1) O documento discute hidrologia básica e apresenta o ciclo hidrológico, unidades hidrológicas e variáveis como precipitação, evaporação, infiltração e vazão.
2) É apresentada a equação do balanço hídrico que relaciona entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica.
3) Métodos estatísticos como análise de frequência e período de retorno são discutidos para estudar precipitações máximas e sua probabilidade de ocorrência
1. HIDROLOGIA BÁSICA – RESUMO
Antonio Marozzi Righetto
1. Hidrologia – estuda a água na natureza. Seu armazenamentos nos diversos
compartimentos (atmosfera, aqüíferos, solo, nos cursos de água, reservatórios etc) e
o seu movimento ( evaporação, precipitação, deflúvios superficiais, infiltração etc).
2. O Ciclo Hidrológico – o processo de movimentação e armazenamento da água na
natureza se dá às custas da energia solar e da gravitacional. Assim, a água evaporada
é transferida dos oceanos para a atmosfera e a precipitação pela gravidade, bem
como o escoamento nos cursos de água, a infiltração de água no solo e os fluxos de
água subterrânea.
3. Unidade Hidrológica – qualquer área de drenagem seja um pátio, jardim,
pavimentos, terrenos podem se constituir unidades hidrológicas numa análise de
micro-escala. Já na macro-escala, temos a bacia hidrográfica como unidade
hidrológica que vem a ser a área que capta água de chuva e direciona os deflúvios
superficiais para a calha do rio principal. Dentro desse conceito, temos a bacia
principal associada ai rio principal e as sub-bacias, vinculadas aos cursos de água
secundários.
4. Variáveis hidrológicas. As principais são:
A Precipitação P, expressa em altura de água precipitada num certo período
de tempo numa área unitária. Assim a precipitação diária é expressa em
mm/dia.m2 ou simplesmente em mm. A intensidade de chuva é utilizada
para as variações da chuva ao longo do tempo e expressa por i em mm/h ou
mm/min. As precipitações diárias são medidas por aparelhos chamados
pluviômetros com leitura diária. Já os pluviógrafos ou pluviômetros digitais
registram a altura precipitada ao longo do tempo e são essenciais para os
estudos de precipitação intensa.
A evaporação E, normalmente medida em mm/dia e é medida atravéss de
tanques d evaporação.
A infiltração F, também expressa em milímetros, é medida ou por ensaios
com o uso de infiltrômetros ou estimada através de expressões empíricas
com ajuste dos parâmetros para cada tipo de solo e ocupação. A taxa de
infiltração, f, é expressa em mm/h ou mm/min.
Vazão, Q. O escoamento de água nos cursos de água é quantificado pela
medida da vazão, expressa em m3/s e geralmente essa medida é feita com o
uso do aparelho que mede velocidade, chamado molinete. A integração
sobre a área de uma seção do curso de água do produto da velocidade pela
2. área de influencia dá a vazão total que passa por uma determinada seção de
um cursos de água.
Recarga, R. A infiltração profunda, isto é a que percola para os reservatórios
subterrâneos ou aqüíferos, é chamada de recarga profunda, e expressa em
mm/dia ou mm/mês.
Fluxo subterrâneo, G. A água que percola pelo meio poroso nos
reservatórios subterrâneos, pela indução de poços de bombeamento ou de
dos drenos naturais que são os cursos de água de regiões sedimentares
constituem os fluxos subterrâneos.
5. Balanço Hídrico. Utiliza-se um sistema, que pode ser uma área de drenagem, uma
bacia hidrográfica, ou uma região que abrange o solo e a atmosfera ou até todo o
planeta, para avaliar quantitativamente os fluxos e armazenamentos de água. Assim,
genericamente, para uma bacia hidrográfica, tem-se para um intervalo de tempo
entre t e t+Δt, a seguinte equação de balanço na camada superficial dessa bacia:
É uma equação que matematicamente nos diz que a precipitação sobre uma bacia
hidrográfica é o insumo para o armazenamento de água na bacia hidrográfica. Os
fluxos de saída são a evaporação, a recarga profunda, as vazões (fluxos superficiais)
de saída de água da bacia. Desse balanço tem-se a variação do volume de água
armazenada na superfície da bacia. Dependendo do sistema que se queira analisar,
utiliza-se uma equação aproximadamente semelhante a que foi apresentada. Em
suma, a equação de balanço expressa o fato notório que a água que entra menos a
água que sai é igual a variação do volume de água armazenada no sistema em
análise.
