções previstas pela LIA. Alegada
inexistência de dolo e de prejuízo ao erário. Contratações diretas de empresas de
parentes do alcaide, ao arrepio da Lei de Licitações e compras realizadas a maior,
sem a adoção do procedimento licitatório correto e exigível para a espécie, visando à
construção de hospital municipal. Alegação de necessidade. Circunstância previsível,
que não permite descurar das disposições legais a respeito de licitação. Teses,
ademais, que demandam verificação em sede de cognição exauriente, constituindo
matéria de cunho decisório final. Presença de fortes indícios, no momento, da prática
de atos ímprobos, que, conquanto atingidos pela prescrição, ainda rendem ensejo à
pretensão reparatória pelo Estado. Indisponibilidade de bens que é decretada
objetivamente, nestas circunstâncias, independente de prova de dilapidação
patrimonial. Precedentes do STJ. Recurso desprovido. No tocante à improbidade
administrativa, há que distinguir, para efeitos da prescrição, entre a pretensão
punitiva do Estado e aquela que visa o ressarcimento do erário. Esta última, é
imprescritível, por força de previsão constitucional (CF, art. 37, § 5.º). A primeira,
contudo, sujeita-se ao prazo quinquenal de que trata o art. 23, I, da Lei n. 8.429/92,
segundo o qual, as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas na
referida Lei, podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de
mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. Segundo o STJ, tendo
a demanda "como escopo a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/1992, o
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8. particular submete-se ao mesmo prazo prescricional que o agente público que
praticou o ato ímprobo" (STJ, Rel. Min. Herman Benjamim). (TJSC, Agravo de
Instrumento n. 2014.004167-6, de Anchieta, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j.
01-07-2014).
Portanto, se fosse possível aplicar a tese exposta pelos ora apelantes,
estariam prescritas quase todas as penalidades, menos o dever de ressarcimento ao
erário. No entanto, razão, no aspecto, não lhes assiste.
É que o legislador ordinário, a quem foi atribuído o dever de
regulamentar os prazos prescricionais para a persecução dos atos de improbidade,
assim dispôs, no art. 23, I, da Lei n. 8.429/92:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei
podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança.
Como se vê do texto acima, o legislador não estabeleceu o dies a quo
do lapso extintivo a partir da prática do ato administrativo tido como ímprobo,
asseverando, de forma cristalina, a possibilidade de persecução até 05 anos do
término do mandato, cargo, ou função de confiança. Vale dizer, assim, que o prazo
prescricional só teve início por ocasião do término do mandato, circunstância que
também se estende aos envolvidos na prática do ato acoimado de improbidade.
Nesse sentido, aliás, a lição de Emerson Garcia:
Considerando que as sanções do artigo 12 da Lei 8.429/92 não são passíveis
de aplicação unicamente ao agente público, é oportuno analisar a situação dos
terceiros que concorram para a prática dos atos de improbidade. Restando
demonstrado que o terceiro jamais responderá pelo ato de improbidade de forma
isolada, sendo imperativo que para o ilícito tenha concorrido um agente público,
constata-se que a qualidade deste, por ser o elemento condicionante da própria
tipologia legal, haverá de nortear, do mesmo modo, a identificação do lapso
prescricional (in Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p.
424/425).
Afasta-se, portanto, a tese prescricional.
3. INÉPCIA DA INICIAL
Sustentam os insurgentes a inépcia da inicial ante a ausência de
descrição minuciosa da conduta dos requeridos. Sem razão, mais uma vez.
A Corte Estadual vem seguindo a orientação de que, em tema de
improbidade, a inicial não precisa descrever todas as condutas perpetradas pelos
envolvidos, muitas das quais somente serão apuradas no decorrer da instrução
processual. Caberá, assim, ao magistrado, examinar a participação de cada um dos
implicados, responsabilizando-os ou absolvendo-os, conforme o caso. Veja-se,
inclusive, em acórdão da lavra do signatário:
Agravo de instrumento. Ação civil de improbidade administrativa. Alegação de
cerceamento de defesa, ante a limitação do número de testemunhas, e de inépcia da
inicial, ante a não individualização das condutas. Inocorrência. Recurso desprovido.
A ação de improbidade administrativa, para ser recebida, não precisa descer a
minúcias. Basta que descreva o fato ímprobo e apresente indícios de sua existência,
que estará viabilizado o seguimento da demanda. A apuração dos fatos e a
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9. respectiva aplicação das sanções exigirá que o Magistrado examine a participação
de cada um dos implicados no ato tido por ímprobo, para condená-los ou absolvê-los
da imputação, mas somente ao final da ação. Não configura o cerceamento de
defesa o julgamento da causa sem a produção de prova testemunhal e depoimento
pessoal do autor. Hão de ser levados em consideração o princípio da livre
admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz, que, nos termos do art.
