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I
A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO:
Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e
demarca o lugar do sujeito psíquico
EVACYRA VIANA PEIXOTO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO - UENF
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ
JUNHO – 2003
II
A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO:
Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e
demarca o lugar do sujeito psíquico
EVACYRA VIANA PEIXOTO
Dissertação de Mestrado apresen-
tada ao Centro de Ciências do Ho-
mem da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro
como parte das exigências para ob-
tenção do título de Mestre em Cog-
nição e Linguagem.
Orientador: Professor Doutor Sérgio Arruda de Moura
CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ
JUNHO – 2003
III
A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO:
Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e
demarca o lugar do sujeito psíquico
EVACYRA VIANA PEIXOTO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro
de Ciências do Homem da Universidade Estadu-
al do Norte Fluminense Darcy Ribeiro como par-
te das exigências para obtenção do título de
Mestre em Cognição e Linguagem.
Aprovada em 06 de junho de 2003
Banca Examinadora :
__________________________________________________
Sérgio Arruda de Moura (Doutor, Ciência da Literatura – UENF) – Orientador
__________________________________________________
Nina Virgínia Araújo Leite (Doutora, Lingüística – UNICAMP)
__________________________________________________
Marco Antônio Coutinho Jorge (Doutor, Comunicação e Cultura – UERJ)
__________________________________________________
Paula Mousinho Martins (Doutora, Filosofia – UENF)
__________________________________________________
Júlio César Ramos Esteves (Doutor, Filosofia – UENF) - Suplência
IV
AGRADEÇO aos Professores e colegas do Programa de pós-graduação em
Cognição e Linguagem pelo ensino intra e extra-curricular que proporcionaram em
nossa convivência.
Agradeço aos Professores Doutores do Programa de pós-graduação em
Cognição e Linguagem pela grata contribuição à minha dissertação de mestrado, na
qual é possível reconhecer os fundamentos das disciplinas por eles ministradas, es-
pecialmente os Professores Arlete, Júlio, Paula, Ruth, Sílvia e, naturalmente, Sérgio,
a quem elegi por sucessivas vezes meu professor.
Agradeço ao psicanalista Dr. Marco Antônio Coutinho Jorge, mestre em meus
passos iniciais na psicanálise no Colégio Freudiano, hoje reencontrado em interes-
ses convergentes, pelo acolhimento e atenção dispensada à minha pesquisa.
Agradeço ao gesto amigo de Rita Márcia Paixão e Olandina Cruz Pacheco
que, com suas contribuições intelectuais, impulsionaram a elaboração inicial e a
conclusão final de minha pesquisa.
.Agradeço carinhosa e especialmente ao Dr Sérgio Arruda de Moura, meu o-
rientador nesta dissertação – que com seu invejável bom humor, tornou nossa tarefa
mais agradável e amena –, pelo esmero com que cuidou de nosso trabalho.
.Agradeço à Drª Nina Virgínia Araújo Leite pelo esforço minucioso na correção
da dissertação e na argüição da defesa, que em muito contribuiu para melhorar o
formato final da dissertação.
Agradeço ao Dr Waldir Beividas por ter me oportunizado, ainda em tempo de
concluir, a confirmação douta de que minhas intuições – sobre o diálogo inacabado
entre linguística e psicanálise – estavam certas.
V
À memória de meu pai.
VI
Esse corte [o tropeço no discurso] da cadeia significante
é único para verificar a estrutura do sujeito como descontinui-
dade no real. Se a lingüística nos promove o significante, ao
ver nele o determinante do significado, a análise revela a ver-
dade dessa relação, ao fazer dos furos do sentido os determi-
nantes de seu discurso.
LACAN, 1960: 815
VII
RESUMO
Este trabalho refaz, de forma esquemática, o caminho percorrido pelo psicanalista
francês Jacques Lacan junto ao movimento estruturalista derivado da lingüística
saussuriana. Também enfatiza a questão da linguagem enquanto aquela que consti-
tui o sujeito ao imprimir-lhe sua estrutura, já estabelecida previamente na cultura.
Desenvolve noções de lingüística (língua, fala, diacronia, sincronia, sintagma, para-
digma, estrutura da linguagem, signo, significante, significado e símbolo), de semió-
tica (referente), que se tornaram ferramentas para a psicanálise operar os conceitos
de inconsciente, sujeito, objeto, lalangue e lingüisterie, e de análise do discurso (su-
jeito, discurso, enunciado, enunciação e sentido). Simultaneamente à elaboração
teórica saussuriana, o inconsciente foi descoberto por Sigmund Freud, cujas forma-
ções (sonhos, lapsos, chistes e sintomas) são tangíveis tal como uma linguagem.
Baseando-se no aforismo lacaniano – O Inconsciente é estruturado como uma lin-
guagem –, a psicanálise recupera o sujeito banido pelos estruturalistas, sendo para
ela um sujeito inconsciente, constituído na estruturação do inconsciente como uma
linguagem. A presente pesquisa foi realizada por meio da bibliografia disponível em
português sobre o assunto, com alguns recursos a textos essenciais ainda não tra-
duzidos para o português. Sendo assim, a pesquisa varou, à superfície, do estudo
sobre o funcionamento da linguagem, concebida como uma estrutura lingüística, à
estruturação do inconsciente como uma linguagem, vindo encontrar escoadouro na
constituição do sujeito como efeito desta estrutura para o falante. Conclui portanto
que este sujeito é constituído na ação da estrutura sobre o sujeito em constituição,
e, que ele vem a ser aquilo que emerge do Real, enquanto aquilo que não porta ne-
nhuma significação, mas que faz significar, pois é non sense.
Palavras-chave: inconsciente – significante – estrutura – sujeito – sentido
VIII
ABSTRACT
This work remakes schematically the way run by the French psychoanalyst Jacques
Lacan closed the structuralist movement deflected from the saussurian linguistics. It
also emphasizes the issue of language as one that constitutes the subject by printing
his/her structure soon established in culture previously. It develops notions of linguis-
tics (langue, parole, diachrony, synchrony, syntagma, paradigma, language structure,
sign, significant, meaning and symbol), of semiotics (referent), in which became
themselves tools for psychoanalysis operating the concepts of unconsciousness,
subject, object, lalangue and lingüisterie, and of discourse analysis (subject, speech,
uttered, utterance and sense). Simultaneously to the saussurian theoretical elabora-
tion, unconsciousness was discovered by Sigmund Freud whose arrangement
(dreams, lapses, witties and symptoms) are tangible such as a language. Basing the
lacanian aphorism on – Unconsciousness is structured as a language –, psychoanal-
ysis recovers the subject banished by the structuralists being for it an unconscious
subject constituted in the structuration of unconsciousness as a language. The pre-
sent research was accomplished through available bibliography in Portuguese about
this proposition with a few resources from essential texts that have not been translat-
ed into Portuguese yet. So the research threw out superficially from the study about
the action of language conceived as a linguistic structure to the structure of uncon-
sciousness as a language finding canal in the constitution of subject as effect from
this structure toward the speaker. As a conclusion this subject is constituted in the
action of structure about the subject in constitution and he/she becomes that one
which rises out from Real, while it does not bring any signification but which makes
meaning because it is non sense.
Key-words: unconsciousness – significant – structure – subject – sense
IX
Em comemoração ao aniversário de vinte anos de meu envolvimento com a
psicanálise de verve lacaniana – rememorando certo dia de março de 1983,
quando eu ingressava no Colégio Freudiano do Rio de Janeiro.
X
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................ 1
I. ESTRUTURALISMOS, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA
LINGUAGEM ............................................................... 11
I.1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM: a exclusão do
sujeito. .................................................... 21
I.2. O PÓS-ESTRUTURALISMO: a morte do sujeito ................... 35
I.3. A LINGUAGEM NO DISCURSO: a inclusão do sujeito ......... 42
II. O INCONSCIENTE ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM
................................................................ 55
II. 1. AS QUATRO FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE ................ 67
II. 1. a) Sonhos ..................................................... 68
II. 1. b) Lapsos ..................................................... 73
II. 1. c) Chistes ..................................................... 75
II. 1. d) Sintoma ..................................................... 77
II. 2. A ESTRUTURA DO INCONSCIENTE: Real, Simbólico e Imaginário
..................................................... 81
II. 3. A ORDEM SIMBÓLICA E O ADVENTO DA LINGUAGEM ... 87
III. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO COMO EFEITO DA ESTRUTURAÇÃO DO
INCONSCIENTE COMO UMA LINGUAGEM ............................... 94
III. 1. SUJEITO CARTESIANO X SUJEITO DO INCONSCIENTE: Cogito er-
go sum X Wo es war, soll ich werden ................................ 101
XI
III. 2. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: Estádio do espelho, Édipo e cas-
tração ..................................................... 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................... 129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE SIGMUND FREUD .......... 136
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE JACQUES LACAN ........... 138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DIGITALIZADAS ..................... 140
ANEXOS ..................................................... 144
1
INTRODUÇÃO
Que a via aberta por Freud não tem outro sentido senão o que retomo 
o inconsciente é linguagem  isso que é agora aceito já o era então para
mim, como se sabe.
LACAN, 1965, 881
1
Esta pesquisa foi motivada pelo interesse de melhor compreendermos, na es-
cuta psicanalítica, a implicação do signo lingüístico com o sintoma neurótico, que
funciona como uma linguagem permeada de ambigüidades e encontra sua decifra-
ção e dissolução na interpretação, tal como um sonho. “O sintoma, aqui, é o signifi-
cante de um significado recalcado da consciência do sujeito. Símbolo escrito na a-
reia da carne e no véu de Maia, ele participa da linguagem pela ambigüidade se-
mântica que já sublinhamos em sua constituição “ (LACAN, 1953: 282). Neste senti-
do, fomos movidos a buscar esclarecimentos sobre como são produzidas significa-
ções singulares, pertinentes a cada um de nós, na articulação entre significantes,
que flagram assim a ação de um sujeito, que não é outro senão aquele constituído
na estruturação do inconsciente como uma linguagem.
Buscando apreender as conseqüências do que é para SAUSSURE (1970/1ª
ed. bras.) o "mecanismo do signo no indivíduo", este trabalho de pesquisa e disser-
tação visa esclarecer de que forma a linguagem se reproduz para cada sujeito como
sistema simbólico sendo, ao mesmo tempo, estruturante do lugar do sujeito num
mundo simbólico. Partindo disto, este trabalho vai ao encontro da hipótese de
LACAN (1957) – O inconsciente é estruturado como uma linguagem – onde apreen-
demos a questão da constituição do sujeito psíquico, através da estruturação do in-
consciente como uma linguagem.
1
Encontraremos as referências feitas às obras tanto de FREUD e quanto de LACAN relativas
a cada ano em que foram escritas, e não ao ano da edição em que foram publicadas, dado à profu-
são de artigos, livros e coleções editadas. Assim procederemos em benefício da precisão das refe-
rências na citação.
2
Conforme é amplamente concebido, a linguagem é o artifício primordial dentro
da organização sócio-cultural humana de exploração e dominação da natureza, in-
clusive da própria natureza humana  ao mesmo tempo em que a constitui como tal.
Se a linguagem é uma criação coletiva convencionada no decorrer da história da
humanidade, por outro lado há o uso singular que dela se faz e neste está implícito
um sujeito que fala de seus objetos.
Ao nascer, o ser humano é batizado com um nome e, antes mesmo, desde
sua gestação, ele já é falado. Muito antes de começar a balbuciar as primeiras pala-
vras, ele recebe seu nome, sendo assim já marcado pelo significante. Se por um
lado o homem constrói sua singularidade a partir de sua imersão na linguagem, por-
tal de entrada do mundo humano, para penetrar neste mundo é preciso portar este
distintivo, sem o qual o ser humano não se caracterizaria: o significante.
Para esclarecermos este termo tão vital, recorremos à lingüística saussuriana
que o trabalhou como uma das duas faces do signo lingüístico, bem como à versão
lacaniana do significante, influenciada não só pela lingüística e pelo Estruturalismo
dela decorrente, como também pelas formulações freudianas sobre o inconsciente e
seu funcionamento. Se o pensamento humano, enquanto simbólico, é feito de lin-
guagem, faz-se necessário que conheçamos o funcionamento da linguagem para
que possamos abordar este ser humano em sua particularidade de sujeito, para que
seja possível “fornecer um saber sempre mais preciso do funcionamento do signifi-
cante do homem” (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 23).
Ao estabelecer no início do século XX um corte sincrônico na linguagem,
FERDINAND DE SAUSSURE fundou um novo e revolucionário método de estudo
lingüístico. Recorta como objeto de estudo científico a linguagem verbal humana,
tomada a partir de então como um sistema de signos que expressam idéias, com-
posto de unidades que formam um sistema de linguagem. Estabeleceu assim o con-
ceito de signo e seus elementos inseparáveis – o significante e o significado. O
“som, unidade complexa acústico-vocal, forma por sua vez, com a idéia, uma unida-
de complexa, fisiológica e mental” (SAUSSURE, (1970/1ª ed. bras.: 16). Para ele a
linguagem é língua (langue)  sistema de signos  mais fala (parole). Desde então a
3
língua deixou de ser vista como substância, como era vista anteriormente, passando
a ser tomada como uma forma, um sistema – posteriormente chamado de estrutura
– tornando-se a lingüística estrutural um novo paradigma no cenário das Ciências
Humanas.
O psicanalista francês JACQUES LACAN (1901-1981), sob efeito e influência
da lingüística saussuriana e do movimento Estruturalista dela decorrente – onde se
destaca a Antropologia Estrutural encarnada por CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908-
1990), dentro deste profícuo movimento –, promoveu uma releitura da psicanálise
resgatando FREUD do ostracismo em que perigava cair, revitalizando suas palavras
e renovando sua obra. LACAN (1949, 1953, 1953-1954, 1954-1955, 1955-1956,
1957-1958, 1957, 1960, 1964, 1965, 1969-1970, 1972-1973, 1974-1975) fundamen-
tou assim a descoberta do inconsciente freudiano sobre novas bases, edificando-a
no campo da fala e da linguagem. Articulando idéias, estabelecendo conexões entre
variadas áreas de saber, LACAN abriu um leque de pesquisas e produções teóricas
na tangência da psicanálise e da lingüística, onde hoje encontramos muitos estudos
de autores afinados com a teoria lacaniana, como veremos com ARRIVÉ,
LECLAIRE, MILNER, NASIO, SAFOUAN.
Portanto, partimos dos esclarecimentos da estrutura e funcionamento da lin-
guagem até chegarmos aos estudos, dentro do ponto de vista psicanalítico, do que é
a estrutura do inconsciente e como é o seu funcionamento, na expectativa de assim
comprovar a existência material do inconsciente, bem como a do sujeito constituído
a partir desta estrutura – o que é considerado improvável por muitos opositores.
Para compreendermos o paradigmático corte saussuriano para as ciências
humanas, que fez inclusive derivar a proposição lacaniana “O inconsciente estrutu-
rado como uma linguagem”, tangenciaremos no capítulo I, Estruturalismos, estrutura
e funcionamento da linguagem, o movimento intelectual denominado Estruturalismo
 que surgiu e se organizou em contraposição à filosofia humanista, sua antecessora
no campo filosófico  e alguns de seus desdobramentos na atualidade naquilo que
toca mais particularmente à máxima lacaniana. Esclareceremos o papel de LACAN
na inserção da psicanálise com destaque dentre as ciências humanas, já que veio
4
então a ocupar o lugar privilegiado de “farol” do estruturalismo ao lado da Antropolo-
gia (DOSSE, 1993).
O Estruturalismo, termo cunhado pelos “herdeiros” de SAUSSURE, entre eles
JAKOBSON (Congresso de Haia, 1928), foi um movimento bastante profícuo, deri-
vado da Lingüística, que desabrochou e fez desabrochar as Ciências Humanas a
partir de meados do século XX, especialmente pelas possibilidades de se empregar
um método científico do qual as ciências humanas careciam, na tentativa de obter
estudos concretos e objetivos sobre o homem que não fossem puramente filosóficos
e metafísicos. Com isto, esperamos a partir daí podermos refazer o percurso de
LACAN pelas fronteiras lingüística e antropológica do Estruturalismo  donde foi da-
da a partida para este movimento nas ciências humanas , reelaborando-se a impor-
tância destas contribuições para a obra de LACAN e vice-versa.
A estrutura, este conceito fundamental do estruturalismo, foi concebida como
um todo dinâmico composto de partes inter-relacionadas. O termo estrutura, origi-
nalmente, designava o modo como um edifício é construído. Hoje estrutura é um
termo empregado para designar os elementos mínimos necessários para caracteri-
zar um todo, uma coisa, um objeto. Certa noção de estrutura pode ser observada
sob termos tais como “essência”, “forma”, “figura”, “conjunto”, “totalidade”, “organis-
mo”, “sistema”, etc. Porém, a noção de estrutura a que se refere o movimento estru-
turalista, deles se destaca por ser a redução de um conjunto a seus elementos mí-
nimos necessários, que mantêm entre si uma relação de interdependência. A noção
de estrutura do estruturalismo inclui a combinação de elementos inter-relacionados
de modo dependente, de modo que a posição de cada um afeta a do outro, que reu-
nidos em uma totalidade apresentam qualidades específicas da totalidade, que é
autônoma.
Constituição é o ato de constituir, estabelecer e de firmar; é o modo pelo qual
se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas. Segundo o dicionário Au-
rélio, é a organização, a formação. Já estruturação é o ato ou efeito de estruturar, de
fazer ou formar estrutura, que é a disposição e ordem das partes de um todo. Tam-
bém pode ser armação, esqueleto ou arcabouço.
5
Na primeira parte do capítulo I (I.1), Estrutura e funcionamento da linguagem:
a exclusão do sujeito, reveremos os estudos teóricos lingüísticos sobre a linguagem
verbal humana, realizados por SAUSSURE e por alguns de seus sucessores como
JAKOBSON, observando alguns pontos de dissidência que acabaram por dar aca-
bamento à lingüística concebida como estrutural. Assim retraçaremos, em boa parte,
o caminho feito por LACAN pela teoria saussuriana no estudo da linguagem em sua
estrutura e funcionamento, bem como os caminhos que apontou para solucionar
problemas cruciais que encontrou nesta teoria, como a exclusão do referente e do
sujeito. A abordagem estrutural e funcional da investigação científica dos fenômenos
da linguagem revelou as leis internas de um sistema determinado (PETERS, 2000)
dentro do qual não cabia a subjetividade humana – uma concepção de sujeito tal
como concebida pela doutrina cartesiana – mas LACAN reintroduziu na linguagem
um sujeito de bases freudianas, como veremos.
Se para SAUSSURE a linguagem é um sistema fechado em si mesmo – daí a
noção de estrutura –, para LACAN é uma estrutura aberta pela presença de um su-
jeito, mas do inconsciente, o que aponta desde já uma das principais divergências
entre a ciência-piloto das ciências humanas e a psicanálise.
[...] vê-se que, para Saussure, a língua é concebida como um sistema fechado, o que co-
loca de saída uma diferença radical entre a noção de estrutura fechada do estruturalis-
mo e a estrutura aberta, hiante, que implica a falta, que é posta em relevo pela psicaná-
lise (COUTINHO JORGE, 2000: 78).
LACAN responde aos lingüistas, ciosos de seu campo de estudo, criando o
que chamou de lingüisterie, nomeando assim a linguagem que a psicanálise estuda
– uma linguagem histérica, enquanto aquela que se inscreve no corpo, que leva todo
falante a assumir uma posição sintomática no mundo simbólico.
Na segunda parte do capítulo I (I.2.), O Pós-Estruturalismo: a morte do sujei-
to, trataremos do encaminhamento da questão do sujeito para filósofos como
DERRIDA, FOUCAULT, HEIDEGGER, entre outros, que acabaram por sepultar o
sujeito cartesiano, levando às últimas conseqüências o descentramento do homem
pela estruturalidade da linguagem.
Na terceira parte do capítulo I (I.3.), A linguagem no discurso: a inclusão do
sujeito do inconsciente, acabamos por trazer à discussão alguns dos estudos lingüís-
6
ticos da atualidade que buscam a inclusão do sujeito do discurso na estrutura da
linguagem, sob o enfoque proporcionado pela releitura de LACAN da obra freudiana.
Há autores que se debruçam sobre o campo teórico da Psicanálise, supostamente estra-
nho a sua disciplina, na busca de uma articulação que permita incluir nos estudos da lin-
guagem aquilo que foi recalcado – a questão do sujeito e do sentido  no momento inau-
gural de nascimento da lingüística como ciência (LEITE 1994: 15).
Os desdobramentos dos estudos da lingüística estrutural, sob a influência da
psicanálise e do marxismo, levaram ao desenvolvimento da análise do discurso 
uma nova disciplina na qual está prevista uma teoria do sujeito. MICHEL PÊCHEUX
com seu inaugural Discurso: estrutura ou acontecimento (1990), responde pelos pri-
meiros passos desta novidade. Assim como o estruturalismo e o materialismo histó-
rico, também a psicanálise lacaniana participou da construção da análise do discur-
so, compondo o quadro epistemológico que contribuiu para o surgimento desta dis-
ciplina.
O estudo das teorias estruturalistas da linguagem, passando pelos tempos
pós-estruturalistas, acabou por nos levar ao movimento contemporâneo de tentativa
de inclusão de um sujeito, a princípio excluído  ou melhor dizendo, recalcado  da
estrutura da linguagem, tal como esta fora concebida originalmente.
No capítulo II tratamos de clarificar o aforismo lacaniano O inconsciente é es-
truturado como uma linguagem, considerado por muitos um verdadeiro enigma.
LACAN (1957) elucidou o modo como ocorre a estruturação do inconsciente como
uma linguagem a partir de suas formulações sobre a lógica do significante, pautada
na afirmação saussuriana de que na língua só há diferenças, o que acabou por res-
saltar o quanto as teorias saussurianas e freudianas, trabalhadas simultaneamente e
ignorando-se mutuamente, tinham a dizer em comum a respeito do funcionamento
do sistema simbólico – a estrutura da linguagem e o inconsciente freudiano – sendo
certo que cada uma caminhava em direção à outra partindo de sentidos opostos.
Neste sentido, na primeira parte do capítulo II (II.1.), As formações do incons-
ciente, chamamos ao palco, onde se encena o texto do inconsciente, os sonhos, os
lapsos, os chistes e os sintomas. Aqui se oportunizará o momento de evidenciar o
quão à superfície se encontra o inconsciente, uma vez que ele se expressa nas psi-
7
copatologias corriqueiras da vida cotidiana de cada um, trazendo, nestas formações,
toda a força advinda do desejo recalcado – lugar do sujeito.
Na segunda parte deste capítulo (II.2.), Estrutura do inconsciente: Real, Sim-
bólico e Imaginário, cuidaremos de explicar a estruturação do inconsciente a partir
do entrelaçamento sintomático destes três elos, três registros do falante, onde o sin-
toma é o que vem dar amarração ao RSI.
A investigação da estruturação do inconsciente como uma linguagem permi-
tir-nos-á vislumbrar a inserção do sujeito no discurso concreto, como um sujeito que
emerge com as irrupções do Real, nas suspensões do sentido (non sense). Acabará
por se mostrar aqui a materialidade do sujeito do homem, enquanto um sujeito dese-
jante, que na falta da coisa, se faz falante.
Neste sentido exploraremos na terceira parte do capítulo dois (II.3.), A ordem
simbólica e o advento da linguagem, a articulação das teorias antropológicas e psi-
canalíticas com as da linguagem, no afã de clarificar o quanto o complexo de Édipo,
em sua magnitude universal, enquanto interdição do incesto, é também o portal uni-
versal para a humanidade no mundo simbólico, que é o mundo da linguagem.