6. A disponibilidade de água numa bacia depende essencialmente do regime de
precipitação sobre ela. Para se conhecer o regime de precipitações em uma região
ou em uma bacia hidrográfica, devemos dispor de dados de precipitação. As
precipitações diárias observadas nos permitem avaliar o regime de chuvas através da
análise estatística de seus valores e da freqüência com que os eventos acontecem.
Assim, analisando sequências de precipitações mensais observadas, podemos
estabelecer o período úmido e o período de estiagem bem como seus valores
mínimos, máximos e médios, bem como o número de dias de ocorrência de
precipitação. A precipitação média e a variância são dois valores estatísticos
importantes para a quantificação da precipitação.
7. A precipitação é uma variável aleatória e pode ser submetida a estudos
probabilísticos com diversos enfoques. Um deles, de grande importância é a análise
das precipitações máximas associadas a sua duração e à probabilidade de
3. ocorrência. Para isso, utiliza-se de um conceito probabilístico, chamado período de
retorno.
8. Análise de freqüência. Suponha que temos N anos de dados diários. Para cada ano,
selecionamos a máxima chuva diária. Temos então uma seqüência de N valores de
precipitações máximas anuais e podemos, então, tentar encontrar uma distribuição
de probabilidades. Tomamos dentre esses valores aquele de menos valor e
atribuímos uma probabilidade de ocorrer valor igual ou menor a esse valor
atribuindo a valor igual a 1/(N+1). Em seguida, ordenando os valores do menor para
o maior, atribuímos a freqüência ou probabilidade de acontecer valor de
precipitação menor ou igual o valor igual a i/(N+1), sendo i denotando o i-ésimo
valor ordenado das precipitações máximas.
9. Exemplo 2. A Tabela abaixo fornece as precipitações diárias máximas anuais
observadas em Natal. Com esses valores é construída a curva de freqüência
acumulada.
Precipitações Máximas Diárias Anuais em Natal, RN.
ANO
1926
1927
1928
1929
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1938
1939
1940
1941
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
MÁXIMO DIÁRIO ANUAL (mm)
71.7
78.1
80.5
65.5
57.5
79.8
73.3
91.5
72.3
86.4
68.1
78.5
118.2
143.2
53.0
76.3
83.5
137.2
96.0
85.6
64.0
86.6
105.4
90.5
89.4
ANO
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
MÁXIMO DIÁRIO ANUAL (mm)
41.7
58.8
85.5
123.1
70.0
105.5
165.8
140.7
141.6
25.8
154.7
120.5
97.6
115.5
125.0
83.3
143.0
110.0
72.0
154.6
118.5
124.3
86.8
100.6
130.5
4. INTERVALO DE CLASSE Número de eventos
<=60 MM
5
> 60 MM E <= 80 MM
12
> 80 MM E <= 100 MM
13
> 100 MM E <= 120 MM
7
> 120 MM E <= 140 MM
6
> 140 MM E <= 160 MM
6
> 160 mm
1
Facum
0.098
0.333
0.588
0.725
0.843
0.961
0.980
Frequência Acumulada, F
Frequência Acumulada de Valores Observados
1
0.9
0.8
0.7
0.6
0.5
0.4
0.3
0.2
0.1
0
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Precipitação Máxima Diária Anual, Pmax_diária (mm)
10. Período de retorno. É uma forma de avaliar a probabilidade de ocorrência de uma
valor de uma variável aleatória. No caso da precipitação máxima anual, a probabilidade
de ocorrer um valor maior ou igual a um valor pré-fixado Pmax(T) é expresso
matematicamente por:
Assim, se quisermos a precipitação máxima associada a um período de retorno de 50
anos, por exemplo, devemos buscar na distribuição de probabilidades das precipitações
máximas diárias anuais, aquela cuja probabilidade seja igual a 0,98, pois, para T- 50 anos
tem-se que a probabilidade de ocorrer valor maior ou igual é igual a 0,02 e portanto, na
distribuição de probabilidades acumuladas, F[Pmax], tem-se:
5. Na Tabela acima que apresenta as freqüências acumuladas das precipitações máximas
diárias anuais observadas em Natal, verificamos que o valor de 100 mm corresponde a
uma freqüência acumulada igual a 0,6. Portanto, equivale à precipitação com período de
retorno igual a 1/(1-0,60)=2,5, ou seja, precipitações superiores a esse valor de 100 mm
são relativamente freqüentes, com expectativa de ocorrência a cada 2 ou 3 anos.