130 do Código de Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que
entende necessárias à instrução do processo, bem como o indeferimento daquelas
que considerar inúteis ou protelatórias. (STJ, Min. Luis Felipe Salomão). (TJSC,
Agravo de Instrumento n. 2012.023761-1, de Correia Pinto, rel. Des. Pedro Manoel
Abreu, j. 21-05-2013).
Afasta-se, por derradeiro, essa última prejudicial de mérito.
No tocante ao cerne da questão, deve-se partir de uma premissa inicial:
O requerido Cláudio Conti, titular da empresa vencedora do processo licitatório
investigado, expressamente afirmou em seu recurso, ter constituído a empresa
exclusivamente para prestar serviços à Municipalidade e que, com a rescisão do
contrato, "viu seu sonho destruído", tendo que prestar serviços como motorista
transportando produtos para todo o País. Ora, isolado, esse fato não diria muito, mas,
aliado a outras circunstâncias, denota, como se verá, que a empresa do réu não
detinha infraestrutura necessária para honrar os termos do contrato.
Nesse caminho, consoante se infere da exordial, o requerido Douglas
Gleem Warmling ocupou o cargo de Prefeito Municipal de Siderópolis no quadriênio
2009/2012, tendo exercido a mesma função no período de 2005 a 2008.
Em tal condição, o alcaide deu início, em 1.º de março de 2005, ao
Processo Licitatório n. 07/2005, na modalidade "convite" tendo por objeto a coleta de
lixo em geral do perímetro urbano e rural do Município. O saldo de dotação para o
serviço de coleta limitava-se à estimativa de R$ 80.000,00.
Das três empresas contratadas, segundo a inaugural, nenhuma
trabalhava no ramo de coleta de lixo, sendo que a empresa do requerido, como por
ele mesmo confessado, foi constituída exclusivamente para a execução desse
serviço.
Consoante a imputação, o Prefeito Douglas Gleem Warmling contatou
Cláudio Conti, pai de Cláudia Luiz Conti, orientando-o a constituir empresa, "que seria
vencedora da licitação a ser realizada pelo Município e iria trabalhar com transporte
de lixo".
Cláudio Conti, que tinha pendências em seu nome, constituiu empresa
em nome de sua filha Cláudia e participou do processo licitatório, sagrando-se
vencedor. O certame foi conduzido pelo Prefeito e pela Chefe de Gabinete, também
requerida, Pricila Novelli Joaquim.
Os membros da Comissão de Licitação, nomeados por meio de Decreto,
apenas assinaram os termos do procedimento, mas não participaram das reuniões
que culminaram na vitória da empresa de Cláudio Luiz Conti.
Nessa mirada, é crucial a notícia contida na peça de entrada, no sentido
de que "o contrato foi firmado em 11.03.2006 e rescindido em setembro do mesmo
ano, por ineficiência na prestação do serviço, sem a realização de perícia na
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10. empresa contratada, gerando um ônus aproximado de R$ 47.760,00 ao Município de
Siderópolis" (fl. 07, 3.º parágrafo).
Aqui, desde logo, percebe-se a gravidade dos fatos. Tendo o alcaide
ajustado a constituição de empresa para a prestação do serviço com Cláudio Conti,
sua falta de experiência e de infraestrutura encetaram a inevitável rescisão do
contrato ante a debilidade do serviço prestado. Tais fatos, desde logo, são
incontestes, pois confessados pelo titular da empresa contratada.
Ouvidos os membros da Comissão Licitatória na fase administrativa,
estes afirmaram não ter conhecimento de quando se deu a abertura dos envelopes,
quem foram os convidados a licitar e quem foi vencedor, não tendo conhecimento do
que usualmente assinavam.
A inicial também apresenta a causa da "destruição de sonho" de Cláudio
Conti: vencedor do processo licitatório e sem qualquer condição de cumprir o contrato
– circunstância de que deveria ser examinada de imediato pela Comissão de
Licitação, de regra, e principalmente pelo alcaide que, em seu lugar, tomava-lhe a
frente -, teve que "alugar um caminhão basculante e formar uma equipe logo após o
término do procedimento licitatório" (fl. 08).
Somente estes fatos, aliados à prova documental coligida, à confissão
expressa de Cláudio Conti acerca de sua incompetência para cumprir o contrato, são
suficientes à conclusão de que restaram maculados, com dolo, os princípios mais
basilares da Administração Pública, insculpidos no art. 37 da Carta Republicana: o da
moralidade, o da eficiência e o da legalidade.
O da moralidade, porquanto não poderia o Prefeito, seja com o intuito de
beneficiar terceiros ou a si próprio, ou a ambos, sugerir ao particular a constituição de
empresa para participar de processo licitatório, antecipando-lhe, fato gravíssimo, o
resultado do certame.