No capítulo III, nosso esforço será empreendido para deixar claro que não
são objetos desta dissertação nem o ego, nem a consciência, nem a “pessoa hu-
mana”, nem o “indivíduo” (o indiviso), mas um sujeito desejante: o sujeito do in-
consciente. Nos perguntamos, quem vem a ser este sujeito? Sabemos que a partir
da era moderna, inaugurada pelo pensamento cartesiano, o homem passou a ser o
"primeiro e único verdadeiro subjectum [...] o ente sobre o qual todos os outros en-
tes se fundam quanto à sua maneira de ser e quanto à sua verdade" (HEIDEGGER,
1979). A visão cartesiana favoreceu o movimento científico e proporcionou a con-
juntura filosófica na qual a noção de mente (res cogitans) passou a imperar em pri-
vilégio e oposição à noção de físico (res extensa).
Na primeira parte do terceiro capítulo (III.1), Sujeito cartesiano X sujeito do in-
consciente, reproduziremos brevemente o debate lacaniano sobre o sujeito cartesia-
no e o de que se trata para a psicanálise. O sujeito para a psicanálise é o sujeito de-
8
sejante, do inconsciente, que interessa aqui enquanto a questão do sujeito da lin-
guagem.
SIGMUND FREUD previa o terceiro2
golpe no narcisismo humano ao formular
suas teorias sobre o inconsciente, pois o homem depois da descoberta de FREUD
não é visto mais como senhor em sua própria casa. Com a sua célebre assertiva
“Wo es war, soll ich Werden”3
, FREUD desmonta o cogito, mostrando que o homem
pensa onde não está e está onde não se pensa. Desbanca assim o ego autônomo
cartesiano, centro do homem, que tantos subsídios proporcionou à ciência moderna,
e que abriu caminhos à filosofia epistemológica e à ciência psicológica.
O eixo em torno do qual se desenvolveu este trabalho de dissertação sedi-
menta-se sob o ponto de vista de que o sujeito do inconsciente, diferentemente do
sujeito entificado da psicologia, é um sujeito evanescente – derivado das conjunções
entre lingüística e psicanálise, como o concebeu LACAN –, que perpassa a cadeia
de significantes, trazendo para a superfície dela o sentido próprio do sujeito do in-
consciente, em permanente metonímia. O sujeito é constituído na “construção” do
simbólico, na incidência da linguagem, como morte da coisa, num processo que o-
corre desde que o ser humano nasce, até o atravessamento do Édipo em seus três
tempos. Sendo assim é constituído um sujeito no batismo simbólico que recebe do
Outro.
Isto é o que será devidamente tratado na segunda parte do terceiro capítulo
(III.2.) A constituição do sujeito: estádio do espelho, Édipo e castração, onde final-
mente desenvolveremos a questão de como se dá a constituição do sujeito na estru-
turação do inconsciente como uma linguagem. O sujeito do inconsciente pode ser
então entendido como aquele que está assujeitado à Lei paterna. Somente ao final
do Édipo, poderemos falar de sujeito do inconsciente, aquele que, embora tenha seu
lugar demarcado na estrutura, por meio de um processo simbólico, advém do Real.
É preciso ser assujeitado ao Outro simbólico, ser alienado ao significante dado pelo
Outro para constituir-se enquanto sujeito falante, estabelecendo então, uma aliena-
2
O primeiro foi descobrir que a terra não era o centro do universo e o segundo que o homem não
provém de Deus, mas do macaco (FREUD, 1932).
3
Onde isso estava, eu deve advir (FREUD, 1932).
9
ção constitutiva fundamental ao Campo do Outro  o Campo dos significantes para
LACAN.
Como pudemos observar, não nos ateremos nesta dissertação ao estudo da
língua (langue), objeto da lingüística que SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) cria ser
passível de isolar da fala (parole), de ser dela esterilizado e estudado enquanto obje-
to puro. O que nos interessa é a linguagem em uso, contaminada pelo desejo do
sujeito do inconsciente, na palavra, no discurso concreto do falante (onde existe a
linguagem para LACAN), no texto, como inclusive convém aos atuais estágios de
desenvolvimento do tema pelos estudos lingüísticos.
A linguagem, objeto de estudo e pesquisa da lingüística, da Antropologia, da
Sociologia, da Psicologia, da Psicanálise, assim como da Filosofia, será explorada
no restrito âmbito que possa dar a sustentação necessária para que sejam explica-
dos sua estrutura e o seu funcionamento, incluindo-se aí suas formas discursivas 
explicando assim a estrutura e o funcionamento do inconsciente que, tal como a lin-
guagem, é estruturado. O conceito de inconsciente sozinho já é tema sabidamente
tão amplo, que neste trabalho de dissertação não poderia ser abordado senão de
forma pontual, porém devidamente conceituado, para esclarecimentos à tese lacani-
ana.
Esta dissertação, de tudo até agora dito, não é sobre a teoria lacaniana, mas
sobre um ponto que a perpassa: o sujeito do inconsciente  e falante. E o inconsci-
ente emerge enquanto um sujeito psíquico. O sujeito do inconsciente não é consis-
tente, nem está em algum lugar, mas tem seu lugar entre significantes, em desli-
zamento pela cadeia significante.
Para a fundamentação teórica das hipóteses, a dissertação se baseia em no-
ções conceituais, sobre sujeito, objeto, inconsciente, linguagem, significante,
simbólico, estrutura, discurso, sentido principalmente da teoria de LACAN  teo-
ria que dá orientação à pesquisa naquilo que possa interessar à questão principal
dentro do Estruturalismo, de seus desenvolvimentos neo-estruturalistas e dissidên-
cias.
10
Encontramos nos estudos sobre a linguagem o lugar propício para desenvol-
ver pesquisas sobre a psicanálise, conforme nos ensinou, com mestria, JACQUES
LACAN, apontando assim para a estreiteza de temas da lingüística e psicanálise.
Embora este “LACAN estruturalista” ou o “primeiro LACAN” tenha sido considerado
ultrapassado pelos seus sucessores, entre eles JACQUES-ALAIN MILLER – especi-
almente por distinguirem que a linguagem que interessa à psicanálise é a lingüisterie
–, esta dissertação deixa margem, também, a evidenciar uma renovação do interes-
se pelo vigor do pensamento inaugural de LACAN, especialmente entre alguns lin-
güistas de renome da atualidade como ARRIVÉ e MILNER, mostrando-o ainda ines-
gotado.
No desenrolar da dissertação, observaremos desenhar-se o percurso de um
JACQUES LACAN pelas teorias lingüísticas do estruturalismo, até o encontro de
suas originais respostas e a construção de uma versão própria sobre a teoria da lin-
guagem com o destacamento da questão do sujeito do inconsciente na estrutura da
linguagem – que, diferentemente do que é para SAUSSURE, para LACAN, é aberta.
Ao refazermos o percurso de LACAN pelos caminhos estruturalistas da linguagem,
averiguaremos como se constituem os sujeitos para a psicanálise. Em contrapartida,
teremos um breve e resumido histórico do desenvolvimento da Lingüística estrutural
até os dias de hoje e das circunvoluções a que foi submetida sob a influência teórica
deste eminente pensador francês.
11
I. ESTRUTURALISMOS, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA
LINGUAGEM
Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito diversificado, mais do que
um método e menos do que uma filosofia, ele encontra seu cerne, sua base
unificadora no modelo da lingüística moderna e na figura daquele que é a-
presentado como seu iniciador: Ferdinand de Saussure.
DOSSE, 1993: 65
A condição de ciência da linguagem que alçou a lingüística saussuriana pro-
porcionou os argumentos com os quais o movimento estruturalista trabalhou na dé-
cada de 60, para a fundamentação das Ciências ditas Humanas. A linguagem, en-
quanto um sistema formal, foi primeiramente assim estabelecida por FERDINAND
DE SAUSSURE tal como encontramos em sua obra póstuma de 1916, Curso de
Lingüística Geral (CLG) (1970/1ª ed. bras.), com o estabelecimento do método sin-
crônico para o estudo do sistema da língua, dando a partida para o movimento estru-
turalista – tido como um grande guarda-chuva (PETERS, 2000) sob o qual se abri-
gavam ciências tais como a Antropologia, a Sociologia, a Educação e a Psicanálise
entre outras – na área dos estudos humanos. A partir de então, a lingüística foi to-
mada como um novo paradigma para as ciências humanas.
É também o momento em que a lingüística desempenha a função de ciência-piloto que
orienta os passos da aquisição científica para as ciências sociais em geral. O estrutura-
lismo terá sido, nesse plano, o estandarte dos modernos em sua luta contra os antigos.
(DOSSE, 1993: 13).
Para entendermos esta revolução paradigmática por que passaram as ciên-
cias humanas no século XX, que foi capaz de trazer solidez às ciências soft, deve-
mos responder o que foi este movimento denominado de estruturalismo.
O estruturalismo surgiu em contraposição ao humanismo. Do ponto de vista
estruturalista o humanismo era considerado a continuidade do teologismo, pois, se
este coloca DEUS como centro de todas as coisas, assim também fez o humanismo
12
com o homem, e seguindo o mesmo modelo, denunciava a mesma visão filosófica
subjacente. O estruturalismo destrói esta noção de centro do homem e, com ela, as
ficções da subjetividade, trazendo a análise das relações do sujeito com a linguagem
para o âmbito da estruturalidade.
Talvez possamos dizer que, se o Renascimento substitui o culto do Deus medieval pelo
do Homem com maiúscula, a nossa época apagando qualquer culto traz uma revolução
não menos importante, visto que substitui o último, o do homem, por um sistema acessí-
vel à análise científica: a linguagem. O homem como linguagem, a linguagem no lugar do
homem, será o gesto desmistificador por excelência, que introduz a ciência na zona
complexa e imprecisa do humano, no ponto onde se instalam (habitualmente) as ideolo-
gias e as religiões. É a lingüística que parece ser a alavanca dessa desmistificação; é ela
que supõe a linguagem como objeto de ciência, e que nos ensina as leis do seu funcio-
namento (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 14).
O sistema de linguagem de SAUSSURE foi equacionado como uma estrutura
por participantes da Escola de Praga e do Círculo de Copenhague (DOSSE,
1993:15), onde se destacaram JAKOBSON e HJELMSLEV, por ser a língua um sis-
tema fechado sobre si mesmo, que se define numa relação de interdependência de
elementos em seu interior, onde se estrutura o seu objeto. “O estruturalismo de ver-
tente saussuriana define as estruturas da língua em função da relação que elas es-
tabelecem entre si no interior de um mesmo sistema lingüístico” (MUSSALIM,
2001:102, vol. 2). As relações entre os elementos da estrutura formam um conjunto
organizado de modo que cada elemento afeta o outro. A posição de cada elemento
depende da relação que estabelece com os demais do conjunto.
Apesar do alcance que tomou mais tarde, a repercussão da obra saussuriana
fora fraca a princípio, e só alcançou o meio intelectual ampliando-se, cerca de cin-
qüenta anos após seu lançamento, embora JAKOBSON – desde o I Congresso In-
ternacional de Lingüística, em Haia (1928) – já antevisse que seria deslanchado o
movimento estruturalista. JAKOBSON, um estudioso da linguagem poética, contribu-
iu grandemente para a difusão do estruturalismo no Ocidente como vice-presidente
do Círculo de Praga –, especialmente em virtude daquele congresso.
O estruturalismo vê seu sucesso na França no encontro das idéias de dois
grandes mestres: o antropólogo CLAUDE LÉVI-STRAUSS e o lingüista ROMAN
JAKOBSON. O estruturalismo pode ser identificado com a figura-chave de CLAUDE
LÉVI-STRAUSS. Ele adota o modelo fonológico de JAKOBSON, com quem mantém
intensa interlocução, que possibilita lançar luzes no campo da antropologia.
13
O nosso trabalho não é analisar toda a subtileza com que Lévi-Strauss estabelece os sis-
temas de parentesco no decorrer da sua investigação e de que o seu livro Les Structures
élementaires de la parenté (1949) é a súmula magistral. Queremos apenas sublinhar
como é que a problemática da linguagem, ou até mesmo uma ciência particular da lín-
gua, a fonologia, se tornou a alavanca de uma nova ciência num outro domínio, a antro-
pologia estrutural, permitindo-lhe assim descobrir as leis fundamentais nas quais se ba-
seia a comunicação, isto é, a comunidade humana (KRISTEVA, 1969: 346).
LÉVI-STRAUSS (1989) estudou os sistemas de parentesco da mesma manei-
ra que o lingüista estudava os fonemas, de modo que os termos de parentesco eram
comparados a elementos de significação, e que, como os fonemas, adquirem esta
significação quando se integram em sistemas.
Nenhuma ciência pode, hoje considerar as estruturas que lhe dizem respeito como redu-
tíveis a um arranjo qualquer de algumas partes.
Só é estruturado o arranjo que preencha essas duas condições: ser um sistema, regido
por uma coesão interna; e esta coesão, inacessível à observação de um sistema isolado,
revelar-se no estudo das transformações, graças às quais encontram-se propriedades
similares em sistemas aparentemente diferentes. Como escrevia Goethe:
“Todas as formas são semelhantes, e nenhuma é igual às outras, de tal modo que sua
harmonização conduz a uma lei escondida”.
Esta convergência de perspectivas científicas é muito reconfortante para as ciências se-
miológicas, de que faz parte a antropologia social, pois os signos e símbolos não podem
desempenhar seu papel senão na medida que pertençam a sistemas regidos por leis in-
ternas de implicação e exclusão; e porque a característica de um sistema de signos é ser
transformável, ou ainda, traduzível na linguagem de um outro sistema com a ajuda de
substituições (LÉVI-STRAUSS, 1989: 26).
LÉVI-STRAUSS, ao assimilar o corte saussuriano, aprofunda-se na relação
entre significante e significado e “adapta-a ao terreno antropológico ao atribuir ao
significante o lugar da estrutura e ao significado o do sentido, ao passo que em
Saussure trata-se, antes, de opor som e conceito” (DOSSE, 1993: 43). Apontou a
correspondência entre a estrutura da língua e o sistema formal de parentesco, con-
siderando-o como uma linguagem.
[...] a antropologia tornou-se o domínio principal ao qual se aplicou uma metodologia
próxima da lingüística. Podemos dizer por conseguinte que, sem se apresentar explici-
tamente como uma semiótica e sem se entregar propriamente a uma reflexão e a uma
exploração sobre a natureza do signo, a antropologia estrutural é uma semiótica, na me-
dida em que considera como linguagens os fenômenos antropológicos e lhes aplica o
processo de descrição próprio da lingüística (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 343).
SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) deixou em aberto um espaço à Semiologia
para que no futuro ela fosse chamada a ocupar seu lugar nas ciências humanas,
trazendo sua contribuição para a compreensão do signo em sua face social. Se por
um lado há o estudo do mecanismo do signo no indivíduo, que é do campo do psí-
14
quico, há por outro a semiologia4
, que é a ciência que estuda a vida dos signos no
seio da vida social.
Acabamos de ver que a língua constitui uma instituição social, mas ela se distingue por
vários traços das outras instituições políticas, jurídicas etc....
A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparável, por isso, à escri-
ta, ao alfabeto dos surdo-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais
militares etc., etc.. Ela é apenas o principal desses sistemas.
Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida so-
cial; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia ge-
ral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego sêmeion, "signo"). Ela nos ensinará em que
consistem os signos, que leis os regem (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 24).
LÉVI-STRAUSS vai inscrever a antropologia neste espaço aberto e ante-visto
por SAUSSURE como uma ciência geral dos signos, a que chamou semiologia, on-
de inscreve ele próprio a lingüística como sistema principal. Para LÉVI-STRAUSS
(1989) a antropologia é uma espécie de semiologia por ocupar-se justamente da es-
crita dos povos, do alfabeto dos surdo-mudos, dos ritos simbólicos, dos sinais milita-
res, além de ocupar-se também dos sistemas de parentesco, das regras e rituais de
casamento, das regras de incesto, dos tabus e etc.
Para LÉVI-STRAUSS as ciências humanas serão tanto mais científicas quan-
to menos humanas forem  o que expressa sinteticamente o pensamento estrutura-
lista, que se opunha ao humanismo então vigente. “Essa negação do homem, já do
ângulo morto do horizonte saussuriano, também vai passar a ser um elemento es-
sencial do paradigma estruturalista, para além do campo lingüístico” (DOSSE, 1993:
73).
Para LÉVI-STRAUSS a finalidade última das ciências humanas foi dissolver o
homem, diluindo-o na estruturalidade da linguagem. O estruturalismo pôs em xeque
a centralidade da subjetividade do homem ao propor um jogo combinatório para de-
finir a estrutura da linguagem humana. Caracterizou-se por dar uma nova direção às
ciências ditas humanas, que estavam impregnadas da filosofia humanista e não dis-
punham de formas objetivas de estudar o homem.
4
Roland Barthes inverte a importância da lingüística em relação à Semiologia, dizendo que todos os
códigos e comportamentos são perpassados pela linguagem, ou seja, "qualquer sistema semiológico,
repassa-se de linguagem"(1992: 12).
15
É a partir destes estudos aritméticos  caso se entenda por aritmético não apenas a ma-
nipulação das coleções de objetos, mas também a compreensão do alcance destas ope-
rações combinatórias, que vai além de qualquer espécie de dado que se poderia deduzir
experimentalmente da relação vital do sujeito com o mundo  que Lévi- Strauss demons-
tra haver uma classificação correta daquilo que as estruturas elementares do parentesco
nos apresentam. Isto supõe que as instâncias simbólicas estejam funcionando na socie-
dade desde a origem, desde o momento em que ela aparece como humana. Ora, é o
que supõe igualmente o inconsciente tal como o descobrimos e manipulamos na análise
(LACAN, 1985 :15?).
Ao excluir o locutor da fala – ou o sujeito do discurso –, a lingüística paga um
pesado tributo para ser aceita como disciplina científica. É neste ponto que intervém
a psicanálise ao privilegiar o lugar do sujeito do inconsciente na fala, no discurso,
mesmo pagando por isto, a certa altura, o preço de ter de declarar-se antiestrutura-
lista.
A subjetividade humana deixou de ser invocada a partir da análise de que o
sentido do discurso emerge da combinação de elementos, que, somente nesta con-
dição de combinados passam a significar algo, já que por trás do sentido aparente
há sempre um não sentido. O homem é construído pela estrutura da linguagem cujo
centro é apenas um lugar vazio, uma brecha aberta. Assim, não é o mundo enquan-
to experiência das coisas que ensina, mas a linguagem. A suposta interioridade do
homem é efeito literário, fala em forma de pensamentos, escrita “mental” que cria a
suposta ‘‘subjetividade’’ humana.
EDUARDO PRADO COELHO (1967), em seu prefácio à antologia Estrutura-
lismo, por ele organizada, onde reúne a nata dos estruturalistas – principais expoen-
tes no assunto –, nos fala do alto de sua visão panorâmica sobre as circunvoluções,
antagonismos e convergências deste movimento. Para ele, o estruturalismo não é
uma filosofia, mas traz implícitas várias filosofias, pois, em seu interior, a partir dos
atritos entre suas diferentes engrenagens um engenhoso motor o pôs em movimen-
to, carregando inúmeros conceitos. O estruturalismo perpassa a etnologia, a psica-
nálise, a lingüística, o materialismo histórico, a sociologia, etc. De certo modo in-
compatíveis, o que une estas Ciências ou “pseudociências” é a problemática comum
de que tratam.
16
Para LÉVI-STRAUSS, a estrutura nunca existe na realidade concreta, mas é ela que de-
fine o sistema de relações e transformações possíveis dessa realidade. ...[é a] lei ou con-
junto de leis que delimitam e determinam as modificações possíveis dos elementos do
sistema. Neste caso, a estrutura é um sistema de relações, é a sintaxe das transforma-
ções possíveis. (COELHO, 1967: XXV-XXVI).
Para COELHO (1967), LACAN e LÉVI-STRAUSS fundamentam o estrutura-
lismo em uma “razão natural” baseada na estrutura da linguagem. Letra e Lei inscre-
vem uma nova ordem que sobrepuja a natureza: a ordem simbólica. Assim, mencio-
na na instituição da estrutura edipiana, que ocorre no 3° momento do “Estádio do
espelho”, a introdução da ordem simbólica pelo Outro, pelo Pai, que se introduz en-
tre a criança e sua imagem especular, como elemento interditor da relação dual e
imaginária.
Por conseguinte, a sociedade tem uma origem simbólica. Proibindo o incesto, o pai ins-
taura a Lei e a Lei é a ordem da linguagem que vai constituir o sujeito: daí a importância
do nome como lugar onde cada um de nós se vai inserir e encontrar (COELHO, 1967:
XLVII).
Conclui COELHO que a grande descoberta de FREUD “[...] É a descoberta
da incidência na natureza do homem das suas relações com a ordem simbólica” (p.
XLVIII) para articular com LACAN “E se a ordem simbólica é contituída pelo Outro (o
terceiro, o Pai, a Lei), compreendemos assim a fórmula central de Lacan incessan-
temente repetida: o inconsciente é o discurso do Outro” (p. XLVIII).
Se o discurso científico depende da eficácia dos conceitos que nele se produ-
zem, por sua vez o estruturalismo constrói uma ciência sem subjetividade. Isto mos-
tra que o homem é um efeito da estrutura e a ela se atém. Não há liberdade do ho-
mem, portanto, pois ele é aquilo que espelha do Outro – Campo dos significantes
para LACAN. A linguagem produz o homem, que é falado, é agido. “Ao mesmo tem-
po racional e irracional, o estruturalismo aponta para o estabelecimento do sistema
significante que determina a cultura na qual o homem se insere e a ‘natureza’ deste
próprio ‘homem’” (COELHO, 1967: XLVII).
COELHO (1967) ressalta que LACAN considera o inconsciente freudiano, tal
como LÉVI-STRAUSS considera as sociedades: um sistema simbólico.
Praticantes da função simbólica, é espantoso que nos esquivemos de aprofunda-la, a
ponto de desconhecer que é ela que nos situa no cerne do movimento que instaura uma
nova ordem das ciências, com um novo questionamento da antropologia (LACAN, 1957:
285).
17
Destaca na teoria do “Estádio do espelho” de LACAN (1936), estádio vivido
por um bebê de 06-18 meses, o modelo ideológico de reprodução do pensamento
dominante, constitutivo de um EU alienado ao Outro tomado como um espelho onde
a imagem egóica se projeta. Aquela imagem que é tomada para si, do Outro, é o
elemento de troca simbólica pelo qual este ser se torna humano, passando de uma
existência animal, à uma existência humana pela instauração da ordem simbólica,
“...e esta ordem simbólica é formalmente igual à ordem da linguagem” (Ibidem: XLIV-
XLV). Quanto às relações entre estrutura (sincronia) e história (diacronia), não afirma
que haja uma imobilidade da história na estrutura, nem propriamente uma oposição
entre elas:
[...] a estrutura é a sintaxe das transformações possíveis num determinado conjunto, de
modo algum se poderá acusar o ‘estruturalismo’ de mutilar o dinamismo da realidade e
de ser fixista. Pelo contrário, só uma análise estrutural nos permite ultrapassar uma aná-
lise meramente empírica da sucessão dos fatos (Ibidem: XXXIII).