11. Exemplo 3. Ajustar aos dados de precipitações máximas diárias para Natal, a função
de probabilidade de Gumbel. Esta função teórica de probabilidades permite estender a
série para períodos de retorno bem acima dos observados.
A distribuição de probabilidades acumuladas de Gumbel tem a seguinte expressão:
,
Sendo
,
,
sendo
respectivamente, a média ou valor esperado e o desvio padrão representados por
e
,
cujos valores são extraídos do conjunto amostral ou das observações do
registro histórico.
Com os valores amostrais apresentados anteriormente para as precipitações máximas
diárias
anuais
de
Natal,
RN,
obtém
que
Portanto, podemos expressar as precipitações máximas diárias em Natal em função do
período de retorno através da seguinte equação estatística, facilmente decorrente da
distribuição de Gumbel:
Por exemplo, para T = 100 anos, substituindo na equação anterior, obtemos o valor de
197 mm para a precipitação máxima diária anual.
6. Função Probabilidade Acumuladaq,
F(Pmax_diária)
Distribuição das Precipitações Máximas Diárias
em Natal
1.2
1
0.8
0.6
0.4
0.2
0
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Pmax_diaria (mm)
Amostral
Gumbel
12. Taxa de infiltração, f. A superfície dos terrenos, quando formadas de solo
sedimentar tem p propriedade de absorver água através de seus poros. Tanto o solo
armazena água quanto promove a percolação, constituindo-se em importante
mecanismo de percolação profunda ou recarga do subsolo e aqüíferos. Dependendo do
teor de umidade do solo, este tem uma capacidade de infiltração, cuja estimativa é feita
através de expressões empíricas, obtidas experimentalmente. Uma das mais utilizadas é
a equação de Green-Ampt, cuja expressão é a seguinte:
Sendo f a taxa de infiltração em mm/h, K a condutividade hidráulica efetiva do solo
saturado em mm/j; h a altura da lâmina de água sobre a superfície do solo em mm, L a
profundidade da frente saturada dentro do solo em mm; S a tensão matricial do solo que
é a diferença entre a frente saturada, ψo = 0 mm e a tensão do solo na umidade de
capacidade de campo ou inferior,.ψ em mm; e F a infiltração de água acumulada em mm.
13. Exemplo 3 – Determinar a taxa de infiltração em função do tempo, devido a uma
chuva com intensidade i = 30 mm/h constante. Os valores dos parâmetros e variáveis do
solo são os seguintes: K = 10 mm/h; h=0.; S= 100 mm. Tomando-se intervalos de tempo
de 10 min= 1/6 h, e reconhecendo que inicialmente a capacidade de infiltração supera a
intensidade de chuva, temos então os valores apresentados na Tabela abaixo.
7. Infiltração de água de chuva no solo
14. Deflúvio Superficial, q. A transformação da chuva em escoamento superficial se dá
pelo excesso de precipitação, que superando a taxa de infiltração e preenchendo as
depressões do terreno, provoca um escoamento superficial, denominado deflúvio
superficial ou o conhecido “runoff”. O modelo mais simples é o chamado método
racional, que advem da hipótese de resposta linear da área de drenagem. A expressão é a
seguinte:
Sendo Q a vazão, C o coeficiente de deflúvio ( valor entre 0 e 1); i a intensidade de chuva
e A a área de drenagem. O coeficiente k é um conversor de unidades. Se Q é expresso em
m3, a área de drenagem em ha e a intensidade de chuva em mm/h, então k=1/360.
Ao aplicar essa expressão, estamos admitindo como válidas as seguintes hipóteses:
8.
A precipitação i é constante e ao cair sobre o solo imediatamente se transforma
em vazão, ou seja, a parte da precipitação que imediatamente se transforma em
vazão é igual a C.i.