O da eficiência, porque contratou, não por culpa grave, mas por vontade
consciente (dolo), empresa exclusivamente constituída para a prestação do serviço,
sem condição alguma de realizar os serviços contratados, vindo a ser rescindido o
contrato por ineficiência. Ora, a discricionariedade administrativa não enseja tratar a
coisa pública com tamanha irresponsabilidade, qualificada aqui pelo dolo de beneficiar
de alguma forma, a si ou a terceiros, com licitação dirigida. Douglas Warmling é
responsável por viabilizar o resultado fatídico que desencadeou prejuízo de quase R$
50.000,00 àos cofres públicos. Claudio Conti, o beneficiado, não inocente. O prejuízo
que experimentou é fruto do negócio mal-feito e desfeito, isto é, culpa exclusiva sua, e
do então Prefeito, Douglas.
A legalidade, porque constituída Comissão de Licitação inoperante,
pró-forma, apenas para conferir o qualitativo "licitude" aos atos praticados pelo
Prefeito e por sua Chefe de Gabinete, Pricila Noveli Joaquim.
Nem se argumente não ter havido prejuízo ao erário, pois a só
contratação equivocada, malfeita, irregular e ilícita, acarretou aos cofres públicos um
gasto indevido de R$ 50.000,00.
Consoante se infere dos autos, para viabilizar o planejado, era
importante que as empresas convidadas fossem previamente determinadas e, para
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11. que isso ocorresse, a escolha teria que partir dos réus Douglas e Pricila. Colhe-se de
depoimentos prestados na fase extrajudicial:
(...) que o depoente era completamente leigo no assunto licitações. Que o
Prefeito sabia disso; que muitas vezes o declarante se limitava a assinar documentos
que lhe eram apresentados; que esses documentos lhe eram apresentados pelo
Prefeito e por Pricila Joaquim; (...) que, quanto à licitação do transporte de lixo, não
foram os integrantes da Comissão de Licitação que escolheram as empresas
convidadas (fls. 148/149, Tiago Albônico, fase extrajudicial).
Observe-se que Tiago Albônico, membro da Comissão de Licitação,
ratificou o depoimento acima na fase judicial, acrescentando que assinava os
documentos sem deles ter conhecimento por ter "medo de perder o cargo" (fl. 462).
Além disso, os depoimentos deixaram claro que Pricila Joaquim
coordenava a Comissão de Licitações (Depoimento de Santelma de Quadros, fl. 463).
Observe-se, ademais, uma distinção, entre tantas, existente entre as
modalidades de licitação. Colhe-se, assim, da Lei n. 8.666/93:
Art. 22. São modalidades de licitação:
I - concorrência;
II - tomada de preços;
III - convite;
IV - concurso;
V - leilão.
§ 1o
Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados
que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos
mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.
§ 2o
Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados
devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para
cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas,
observada a necessária qualificação.
§ 3o
Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente
ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3
(três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do
instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente
especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e
quatro) horas da apresentação das propostas.
As duas primeiras modalidades, Concorrência e Tomada de Preços,
exigem qualificação preliminar ou prévio cadastramento, respectivamente, com
comprovação de aptidão técnica anterior ao certame. Nisso distinguem-se do Convite,
sendo a qualificação "pressuposto" para a participação de interessados. Veja-se que
a Lei exige, para a escolha de tal modalidade, que os interessados atuem no "ramo
pertinente ao seu objeto" (vide § 3.º, acima).
Como se vê, o alcaide e a Coordenadora do Certame, Pricila,
deliberadamente ignoraram a exigência de aptidão técnica, convidando interessados
que não eram do ramo e, pior, determinando por conta própria vencedor inapto para a
a realização dos serviços.
Não é necessário que se adentre em aspectos por demais subjetivos,
isto é, se o Prefeito o fez para beneficiar um correligionário político, se para beneficiar
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12. a si próprio ou mesmo terceiros. O dolo aqui reside na intenção de burlar
mandamento legal a respeito do procedimento licitatório, vindo a contratar, em
prejuízo financeiro e material ao Município (prestação de serviços "inservíveis" à
coletividade).
Não se pode, pois, atestar, como constou nos recursos, ter havido o
mínimo indício de legalidade no procedimento por eles encetado, tampouco que não
houve prova do prejuízo causado. Os vícios estampam-se nos autos por si próprios.
Por derradeiro, não houve ataque dos réus às penas aplicadas, mas,
examinando-as, em cotejo com a gravidade das infrações aqui apresentadas, as
sanções de suspensão de direitos políticos, de multa civil e de proibição de contratar
com o Poder Público ou dele receber quaisquer benefícios, direta ou indiretamente,
foram acertadamente aplicadas na inferior instância, motivo pelo qual a sentença
deve ser mantida em sua integralidade.
Em face do exposto, afastam-se as preliminares pertetradas,
negando-se provimento aos recursos interpostos.
Providencie-se o registro do presente julgamento no Cadastro de
Condenações Cíveis por Atos de Improbidade Administrativa, nos termos expostos na
sentença.
Este é o voto.
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