COELHO (1967) concluiu que a estrutura não é acessível ao conhecimento
empírico, até porque ela própria suscita esta inacessibilidade, e estruturalismo é um
anti-historicismo, pois seu estudo é acrônico. A estruturalidade da estrutura não tem
centro, pois ele é ausente, não sendo o estruturalismo nem uma psicologia nem uma
sociologia, opondo-se, pois a elas. O sistema de leis que regem as transformações
possíveis de um conjunto é o que se pode tomar como sendo a estruturalidade, po-
dendo essas transformações se realizarem ou no espaço, tendo em vista o método
sincrônico, ou no tempo, visando-se o método diacrônico. “A estruturalidade é, por
conseguinte, acrônica” (p.: XXXIII). Mas LÉVI-STRAUSS não despreza a história:
O fato de que as análises estruturais se situem voluntariamente no nível da sincronia,
não significa que elas voltem as costas à história. Por toda a parte onde existe, a história
não poderia ser ignorada, pois, por um lado multiplica, pela dimensão do tempo, a quan-
tidade dos níveis sincrônicos disponíveis,e , por outro lado, pelo próprio fato de já se te-
rem realizado, os níveis passados são postos fora do alcance das ilusões da subjetivida-
de, e podem, em conseqüência, servir para controlar as incertezas da percepção intuitiva
e as ilusões de uma fascinação recíproca que, por mais tentadora que seja, se arrisca
sempre a engendrar a conivência às custas da verdade (LÉVI-STRAUSS, 1989: 282).
JAKOBSON em suas divergências com as teses saussurianas, adicionou o
termo funcional ao Sistema da língua de SAUSSURE, por conceber que a língua só
existe em funcionamento (DOSSE, 1993: 79-80). Outra dissidência do lingüista de
Praga refere-se ao que chamou de sincronia dinâmica, que pretende opor a visão
18
estática da estrutura encontrada no corte sincrônico da língua. Prefere, à cesura di-
cotômica diacronia/sincronia saussuriana, a sincronia enquanto dinâmica, fazendo
divergir sincrônico de estático.
Em primeiro lugar, o Círculo de Praga definiu a sua cooperação da língua como um sis-
tema funcional. [...] Por outro lado, as teses de Praga também divergem do corte saussu-
riano diacronia/sincronia, recusando-se a aceitar essa cesura como uma barreira in-
transponível. Jakobson recusa por diversas vezes essa linha divisória e prefere-lhe a no-
ção de sincronia dinâmica.... Mais do que um modelo lingüístico, o que vai constituir o
núcleo racional do estruturalismo, o modelo dos modelos, é a fonologia estrutural
(DOSSE, 1993: 80).
JAKOBSON considera o código fonemático binário como uma linguagem for-
mal matemática. É ele quem vai abrir espaço para a entrada da psicanálise no mo-
vimento estruturalista a partir do modelo fonológico de estrutura em seus estudos
sobre dois tipos de afasia: deficiência na seleção (distúrbio de similaridade) e defici-
ência de contexto (distúrbio de contigüidade). Num tipo, o distúrbio se dá no eixo
associativo; noutro, no sintagmático.
Com efeito, ele distingue nesse distúrbio da linguagem dois tipos de alteração que permi-
tem reconstituir os mecanismos de aquisição da linguagem, portanto de suas leis pró-
prias, e extrair ensinamentos clínicos sobre os dois tipos de disfunção (Ibidem: 81).
LACAN recebe as influências dos estudos fonológicos de JAKOBSON e rela-
cionará os distúrbios de contigüidade e de similaridade às noções freudianas de des-
locamento e de condensação, como formuladas na Interpretação dos sonhos, pas-
sando a explicar assim o modo de funcionamento do inconsciente, como veremos no
capítulo II. Para LACAN “a forma de matematização em que se inscreve a desco-
berta do fonema como função dos pares de oposição compostos pelos menores e-
lementos discriminativos captáveis da semântica”, acabaria por nos levar aos fun-
damentos da doutrina freudiana por apontar “numa conotação vocálica da presença
e da ausência, as origens subjetivas da função simbólica” (1953: 286). Para ele a
psicanálise deve se aparelhar tal como se aparelha a Antropologia “decifrando os
mitos segundo a sincronia dos mitemas”, pois para LACAN o terreno onde se assen-
ta as estruturas da linguagem é o terreno onde FREUD assenta o inconsciente.
Não é patente que um Lévi-Strauss, ao sugerir a implicação das estruturas da linguagem
e da parte das leis sociais que rege a aliança e o parentesco, já vai conquistando o ter-
reno mesmo em que Freud assenta o inconsciente? (LACAN, 1953: 286).
LÉVI-STRAUSS em seus trabalhos antropológicos estruturalistas uniu “as du-
as ciências faróis do grande período estruturalista: a antropologia e a psicanálise,
19
apoiando-se ambas numa outra ciência (ciência piloto), verdadeiro modelo heurísti-
co: a lingüística” (DOSSE, 1993: 49). Para ele o estruturalismo é a ciência do simbó-
lico e neste o código precede a mensagem, é independente dela, assim como para
LACAN o sujeito está submetido à lógica do significante, às suas leis, que sobre ele
se abate em forma de estrutura da linguagem.
A noção de estrutura merece por si mesma que nos detenhamos nela. Tal como a faze-
mos funcionar eficazmente na análise, ela implica um certo número de coordenadas, e a
própria noção de coordenada dela faz parte. A estrutura é em primeiro lugar um grupo de
elementos formando um conjunto covariante.
Eu disse um conjunto, e não uma totalidade. Com efeito, a noção de estrutura é analíti-
ca. A estrutura se estabelece sempre pela referência de algo que é coerente com algo
diverso, que lhe é complementar. Mas a noção de totalidade só intervém se lidamos com
uma relação fechada com um correspondente, de que a estrutura é solidária. Pode ha-
ver, ao contrário, uma relação aberta, que chamaremos suplementaridade [...]
Penso que vocês já estão bastante avançados para compreender que a noção de estru-
tura já é por si própria uma manifestação do significante. O pouco que acabo de indicar-
lhes sobre sua dinâmica, sobre o que ela implica, dirige vocês em direção à noção de
significante (LACAN, 1955-56: 209-210).
A lingüística, assim como ocupou o papel de vanguarda para a Antropologia
contemporânea e outras ciências humanas, para LACAN se pôs como um guia para
a psicanálise.
Mas, hoje em dia, vindo as ciências conjecturais resgatar a noção da ciência de sempre,
elas nos obrigam a rever a classificação das ciências que herdamos do século XIX, num
sentido que os espíritos mais lúcidos denotam claramente.
Basta acompanharmos a evolução concreta das disciplinas para nos apercebermos dis-
so.
A lingüística pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desem-
penha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indife-
rentes (LACAN, 1953: 285-286).
É inegável a participação de LACAN no movimento estruturalista, dentro do
qual desenvolveu suas originais idéias sobre a estrutura do inconsciente. Mas de
tudo que foi dito até então, podemos definir LACAN como um estruturalista? Este é o
pomo da discórdia para os lacanianos.
Por um lado, Lacan participa efetivamente do fenômeno estruturalista, visto que extrai
sua noção de estrutura de Jakobson por intermédio de Lévi-Strauss, mas se dissocia de-
le porque a estrutura dos estruturalistas “é coerente e completa, ao passo que a estrutu-
ra lacaniana é antinômica e descompletada” [MILLER, Ornicar]. ... Diferentemente da es-
trutura saussuriana, que se apresenta em oposição e se define pela completação entre
significante e significado, o sujeito do inconsciente da estrutura lacaniana mantém-se
fundamentalmente inacessível. Permanece cindido para sempre, além de toda possibili-
dade de apreensão, ausência de ser, sempre em outro lugar (DOSSE, 1993: 146-7).
20
Podemos pensar com as conjecturas de MILLER (1988) que, ao traçar o per-
curso de LACAN pelos estudos da linguagem, definindo-o em três tempos, procurou
destacar o posicionamento lacaniano do estruturalismo:
Em um primeiro sentido, Lacan é estruturalista, e sua noção de estrutura lhe vem de
Roman Jakobson, por intermédio de Claude Lévi-strauss, e também diretamente de seu
trabalho com Jakobson que, efetivamente, pode ser situado entre seus mestres e seus
amigos .
Em um segundo sentido, Lacan é estruturalista, mas um estruturalista radical, pois se
ocupa da conjunção entre a estrutura e o sujeito, enquanto a própria questão não existe
para os estruturalistas, fica reduzida, é um zero. Lacan, ao contrário, tentou elaborar qual
é o estatuto do sujeito compatível com a idéia de estrutura .
Em um terceiro sentido, Lacan não é de modo algum estruturalista, pois a estrutura dos
estruturalistas é uma estrutura coerente e completa (por princípio, a estrutura diacrítica é
completa), enquanto a estrutura lacaniana é fundamentalmente antinômica e incompleta.
Diria que o primeiro dos três aspectos é bem conhecido, e que os outros dois são muito
menos conhecidos” ( MILLER, 1988: 24).
O posicionamento da teoria lacaniana é que a estrutura em jogo para a psica-
nálise é uma outra por LACAN edificada – embora inspirando-se na criação de
SAUSSURE – conforme reafirma COUTINHO JORGE (2000), de modo esclarece-
dor:
Lacan foi erroneamente considerado como um teórico estruturalista, pois o termo estrutu-
ra, comparecente em sua assertiva “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”,
não deve ser tomado no sentido estruturalista, mas sim no sentido psicanalítico. Trata-
se, na estrutura em jogo na lingüística, de uma estrutura de exclusão do sujeito, ao
passo que, na psicanálise, de uma estrutura de inclusão do sujeito. Assim, tal asserti-
va lacaniana deve ser compreendida à luz daquela outra que afirma que “o inconsciente
é o discurso do Outro”, na qual se depreende, por um lado, a necessária referência à fa-
la, ao discurso do sujeito, e, por outro lado, ao Outro enquanto lugar de absoluta alteri-
dade dos significantes (p. 79).
A estrutura da linguagem para LACAN, não existe fora de seu funcionamento.
É na linguagem em funcionamento, ou seja, no discurso, que vamos encontrar o su-
jeito do inconsciente em ação, já que é no âmbito da fala que ele se apresenta.
21
I. 1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM: a exclusão
do sujeito.
Portanto a língua aparece não como evolução, árvore genealógica, história,
mas como estrutura, com leis e regras de funcionamento que se trata de
descrever. A separação língua/fala, paradigma/ sintagma, sincronia/ diacro-
nia... marca bem esta orientação da lingüística para a língua, para o para-
digma e para a sincronia mais do que para a fala, para o sintagma e para a
diacronia.
KRISTEVA, 1969: 252
Se antes do advento da lingüística saussuriana importavam as origens, as ra-
ízes e a história de uma língua – a diacronia – há uma mudança no paradigma, en-
tão vigente, ao definir-se e introduzir-se uma dimensão sincrônica da linguagem que
aponta um sistema (estrutura) presente na língua, importando não somente o antes
ou o depois histórico das palavras, mas também o elemento estrutural passível de
ser encontrado repetidamente em todos os segmentos da estrutura: "a cada instan-
te, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução:
a cada instante, ela é um produto atual e produto do passado" ((1970/1ª ed. bras.:
16) nos diz SAUSSURE, numa autoria póstuma (1916) do Curso de Lingüística Ge-
ral. Duas são as vertentes de estudo que SAUSSURE estabelece, tornando-se obje-
to de estudo tanto a lingüística sincrônica, “que se ocupará das relações lógicas e
psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são
percebidos pela consciência coletiva”, quanto a lingüística diacrônica que “estudará,
ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma
mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema
entre si.” (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 116). A sincronia é um corte metodológico
com o qual visa-se observar o momento estrutural da língua para se saber como ela
se estrutura.
22
A lingüística saussuriana assumiu uma forma lógico-matemática ao voltar
seus esforços para o estudo da estrutura do sistema binário da língua, deixando ao
lado, para que dela se ocupasse a filosofia, a psicologia e também a psicanálise, a
questão da subjetividade a ela intrinsecamente relacionada.
Para estudo, SAUSSURE estabeleceu que a linguagem comporta duas sub-
divisões: o estudo da língua (langue), que em sua essência é social, e o estudo da
fala (parole), que é o uso individual, subjetivo, que é feito da língua "a parte individu-
al da linguagem" (1970/1ª ed. bras.: 27). Para SAUSSURE o objeto que viabilizou o
estudo lingüístico foi a língua, norma de todas as outras manifestações da lingua-
gem "suscetível duma definição autônoma" (1970/1ª ed. bras.: 17), pois a ela cabe
uma definição autônoma e livre das ambigüidades da linguagem, esta que, enquanto
objeto, pode sê-lo de várias ciências. A fala, concebida por ele como acessória à
língua, restringe-se ao uso subjetivo da língua. A fala é a articulação criativa da lín-
gua – em cujos entremeios e falhas discursivas a psicanálise vislumbrará a ação de
um sujeito.
MICHEL ARRIVÉ (1999), na primeira parte de Linguagem e psicanálise, Lin-
güística e Inconsciente, aponta que é um erro comum entre lingüistas afirmar que
SAUSSURE exclui da lingüística “tudo o que é utilização pelo ‘sujeito falante’ do có-
digo da língua”. Afirma que este erro não foi cometido por LACAN que reconheceu a
importância da fala na obra de SAUSSURE. Ressalta ele que dentro da hierarquia
proposta por SAUSSURE entre a língua – essencial – e a fala – acessória –,
SAUSSURE acabou por também desenvolver uma lingüística da fala: “Temos aqui,
claramente, a instauração da lingüística da enunciação, sob o nome de lingüística da
fala” (1970/1ª ed. bras.: 37). SAUSSURE, na verdade, incluiu a fala no campo da
lingüística como acessória à língua, dando reconhecimento de seu lugar, mesmo que
secundário, dentro destes estudos.
Através do circuito da fala entre duas pessoas A e B SAUSSURE nos mostra
a linguagem em funcionamento e a língua, nela presente e dela destacável:
23
Suponhamos que um dado conceito suscite no cérebro uma imagem acústica corres-
pondente: é um fenômeno inteiramente psíquico, seguido, por sua vez, de um processo
fisiológico: o cérebro transmite aos órgãos da fonação um impulso correlativo da ima-
gem; depois as ondas sonoras se propagam da boca de A até o ouvido de B: processo
puramente físico. Em seguida, o circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi-
do ao cérebro, transmissão fisiológica da imagem acústica; no cérebro, associação psí-
quica dessa imagem com o conceito correspondente (1970/1ª ed. bras.: 19).
O sistema saussuriano é composto de dicotomias não-excludentes que mos-
tram um sistema da linguagem dual em que vige a diferença: língua-fala, sincronia-
diacronia, significante-significado, eixo associativo-eixo sintagmático. A principal di-
cotomia saussuriana é a que operacionaliza o funcionamento do signo: uma unidade
lingüística estrutural une um conceito a uma imagem acústica, um significado a um
significante, ambos termos psíquicos indissociáveis um do outro, compondo uma
totalidade sígnica com suas duas faces. O conceito vem a ser o significado e a ima-
gem acústica o significante. Superpõe o significado (o desenho de uma árvore) ao
significante (a palavra arbor) num algoritmo único que traduz para ele o signo lin-
güístico.
Para SAUSSURE os componentes do signo se associam de modo arbitrário,
pois não há nenhuma ligação implícita ou natural entre os sons de uma palavra e a
coisa a qual ela se refere, como por exemplo o objeto árvore e a palavra arbor. O
signo é uma convenção social arbitrária, e esta é uma das suas principais caracterís-
ticas. Distingue-se de símbolo já que este é semi-arbitrário, pois há uma vinculação
indireta e outra direta entre a coisa representada e seu símbolo representante, como
o objeto cruz, onde Cristo foi crucificado, e a palavra cruz e a cruz que vem a repre-
sentar o cristianismo.
O essencial da demonstração consiste em fundamentar o arbitrário do signo, em mostrar
que a língua é um sistema de valores constituído não por conteúdos ou produtos de uma
vivência mas por diferenças puras. Saussure oferece uma interpretação da língua que a
coloca resolutamente do lado da abstração para melhor a separar do empirismo e das
considerações psicologizantes (DOSSE, 1993: 65-6).
Os significantes têm natureza auditiva e formam uma cadeia linear, se suce-
dendo um após o outro no tempo. Temos aqui a segunda característica do signo lin-
güístico, além da arbitrariedade: a impressão psíquica do som é dada materialmente
pelo sentido da audição, um após o outro, em contraste um com o outro. Não há du-
alidade entre eles mas diferenciações com os que estão ao lado. Para SAUSSURE
(s.d.) na relação entre os termos lingüísticos que rege a cadeia sintagmática, ou se-
ja, no encadeamento entre os termos lingüísticos que organiza o sintagma, um termo
24
adquire seu valor ao opor-se ao que o precede, se diferenciando dele e dos que o
sucedem, e assim sucessivamente.
A noção de valor consiste então que a significação de uma palavra, depende
da relação que mantém com as outras palavras do sistema, não dependendo portan-
to da relação significante-significado. Assim, uma palavra só significa em contraposi-
ção a outra, o que não passou despercebido para LACAN em sua articulação com o
inconsciente na teoria freudiana, como veremos adiante.
A língua possui internamente relações e funções entre seus termos e sua
forma é produto da coerência sintática adicionada à coerência semântica. “Todo e-
lemento lingüístico [...] deve ser definido lingüisticamente apenas de acordo com su-
as relações (sintagmáticas e paradigmáticas) com os outros elementos ou por fun-
ção no sistema” (CARVALHO, 2000: 53).
A lingüística tem como objeto de estudo científico a linguagem verbal huma-
na, tomada a partir de então como um sistema de signos que expressam idéias,
composto de unidades que formam um sistema de linguagem. LACAN diverge do
ponto de vista saussuriano de que a língua é um sistema fechado, pois para ele a
língua só existe no discurso, o que a faz vulnerável ao seu uso pelo falante. Ressal-
temos, então de antemão as divergências com a teoria lingüística, que proporciona-
ram a LACAN formular a questão em seus próprios moldes, uma vez que
SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) procurou isolar o objeto língua das afetações do su-
jeito para, justamente, objetivar seu estudo. SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) encon-
tra a objetividade da língua no fato de ser ela um objeto de ordem coletiva, social.
Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é
que se formam as marcas que chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. De
que maneira se deve representar esse produto social para que a língua apareça perfei-
tamente desembaraçada do restante? Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens
verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a
língua (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 21).
LACAN em A instância da letra no inconsciente inverte a composição do signo
saussuriano (significado /significante), ressaltando a prevalência do significante so-
bre o significado (Significante /significado) (1957: 500), pois o significado desliza sob
o significante. Para ele “o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sen-
tido, desdobrando como que adiante dele sua dimensão” (1957: 505). O significado
25
não é inerente ao significante enquanto conceito, já que o significante pode produzir
muitos outros sentidos. “Donde se pode dizer que é na cadeia significante que o
sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação
de que ele é capaz nesse mesmo momento” (1957: 506). E mais adiante conclui
“Impõe-se , portanto, a noção de um deslizamento incessante do significado sob o
significante” como o esquema com as duas sinuosidades A e B que SAUSSURE
superpõe, ilustrando o plano das “idéias confusas (A) sôbre o plano não menos inde-
terminado dos sons (B)” (1970/1ª ed. bras.:131) – dois planos da língua.
Para LACAN, diferentemente do que para SAUSSURE, o significante não
forma com o significado uma unidade indissolúvel. Além de estarem invertidos, na
fórmula lacaniana, em relação à fórmula saussuriana, significante e significado pas-
sam a estar separados por uma espessa barra, pois, ao invés de formarem uma uni-
dade estrutural, encontram uma barreira resistente à significação. Os significantes
são independentes dos significados pois equivocam e evocam sentidos diversos,
quando articulados entre eles em cadeia  o que indica que os sentidos, em detri-
mento do significado, surgem entre significantes, no intervalo destes.
A temática dessa ciência, por conseguinte, está efetivamente presa à posição primordial
do significante e do significado, como ordens distintas e inicialmente separadas por uma
barreira resistente à significação.
Eis o que tornará possível um estudo exato das ligações próprias do significante e da
amplitude da função destas na gênese do significado.
.... Por esta via, as coisas não podem fazer mais que demonstrar que nenhuma significa-
ção se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação... (LACAN, 1957: 500-
501).
Isto quer dizer que, para LACAN, o significante não tem significado, mas a
significação é estabelecida nas relações “sintagmáticas” e “paradigmáticas” (asso-
ciativas para SAUSSURE) entre significantes. Uma vez os significantes organizados
num sintagma, encontraremos significação, sentido, produzido no discurso do falan-
te, onde para este mestre, a língua habita.
Por fim, o princípio da primazia do significante instaura na linguagem analisada uma sin-
taxe que passa por cima do sentido linear da cadeia falada e liga unidades significantes
localizadas em diversos morfemas do texto, seguindo uma lógica combinatória
(KRISTEVA, 1969: 317).
26
Para LACAN a significação só se torna estanque no “ponto de basta”5 onde o
significante reconhece o significado como seu par, onde se amarram duas faces em
um só signo lingüístico, onde o desejo se estanca. É aqui que o significante faz sig-
no para alguém. “Existem pontos de basta, portanto, mas eles deixam uma certa
elasticidade nas ligações entre dois termos” (LACAN, 1957-58: 15).
LACAN vai à exaustão para dissecar o que seja o significante, pinçado por ele
em primazia sobre o significado: “Com efeito, o significante é primeiro aquilo que tem
efeito de significado, e importa não elidir que, entre os dois, há algo de barrado a
atravessar” (LACAN, 1972-73: 29). A fonologia jakobsoniana é o seu suporte:
Esta maneira de topologizar o que é da linguagem é ilustrada da maneira mais admirável
pela fonologia, no que ela encarna o significante no fonema. Mas o significante não pode
limitar-se de modo algum a esse suporte fonemático. De novo – o que é um significante?
(LACAN, 1972-73: 29).
Neste caso, o significante é autônomo e destaca-se do significado no discur-
so, produzindo um sentido outro, diferente e independente do significado intencional
consciente. “Ligada a esta problemática da produção do sentido e do sujeito na lin-
guagem, a psicanálise promete uma outra: a do primado (sincrônico) do significante
sobre o significado” (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 316-317).
Para KRISTEVA pensar o significado separado do significante, desmembran-
do o signo, numa psicanálise, é o que permite dividir a linguagem em camadas, es-
cutando e apontando um discurso do inconsciente. A não correspondência entre os
significantes e os significados se dá por terem eles características próprias, sendo
desta inadequação que se origina a mudança constante da língua. A incompletude
do signo gera constantes tentativas de ajustar os significados aos significantes.
SAUSSURE estabeleceu duas esferas distintas da atividade mental em que
se desenvolvem as relações e as diferenças entre os termos lingüísticos: a esfera
associativa e a sintagmática – que compõem a totalidade das possibilidades de rela-
ções entre os termos lingüísticos.
5
LACAN fala em “pontos de basta”, como uma técnica do estofador, em que um tecido superficial se
prende a outro que lhe está subjacente, num ponto, deixando as duas camadas de tecido superpos-
tas e praticamente soltas.
27
Dois modos de alinhamento permitem a intelegibilidade da combinatória interna da lín-
gua: as relações de contigüidade, chamadas sintagmáticas, lineares, e as relações in
absentia, a que Saussure chama relações associativas, e que serão retomadas mais tar-
de na noção de paradigma (DOSSE, 1993: 71).