A partir do inicio da chuva, num instante qualquer t, a parte da área de drenagem
que contribui para com a vazão no ponto de deságüe ou seção de controle vem a
ser a área A(t) cujo tempo médio de percurso da água é igual a esse tempo t.
Assim, a vazão Q(t) será igual a:
15. Exercício 4. Considere uma área retangular, com 100 m de largura e 500 m de
comprimento. Ao longo desse comprimento a declividade do terreno é igual a I=0,02.
Para uma chuva constante e igual a 30 mm/h calcule o hidrograma Q(t). Admita que o
coeficiente de deflúvio é C=0,20, que o coeficiente de rugosidade é n=0,040 e que uma
altura de lâmina de referencia é h=0,01 m..
A velocidade da água sobre o terreno pode ser estimada pela equação de Manning, dada
por:
Substituindo n, I e h pelos valores fornecidos, obtemos V=0,16 m/s. Supondo que essa
velocidade seja constante, tem-se então que A(t)=100x0,16t=1,6xt. A(t) cresce até
alcançar o valor de toda a área de drenagem, e que ocorre no instante igual a
500/0,16=3125s. A partir daí a área permanece inalterada e a vazão mantém-se no seu
valor máximo enquanto perdurar a precipitação de intensidade constante. Com os
valores fornecidos, tem-se então que:
2,688x10-6t
para t<=3125s. A partir desse instante a vazão mantém-se inalterada e igual a 8,4 L/s.
Verifique esse valor.
16. Vazão regularizada. A disponibilidade hídrica de um manancial superficial é variada
no tempo, uma vez que a bacia hidrográfica capta de forma irregular as águas da chuva.
Assim, como temos períodos chuvosos e períodos de estiagem, os cursos de água
seguem esse padrão. Temos meses com vazões bem acima da média. Com ocorrências de
enchentes e, temos os meses de seca, com estiagens que podem levar às menores
vazões nos rios perenes e ausência de vazão nos cursos de água intermitentes ou
efêmeros. O aproveitamento das águas de um curso de água pode ser a fio d água ou
através de reservatórios de regularização, no Nordeste brasileiro chamado de açude.
9. Quando a vazão de utilização é inferior à vazão mínima, temos o aproveitamento a fio d
água. Por outro lado, quando a vazão de utilização é superior à vazão mínima, então, o
reservatório de regularização armazena água nos períodos úmidos para liberar nos
períodos secos ou de estiagem.
17. Capacidade de açudagem. A determinação da capacidade de armazenamento de
água de um açude é feita a partir de um período crítico de vazões que pode cobrir o
período de um ano (regularização anual) ou de vários anos (regularização plurianual).
Esse período crítico de vazões mensais pode ser extraído de uma série de vazões
observadas ou geradas a partir de um modelo de geração de vazões mensais. Um
exemplo esclarece o procedimento de determinação da capacidade de reservação de um
açude.
18. Exemplo 5. Deseja-se regularizar a vazão de um curso de água, mantendo-o a
jusante de um açude com vazão igual a 1,0 m3/s, uma vez que a vazão média anual é
igual a 1,8 m3/s. Com os valores de vazões mensais críticas tomadas de registros
históricos de vazões, determine a capacidade do reservatório, necessária para tal
regularização. A tabela abaixo mostra o procedimento de cálculo para essa
determinação. As vazões e o Deficit estão em m3/s. O déficit de água de cada mês é
obtido pela expressão:
Mês
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
Qcr
Qreg
0.5
0.8
1.5
2.0
3.5
10.0
2.0
0.9
0.0
0.0
0.0
0.5
0.5
0.8
1.5
2.0
3.5
10.0
2.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
1.0
Deficit
0
0.5
0.7
0.2
0.0
0.0
0.0
0.0
0.1
1.1
2.1
3.1
3.6
4.1
4.3
3.8
2.8
0.3
0.0
0.0
10. Pela Tabela, verificamos que o mês com maior Déficit é o mês 14, igual a 4,3 m3/s. Esse
déficit, multiplicado pelo número de segundos do mês, fornece o valor procurado para a
capacidade do reservatório. Assim,
Ou seja, nosso reservatório deverá ter uma capacidade de reservação de 11,2 milhões de
m3 de água.