A língua é uma estrutura que pré-existe à fala, ao ato de fala, condição para
sua realização, e oferece as associações dos termos lingüísticos – num eixo vertical
da linguagem – que vão se organizar linearmente num sintagma – eixo horizontal.
Esta estrutura se organiza em ausência, na fala cotidiana.
De um lado, no discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadea-
mento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pro-
nunciar dois elementos ao mesmo tempo. [...] Colocado num sintagma, um termo só ad-
quire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou ambos.
Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam
na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diver-
sas (SAUSSURE, s.d.: 142-143).
O significante é de ordem material, reafirma LACAN (1957), e forma com ou-
tros uma cadeia de elementos diferenciais e opositivos. Para LACAN um significante
remete na verdade a um outro significante, que assim organizados num sintagma, se
diferenciam entre eles dos que o antecedem e o sucedem, tal como a definição de
sintagma de SAUSSURE, cujas relações sintagmáticas que se dão em termos de
encadeamento entre significantes.
O que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu tenho, justa-
mente na mediada em que sua língua me é comum com outros sujeitos, isto é, em que
essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente diferente do
que ela diz (LACAN, 1957: 508).
Segundo COELHO (1967: XVIII), se para SAUSSURE cada elemento da lin-
guagem “define-se negativamente pelas diferenças que estabelece com todos os
outros elementos do sistema. Por conseguinte, numa mesma língua, apenas existem
diferenças”, conclui-se que não está implícita no termo lingüístico a relação com o
que ele deve designar, mas nas relações de diferença que este termo estabelece
com os que lhe antecedem ou sucedem.
[...] em qualquer sistema simbólico, o significante excede o significado: a linguagem (co-
mo significante) é criada de uma só vez, mas tudo o que se pode dizer através da lin-
guagem (significado) só ao longo da história se vai revelando e só poderá cessar com o
fim da história” (COELHO, 1967: XXXVI).
Se então os termos valem pelas diferenças recíprocas entre eles, também o
significado se define a partir de uma relação de diferenças no interior do sistema;
28
como os fonemas [p] e [t], homem se define com relação à mulher por ser [-feminino]
e em relação a homem, cachorro se define por ser [+quadrúpede].
De acordo com a definição clássica, os fonemas são elementos desprovidos de significa-
ção, mas que servem, em virtude de sua presença ou ausência, para diferenciar termos
– as palavras – que possuem, eles mesmos, um sentido. Se estas palavras parecem ar-
bitrárias quanto à sua forma sonora, não é somente por serem o produto grandemente
aleatório (talvez, aliás, menos do que se crê) das combinações possíveis entre os fone-
mas, que cada língua autoriza em número muito elevado. A contingência das formas
verbais vem sobretudo do fato de que suas unidades constitutivas – os fonemas – são
elas próprias indeterminadas sob a relação da significação: nada predestina certas com-
binações sonoras a veicular tal ou qual sentido. Já tentamos demonstrar anteriormente
que a estruturação do vocabulário se opera em outro nível: a posteriori e não a priori
(LÉVI-STRAUSS, 1989: 149).
Cada termo lingüístico que é falado remete-nos a outros termos da língua,
numa associação de palavras pertencentes ao sistema da língua. Cada termo, por-
tanto, não se apresenta isolado de seu conjunto, o que projeta o liame social que
constitui a língua.
SAUSSURE estabelece, portanto, duas esferas distintas da atividade mental
em que se desenvolvem as relações e as diferenças entre os termos lingüísticos: a
esfera sintagmática e a associativa. A noção de sintagma se aplica não só às pala-
vras mas também a grupos delas, como as frases. A associação mental aproxima
os termos que apresentem algo comum, porém através de diversas formas de rela-
ções, entre sons, entre significados ou entre morfemas6
. No mecanismo da língua,
encontramos então um conjunto de relações comparativas que estabelecem e presi-
dem o seu funcionamento. Concluindo com SAUSSURE as duas esferas distintas da
atividade mental em que se desenvolvem as diferenças e as relações entre os ter-
mos lingüísticos correspondem a dois eixos: o eixo horizontal – da esfera sintagmáti-
ca – em que os elementos são encadeados em linearidade, de modo a opor-se com
os que o antecedem e o sucedem, e o eixo vertical  da esfera associativa – em que
os termos da linguagem7
se associam na memória, formando grupos.
Falar implica a seleção de certas entidades lingüísticas e sua combinação em unidades
lingüísticas de mais alto grau de complexidade. Isto se evidencia imediatamente ao nível
lexical: quem fala seleciona palavras e as combina em frases, de acôrdo com o sistema
sintático da língua que utiliza; as frases, por sua vez, são combinadas em enunciados.
Mas o que fala não é de modo algum um agente completamente livre na sua escolha de
palavras: a seleção (exceto casos raros de efetivo neologismo) deve ser feita a partir do
6
Os morfemas são as menores unidades significativas das palavras.
7 Roland Barthes (1992) aproxima o plano associativo à língua (langue) e o plano sintagmático à fala
(parole).
29
repertório lexical que êle próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum
(JAKOBSON, 1995: 37).
Para JAKOBSON (1995) então, dois são os modos de arranjo do signo lin-
güístico: a combinação e a seleção. A combinação dá o contexto ao signo, ligando-o
aos demais em um agrupamento. A seleção implica numa substituição na medida
que quando um significante é escolhido, ele o é entre termos alternativos, o que o
faz substituível por outro. Combinação e seleção são as duas operações efetuadas
pelos eixos sintagmático e associativo (paradigmático) da linguagem. “O destinatário
percebe que o enunciado dado (mensagem) é uma combinação de partes constituin-
tes (frase, palavras, fonemas etc.) selecionadas do repertório de tôdas as partes
constituintes possíveis (código)“ (JAKOBSON, 1995: 40). A partir desta reflexão,
prossegue ele estabelecendo a interligação entre contexto e substituição e a relação
lógica da contigüidade e da similaridade.
Os constituintes de um contexto têm um estatuto de contigüidade, enquanto num grupo
de substituição os signos estão ligados entre si por diferentes graus de similaridade, que
oscilam entre a equivalência dos sinônimos e o fundo comum (common core) dos antô-
nimos (JAKOBSON, 1995: 40).
É a partir destes esclarecimentos que JAKOBSON vai distinguir dois tipos de
afasia, que veremos no próximo capítulo: distúrbio de combinação e distúrbio de se-
leção.
ARRIVÉ (1999) nos lembra que SAUSSURE une no signo “um conceito e
uma imagem acústica”, e não uma coisa e um nome. A “coisa” que SAUSSURE ex-
cluiu do signo, ao defini-lo, é o que os semioticistas chamam de referente, como
também o enfatiza DOSSE:
O signo lingüístico une não uma coisa ao seu nome, mas um conceito a uma imagem
acústica num vínculo arbitrário que remete a realidade, o referente, para o exterior do
campo do estudo a fim de definir a perspectiva, por definição restrita, do lingüista. O sig-
no saussuriano só envolve, portanto, a relação entre significado (o conceito) e significan-
te (imagem acústica), com exclusão do referente (1993: 70).
ARRIVÉ afirma que o breve esboço do que chamou de uma ”teoria da refe-
renciação” feita por SAUSSURE, ao descartar a coisa – quando critica a simplicida-
de inverídica da concepção da língua como nomenclatura que uniria um nome a
uma coisa – pertence justamente ao campo da fala. Recorrendo a EDOUARD
PICHON e a BENVENISTE, ARRIVÉ tece uma crítica a SAUSSURE, que, ao argu-
mentar sobre a arbitrariedade entre significado e significante, acaba por falar do sig-
30
no e do referente, pois recorreu à coisa, referida nas diversas línguas, para mostrar
que a palavra/som que a designa sempre varia, embora a coisa seja invariável. Se a
coisa havia sido posta de lado por SAUSSURE, ela aparece em seu texto de forma
contraditória. Com isto ele caiu despercebidamente na concepção da língua como
nomenclatura, que havia inicialmente rejeitado.
O fato de Saussure exemplificar a arbitrariedade do signo pelo recurso à diversidade das
línguas suscitou críticas de Pichon e de Benveniste, na medida em que Saussure rein-
troduz assim o problema do referente, do objeto, que havia sido descartado de saída na
fórmula do signo (COUTINHO JORGE, 2000: 76).
ARRIVÉ pondera que embora o signo seja constituído de significante e signi-
ficado, faz falta que o significado tenha relação com o referente. “A mais ‘imanente’
das semânticas nunca consegue eliminar completamente o fato de que um referente
deve apresentar traços compatíveis com os do significado que o assume” (1999: 44).
LACAN (1957), se a princípio se equivoca, posteriormente também vai se filiar a esta
reflexão crítica.
Quando ele fala da diferença entre böf e o-k-s, refere-se sem querer ao fato de que es-
ses dois termos se aplicam à mesma realidade. Aí está pois a coisa, expressamente ex-
cluída, de início, da definição do signo, e que se introduz nela por uma desvio, instalando
permanentemente a contradição (in PLG, 1, p.50) (BENVENISTE apud ARRIVÉ,1999:
43).
ARRIVÉ, a título de esclarecer alguns aspectos da leitura que LACAN fez do
CLG de SAUSSURE, destaca tudo que foi “importado” por LACAN de SAUSSURE.
ARRIVÉ explica que a arbitrariedade é intrínseca ao signo, entre suas duas faces.
“O signo é regido por dois ‘princípios’: a ‘arbitrariedade do signo’ e o ‘caráter linear
do significante’. Essas duas noções serão conservadas, em condições diferentes,
por Lacan” (ARRIVÉ, 1999: 41).
ARRIVÉ passa a discutir a segunda característica do signo: o caráter linear do
significante, que, segundo SAUSSURE, é representado em uma extensão e mensu-
rável como uma linha, com os significantes em sucessão. Na verdade, ao falar da
segunda característica do signo, SAUSSURE fala apenas do significante. Obrigaria
que ele falasse também do significado, se tratasse do signo. Mas é a ‘cadeia da fala’
é que é afetada pela linearidade, submetida ao tempo, por causa do caráter material
dos elementos fônicos que a constituem. “Vemos que a linearidade do significante
não é mais do que a submissão ao tempo dos ‘significantes acústicos’, também
chamados ‘elementos’” (1999:48). SAUSSURE também vai aplicar ou substituir o
caráter linear do significante pelo caráter linear da língua, sem cerimônia, como diz
31
ARRIVÉ, e aí insere o sintagma como um encadeamento linear, fundadas sobre o
caráter linear da língua. “É porque a linearidade atravessa os limites dos signos: o
encadeamento dos signos é tão linear quanto o dos significantes. Sendo a língua um
sistema de signos, torna-se possível falar da ‘linearidade da língua’” (ARRIVÉ, 1999:
50).
SAUSSURE escreveu sobre anagramas, do que só se teve acesso em 1964
através de JEAN STAROBINSKI, que os publicou parcialmente. A partir destas pu-
blicações, novo direcionamento foi dado às investigações sobre a linguagem através
de JULIA KRISTEVA e JAKOBSON, trazendo, segundo o historiador DOSSE, uma
segunda revolução saussuriana (1993: 72). É dentro desta segunda vertente que
retornará à tona o sujeito recalcado no CLG. Se, para obter um objeto científico - a
língua -, a lingüística excluiu o sujeito falante do seu horizonte, por esta segunda
vertente vemo-lo adentrar pela janela novamente depois de ter sido posto porta a
fora, por conta da racionalização científica a que se submeteu a Lingüística, ao des-
tacar como seu objeto a língua, dentro da linguagem. “A conseqüência disto é a eli-
minação do sujeito falante, do homem de fala” (DOSSE, 1993: 73).
SAUSSURE meditava e fazia anotações sobre os textos védicos e saturninos
da poesia sagrada da índia e de Roma e acabou por rascunhar uma teoria sobre
anagramas, ao tentar ver “se não haveria um nome próprio disseminado no interior
desses textos que fosse, ao mesmo tempo, o destinatário e o sentido fundamental
da mensagem” (DOSSE, 1993: 72). Chegou-se a dizer que havia aí um segundo
SAUSSURE, que buscava entender se havia “uma linguagem sob a linguagem, de
uma codificação consciente ou inconsciente das palavras sob as palavras, uma bus-
ca de estruturas latentes das quais não existe o menor traço no CLG” (DOSSE,
1993: 72).
ARRIVÉ cita que LACAN vê um ponto de interlocução possível entre FREUD
e SAUSSURE nos anagramas do último, que via nos versos saturninos “as mais es-
tranhas pontuações da escrita”. Nos seus anagramas, SAUSSURE observa a insis-
tência repetitiva das letras de uma palavra numa sentença. SAUSSURE suspeitava
do caráter, intencional ou não, dos elementos anagramatizados, como se a ele fal-
tasse o saber sobre o inconsciente freudiano. ARRIVÉ ressalta a também linearida-
de, ou consecutividade, com que as letras insistentes aparecem. Vemos aí funcionar
32
uma outra lógica em ação que a dos princípios da língua, superando as regras do
funcionamento linear do significante. Neste sentido, esclarece LACAN:
Não há cadeia significante, com efeito, que não sustente, como que apenso na pontua-
ção de cada uma de suas unidades, tudo o que se articula de contextos atestados na
vertical, por assim dizer, desse ponto (1957: 507).
Se LACAN, a princípio, reconheceu a origem saussuriana da teoria do signifi-
cante, como sabemos por ARRIVÉ: “Limito-me, aqui, a observar que Lacan reivindi-
ca plenamente o modelo saussuriano como epônimo e étimo do seu próprio ‘algorit-
mo’” (1999: 77), posteriormente ele deu vida própria à sua concepção por uma lógica
do significante.
Falar do inconsciente é, indissoluvelmente, falar da linguagem, por exemplo sob o aspec-
to do lapso, ‘quando realmente se diz alguma coisa pela palavra que falta’. Afirmando a
cisão do sujeito – que nunca é aquele que sabe o que diz, supondo-se que se possa sa-
ber o que se diz – Freud apenas ‘antecipa’ (e, cronologicamente, se aceitarmos o seu
ponto de vista, Lacan não está inteiramente errado) a divisão fundadora, sobre o ‘corte
inaugural’, marcado pela ‘barra’ que separa o significante do significado “ (ARRIVÉ,
1999: 79).
ARRIVÉ ressalta a correspondência estabelecida por LACAN entre os concei-
tos lingüísticos e do inconsciente freudiano, como por exemplo a sincronia do signifi-
cante, que corresponderia à simultaneidade/ contemporaneidade das marcações
psíquicas freudianas, já que, ressalta ainda, para LACAN a sincronia só afetaria o
significante. LACAN correlaciona ainda o significante ao Vorstellungsrepräsentanz8
,
que é o “significante binário”, recalcado primordial, ponto central de atração que tor-
na possível todos os outros recalques.
A divergência entre o algoritmo do signo saussuriano – união indissolúvel en-
tre significante e significado – para o lacaniano centra-se em que, para LACAN “o
signo representa alguma coisa para alguém”, numa alusão à formulação teórica do
signo na Semiótica do filósofo e lógico CHARLES SANDERS PIERCE. Como nos
explica KRISTEVA na teoria de Pierce “o signo é uma relação triádica que se esta-
belece entre um objecto, o seu representante e o interpretante” (1969/1ª ed.: 25).
Para SAUSSURE, o signo porta uma relação dual, dicotômica, embora não
excludente. Com isto SAUSSURE despreza a coisa e mantém-se estritamente entre
a imagem acústica e o conceito da coisa.
8
Representante representativo.
33
O signo ou ‘representamen’, diz Pierce, é aquilo que substitui qualquer coisa para al-
guém. O signo dirige-se a alguém e evoca para ele um objecto ou um facto na ausência
desse objecto e desse facto. Por isso dizemos que o signo significa ‘in absentia’
(KRISTEVA, 1969: 23).
LACAN considera que o significado desliza sob o significante por haver uma
barra refratária à união entre eles. “A relação do significante e do significado está
longe de ser, como se diz na teoria dos conjuntos, biunívoca”. A coisa não é o signi-
ficado, a coisa chamada de referente por LACAN, é representada na fala, de modo
falho, pelo significado. Mas é preciso, como reconhece LACAN, que “aqui e ali, o
significante ‘se amarre’ ao significado. É isso que opera o ‘ponto de basta’”(ARRIVÉ,
1999: 89), onde se amarram periodicamente significante e significado.
Para LACAN (1972-1973) a suposta arbitrariedade do signo saussuriano se
deslinda nesta crítica, que denuncia uma expectativa de referência ao real:
[...] Ora, o que passa por arbitrário é que os efeitos de significado têm o ar de nada terem
a ver com o que os causa.
Só que, se eles têm o ar de nada terem a ver com o que os causa, é porque a gente es-
pera que aquilo que os causa tenha certa relação com o real (p. 30-31).
A crítica lacaniana sobre a exclusão do referente, na relação entre significante
e significado, pesa sobre SAUSSURE, como um deslize por ele praticado. “Dizer que
o significante é arbitrário não é do mesmo porte que dizer simplesmente que ele não
tem relação com seu efeito de significado, pois é escorregar para uma outra referên-
cia” (LACAN, 1972-73: 43). Observe-se que, aqui, para LACAN, é o significante, e
não o signo – como originalmente caracterizado por SAUSSURE –, que é tomado
como arbitrário. Para ele a referência do significante, encontra-se no funcionamento
da linguagem, no discurso portanto:
A palavra referência, na ocasião, só se pode situar pelo que constitui como liame o dis-
curso. O significante como tal não se refere a nada, a não ser que se refira a um discur-
so, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma utilização da linguagem como liame
(LACAN, 1972-73: 43).
O que é o significante para LACAN? “O significante, eu disse, se caracteriza
por representar um sujeito para outro significante. Do que é que se trata no signo?”
Para responder ao que é o significante ele recorre à contestação do que seja um
signo, tal como considerado na teoria lingüística: “O signo não é portanto signo de
alguma coisa, mas de um efeito que é aquilo que se supõe, enquanto tal, de um fun-
cionamento do significante” (LACAN, 1972-1973: 68). Se o significante participa e
34
edifica a estrutura, um sistema simbólico, resta sempre algo de inassimilável ao sig-
nificante, que está na esfera do real: o sujeito.
O simbólico dá uma forma na qual se insere o sujeito no nível do seu ser. É a partir do
significante que o sujeito se reconhece como sendo isto ou aquilo. A cadeia dos signifi-
cantes tem um valor explicativo fundamental, e a própria noção de causalidade não é ou-
tra coisa [...].
Há com efeito, algo de radicalmente inassimilável ao significante. É simplesmente, a e-
xistência singular do sujeito (LACAN, 1955-1956:205).
O significante, recalcado que é, assimilado à enunciação, circula num sentido
inverso ao discurso do enunciado. O significante é “o Erinnerungssymbol, símbolo
mnêmico, do qual sabemos como ele se enraíza na materialidade do corpo”
(ARRIVÉ, 1999: 91). Para SAUSSURE os significantes são feitos de nada, só defi-
níveis pela diferença e oposição entre eles, como comenta ARRIVÉ, que também
afirma que “pode parecer que os significantes lacanianos, de modo geral, corres-
pondem a palavras“(1999: 93), e serem trabalhadas de modo inconsciente.
Os significantes transportam o sujeito na cadeia que constituem, pois “O su-
jeito não é jamais senão pontual e evanescente, pois ele só é sujeito por um signifi-
cante, e para um outro significante” (LACAN, 1972-1973: 195). O sujeito é represen-
tado pelo significante para um outro significante, que quer dizer que o significante “é
signo de um sujeito”, o que não cabe de forma alguma na formulação saussuriana
de significante. É preciso buscar o referente de PIERCE para explicá-la. Tentar fazer
a exegese da formulação lacaniana sobre o significante somente dentro da teoria
saussuriana torna-se impossível portanto.
Assim se explica um fato aparentemente curioso: cada vez que tem que definir conceitu-
almente o significante, Lacan age de boa vontade, repetindo, com algumas variantes de
expressão, a definição que instaura a relação entre o significante e o sujeito (ARRIVÉ,
1999: 79).
LACAN “neutraliza” a oposição entre fonema e palavra, tomando-os ambos
como significantes. E acaba por relacionar a noção de significante com a de estrutu-
ra : “a noção de estrutura já é por si própria uma manifestação do significante. ... In-
teressar-se pela estrutura é não poder negligenciar o significante. ... a noção de es-
trutura e a do significante aparecem inseparáveis” (1955-56: 210). Os significantes
se articulam em cadeia, são encadeados num sintagma, e assim se encontram na
estrutura inconsciente.
35
I. 2. PÓS-ESTRUTURALISMO: a morte do sujeito
Se estas disposições viessem a desaparecer tal como apareceram, se [...]
se desvanecessem, como aconteceu, na curva do século XVII, com o solo
do pensamento clássico – então se pode apostar que o homem se desva-
neceria, como na orla do mar, um rosto de areia.
FOUCAULT, 2000: 536
O pós-estruturalismo ou neo-estruturalismo, como preferem alguns, é um mo-
do de filosofar interdisciplinar, que surgiu baseado na crítica de filósofos “nietzsche-
anos” como DELEUZE, DERRIDA, FOUCAULT, HEIDEGGER, entre alguns aspec-
tos, pelo fato de o estruturalismo privilegiar a razão, colocando-a no centro de tudo,
resvalando com isto na crença cartesiana de que a consciência humana deve ser
tomada como parâmetro central de todas as coisas. Daí para DEUS é um passo,
como nos mostrava a tradição cartesiana. Com esta crítica, acaba por sepultar este
sujeito cartesiano, consciente e racional, que fora excluído da estrutura da lingua-
gem.
Assim o movimento estruturalista renovou-se, no decorrer das últimas déca-
das do século XX, ao sofrer muitas transformações que fizeram dele um neo-
estruturalismo, fundamentando e dando emprego ao primeiro. Possui a mesma
compreensão teórica geral da linguagem e da cultura como sistemas lingüísticos e
simbólicos em que se privilegiam as relações entre seus elementos, e baseia-se na
diferença entre eles. Os sistemas simbólicos também são analisados como códigos
semióticos: a moda, a escola, a sala de aula, a cidade, a culinária, etc. Os pós-
estruturalistas criaram formas de análise de textos e de artefatos históricos e cultu-
rais, também vistos como textos, altamente inovadoras e sofisticadas.
LÉVI-STRAUSS, LACAN, ALTHUSSER, GREIMAS, BARTHES, principais ex-
poentes estruturalistas, em diversos domínios das ciências humanas fizeram do es-
36
truturalismo “um poderoso e globalizante referencial teórico para a análise semiótica
e lingüística da sociedade, da economia e da cultura, vistas agora como sistemas de
significação” (PETERS, 2000:10). Porém emerge de dentro do próprio estruturalismo
uma resposta filosófica ao modelo estrutural, acusado de manter o criticado pensa-
mento metafísico, que pretendeu combater, de modo subjacente a este movimento
pretensamente científico, que prometera integrar as ciências ditas humanas com seu
mega-paradigma lingüístico, baseando-se principalmente na obra de NIETZSCHE
para tal. O pós-estruturalismo valorizou as leituras estruturalistas de FREUD e
MARX: Se FREUD enfatizava o desejo e MARX o poder, NIETZSCHE congregava
ambos com sua noção de “vontade de potência”.
Segundo nos diz COELHO (1967), para ALTHUSSER passamos com MARX
e FREUD de uma causalidade cartesiana causa-efeito, para uma causalidade estru-
tural. À estrutura freudo-marxista “corresponde a causalidade como eficácia de uma
estrutura ausente”, que por sua vez contrapõe-se à estrutura hegeliana cuja causali-
dade torna-se presente em seus elementos como efeito da estrutura. A estrutura
freudo-marxista “atua como ausência no próprio interior apenas pelos seus efeitos”,
pois sua forma de presença é a ausência.
Até mesmo a “virada lingüística” que a filosofia sofreu, foi influenciada pela
tradição estruturalista – originária do formalismo europeu. O conhecimento, que an-
tes era encarado como representação da natureza, como se fosse um espelho onde
a representação mental espelharia a essência dos objetos, na virada lingüística da
filosofia passou a ser apenas uma convenção lingüística.
O pós-estruturalismo é uma reação e fuga do pensamento hegeliano, uma ce-
lebração ao “jogo da diferença” contra o “trabalho da dialética” (PETERS, 2000) 
este considerado por DELEUZE como uma reflexão sobre a diferença como uma
negação, uma imagem invertida. HEIDEGGER e outros pós-estruturalistas fizeram
suas críticas sobre a metafísica da “estruturalidade” da estrutura, e conservaram a
crítica ao sujeito humanista empreendida pelo estruturalismo – que, renovado em
seu fôlego novo e sendo considerado como a base mais verdadeira do próprio estru-
turalismo, vem influenciando várias áreas do conhecimento humano.
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Linguagem e Sujeito na Psicanálise

  • 1. I A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO: Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e demarca o lugar do sujeito psíquico EVACYRA VIANA PEIXOTO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO - UENF CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ JUNHO – 2003
  • 2. II A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO: Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e demarca o lugar do sujeito psíquico EVACYRA VIANA PEIXOTO Dissertação de Mestrado apresen- tada ao Centro de Ciências do Ho- mem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro como parte das exigências para ob- tenção do título de Mestre em Cog- nição e Linguagem. Orientador: Professor Doutor Sérgio Arruda de Moura CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ JUNHO – 2003
  • 3. III A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO: Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e demarca o lugar do sujeito psíquico EVACYRA VIANA PEIXOTO Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadu- al do Norte Fluminense Darcy Ribeiro como par- te das exigências para obtenção do título de Mestre em Cognição e Linguagem. Aprovada em 06 de junho de 2003 Banca Examinadora : __________________________________________________ Sérgio Arruda de Moura (Doutor, Ciência da Literatura – UENF) – Orientador __________________________________________________ Nina Virgínia Araújo Leite (Doutora, Lingüística – UNICAMP) __________________________________________________ Marco Antônio Coutinho Jorge (Doutor, Comunicação e Cultura – UERJ) __________________________________________________ Paula Mousinho Martins (Doutora, Filosofia – UENF) __________________________________________________ Júlio César Ramos Esteves (Doutor, Filosofia – UENF) - Suplência
  • 4. IV AGRADEÇO aos Professores e colegas do Programa de pós-graduação em Cognição e Linguagem pelo ensino intra e extra-curricular que proporcionaram em nossa convivência. Agradeço aos Professores Doutores do Programa de pós-graduação em Cognição e Linguagem pela grata contribuição à minha dissertação de mestrado, na qual é possível reconhecer os fundamentos das disciplinas por eles ministradas, es- pecialmente os Professores Arlete, Júlio, Paula, Ruth, Sílvia e, naturalmente, Sérgio, a quem elegi por sucessivas vezes meu professor. Agradeço ao psicanalista Dr. Marco Antônio Coutinho Jorge, mestre em meus passos iniciais na psicanálise no Colégio Freudiano, hoje reencontrado em interes- ses convergentes, pelo acolhimento e atenção dispensada à minha pesquisa. Agradeço ao gesto amigo de Rita Márcia Paixão e Olandina Cruz Pacheco que, com suas contribuições intelectuais, impulsionaram a elaboração inicial e a conclusão final de minha pesquisa. .Agradeço carinhosa e especialmente ao Dr Sérgio Arruda de Moura, meu o- rientador nesta dissertação – que com seu invejável bom humor, tornou nossa tarefa mais agradável e amena –, pelo esmero com que cuidou de nosso trabalho. .Agradeço à Drª Nina Virgínia Araújo Leite pelo esforço minucioso na correção da dissertação e na argüição da defesa, que em muito contribuiu para melhorar o formato final da dissertação. Agradeço ao Dr Waldir Beividas por ter me oportunizado, ainda em tempo de concluir, a confirmação douta de que minhas intuições – sobre o diálogo inacabado entre linguística e psicanálise – estavam certas.
  • 5. V À memória de meu pai.
  • 6. VI Esse corte [o tropeço no discurso] da cadeia significante é único para verificar a estrutura do sujeito como descontinui- dade no real. Se a lingüística nos promove o significante, ao ver nele o determinante do significado, a análise revela a ver- dade dessa relação, ao fazer dos furos do sentido os determi- nantes de seu discurso. LACAN, 1960: 815
  • 7. VII RESUMO Este trabalho refaz, de forma esquemática, o caminho percorrido pelo psicanalista francês Jacques Lacan junto ao movimento estruturalista derivado da lingüística saussuriana. Também enfatiza a questão da linguagem enquanto aquela que consti- tui o sujeito ao imprimir-lhe sua estrutura, já estabelecida previamente na cultura. Desenvolve noções de lingüística (língua, fala, diacronia, sincronia, sintagma, para- digma, estrutura da linguagem, signo, significante, significado e símbolo), de semió- tica (referente), que se tornaram ferramentas para a psicanálise operar os conceitos de inconsciente, sujeito, objeto, lalangue e lingüisterie, e de análise do discurso (su- jeito, discurso, enunciado, enunciação e sentido). Simultaneamente à elaboração teórica saussuriana, o inconsciente foi descoberto por Sigmund Freud, cujas forma- ções (sonhos, lapsos, chistes e sintomas) são tangíveis tal como uma linguagem. Baseando-se no aforismo lacaniano – O Inconsciente é estruturado como uma lin- guagem –, a psicanálise recupera o sujeito banido pelos estruturalistas, sendo para ela um sujeito inconsciente, constituído na estruturação do inconsciente como uma linguagem. A presente pesquisa foi realizada por meio da bibliografia disponível em português sobre o assunto, com alguns recursos a textos essenciais ainda não tra- duzidos para o português. Sendo assim, a pesquisa varou, à superfície, do estudo sobre o funcionamento da linguagem, concebida como uma estrutura lingüística, à estruturação do inconsciente como uma linguagem, vindo encontrar escoadouro na constituição do sujeito como efeito desta estrutura para o falante. Conclui portanto que este sujeito é constituído na ação da estrutura sobre o sujeito em constituição, e, que ele vem a ser aquilo que emerge do Real, enquanto aquilo que não porta ne- nhuma significação, mas que faz significar, pois é non sense. Palavras-chave: inconsciente – significante – estrutura – sujeito – sentido
  • 8. VIII ABSTRACT This work remakes schematically the way run by the French psychoanalyst Jacques Lacan closed the structuralist movement deflected from the saussurian linguistics. It also emphasizes the issue of language as one that constitutes the subject by printing his/her structure soon established in culture previously. It develops notions of linguis- tics (langue, parole, diachrony, synchrony, syntagma, paradigma, language structure, sign, significant, meaning and symbol), of semiotics (referent), in which became themselves tools for psychoanalysis operating the concepts of unconsciousness, subject, object, lalangue and lingüisterie, and of discourse analysis (subject, speech, uttered, utterance and sense). Simultaneously to the saussurian theoretical elabora- tion, unconsciousness was discovered by Sigmund Freud whose arrangement (dreams, lapses, witties and symptoms) are tangible such as a language. Basing the lacanian aphorism on – Unconsciousness is structured as a language –, psychoanal- ysis recovers the subject banished by the structuralists being for it an unconscious subject constituted in the structuration of unconsciousness as a language. The pre- sent research was accomplished through available bibliography in Portuguese about this proposition with a few resources from essential texts that have not been translat- ed into Portuguese yet. So the research threw out superficially from the study about the action of language conceived as a linguistic structure to the structure of uncon- sciousness as a language finding canal in the constitution of subject as effect from this structure toward the speaker. As a conclusion this subject is constituted in the action of structure about the subject in constitution and he/she becomes that one which rises out from Real, while it does not bring any signification but which makes meaning because it is non sense. Key-words: unconsciousness – significant – structure – subject – sense
  • 9. IX Em comemoração ao aniversário de vinte anos de meu envolvimento com a psicanálise de verve lacaniana – rememorando certo dia de março de 1983, quando eu ingressava no Colégio Freudiano do Rio de Janeiro.
  • 10. X SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................ 1 I. ESTRUTURALISMOS, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM ............................................................... 11 I.1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM: a exclusão do sujeito. .................................................... 21 I.2. O PÓS-ESTRUTURALISMO: a morte do sujeito ................... 35 I.3. A LINGUAGEM NO DISCURSO: a inclusão do sujeito ......... 42 II. O INCONSCIENTE ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM ................................................................ 55 II. 1. AS QUATRO FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE ................ 67 II. 1. a) Sonhos ..................................................... 68 II. 1. b) Lapsos ..................................................... 73 II. 1. c) Chistes ..................................................... 75 II. 1. d) Sintoma ..................................................... 77 II. 2. A ESTRUTURA DO INCONSCIENTE: Real, Simbólico e Imaginário ..................................................... 81 II. 3. A ORDEM SIMBÓLICA E O ADVENTO DA LINGUAGEM ... 87 III. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO COMO EFEITO DA ESTRUTURAÇÃO DO INCONSCIENTE COMO UMA LINGUAGEM ............................... 94 III. 1. SUJEITO CARTESIANO X SUJEITO DO INCONSCIENTE: Cogito er- go sum X Wo es war, soll ich werden ................................ 101
  • 11. XI III. 2. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: Estádio do espelho, Édipo e cas- tração ..................................................... 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................... 129 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE SIGMUND FREUD .......... 136 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE JACQUES LACAN ........... 138 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DIGITALIZADAS ..................... 140 ANEXOS ..................................................... 144
  • 12. 1 INTRODUÇÃO Que a via aberta por Freud não tem outro sentido senão o que retomo  o inconsciente é linguagem  isso que é agora aceito já o era então para mim, como se sabe. LACAN, 1965, 881 1 Esta pesquisa foi motivada pelo interesse de melhor compreendermos, na es- cuta psicanalítica, a implicação do signo lingüístico com o sintoma neurótico, que funciona como uma linguagem permeada de ambigüidades e encontra sua decifra- ção e dissolução na interpretação, tal como um sonho. “O sintoma, aqui, é o signifi- cante de um significado recalcado da consciência do sujeito. Símbolo escrito na a- reia da carne e no véu de Maia, ele participa da linguagem pela ambigüidade se- mântica que já sublinhamos em sua constituição “ (LACAN, 1953: 282). Neste senti- do, fomos movidos a buscar esclarecimentos sobre como são produzidas significa- ções singulares, pertinentes a cada um de nós, na articulação entre significantes, que flagram assim a ação de um sujeito, que não é outro senão aquele constituído na estruturação do inconsciente como uma linguagem. Buscando apreender as conseqüências do que é para SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) o "mecanismo do signo no indivíduo", este trabalho de pesquisa e disser- tação visa esclarecer de que forma a linguagem se reproduz para cada sujeito como sistema simbólico sendo, ao mesmo tempo, estruturante do lugar do sujeito num mundo simbólico. Partindo disto, este trabalho vai ao encontro da hipótese de LACAN (1957) – O inconsciente é estruturado como uma linguagem – onde apreen- demos a questão da constituição do sujeito psíquico, através da estruturação do in- consciente como uma linguagem. 1 Encontraremos as referências feitas às obras tanto de FREUD e quanto de LACAN relativas a cada ano em que foram escritas, e não ao ano da edição em que foram publicadas, dado à profu- são de artigos, livros e coleções editadas. Assim procederemos em benefício da precisão das refe- rências na citação.
  • 13. 2 Conforme é amplamente concebido, a linguagem é o artifício primordial dentro da organização sócio-cultural humana de exploração e dominação da natureza, in- clusive da própria natureza humana  ao mesmo tempo em que a constitui como tal. Se a linguagem é uma criação coletiva convencionada no decorrer da história da humanidade, por outro lado há o uso singular que dela se faz e neste está implícito um sujeito que fala de seus objetos. Ao nascer, o ser humano é batizado com um nome e, antes mesmo, desde sua gestação, ele já é falado. Muito antes de começar a balbuciar as primeiras pala- vras, ele recebe seu nome, sendo assim já marcado pelo significante. Se por um lado o homem constrói sua singularidade a partir de sua imersão na linguagem, por- tal de entrada do mundo humano, para penetrar neste mundo é preciso portar este distintivo, sem o qual o ser humano não se caracterizaria: o significante. Para esclarecermos este termo tão vital, recorremos à lingüística saussuriana que o trabalhou como uma das duas faces do signo lingüístico, bem como à versão lacaniana do significante, influenciada não só pela lingüística e pelo Estruturalismo dela decorrente, como também pelas formulações freudianas sobre o inconsciente e seu funcionamento. Se o pensamento humano, enquanto simbólico, é feito de lin- guagem, faz-se necessário que conheçamos o funcionamento da linguagem para que possamos abordar este ser humano em sua particularidade de sujeito, para que seja possível “fornecer um saber sempre mais preciso do funcionamento do signifi- cante do homem” (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 23). Ao estabelecer no início do século XX um corte sincrônico na linguagem, FERDINAND DE SAUSSURE fundou um novo e revolucionário método de estudo lingüístico. Recorta como objeto de estudo científico a linguagem verbal humana, tomada a partir de então como um sistema de signos que expressam idéias, com- posto de unidades que formam um sistema de linguagem. Estabeleceu assim o con- ceito de signo e seus elementos inseparáveis – o significante e o significado. O “som, unidade complexa acústico-vocal, forma por sua vez, com a idéia, uma unida- de complexa, fisiológica e mental” (SAUSSURE, (1970/1ª ed. bras.: 16). Para ele a linguagem é língua (langue)  sistema de signos  mais fala (parole). Desde então a
  • 14. 3 língua deixou de ser vista como substância, como era vista anteriormente, passando a ser tomada como uma forma, um sistema – posteriormente chamado de estrutura – tornando-se a lingüística estrutural um novo paradigma no cenário das Ciências Humanas. O psicanalista francês JACQUES LACAN (1901-1981), sob efeito e influência da lingüística saussuriana e do movimento Estruturalista dela decorrente – onde se destaca a Antropologia Estrutural encarnada por CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908- 1990), dentro deste profícuo movimento –, promoveu uma releitura da psicanálise resgatando FREUD do ostracismo em que perigava cair, revitalizando suas palavras e renovando sua obra. LACAN (1949, 1953, 1953-1954, 1954-1955, 1955-1956, 1957-1958, 1957, 1960, 1964, 1965, 1969-1970, 1972-1973, 1974-1975) fundamen- tou assim a descoberta do inconsciente freudiano sobre novas bases, edificando-a no campo da fala e da linguagem. Articulando idéias, estabelecendo conexões entre variadas áreas de saber, LACAN abriu um leque de pesquisas e produções teóricas na tangência da psicanálise e da lingüística, onde hoje encontramos muitos estudos de autores afinados com a teoria lacaniana, como veremos com ARRIVÉ, LECLAIRE, MILNER, NASIO, SAFOUAN. Portanto, partimos dos esclarecimentos da estrutura e funcionamento da lin- guagem até chegarmos aos estudos, dentro do ponto de vista psicanalítico, do que é a estrutura do inconsciente e como é o seu funcionamento, na expectativa de assim comprovar a existência material do inconsciente, bem como a do sujeito constituído a partir desta estrutura – o que é considerado improvável por muitos opositores. Para compreendermos o paradigmático corte saussuriano para as ciências humanas, que fez inclusive derivar a proposição lacaniana “O inconsciente estrutu- rado como uma linguagem”, tangenciaremos no capítulo I, Estruturalismos, estrutura e funcionamento da linguagem, o movimento intelectual denominado Estruturalismo  que surgiu e se organizou em contraposição à filosofia humanista, sua antecessora no campo filosófico  e alguns de seus desdobramentos na atualidade naquilo que toca mais particularmente à máxima lacaniana. Esclareceremos o papel de LACAN na inserção da psicanálise com destaque dentre as ciências humanas, já que veio
  • 15. 4 então a ocupar o lugar privilegiado de “farol” do estruturalismo ao lado da Antropolo- gia (DOSSE, 1993). O Estruturalismo, termo cunhado pelos “herdeiros” de SAUSSURE, entre eles JAKOBSON (Congresso de Haia, 1928), foi um movimento bastante profícuo, deri- vado da Lingüística, que desabrochou e fez desabrochar as Ciências Humanas a partir de meados do século XX, especialmente pelas possibilidades de se empregar um método científico do qual as ciências humanas careciam, na tentativa de obter estudos concretos e objetivos sobre o homem que não fossem puramente filosóficos e metafísicos. Com isto, esperamos a partir daí podermos refazer o percurso de LACAN pelas fronteiras lingüística e antropológica do Estruturalismo  donde foi da- da a partida para este movimento nas ciências humanas , reelaborando-se a impor- tância destas contribuições para a obra de LACAN e vice-versa. A estrutura, este conceito fundamental do estruturalismo, foi concebida como um todo dinâmico composto de partes inter-relacionadas. O termo estrutura, origi- nalmente, designava o modo como um edifício é construído. Hoje estrutura é um termo empregado para designar os elementos mínimos necessários para caracteri- zar um todo, uma coisa, um objeto. Certa noção de estrutura pode ser observada sob termos tais como “essência”, “forma”, “figura”, “conjunto”, “totalidade”, “organis- mo”, “sistema”, etc. Porém, a noção de estrutura a que se refere o movimento estru- turalista, deles se destaca por ser a redução de um conjunto a seus elementos mí- nimos necessários, que mantêm entre si uma relação de interdependência. A noção de estrutura do estruturalismo inclui a combinação de elementos inter-relacionados de modo dependente, de modo que a posição de cada um afeta a do outro, que reu- nidos em uma totalidade apresentam qualidades específicas da totalidade, que é autônoma. Constituição é o ato de constituir, estabelecer e de firmar; é o modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas. Segundo o dicionário Au- rélio, é a organização, a formação. Já estruturação é o ato ou efeito de estruturar, de fazer ou formar estrutura, que é a disposição e ordem das partes de um todo. Tam- bém pode ser armação, esqueleto ou arcabouço.
  • 16. 5 Na primeira parte do capítulo I (I.1), Estrutura e funcionamento da linguagem: a exclusão do sujeito, reveremos os estudos teóricos lingüísticos sobre a linguagem verbal humana, realizados por SAUSSURE e por alguns de seus sucessores como JAKOBSON, observando alguns pontos de dissidência que acabaram por dar aca- bamento à lingüística concebida como estrutural. Assim retraçaremos, em boa parte, o caminho feito por LACAN pela teoria saussuriana no estudo da linguagem em sua estrutura e funcionamento, bem como os caminhos que apontou para solucionar problemas cruciais que encontrou nesta teoria, como a exclusão do referente e do sujeito. A abordagem estrutural e funcional da investigação científica dos fenômenos da linguagem revelou as leis internas de um sistema determinado (PETERS, 2000) dentro do qual não cabia a subjetividade humana – uma concepção de sujeito tal como concebida pela doutrina cartesiana – mas LACAN reintroduziu na linguagem um sujeito de bases freudianas, como veremos. Se para SAUSSURE a linguagem é um sistema fechado em si mesmo – daí a noção de estrutura –, para LACAN é uma estrutura aberta pela presença de um su- jeito, mas do inconsciente, o que aponta desde já uma das principais divergências entre a ciência-piloto das ciências humanas e a psicanálise. [...] vê-se que, para Saussure, a língua é concebida como um sistema fechado, o que co- loca de saída uma diferença radical entre a noção de estrutura fechada do estruturalis- mo e a estrutura aberta, hiante, que implica a falta, que é posta em relevo pela psicaná- lise (COUTINHO JORGE, 2000: 78). LACAN responde aos lingüistas, ciosos de seu campo de estudo, criando o que chamou de lingüisterie, nomeando assim a linguagem que a psicanálise estuda – uma linguagem histérica, enquanto aquela que se inscreve no corpo, que leva todo falante a assumir uma posição sintomática no mundo simbólico. Na segunda parte do capítulo I (I.2.), O Pós-Estruturalismo: a morte do sujei- to, trataremos do encaminhamento da questão do sujeito para filósofos como DERRIDA, FOUCAULT, HEIDEGGER, entre outros, que acabaram por sepultar o sujeito cartesiano, levando às últimas conseqüências o descentramento do homem pela estruturalidade da linguagem. Na terceira parte do capítulo I (I.3.), A linguagem no discurso: a inclusão do sujeito do inconsciente, acabamos por trazer à discussão alguns dos estudos lingüís-
  • 17. 6 ticos da atualidade que buscam a inclusão do sujeito do discurso na estrutura da linguagem, sob o enfoque proporcionado pela releitura de LACAN da obra freudiana. Há autores que se debruçam sobre o campo teórico da Psicanálise, supostamente estra- nho a sua disciplina, na busca de uma articulação que permita incluir nos estudos da lin- guagem aquilo que foi recalcado – a questão do sujeito e do sentido  no momento inau- gural de nascimento da lingüística como ciência (LEITE 1994: 15). Os desdobramentos dos estudos da lingüística estrutural, sob a influência da psicanálise e do marxismo, levaram ao desenvolvimento da análise do discurso  uma nova disciplina na qual está prevista uma teoria do sujeito. MICHEL PÊCHEUX com seu inaugural Discurso: estrutura ou acontecimento (1990), responde pelos pri- meiros passos desta novidade. Assim como o estruturalismo e o materialismo histó- rico, também a psicanálise lacaniana participou da construção da análise do discur- so, compondo o quadro epistemológico que contribuiu para o surgimento desta dis- ciplina. O estudo das teorias estruturalistas da linguagem, passando pelos tempos pós-estruturalistas, acabou por nos levar ao movimento contemporâneo de tentativa de inclusão de um sujeito, a princípio excluído  ou melhor dizendo, recalcado  da estrutura da linguagem, tal como esta fora concebida originalmente. No capítulo II tratamos de clarificar o aforismo lacaniano O inconsciente é es- truturado como uma linguagem, considerado por muitos um verdadeiro enigma. LACAN (1957) elucidou o modo como ocorre a estruturação do inconsciente como uma linguagem a partir de suas formulações sobre a lógica do significante, pautada na afirmação saussuriana de que na língua só há diferenças, o que acabou por res- saltar o quanto as teorias saussurianas e freudianas, trabalhadas simultaneamente e ignorando-se mutuamente, tinham a dizer em comum a respeito do funcionamento do sistema simbólico – a estrutura da linguagem e o inconsciente freudiano – sendo certo que cada uma caminhava em direção à outra partindo de sentidos opostos. Neste sentido, na primeira parte do capítulo II (II.1.), As formações do incons- ciente, chamamos ao palco, onde se encena o texto do inconsciente, os sonhos, os lapsos, os chistes e os sintomas. Aqui se oportunizará o momento de evidenciar o quão à superfície se encontra o inconsciente, uma vez que ele se expressa nas psi-
  • 18. 7 copatologias corriqueiras da vida cotidiana de cada um, trazendo, nestas formações, toda a força advinda do desejo recalcado – lugar do sujeito. Na segunda parte deste capítulo (II.2.), Estrutura do inconsciente: Real, Sim- bólico e Imaginário, cuidaremos de explicar a estruturação do inconsciente a partir do entrelaçamento sintomático destes três elos, três registros do falante, onde o sin- toma é o que vem dar amarração ao RSI. A investigação da estruturação do inconsciente como uma linguagem permi- tir-nos-á vislumbrar a inserção do sujeito no discurso concreto, como um sujeito que emerge com as irrupções do Real, nas suspensões do sentido (non sense). Acabará por se mostrar aqui a materialidade do sujeito do homem, enquanto um sujeito dese- jante, que na falta da coisa, se faz falante. Neste sentido exploraremos na terceira parte do capítulo dois (II.3.), A ordem simbólica e o advento da linguagem, a articulação das teorias antropológicas e psi- canalíticas com as da linguagem, no afã de clarificar o quanto o complexo de Édipo, em sua magnitude universal, enquanto interdição do incesto, é também o portal uni- versal para a humanidade no mundo simbólico, que é o mundo da linguagem. No capítulo III, nosso esforço será empreendido para deixar claro que não são objetos desta dissertação nem o ego, nem a consciência, nem a “pessoa hu- mana”, nem o “indivíduo” (o indiviso), mas um sujeito desejante: o sujeito do in- consciente. Nos perguntamos, quem vem a ser este sujeito? Sabemos que a partir da era moderna, inaugurada pelo pensamento cartesiano, o homem passou a ser o "primeiro e único verdadeiro subjectum [...] o ente sobre o qual todos os outros en- tes se fundam quanto à sua maneira de ser e quanto à sua verdade" (HEIDEGGER, 1979). A visão cartesiana favoreceu o movimento científico e proporcionou a con- juntura filosófica na qual a noção de mente (res cogitans) passou a imperar em pri- vilégio e oposição à noção de físico (res extensa). Na primeira parte do terceiro capítulo (III.1), Sujeito cartesiano X sujeito do in- consciente, reproduziremos brevemente o debate lacaniano sobre o sujeito cartesia- no e o de que se trata para a psicanálise. O sujeito para a psicanálise é o sujeito de-
  • 19. 8 sejante, do inconsciente, que interessa aqui enquanto a questão do sujeito da lin- guagem. SIGMUND FREUD previa o terceiro2 golpe no narcisismo humano ao formular suas teorias sobre o inconsciente, pois o homem depois da descoberta de FREUD não é visto mais como senhor em sua própria casa. Com a sua célebre assertiva “Wo es war, soll ich Werden”3 , FREUD desmonta o cogito, mostrando que o homem pensa onde não está e está onde não se pensa. Desbanca assim o ego autônomo cartesiano, centro do homem, que tantos subsídios proporcionou à ciência moderna, e que abriu caminhos à filosofia epistemológica e à ciência psicológica. O eixo em torno do qual se desenvolveu este trabalho de dissertação sedi- menta-se sob o ponto de vista de que o sujeito do inconsciente, diferentemente do sujeito entificado da psicologia, é um sujeito evanescente – derivado das conjunções entre lingüística e psicanálise, como o concebeu LACAN –, que perpassa a cadeia de significantes, trazendo para a superfície dela o sentido próprio do sujeito do in- consciente, em permanente metonímia. O sujeito é constituído na “construção” do simbólico, na incidência da linguagem, como morte da coisa, num processo que o- corre desde que o ser humano nasce, até o atravessamento do Édipo em seus três tempos. Sendo assim é constituído um sujeito no batismo simbólico que recebe do Outro. Isto é o que será devidamente tratado na segunda parte do terceiro capítulo (III.2.) A constituição do sujeito: estádio do espelho, Édipo e castração, onde final- mente desenvolveremos a questão de como se dá a constituição do sujeito na estru- turação do inconsciente como uma linguagem. O sujeito do inconsciente pode ser então entendido como aquele que está assujeitado à Lei paterna. Somente ao final do Édipo, poderemos falar de sujeito do inconsciente, aquele que, embora tenha seu lugar demarcado na estrutura, por meio de um processo simbólico, advém do Real. É preciso ser assujeitado ao Outro simbólico, ser alienado ao significante dado pelo Outro para constituir-se enquanto sujeito falante, estabelecendo então, uma aliena- 2 O primeiro foi descobrir que a terra não era o centro do universo e o segundo que o homem não provém de Deus, mas do macaco (FREUD, 1932). 3 Onde isso estava, eu deve advir (FREUD, 1932).
  • 20. 9 ção constitutiva fundamental ao Campo do Outro  o Campo dos significantes para LACAN. Como pudemos observar, não nos ateremos nesta dissertação ao estudo da língua (langue), objeto da lingüística que SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) cria ser passível de isolar da fala (parole), de ser dela esterilizado e estudado enquanto obje- to puro. O que nos interessa é a linguagem em uso, contaminada pelo desejo do sujeito do inconsciente, na palavra, no discurso concreto do falante (onde existe a linguagem para LACAN), no texto, como inclusive convém aos atuais estágios de desenvolvimento do tema pelos estudos lingüísticos. A linguagem, objeto de estudo e pesquisa da lingüística, da Antropologia, da Sociologia, da Psicologia, da Psicanálise, assim como da Filosofia, será explorada no restrito âmbito que possa dar a sustentação necessária para que sejam explica- dos sua estrutura e o seu funcionamento, incluindo-se aí suas formas discursivas  explicando assim a estrutura e o funcionamento do inconsciente que, tal como a lin- guagem, é estruturado. O conceito de inconsciente sozinho já é tema sabidamente tão amplo, que neste trabalho de dissertação não poderia ser abordado senão de forma pontual, porém devidamente conceituado, para esclarecimentos à tese lacani- ana. Esta dissertação, de tudo até agora dito, não é sobre a teoria lacaniana, mas sobre um ponto que a perpassa: o sujeito do inconsciente  e falante. E o inconsci- ente emerge enquanto um sujeito psíquico. O sujeito do inconsciente não é consis- tente, nem está em algum lugar, mas tem seu lugar entre significantes, em desli- zamento pela cadeia significante. Para a fundamentação teórica das hipóteses, a dissertação se baseia em no- ções conceituais, sobre sujeito, objeto, inconsciente, linguagem, significante, simbólico, estrutura, discurso, sentido principalmente da teoria de LACAN  teo- ria que dá orientação à pesquisa naquilo que possa interessar à questão principal dentro do Estruturalismo, de seus desenvolvimentos neo-estruturalistas e dissidên- cias.
  • 21. 10 Encontramos nos estudos sobre a linguagem o lugar propício para desenvol- ver pesquisas sobre a psicanálise, conforme nos ensinou, com mestria, JACQUES LACAN, apontando assim para a estreiteza de temas da lingüística e psicanálise. Embora este “LACAN estruturalista” ou o “primeiro LACAN” tenha sido considerado ultrapassado pelos seus sucessores, entre eles JACQUES-ALAIN MILLER – especi- almente por distinguirem que a linguagem que interessa à psicanálise é a lingüisterie –, esta dissertação deixa margem, também, a evidenciar uma renovação do interes- se pelo vigor do pensamento inaugural de LACAN, especialmente entre alguns lin- güistas de renome da atualidade como ARRIVÉ e MILNER, mostrando-o ainda ines- gotado. No desenrolar da dissertação, observaremos desenhar-se o percurso de um JACQUES LACAN pelas teorias lingüísticas do estruturalismo, até o encontro de suas originais respostas e a construção de uma versão própria sobre a teoria da lin- guagem com o destacamento da questão do sujeito do inconsciente na estrutura da linguagem – que, diferentemente do que é para SAUSSURE, para LACAN, é aberta. Ao refazermos o percurso de LACAN pelos caminhos estruturalistas da linguagem, averiguaremos como se constituem os sujeitos para a psicanálise. Em contrapartida, teremos um breve e resumido histórico do desenvolvimento da Lingüística estrutural até os dias de hoje e das circunvoluções a que foi submetida sob a influência teórica deste eminente pensador francês.
  • 22. 11 I. ESTRUTURALISMOS, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito diversificado, mais do que um método e menos do que uma filosofia, ele encontra seu cerne, sua base unificadora no modelo da lingüística moderna e na figura daquele que é a- presentado como seu iniciador: Ferdinand de Saussure. DOSSE, 1993: 65 A condição de ciência da linguagem que alçou a lingüística saussuriana pro- porcionou os argumentos com os quais o movimento estruturalista trabalhou na dé- cada de 60, para a fundamentação das Ciências ditas Humanas. A linguagem, en- quanto um sistema formal, foi primeiramente assim estabelecida por FERDINAND DE SAUSSURE tal como encontramos em sua obra póstuma de 1916, Curso de Lingüística Geral (CLG) (1970/1ª ed. bras.), com o estabelecimento do método sin- crônico para o estudo do sistema da língua, dando a partida para o movimento estru- turalista – tido como um grande guarda-chuva (PETERS, 2000) sob o qual se abri- gavam ciências tais como a Antropologia, a Sociologia, a Educação e a Psicanálise entre outras – na área dos estudos humanos. A partir de então, a lingüística foi to- mada como um novo paradigma para as ciências humanas. É também o momento em que a lingüística desempenha a função de ciência-piloto que orienta os passos da aquisição científica para as ciências sociais em geral. O estrutura- lismo terá sido, nesse plano, o estandarte dos modernos em sua luta contra os antigos. (DOSSE, 1993: 13). Para entendermos esta revolução paradigmática por que passaram as ciên- cias humanas no século XX, que foi capaz de trazer solidez às ciências soft, deve- mos responder o que foi este movimento denominado de estruturalismo. O estruturalismo surgiu em contraposição ao humanismo. Do ponto de vista estruturalista o humanismo era considerado a continuidade do teologismo, pois, se este coloca DEUS como centro de todas as coisas, assim também fez o humanismo
  • 23. 12 com o homem, e seguindo o mesmo modelo, denunciava a mesma visão filosófica subjacente. O estruturalismo destrói esta noção de centro do homem e, com ela, as ficções da subjetividade, trazendo a análise das relações do sujeito com a linguagem para o âmbito da estruturalidade. Talvez possamos dizer que, se o Renascimento substitui o culto do Deus medieval pelo do Homem com maiúscula, a nossa época apagando qualquer culto traz uma revolução não menos importante, visto que substitui o último, o do homem, por um sistema acessí- vel à análise científica: a linguagem. O homem como linguagem, a linguagem no lugar do homem, será o gesto desmistificador por excelência, que introduz a ciência na zona complexa e imprecisa do humano, no ponto onde se instalam (habitualmente) as ideolo- gias e as religiões. É a lingüística que parece ser a alavanca dessa desmistificação; é ela que supõe a linguagem como objeto de ciência, e que nos ensina as leis do seu funcio- namento (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 14). O sistema de linguagem de SAUSSURE foi equacionado como uma estrutura por participantes da Escola de Praga e do Círculo de Copenhague (DOSSE, 1993:15), onde se destacaram JAKOBSON e HJELMSLEV, por ser a língua um sis- tema fechado sobre si mesmo, que se define numa relação de interdependência de elementos em seu interior, onde se estrutura o seu objeto. “O estruturalismo de ver- tente saussuriana define as estruturas da língua em função da relação que elas es- tabelecem entre si no interior de um mesmo sistema lingüístico” (MUSSALIM, 2001:102, vol. 2). As relações entre os elementos da estrutura formam um conjunto organizado de modo que cada elemento afeta o outro. A posição de cada elemento depende da relação que estabelece com os demais do conjunto. Apesar do alcance que tomou mais tarde, a repercussão da obra saussuriana fora fraca a princípio, e só alcançou o meio intelectual ampliando-se, cerca de cin- qüenta anos após seu lançamento, embora JAKOBSON – desde o I Congresso In- ternacional de Lingüística, em Haia (1928) – já antevisse que seria deslanchado o movimento estruturalista. JAKOBSON, um estudioso da linguagem poética, contribu- iu grandemente para a difusão do estruturalismo no Ocidente como vice-presidente do Círculo de Praga –, especialmente em virtude daquele congresso. O estruturalismo vê seu sucesso na França no encontro das idéias de dois grandes mestres: o antropólogo CLAUDE LÉVI-STRAUSS e o lingüista ROMAN JAKOBSON. O estruturalismo pode ser identificado com a figura-chave de CLAUDE LÉVI-STRAUSS. Ele adota o modelo fonológico de JAKOBSON, com quem mantém intensa interlocução, que possibilita lançar luzes no campo da antropologia.
  • 24. 13 O nosso trabalho não é analisar toda a subtileza com que Lévi-Strauss estabelece os sis- temas de parentesco no decorrer da sua investigação e de que o seu livro Les Structures élementaires de la parenté (1949) é a súmula magistral. Queremos apenas sublinhar como é que a problemática da linguagem, ou até mesmo uma ciência particular da lín- gua, a fonologia, se tornou a alavanca de uma nova ciência num outro domínio, a antro- pologia estrutural, permitindo-lhe assim descobrir as leis fundamentais nas quais se ba- seia a comunicação, isto é, a comunidade humana (KRISTEVA, 1969: 346). LÉVI-STRAUSS (1989) estudou os sistemas de parentesco da mesma manei- ra que o lingüista estudava os fonemas, de modo que os termos de parentesco eram comparados a elementos de significação, e que, como os fonemas, adquirem esta significação quando se integram em sistemas. Nenhuma ciência pode, hoje considerar as estruturas que lhe dizem respeito como redu- tíveis a um arranjo qualquer de algumas partes. Só é estruturado o arranjo que preencha essas duas condições: ser um sistema, regido por uma coesão interna; e esta coesão, inacessível à observação de um sistema isolado, revelar-se no estudo das transformações, graças às quais encontram-se propriedades similares em sistemas aparentemente diferentes. Como escrevia Goethe: “Todas as formas são semelhantes, e nenhuma é igual às outras, de tal modo que sua harmonização conduz a uma lei escondida”. Esta convergência de perspectivas científicas é muito reconfortante para as ciências se- miológicas, de que faz parte a antropologia social, pois os signos e símbolos não podem desempenhar seu papel senão na medida que pertençam a sistemas regidos por leis in- ternas de implicação e exclusão; e porque a característica de um sistema de signos é ser transformável, ou ainda, traduzível na linguagem de um outro sistema com a ajuda de substituições (LÉVI-STRAUSS, 1989: 26). LÉVI-STRAUSS, ao assimilar o corte saussuriano, aprofunda-se na relação entre significante e significado e “adapta-a ao terreno antropológico ao atribuir ao significante o lugar da estrutura e ao significado o do sentido, ao passo que em Saussure trata-se, antes, de opor som e conceito” (DOSSE, 1993: 43). Apontou a correspondência entre a estrutura da língua e o sistema formal de parentesco, con- siderando-o como uma linguagem. [...] a antropologia tornou-se o domínio principal ao qual se aplicou uma metodologia próxima da lingüística. Podemos dizer por conseguinte que, sem se apresentar explici- tamente como uma semiótica e sem se entregar propriamente a uma reflexão e a uma exploração sobre a natureza do signo, a antropologia estrutural é uma semiótica, na me- dida em que considera como linguagens os fenômenos antropológicos e lhes aplica o processo de descrição próprio da lingüística (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 343). SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) deixou em aberto um espaço à Semiologia para que no futuro ela fosse chamada a ocupar seu lugar nas ciências humanas, trazendo sua contribuição para a compreensão do signo em sua face social. Se por um lado há o estudo do mecanismo do signo no indivíduo, que é do campo do psí-
  • 25. 14 quico, há por outro a semiologia4 , que é a ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social. Acabamos de ver que a língua constitui uma instituição social, mas ela se distingue por vários traços das outras instituições políticas, jurídicas etc.... A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparável, por isso, à escri- ta, ao alfabeto dos surdo-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares etc., etc.. Ela é apenas o principal desses sistemas. Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida so- cial; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia ge- ral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego sêmeion, "signo"). Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 24). LÉVI-STRAUSS vai inscrever a antropologia neste espaço aberto e ante-visto por SAUSSURE como uma ciência geral dos signos, a que chamou semiologia, on- de inscreve ele próprio a lingüística como sistema principal. Para LÉVI-STRAUSS (1989) a antropologia é uma espécie de semiologia por ocupar-se justamente da es- crita dos povos, do alfabeto dos surdo-mudos, dos ritos simbólicos, dos sinais milita- res, além de ocupar-se também dos sistemas de parentesco, das regras e rituais de casamento, das regras de incesto, dos tabus e etc. Para LÉVI-STRAUSS as ciências humanas serão tanto mais científicas quan- to menos humanas forem  o que expressa sinteticamente o pensamento estrutura- lista, que se opunha ao humanismo então vigente. “Essa negação do homem, já do ângulo morto do horizonte saussuriano, também vai passar a ser um elemento es- sencial do paradigma estruturalista, para além do campo lingüístico” (DOSSE, 1993: 73). Para LÉVI-STRAUSS a finalidade última das ciências humanas foi dissolver o homem, diluindo-o na estruturalidade da linguagem. O estruturalismo pôs em xeque a centralidade da subjetividade do homem ao propor um jogo combinatório para de- finir a estrutura da linguagem humana. Caracterizou-se por dar uma nova direção às ciências ditas humanas, que estavam impregnadas da filosofia humanista e não dis- punham de formas objetivas de estudar o homem. 4 Roland Barthes inverte a importância da lingüística em relação à Semiologia, dizendo que todos os códigos e comportamentos são perpassados pela linguagem, ou seja, "qualquer sistema semiológico, repassa-se de linguagem"(1992: 12).
  • 26. 15 É a partir destes estudos aritméticos  caso se entenda por aritmético não apenas a ma- nipulação das coleções de objetos, mas também a compreensão do alcance destas ope- rações combinatórias, que vai além de qualquer espécie de dado que se poderia deduzir experimentalmente da relação vital do sujeito com o mundo  que Lévi- Strauss demons- tra haver uma classificação correta daquilo que as estruturas elementares do parentesco nos apresentam. Isto supõe que as instâncias simbólicas estejam funcionando na socie- dade desde a origem, desde o momento em que ela aparece como humana. Ora, é o que supõe igualmente o inconsciente tal como o descobrimos e manipulamos na análise (LACAN, 1985 :15?). Ao excluir o locutor da fala – ou o sujeito do discurso –, a lingüística paga um pesado tributo para ser aceita como disciplina científica. É neste ponto que intervém a psicanálise ao privilegiar o lugar do sujeito do inconsciente na fala, no discurso, mesmo pagando por isto, a certa altura, o preço de ter de declarar-se antiestrutura- lista. A subjetividade humana deixou de ser invocada a partir da análise de que o sentido do discurso emerge da combinação de elementos, que, somente nesta con- dição de combinados passam a significar algo, já que por trás do sentido aparente há sempre um não sentido. O homem é construído pela estrutura da linguagem cujo centro é apenas um lugar vazio, uma brecha aberta. Assim, não é o mundo enquan- to experiência das coisas que ensina, mas a linguagem. A suposta interioridade do homem é efeito literário, fala em forma de pensamentos, escrita “mental” que cria a suposta ‘‘subjetividade’’ humana. EDUARDO PRADO COELHO (1967), em seu prefácio à antologia Estrutura- lismo, por ele organizada, onde reúne a nata dos estruturalistas – principais expoen- tes no assunto –, nos fala do alto de sua visão panorâmica sobre as circunvoluções, antagonismos e convergências deste movimento. Para ele, o estruturalismo não é uma filosofia, mas traz implícitas várias filosofias, pois, em seu interior, a partir dos atritos entre suas diferentes engrenagens um engenhoso motor o pôs em movimen- to, carregando inúmeros conceitos. O estruturalismo perpassa a etnologia, a psica- nálise, a lingüística, o materialismo histórico, a sociologia, etc. De certo modo in- compatíveis, o que une estas Ciências ou “pseudociências” é a problemática comum de que tratam.
  • 27. 16 Para LÉVI-STRAUSS, a estrutura nunca existe na realidade concreta, mas é ela que de- fine o sistema de relações e transformações possíveis dessa realidade. ...[é a] lei ou con- junto de leis que delimitam e determinam as modificações possíveis dos elementos do sistema. Neste caso, a estrutura é um sistema de relações, é a sintaxe das transforma- ções possíveis. (COELHO, 1967: XXV-XXVI). Para COELHO (1967), LACAN e LÉVI-STRAUSS fundamentam o estrutura- lismo em uma “razão natural” baseada na estrutura da linguagem. Letra e Lei inscre- vem uma nova ordem que sobrepuja a natureza: a ordem simbólica. Assim, mencio- na na instituição da estrutura edipiana, que ocorre no 3° momento do “Estádio do espelho”, a introdução da ordem simbólica pelo Outro, pelo Pai, que se introduz en- tre a criança e sua imagem especular, como elemento interditor da relação dual e imaginária. Por conseguinte, a sociedade tem uma origem simbólica. Proibindo o incesto, o pai ins- taura a Lei e a Lei é a ordem da linguagem que vai constituir o sujeito: daí a importância do nome como lugar onde cada um de nós se vai inserir e encontrar (COELHO, 1967: XLVII). Conclui COELHO que a grande descoberta de FREUD “[...] É a descoberta da incidência na natureza do homem das suas relações com a ordem simbólica” (p. XLVIII) para articular com LACAN “E se a ordem simbólica é contituída pelo Outro (o terceiro, o Pai, a Lei), compreendemos assim a fórmula central de Lacan incessan- temente repetida: o inconsciente é o discurso do Outro” (p. XLVIII). Se o discurso científico depende da eficácia dos conceitos que nele se produ- zem, por sua vez o estruturalismo constrói uma ciência sem subjetividade. Isto mos- tra que o homem é um efeito da estrutura e a ela se atém. Não há liberdade do ho- mem, portanto, pois ele é aquilo que espelha do Outro – Campo dos significantes para LACAN. A linguagem produz o homem, que é falado, é agido. “Ao mesmo tem- po racional e irracional, o estruturalismo aponta para o estabelecimento do sistema significante que determina a cultura na qual o homem se insere e a ‘natureza’ deste próprio ‘homem’” (COELHO, 1967: XLVII). COELHO (1967) ressalta que LACAN considera o inconsciente freudiano, tal como LÉVI-STRAUSS considera as sociedades: um sistema simbólico. Praticantes da função simbólica, é espantoso que nos esquivemos de aprofunda-la, a ponto de desconhecer que é ela que nos situa no cerne do movimento que instaura uma nova ordem das ciências, com um novo questionamento da antropologia (LACAN, 1957: 285).
  • 28. 17 Destaca na teoria do “Estádio do espelho” de LACAN (1936), estádio vivido por um bebê de 06-18 meses, o modelo ideológico de reprodução do pensamento dominante, constitutivo de um EU alienado ao Outro tomado como um espelho onde a imagem egóica se projeta. Aquela imagem que é tomada para si, do Outro, é o elemento de troca simbólica pelo qual este ser se torna humano, passando de uma existência animal, à uma existência humana pela instauração da ordem simbólica, “...e esta ordem simbólica é formalmente igual à ordem da linguagem” (Ibidem: XLIV- XLV). Quanto às relações entre estrutura (sincronia) e história (diacronia), não afirma que haja uma imobilidade da história na estrutura, nem propriamente uma oposição entre elas: [...] a estrutura é a sintaxe das transformações possíveis num determinado conjunto, de modo algum se poderá acusar o ‘estruturalismo’ de mutilar o dinamismo da realidade e de ser fixista. Pelo contrário, só uma análise estrutural nos permite ultrapassar uma aná- lise meramente empírica da sucessão dos fatos (Ibidem: XXXIII). COELHO (1967) concluiu que a estrutura não é acessível ao conhecimento empírico, até porque ela própria suscita esta inacessibilidade, e estruturalismo é um anti-historicismo, pois seu estudo é acrônico. A estruturalidade da estrutura não tem centro, pois ele é ausente, não sendo o estruturalismo nem uma psicologia nem uma sociologia, opondo-se, pois a elas. O sistema de leis que regem as transformações possíveis de um conjunto é o que se pode tomar como sendo a estruturalidade, po- dendo essas transformações se realizarem ou no espaço, tendo em vista o método sincrônico, ou no tempo, visando-se o método diacrônico. “A estruturalidade é, por conseguinte, acrônica” (p.: XXXIII). Mas LÉVI-STRAUSS não despreza a história: O fato de que as análises estruturais se situem voluntariamente no nível da sincronia, não significa que elas voltem as costas à história. Por toda a parte onde existe, a história não poderia ser ignorada, pois, por um lado multiplica, pela dimensão do tempo, a quan- tidade dos níveis sincrônicos disponíveis,e , por outro lado, pelo próprio fato de já se te- rem realizado, os níveis passados são postos fora do alcance das ilusões da subjetivida- de, e podem, em conseqüência, servir para controlar as incertezas da percepção intuitiva e as ilusões de uma fascinação recíproca que, por mais tentadora que seja, se arrisca sempre a engendrar a conivência às custas da verdade (LÉVI-STRAUSS, 1989: 282). JAKOBSON em suas divergências com as teses saussurianas, adicionou o termo funcional ao Sistema da língua de SAUSSURE, por conceber que a língua só existe em funcionamento (DOSSE, 1993: 79-80). Outra dissidência do lingüista de Praga refere-se ao que chamou de sincronia dinâmica, que pretende opor a visão
  • 29. 18 estática da estrutura encontrada no corte sincrônico da língua. Prefere, à cesura di- cotômica diacronia/sincronia saussuriana, a sincronia enquanto dinâmica, fazendo divergir sincrônico de estático. Em primeiro lugar, o Círculo de Praga definiu a sua cooperação da língua como um sis- tema funcional. [...] Por outro lado, as teses de Praga também divergem do corte saussu- riano diacronia/sincronia, recusando-se a aceitar essa cesura como uma barreira in- transponível. Jakobson recusa por diversas vezes essa linha divisória e prefere-lhe a no- ção de sincronia dinâmica.... Mais do que um modelo lingüístico, o que vai constituir o núcleo racional do estruturalismo, o modelo dos modelos, é a fonologia estrutural (DOSSE, 1993: 80). JAKOBSON considera o código fonemático binário como uma linguagem for- mal matemática. É ele quem vai abrir espaço para a entrada da psicanálise no mo- vimento estruturalista a partir do modelo fonológico de estrutura em seus estudos sobre dois tipos de afasia: deficiência na seleção (distúrbio de similaridade) e defici- ência de contexto (distúrbio de contigüidade). Num tipo, o distúrbio se dá no eixo associativo; noutro, no sintagmático. Com efeito, ele distingue nesse distúrbio da linguagem dois tipos de alteração que permi- tem reconstituir os mecanismos de aquisição da linguagem, portanto de suas leis pró- prias, e extrair ensinamentos clínicos sobre os dois tipos de disfunção (Ibidem: 81). LACAN recebe as influências dos estudos fonológicos de JAKOBSON e rela- cionará os distúrbios de contigüidade e de similaridade às noções freudianas de des- locamento e de condensação, como formuladas na Interpretação dos sonhos, pas- sando a explicar assim o modo de funcionamento do inconsciente, como veremos no capítulo II. Para LACAN “a forma de matematização em que se inscreve a desco- berta do fonema como função dos pares de oposição compostos pelos menores e- lementos discriminativos captáveis da semântica”, acabaria por nos levar aos fun- damentos da doutrina freudiana por apontar “numa conotação vocálica da presença e da ausência, as origens subjetivas da função simbólica” (1953: 286). Para ele a psicanálise deve se aparelhar tal como se aparelha a Antropologia “decifrando os mitos segundo a sincronia dos mitemas”, pois para LACAN o terreno onde se assen- ta as estruturas da linguagem é o terreno onde FREUD assenta o inconsciente. Não é patente que um Lévi-Strauss, ao sugerir a implicação das estruturas da linguagem e da parte das leis sociais que rege a aliança e o parentesco, já vai conquistando o ter- reno mesmo em que Freud assenta o inconsciente? (LACAN, 1953: 286). LÉVI-STRAUSS em seus trabalhos antropológicos estruturalistas uniu “as du- as ciências faróis do grande período estruturalista: a antropologia e a psicanálise,
  • 30. 19 apoiando-se ambas numa outra ciência (ciência piloto), verdadeiro modelo heurísti- co: a lingüística” (DOSSE, 1993: 49). Para ele o estruturalismo é a ciência do simbó- lico e neste o código precede a mensagem, é independente dela, assim como para LACAN o sujeito está submetido à lógica do significante, às suas leis, que sobre ele se abate em forma de estrutura da linguagem. A noção de estrutura merece por si mesma que nos detenhamos nela. Tal como a faze- mos funcionar eficazmente na análise, ela implica um certo número de coordenadas, e a própria noção de coordenada dela faz parte. A estrutura é em primeiro lugar um grupo de elementos formando um conjunto covariante. Eu disse um conjunto, e não uma totalidade. Com efeito, a noção de estrutura é analíti- ca. A estrutura se estabelece sempre pela referência de algo que é coerente com algo diverso, que lhe é complementar. Mas a noção de totalidade só intervém se lidamos com uma relação fechada com um correspondente, de que a estrutura é solidária. Pode ha- ver, ao contrário, uma relação aberta, que chamaremos suplementaridade [...] Penso que vocês já estão bastante avançados para compreender que a noção de estru- tura já é por si própria uma manifestação do significante. O pouco que acabo de indicar- lhes sobre sua dinâmica, sobre o que ela implica, dirige vocês em direção à noção de significante (LACAN, 1955-56: 209-210). A lingüística, assim como ocupou o papel de vanguarda para a Antropologia contemporânea e outras ciências humanas, para LACAN se pôs como um guia para a psicanálise. Mas, hoje em dia, vindo as ciências conjecturais resgatar a noção da ciência de sempre, elas nos obrigam a rever a classificação das ciências que herdamos do século XIX, num sentido que os espíritos mais lúcidos denotam claramente. Basta acompanharmos a evolução concreta das disciplinas para nos apercebermos dis- so. A lingüística pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desem- penha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indife- rentes (LACAN, 1953: 285-286). É inegável a participação de LACAN no movimento estruturalista, dentro do qual desenvolveu suas originais idéias sobre a estrutura do inconsciente. Mas de tudo que foi dito até então, podemos definir LACAN como um estruturalista? Este é o pomo da discórdia para os lacanianos. Por um lado, Lacan participa efetivamente do fenômeno estruturalista, visto que extrai sua noção de estrutura de Jakobson por intermédio de Lévi-Strauss, mas se dissocia de- le porque a estrutura dos estruturalistas “é coerente e completa, ao passo que a estrutu- ra lacaniana é antinômica e descompletada” [MILLER, Ornicar]. ... Diferentemente da es- trutura saussuriana, que se apresenta em oposição e se define pela completação entre significante e significado, o sujeito do inconsciente da estrutura lacaniana mantém-se fundamentalmente inacessível. Permanece cindido para sempre, além de toda possibili- dade de apreensão, ausência de ser, sempre em outro lugar (DOSSE, 1993: 146-7).
  • 31. 20 Podemos pensar com as conjecturas de MILLER (1988) que, ao traçar o per- curso de LACAN pelos estudos da linguagem, definindo-o em três tempos, procurou destacar o posicionamento lacaniano do estruturalismo: Em um primeiro sentido, Lacan é estruturalista, e sua noção de estrutura lhe vem de Roman Jakobson, por intermédio de Claude Lévi-strauss, e também diretamente de seu trabalho com Jakobson que, efetivamente, pode ser situado entre seus mestres e seus amigos . Em um segundo sentido, Lacan é estruturalista, mas um estruturalista radical, pois se ocupa da conjunção entre a estrutura e o sujeito, enquanto a própria questão não existe para os estruturalistas, fica reduzida, é um zero. Lacan, ao contrário, tentou elaborar qual é o estatuto do sujeito compatível com a idéia de estrutura . Em um terceiro sentido, Lacan não é de modo algum estruturalista, pois a estrutura dos estruturalistas é uma estrutura coerente e completa (por princípio, a estrutura diacrítica é completa), enquanto a estrutura lacaniana é fundamentalmente antinômica e incompleta. Diria que o primeiro dos três aspectos é bem conhecido, e que os outros dois são muito menos conhecidos” ( MILLER, 1988: 24). O posicionamento da teoria lacaniana é que a estrutura em jogo para a psica- nálise é uma outra por LACAN edificada – embora inspirando-se na criação de SAUSSURE – conforme reafirma COUTINHO JORGE (2000), de modo esclarece- dor: Lacan foi erroneamente considerado como um teórico estruturalista, pois o termo estrutu- ra, comparecente em sua assertiva “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, não deve ser tomado no sentido estruturalista, mas sim no sentido psicanalítico. Trata- se, na estrutura em jogo na lingüística, de uma estrutura de exclusão do sujeito, ao passo que, na psicanálise, de uma estrutura de inclusão do sujeito. Assim, tal asserti- va lacaniana deve ser compreendida à luz daquela outra que afirma que “o inconsciente é o discurso do Outro”, na qual se depreende, por um lado, a necessária referência à fa- la, ao discurso do sujeito, e, por outro lado, ao Outro enquanto lugar de absoluta alteri- dade dos significantes (p. 79). A estrutura da linguagem para LACAN, não existe fora de seu funcionamento. É na linguagem em funcionamento, ou seja, no discurso, que vamos encontrar o su- jeito do inconsciente em ação, já que é no âmbito da fala que ele se apresenta.
  • 32. 21 I. 1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM: a exclusão do sujeito. Portanto a língua aparece não como evolução, árvore genealógica, história, mas como estrutura, com leis e regras de funcionamento que se trata de descrever. A separação língua/fala, paradigma/ sintagma, sincronia/ diacro- nia... marca bem esta orientação da lingüística para a língua, para o para- digma e para a sincronia mais do que para a fala, para o sintagma e para a diacronia. KRISTEVA, 1969: 252 Se antes do advento da lingüística saussuriana importavam as origens, as ra- ízes e a história de uma língua – a diacronia – há uma mudança no paradigma, en- tão vigente, ao definir-se e introduzir-se uma dimensão sincrônica da linguagem que aponta um sistema (estrutura) presente na língua, importando não somente o antes ou o depois histórico das palavras, mas também o elemento estrutural passível de ser encontrado repetidamente em todos os segmentos da estrutura: "a cada instan- te, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é um produto atual e produto do passado" ((1970/1ª ed. bras.: 16) nos diz SAUSSURE, numa autoria póstuma (1916) do Curso de Lingüística Ge- ral. Duas são as vertentes de estudo que SAUSSURE estabelece, tornando-se obje- to de estudo tanto a lingüística sincrônica, “que se ocupará das relações lógicas e psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são percebidos pela consciência coletiva”, quanto a lingüística diacrônica que “estudará, ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si.” (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 116). A sincronia é um corte metodológico com o qual visa-se observar o momento estrutural da língua para se saber como ela se estrutura.
  • 33. 22 A lingüística saussuriana assumiu uma forma lógico-matemática ao voltar seus esforços para o estudo da estrutura do sistema binário da língua, deixando ao lado, para que dela se ocupasse a filosofia, a psicologia e também a psicanálise, a questão da subjetividade a ela intrinsecamente relacionada. Para estudo, SAUSSURE estabeleceu que a linguagem comporta duas sub- divisões: o estudo da língua (langue), que em sua essência é social, e o estudo da fala (parole), que é o uso individual, subjetivo, que é feito da língua "a parte individu- al da linguagem" (1970/1ª ed. bras.: 27). Para SAUSSURE o objeto que viabilizou o estudo lingüístico foi a língua, norma de todas as outras manifestações da lingua- gem "suscetível duma definição autônoma" (1970/1ª ed. bras.: 17), pois a ela cabe uma definição autônoma e livre das ambigüidades da linguagem, esta que, enquanto objeto, pode sê-lo de várias ciências. A fala, concebida por ele como acessória à língua, restringe-se ao uso subjetivo da língua. A fala é a articulação criativa da lín- gua – em cujos entremeios e falhas discursivas a psicanálise vislumbrará a ação de um sujeito. MICHEL ARRIVÉ (1999), na primeira parte de Linguagem e psicanálise, Lin- güística e Inconsciente, aponta que é um erro comum entre lingüistas afirmar que SAUSSURE exclui da lingüística “tudo o que é utilização pelo ‘sujeito falante’ do có- digo da língua”. Afirma que este erro não foi cometido por LACAN que reconheceu a importância da fala na obra de SAUSSURE. Ressalta ele que dentro da hierarquia proposta por SAUSSURE entre a língua – essencial – e a fala – acessória –, SAUSSURE acabou por também desenvolver uma lingüística da fala: “Temos aqui, claramente, a instauração da lingüística da enunciação, sob o nome de lingüística da fala” (1970/1ª ed. bras.: 37). SAUSSURE, na verdade, incluiu a fala no campo da lingüística como acessória à língua, dando reconhecimento de seu lugar, mesmo que secundário, dentro destes estudos. Através do circuito da fala entre duas pessoas A e B SAUSSURE nos mostra a linguagem em funcionamento e a língua, nela presente e dela destacável:
  • 34. 23 Suponhamos que um dado conceito suscite no cérebro uma imagem acústica corres- pondente: é um fenômeno inteiramente psíquico, seguido, por sua vez, de um processo fisiológico: o cérebro transmite aos órgãos da fonação um impulso correlativo da ima- gem; depois as ondas sonoras se propagam da boca de A até o ouvido de B: processo puramente físico. Em seguida, o circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi- do ao cérebro, transmissão fisiológica da imagem acústica; no cérebro, associação psí- quica dessa imagem com o conceito correspondente (1970/1ª ed. bras.: 19). O sistema saussuriano é composto de dicotomias não-excludentes que mos- tram um sistema da linguagem dual em que vige a diferença: língua-fala, sincronia- diacronia, significante-significado, eixo associativo-eixo sintagmático. A principal di- cotomia saussuriana é a que operacionaliza o funcionamento do signo: uma unidade lingüística estrutural une um conceito a uma imagem acústica, um significado a um significante, ambos termos psíquicos indissociáveis um do outro, compondo uma totalidade sígnica com suas duas faces. O conceito vem a ser o significado e a ima- gem acústica o significante. Superpõe o significado (o desenho de uma árvore) ao significante (a palavra arbor) num algoritmo único que traduz para ele o signo lin- güístico. Para SAUSSURE os componentes do signo se associam de modo arbitrário, pois não há nenhuma ligação implícita ou natural entre os sons de uma palavra e a coisa a qual ela se refere, como por exemplo o objeto árvore e a palavra arbor. O signo é uma convenção social arbitrária, e esta é uma das suas principais caracterís- ticas. Distingue-se de símbolo já que este é semi-arbitrário, pois há uma vinculação indireta e outra direta entre a coisa representada e seu símbolo representante, como o objeto cruz, onde Cristo foi crucificado, e a palavra cruz e a cruz que vem a repre- sentar o cristianismo. O essencial da demonstração consiste em fundamentar o arbitrário do signo, em mostrar que a língua é um sistema de valores constituído não por conteúdos ou produtos de uma vivência mas por diferenças puras. Saussure oferece uma interpretação da língua que a coloca resolutamente do lado da abstração para melhor a separar do empirismo e das considerações psicologizantes (DOSSE, 1993: 65-6). Os significantes têm natureza auditiva e formam uma cadeia linear, se suce- dendo um após o outro no tempo. Temos aqui a segunda característica do signo lin- güístico, além da arbitrariedade: a impressão psíquica do som é dada materialmente pelo sentido da audição, um após o outro, em contraste um com o outro. Não há du- alidade entre eles mas diferenciações com os que estão ao lado. Para SAUSSURE (s.d.) na relação entre os termos lingüísticos que rege a cadeia sintagmática, ou se- ja, no encadeamento entre os termos lingüísticos que organiza o sintagma, um termo
  • 35. 24 adquire seu valor ao opor-se ao que o precede, se diferenciando dele e dos que o sucedem, e assim sucessivamente. A noção de valor consiste então que a significação de uma palavra, depende da relação que mantém com as outras palavras do sistema, não dependendo portan- to da relação significante-significado. Assim, uma palavra só significa em contraposi- ção a outra, o que não passou despercebido para LACAN em sua articulação com o inconsciente na teoria freudiana, como veremos adiante. A língua possui internamente relações e funções entre seus termos e sua forma é produto da coerência sintática adicionada à coerência semântica. “Todo e- lemento lingüístico [...] deve ser definido lingüisticamente apenas de acordo com su- as relações (sintagmáticas e paradigmáticas) com os outros elementos ou por fun- ção no sistema” (CARVALHO, 2000: 53). A lingüística tem como objeto de estudo científico a linguagem verbal huma- na, tomada a partir de então como um sistema de signos que expressam idéias, composto de unidades que formam um sistema de linguagem. LACAN diverge do ponto de vista saussuriano de que a língua é um sistema fechado, pois para ele a língua só existe no discurso, o que a faz vulnerável ao seu uso pelo falante. Ressal- temos, então de antemão as divergências com a teoria lingüística, que proporciona- ram a LACAN formular a questão em seus próprios moldes, uma vez que SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) procurou isolar o objeto língua das afetações do su- jeito para, justamente, objetivar seu estudo. SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) encon- tra a objetividade da língua no fato de ser ela um objeto de ordem coletiva, social. Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é que se formam as marcas que chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. De que maneira se deve representar esse produto social para que a língua apareça perfei- tamente desembaraçada do restante? Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a língua (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 21). LACAN em A instância da letra no inconsciente inverte a composição do signo saussuriano (significado /significante), ressaltando a prevalência do significante so- bre o significado (Significante /significado) (1957: 500), pois o significado desliza sob o significante. Para ele “o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sen- tido, desdobrando como que adiante dele sua dimensão” (1957: 505). O significado
  • 36. 25 não é inerente ao significante enquanto conceito, já que o significante pode produzir muitos outros sentidos. “Donde se pode dizer que é na cadeia significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse mesmo momento” (1957: 506). E mais adiante conclui “Impõe-se , portanto, a noção de um deslizamento incessante do significado sob o significante” como o esquema com as duas sinuosidades A e B que SAUSSURE superpõe, ilustrando o plano das “idéias confusas (A) sôbre o plano não menos inde- terminado dos sons (B)” (1970/1ª ed. bras.:131) – dois planos da língua. Para LACAN, diferentemente do que para SAUSSURE, o significante não forma com o significado uma unidade indissolúvel. Além de estarem invertidos, na fórmula lacaniana, em relação à fórmula saussuriana, significante e significado pas- sam a estar separados por uma espessa barra, pois, ao invés de formarem uma uni- dade estrutural, encontram uma barreira resistente à significação. Os significantes são independentes dos significados pois equivocam e evocam sentidos diversos, quando articulados entre eles em cadeia  o que indica que os sentidos, em detri- mento do significado, surgem entre significantes, no intervalo destes. A temática dessa ciência, por conseguinte, está efetivamente presa à posição primordial do significante e do significado, como ordens distintas e inicialmente separadas por uma barreira resistente à significação. Eis o que tornará possível um estudo exato das ligações próprias do significante e da amplitude da função destas na gênese do significado. .... Por esta via, as coisas não podem fazer mais que demonstrar que nenhuma significa- ção se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação... (LACAN, 1957: 500- 501). Isto quer dizer que, para LACAN, o significante não tem significado, mas a significação é estabelecida nas relações “sintagmáticas” e “paradigmáticas” (asso- ciativas para SAUSSURE) entre significantes. Uma vez os significantes organizados num sintagma, encontraremos significação, sentido, produzido no discurso do falan- te, onde para este mestre, a língua habita. Por fim, o princípio da primazia do significante instaura na linguagem analisada uma sin- taxe que passa por cima do sentido linear da cadeia falada e liga unidades significantes localizadas em diversos morfemas do texto, seguindo uma lógica combinatória (KRISTEVA, 1969: 317).
  • 37. 26 Para LACAN a significação só se torna estanque no “ponto de basta”5 onde o significante reconhece o significado como seu par, onde se amarram duas faces em um só signo lingüístico, onde o desejo se estanca. É aqui que o significante faz sig- no para alguém. “Existem pontos de basta, portanto, mas eles deixam uma certa elasticidade nas ligações entre dois termos” (LACAN, 1957-58: 15). LACAN vai à exaustão para dissecar o que seja o significante, pinçado por ele em primazia sobre o significado: “Com efeito, o significante é primeiro aquilo que tem efeito de significado, e importa não elidir que, entre os dois, há algo de barrado a atravessar” (LACAN, 1972-73: 29). A fonologia jakobsoniana é o seu suporte: Esta maneira de topologizar o que é da linguagem é ilustrada da maneira mais admirável pela fonologia, no que ela encarna o significante no fonema. Mas o significante não pode limitar-se de modo algum a esse suporte fonemático. De novo – o que é um significante? (LACAN, 1972-73: 29). Neste caso, o significante é autônomo e destaca-se do significado no discur- so, produzindo um sentido outro, diferente e independente do significado intencional consciente. “Ligada a esta problemática da produção do sentido e do sujeito na lin- guagem, a psicanálise promete uma outra: a do primado (sincrônico) do significante sobre o significado” (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 316-317). Para KRISTEVA pensar o significado separado do significante, desmembran- do o signo, numa psicanálise, é o que permite dividir a linguagem em camadas, es- cutando e apontando um discurso do inconsciente. A não correspondência entre os significantes e os significados se dá por terem eles características próprias, sendo desta inadequação que se origina a mudança constante da língua. A incompletude do signo gera constantes tentativas de ajustar os significados aos significantes. SAUSSURE estabeleceu duas esferas distintas da atividade mental em que se desenvolvem as relações e as diferenças entre os termos lingüísticos: a esfera associativa e a sintagmática – que compõem a totalidade das possibilidades de rela- ções entre os termos lingüísticos. 5 LACAN fala em “pontos de basta”, como uma técnica do estofador, em que um tecido superficial se prende a outro que lhe está subjacente, num ponto, deixando as duas camadas de tecido superpos- tas e praticamente soltas.
  • 38. 27 Dois modos de alinhamento permitem a intelegibilidade da combinatória interna da lín- gua: as relações de contigüidade, chamadas sintagmáticas, lineares, e as relações in absentia, a que Saussure chama relações associativas, e que serão retomadas mais tar- de na noção de paradigma (DOSSE, 1993: 71). A língua é uma estrutura que pré-existe à fala, ao ato de fala, condição para sua realização, e oferece as associações dos termos lingüísticos – num eixo vertical da linguagem – que vão se organizar linearmente num sintagma – eixo horizontal. Esta estrutura se organiza em ausência, na fala cotidiana. De um lado, no discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadea- mento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pro- nunciar dois elementos ao mesmo tempo. [...] Colocado num sintagma, um termo só ad- quire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou ambos. Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diver- sas (SAUSSURE, s.d.: 142-143). O significante é de ordem material, reafirma LACAN (1957), e forma com ou- tros uma cadeia de elementos diferenciais e opositivos. Para LACAN um significante remete na verdade a um outro significante, que assim organizados num sintagma, se diferenciam entre eles dos que o antecedem e o sucedem, tal como a definição de sintagma de SAUSSURE, cujas relações sintagmáticas que se dão em termos de encadeamento entre significantes. O que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu tenho, justa- mente na mediada em que sua língua me é comum com outros sujeitos, isto é, em que essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente diferente do que ela diz (LACAN, 1957: 508). Segundo COELHO (1967: XVIII), se para SAUSSURE cada elemento da lin- guagem “define-se negativamente pelas diferenças que estabelece com todos os outros elementos do sistema. Por conseguinte, numa mesma língua, apenas existem diferenças”, conclui-se que não está implícita no termo lingüístico a relação com o que ele deve designar, mas nas relações de diferença que este termo estabelece com os que lhe antecedem ou sucedem. [...] em qualquer sistema simbólico, o significante excede o significado: a linguagem (co- mo significante) é criada de uma só vez, mas tudo o que se pode dizer através da lin- guagem (significado) só ao longo da história se vai revelando e só poderá cessar com o fim da história” (COELHO, 1967: XXXVI). Se então os termos valem pelas diferenças recíprocas entre eles, também o significado se define a partir de uma relação de diferenças no interior do sistema;
  • 39. 28 como os fonemas [p] e [t], homem se define com relação à mulher por ser [-feminino] e em relação a homem, cachorro se define por ser [+quadrúpede]. De acordo com a definição clássica, os fonemas são elementos desprovidos de significa- ção, mas que servem, em virtude de sua presença ou ausência, para diferenciar termos – as palavras – que possuem, eles mesmos, um sentido. Se estas palavras parecem ar- bitrárias quanto à sua forma sonora, não é somente por serem o produto grandemente aleatório (talvez, aliás, menos do que se crê) das combinações possíveis entre os fone- mas, que cada língua autoriza em número muito elevado. A contingência das formas verbais vem sobretudo do fato de que suas unidades constitutivas – os fonemas – são elas próprias indeterminadas sob a relação da significação: nada predestina certas com- binações sonoras a veicular tal ou qual sentido. Já tentamos demonstrar anteriormente que a estruturação do vocabulário se opera em outro nível: a posteriori e não a priori (LÉVI-STRAUSS, 1989: 149). Cada termo lingüístico que é falado remete-nos a outros termos da língua, numa associação de palavras pertencentes ao sistema da língua. Cada termo, por- tanto, não se apresenta isolado de seu conjunto, o que projeta o liame social que constitui a língua. SAUSSURE estabelece, portanto, duas esferas distintas da atividade mental em que se desenvolvem as relações e as diferenças entre os termos lingüísticos: a esfera sintagmática e a associativa. A noção de sintagma se aplica não só às pala- vras mas também a grupos delas, como as frases. A associação mental aproxima os termos que apresentem algo comum, porém através de diversas formas de rela- ções, entre sons, entre significados ou entre morfemas6 . No mecanismo da língua, encontramos então um conjunto de relações comparativas que estabelecem e presi- dem o seu funcionamento. Concluindo com SAUSSURE as duas esferas distintas da atividade mental em que se desenvolvem as diferenças e as relações entre os ter- mos lingüísticos correspondem a dois eixos: o eixo horizontal – da esfera sintagmáti- ca – em que os elementos são encadeados em linearidade, de modo a opor-se com os que o antecedem e o sucedem, e o eixo vertical  da esfera associativa – em que os termos da linguagem7 se associam na memória, formando grupos. Falar implica a seleção de certas entidades lingüísticas e sua combinação em unidades lingüísticas de mais alto grau de complexidade. Isto se evidencia imediatamente ao nível lexical: quem fala seleciona palavras e as combina em frases, de acôrdo com o sistema sintático da língua que utiliza; as frases, por sua vez, são combinadas em enunciados. Mas o que fala não é de modo algum um agente completamente livre na sua escolha de palavras: a seleção (exceto casos raros de efetivo neologismo) deve ser feita a partir do 6 Os morfemas são as menores unidades significativas das palavras. 7 Roland Barthes (1992) aproxima o plano associativo à língua (langue) e o plano sintagmático à fala (parole).
  • 40. 29 repertório lexical que êle próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum (JAKOBSON, 1995: 37). Para JAKOBSON (1995) então, dois são os modos de arranjo do signo lin- güístico: a combinação e a seleção. A combinação dá o contexto ao signo, ligando-o aos demais em um agrupamento. A seleção implica numa substituição na medida que quando um significante é escolhido, ele o é entre termos alternativos, o que o faz substituível por outro. Combinação e seleção são as duas operações efetuadas pelos eixos sintagmático e associativo (paradigmático) da linguagem. “O destinatário percebe que o enunciado dado (mensagem) é uma combinação de partes constituin- tes (frase, palavras, fonemas etc.) selecionadas do repertório de tôdas as partes constituintes possíveis (código)“ (JAKOBSON, 1995: 40). A partir desta reflexão, prossegue ele estabelecendo a interligação entre contexto e substituição e a relação lógica da contigüidade e da similaridade. Os constituintes de um contexto têm um estatuto de contigüidade, enquanto num grupo de substituição os signos estão ligados entre si por diferentes graus de similaridade, que oscilam entre a equivalência dos sinônimos e o fundo comum (common core) dos antô- nimos (JAKOBSON, 1995: 40). É a partir destes esclarecimentos que JAKOBSON vai distinguir dois tipos de afasia, que veremos no próximo capítulo: distúrbio de combinação e distúrbio de se- leção. ARRIVÉ (1999) nos lembra que SAUSSURE une no signo “um conceito e uma imagem acústica”, e não uma coisa e um nome. A “coisa” que SAUSSURE ex- cluiu do signo, ao defini-lo, é o que os semioticistas chamam de referente, como também o enfatiza DOSSE: O signo lingüístico une não uma coisa ao seu nome, mas um conceito a uma imagem acústica num vínculo arbitrário que remete a realidade, o referente, para o exterior do campo do estudo a fim de definir a perspectiva, por definição restrita, do lingüista. O sig- no saussuriano só envolve, portanto, a relação entre significado (o conceito) e significan- te (imagem acústica), com exclusão do referente (1993: 70). ARRIVÉ afirma que o breve esboço do que chamou de uma ”teoria da refe- renciação” feita por SAUSSURE, ao descartar a coisa – quando critica a simplicida- de inverídica da concepção da língua como nomenclatura que uniria um nome a uma coisa – pertence justamente ao campo da fala. Recorrendo a EDOUARD PICHON e a BENVENISTE, ARRIVÉ tece uma crítica a SAUSSURE, que, ao argu- mentar sobre a arbitrariedade entre significado e significante, acaba por falar do sig-
  • 41. 30 no e do referente, pois recorreu à coisa, referida nas diversas línguas, para mostrar que a palavra/som que a designa sempre varia, embora a coisa seja invariável. Se a coisa havia sido posta de lado por SAUSSURE, ela aparece em seu texto de forma contraditória. Com isto ele caiu despercebidamente na concepção da língua como nomenclatura, que havia inicialmente rejeitado. O fato de Saussure exemplificar a arbitrariedade do signo pelo recurso à diversidade das línguas suscitou críticas de Pichon e de Benveniste, na medida em que Saussure rein- troduz assim o problema do referente, do objeto, que havia sido descartado de saída na fórmula do signo (COUTINHO JORGE, 2000: 76). ARRIVÉ pondera que embora o signo seja constituído de significante e signi- ficado, faz falta que o significado tenha relação com o referente. “A mais ‘imanente’ das semânticas nunca consegue eliminar completamente o fato de que um referente deve apresentar traços compatíveis com os do significado que o assume” (1999: 44). LACAN (1957), se a princípio se equivoca, posteriormente também vai se filiar a esta reflexão crítica. Quando ele fala da diferença entre böf e o-k-s, refere-se sem querer ao fato de que es- ses dois termos se aplicam à mesma realidade. Aí está pois a coisa, expressamente ex- cluída, de início, da definição do signo, e que se introduz nela por uma desvio, instalando permanentemente a contradição (in PLG, 1, p.50) (BENVENISTE apud ARRIVÉ,1999: 43). ARRIVÉ, a título de esclarecer alguns aspectos da leitura que LACAN fez do CLG de SAUSSURE, destaca tudo que foi “importado” por LACAN de SAUSSURE. ARRIVÉ explica que a arbitrariedade é intrínseca ao signo, entre suas duas faces. “O signo é regido por dois ‘princípios’: a ‘arbitrariedade do signo’ e o ‘caráter linear do significante’. Essas duas noções serão conservadas, em condições diferentes, por Lacan” (ARRIVÉ, 1999: 41). ARRIVÉ passa a discutir a segunda característica do signo: o caráter linear do significante, que, segundo SAUSSURE, é representado em uma extensão e mensu- rável como uma linha, com os significantes em sucessão. Na verdade, ao falar da segunda característica do signo, SAUSSURE fala apenas do significante. Obrigaria que ele falasse também do significado, se tratasse do signo. Mas é a ‘cadeia da fala’ é que é afetada pela linearidade, submetida ao tempo, por causa do caráter material dos elementos fônicos que a constituem. “Vemos que a linearidade do significante não é mais do que a submissão ao tempo dos ‘significantes acústicos’, também chamados ‘elementos’” (1999:48). SAUSSURE também vai aplicar ou substituir o caráter linear do significante pelo caráter linear da língua, sem cerimônia, como diz
  • 42. 31 ARRIVÉ, e aí insere o sintagma como um encadeamento linear, fundadas sobre o caráter linear da língua. “É porque a linearidade atravessa os limites dos signos: o encadeamento dos signos é tão linear quanto o dos significantes. Sendo a língua um sistema de signos, torna-se possível falar da ‘linearidade da língua’” (ARRIVÉ, 1999: 50). SAUSSURE escreveu sobre anagramas, do que só se teve acesso em 1964 através de JEAN STAROBINSKI, que os publicou parcialmente. A partir destas pu- blicações, novo direcionamento foi dado às investigações sobre a linguagem através de JULIA KRISTEVA e JAKOBSON, trazendo, segundo o historiador DOSSE, uma segunda revolução saussuriana (1993: 72). É dentro desta segunda vertente que retornará à tona o sujeito recalcado no CLG. Se, para obter um objeto científico - a língua -, a lingüística excluiu o sujeito falante do seu horizonte, por esta segunda vertente vemo-lo adentrar pela janela novamente depois de ter sido posto porta a fora, por conta da racionalização científica a que se submeteu a Lingüística, ao des- tacar como seu objeto a língua, dentro da linguagem. “A conseqüência disto é a eli- minação do sujeito falante, do homem de fala” (DOSSE, 1993: 73). SAUSSURE meditava e fazia anotações sobre os textos védicos e saturninos da poesia sagrada da índia e de Roma e acabou por rascunhar uma teoria sobre anagramas, ao tentar ver “se não haveria um nome próprio disseminado no interior desses textos que fosse, ao mesmo tempo, o destinatário e o sentido fundamental da mensagem” (DOSSE, 1993: 72). Chegou-se a dizer que havia aí um segundo SAUSSURE, que buscava entender se havia “uma linguagem sob a linguagem, de uma codificação consciente ou inconsciente das palavras sob as palavras, uma bus- ca de estruturas latentes das quais não existe o menor traço no CLG” (DOSSE, 1993: 72). ARRIVÉ cita que LACAN vê um ponto de interlocução possível entre FREUD e SAUSSURE nos anagramas do último, que via nos versos saturninos “as mais es- tranhas pontuações da escrita”. Nos seus anagramas, SAUSSURE observa a insis- tência repetitiva das letras de uma palavra numa sentença. SAUSSURE suspeitava do caráter, intencional ou não, dos elementos anagramatizados, como se a ele fal- tasse o saber sobre o inconsciente freudiano. ARRIVÉ ressalta a também linearida- de, ou consecutividade, com que as letras insistentes aparecem. Vemos aí funcionar
  • 43. 32 uma outra lógica em ação que a dos princípios da língua, superando as regras do funcionamento linear do significante. Neste sentido, esclarece LACAN: Não há cadeia significante, com efeito, que não sustente, como que apenso na pontua- ção de cada uma de suas unidades, tudo o que se articula de contextos atestados na vertical, por assim dizer, desse ponto (1957: 507). Se LACAN, a princípio, reconheceu a origem saussuriana da teoria do signifi- cante, como sabemos por ARRIVÉ: “Limito-me, aqui, a observar que Lacan reivindi- ca plenamente o modelo saussuriano como epônimo e étimo do seu próprio ‘algorit- mo’” (1999: 77), posteriormente ele deu vida própria à sua concepção por uma lógica do significante. Falar do inconsciente é, indissoluvelmente, falar da linguagem, por exemplo sob o aspec- to do lapso, ‘quando realmente se diz alguma coisa pela palavra que falta’. Afirmando a cisão do sujeito – que nunca é aquele que sabe o que diz, supondo-se que se possa sa- ber o que se diz – Freud apenas ‘antecipa’ (e, cronologicamente, se aceitarmos o seu ponto de vista, Lacan não está inteiramente errado) a divisão fundadora, sobre o ‘corte inaugural’, marcado pela ‘barra’ que separa o significante do significado “ (ARRIVÉ, 1999: 79). ARRIVÉ ressalta a correspondência estabelecida por LACAN entre os concei- tos lingüísticos e do inconsciente freudiano, como por exemplo a sincronia do signifi- cante, que corresponderia à simultaneidade/ contemporaneidade das marcações psíquicas freudianas, já que, ressalta ainda, para LACAN a sincronia só afetaria o significante. LACAN correlaciona ainda o significante ao Vorstellungsrepräsentanz8 , que é o “significante binário”, recalcado primordial, ponto central de atração que tor- na possível todos os outros recalques. A divergência entre o algoritmo do signo saussuriano – união indissolúvel en- tre significante e significado – para o lacaniano centra-se em que, para LACAN “o signo representa alguma coisa para alguém”, numa alusão à formulação teórica do signo na Semiótica do filósofo e lógico CHARLES SANDERS PIERCE. Como nos explica KRISTEVA na teoria de Pierce “o signo é uma relação triádica que se esta- belece entre um objecto, o seu representante e o interpretante” (1969/1ª ed.: 25). Para SAUSSURE, o signo porta uma relação dual, dicotômica, embora não excludente. Com isto SAUSSURE despreza a coisa e mantém-se estritamente entre a imagem acústica e o conceito da coisa. 8 Representante representativo.
  • 44. 33 O signo ou ‘representamen’, diz Pierce, é aquilo que substitui qualquer coisa para al- guém. O signo dirige-se a alguém e evoca para ele um objecto ou um facto na ausência desse objecto e desse facto. Por isso dizemos que o signo significa ‘in absentia’ (KRISTEVA, 1969: 23). LACAN considera que o significado desliza sob o significante por haver uma barra refratária à união entre eles. “A relação do significante e do significado está longe de ser, como se diz na teoria dos conjuntos, biunívoca”. A coisa não é o signi- ficado, a coisa chamada de referente por LACAN, é representada na fala, de modo falho, pelo significado. Mas é preciso, como reconhece LACAN, que “aqui e ali, o significante ‘se amarre’ ao significado. É isso que opera o ‘ponto de basta’”(ARRIVÉ, 1999: 89), onde se amarram periodicamente significante e significado. Para LACAN (1972-1973) a suposta arbitrariedade do signo saussuriano se deslinda nesta crítica, que denuncia uma expectativa de referência ao real: [...] Ora, o que passa por arbitrário é que os efeitos de significado têm o ar de nada terem a ver com o que os causa. Só que, se eles têm o ar de nada terem a ver com o que os causa, é porque a gente es- pera que aquilo que os causa tenha certa relação com o real (p. 30-31). A crítica lacaniana sobre a exclusão do referente, na relação entre significante e significado, pesa sobre SAUSSURE, como um deslize por ele praticado. “Dizer que o significante é arbitrário não é do mesmo porte que dizer simplesmente que ele não tem relação com seu efeito de significado, pois é escorregar para uma outra referên- cia” (LACAN, 1972-73: 43). Observe-se que, aqui, para LACAN, é o significante, e não o signo – como originalmente caracterizado por SAUSSURE –, que é tomado como arbitrário. Para ele a referência do significante, encontra-se no funcionamento da linguagem, no discurso portanto: A palavra referência, na ocasião, só se pode situar pelo que constitui como liame o dis- curso. O significante como tal não se refere a nada, a não ser que se refira a um discur- so, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma utilização da linguagem como liame (LACAN, 1972-73: 43). O que é o significante para LACAN? “O significante, eu disse, se caracteriza por representar um sujeito para outro significante. Do que é que se trata no signo?” Para responder ao que é o significante ele recorre à contestação do que seja um signo, tal como considerado na teoria lingüística: “O signo não é portanto signo de alguma coisa, mas de um efeito que é aquilo que se supõe, enquanto tal, de um fun- cionamento do significante” (LACAN, 1972-1973: 68). Se o significante participa e
  • 45. 34 edifica a estrutura, um sistema simbólico, resta sempre algo de inassimilável ao sig- nificante, que está na esfera do real: o sujeito. O simbólico dá uma forma na qual se insere o sujeito no nível do seu ser. É a partir do significante que o sujeito se reconhece como sendo isto ou aquilo. A cadeia dos signifi- cantes tem um valor explicativo fundamental, e a própria noção de causalidade não é ou- tra coisa [...]. Há com efeito, algo de radicalmente inassimilável ao significante. É simplesmente, a e- xistência singular do sujeito (LACAN, 1955-1956:205). O significante, recalcado que é, assimilado à enunciação, circula num sentido inverso ao discurso do enunciado. O significante é “o Erinnerungssymbol, símbolo mnêmico, do qual sabemos como ele se enraíza na materialidade do corpo” (ARRIVÉ, 1999: 91). Para SAUSSURE os significantes são feitos de nada, só defi- níveis pela diferença e oposição entre eles, como comenta ARRIVÉ, que também afirma que “pode parecer que os significantes lacanianos, de modo geral, corres- pondem a palavras“(1999: 93), e serem trabalhadas de modo inconsciente. Os significantes transportam o sujeito na cadeia que constituem, pois “O su- jeito não é jamais senão pontual e evanescente, pois ele só é sujeito por um signifi- cante, e para um outro significante” (LACAN, 1972-1973: 195). O sujeito é represen- tado pelo significante para um outro significante, que quer dizer que o significante “é signo de um sujeito”, o que não cabe de forma alguma na formulação saussuriana de significante. É preciso buscar o referente de PIERCE para explicá-la. Tentar fazer a exegese da formulação lacaniana sobre o significante somente dentro da teoria saussuriana torna-se impossível portanto. Assim se explica um fato aparentemente curioso: cada vez que tem que definir conceitu- almente o significante, Lacan age de boa vontade, repetindo, com algumas variantes de expressão, a definição que instaura a relação entre o significante e o sujeito (ARRIVÉ, 1999: 79). LACAN “neutraliza” a oposição entre fonema e palavra, tomando-os ambos como significantes. E acaba por relacionar a noção de significante com a de estrutu- ra : “a noção de estrutura já é por si própria uma manifestação do significante. ... In- teressar-se pela estrutura é não poder negligenciar o significante. ... a noção de es- trutura e a do significante aparecem inseparáveis” (1955-56: 210). Os significantes se articulam em cadeia, são encadeados num sintagma, e assim se encontram na estrutura inconsciente.
  • 46. 35 I. 2. PÓS-ESTRUTURALISMO: a morte do sujeito Se estas disposições viessem a desaparecer tal como apareceram, se [...] se desvanecessem, como aconteceu, na curva do século XVII, com o solo do pensamento clássico – então se pode apostar que o homem se desva- neceria, como na orla do mar, um rosto de areia. FOUCAULT, 2000: 536 O pós-estruturalismo ou neo-estruturalismo, como preferem alguns, é um mo- do de filosofar interdisciplinar, que surgiu baseado na crítica de filósofos “nietzsche- anos” como DELEUZE, DERRIDA, FOUCAULT, HEIDEGGER, entre alguns aspec- tos, pelo fato de o estruturalismo privilegiar a razão, colocando-a no centro de tudo, resvalando com isto na crença cartesiana de que a consciência humana deve ser tomada como parâmetro central de todas as coisas. Daí para DEUS é um passo, como nos mostrava a tradição cartesiana. Com esta crítica, acaba por sepultar este sujeito cartesiano, consciente e racional, que fora excluído da estrutura da lingua- gem. Assim o movimento estruturalista renovou-se, no decorrer das últimas déca- das do século XX, ao sofrer muitas transformações que fizeram dele um neo- estruturalismo, fundamentando e dando emprego ao primeiro. Possui a mesma compreensão teórica geral da linguagem e da cultura como sistemas lingüísticos e simbólicos em que se privilegiam as relações entre seus elementos, e baseia-se na diferença entre eles. Os sistemas simbólicos também são analisados como códigos semióticos: a moda, a escola, a sala de aula, a cidade, a culinária, etc. Os pós- estruturalistas criaram formas de análise de textos e de artefatos históricos e cultu- rais, também vistos como textos, altamente inovadoras e sofisticadas. LÉVI-STRAUSS, LACAN, ALTHUSSER, GREIMAS, BARTHES, principais ex- poentes estruturalistas, em diversos domínios das ciências humanas fizeram do es-
  • 47. 36 truturalismo “um poderoso e globalizante referencial teórico para a análise semiótica e lingüística da sociedade, da economia e da cultura, vistas agora como sistemas de significação” (PETERS, 2000:10). Porém emerge de dentro do próprio estruturalismo uma resposta filosófica ao modelo estrutural, acusado de manter o criticado pensa- mento metafísico, que pretendeu combater, de modo subjacente a este movimento pretensamente científico, que prometera integrar as ciências ditas humanas com seu mega-paradigma lingüístico, baseando-se principalmente na obra de NIETZSCHE para tal. O pós-estruturalismo valorizou as leituras estruturalistas de FREUD e MARX: Se FREUD enfatizava o desejo e MARX o poder, NIETZSCHE congregava ambos com sua noção de “vontade de potência”. Segundo nos diz COELHO (1967), para ALTHUSSER passamos com MARX e FREUD de uma causalidade cartesiana causa-efeito, para uma causalidade estru- tural. À estrutura freudo-marxista “corresponde a causalidade como eficácia de uma estrutura ausente”, que por sua vez contrapõe-se à estrutura hegeliana cuja causali- dade torna-se presente em seus elementos como efeito da estrutura. A estrutura freudo-marxista “atua como ausência no próprio interior apenas pelos seus efeitos”, pois sua forma de presença é a ausência. Até mesmo a “virada lingüística” que a filosofia sofreu, foi influenciada pela tradição estruturalista – originária do formalismo europeu. O conhecimento, que an- tes era encarado como representação da natureza, como se fosse um espelho onde a representação mental espelharia a essência dos objetos, na virada lingüística da filosofia passou a ser apenas uma convenção lingüística. O pós-estruturalismo é uma reação e fuga do pensamento hegeliano, uma ce- lebração ao “jogo da diferença” contra o “trabalho da dialética” (PETERS, 2000)  este considerado por DELEUZE como uma reflexão sobre a diferença como uma negação, uma imagem invertida. HEIDEGGER e outros pós-estruturalistas fizeram suas críticas sobre a metafísica da “estruturalidade” da estrutura, e conservaram a crítica ao sujeito humanista empreendida pelo estruturalismo – que, renovado em seu fôlego novo e sendo considerado como a base mais verdadeira do próprio estru- turalismo, vem influenciando várias áreas do conhecimento humano.