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JAVALIS NO BRASIL
2016-4
Mai. 2016 #3
JAVALI: QUAL O TAMANHO DO PROBLEMA?
Marcelo Wallau, Nilson Molinos, La Hire Mendina Filho e Tiago Xavier dos Reis
Frequentemente surgem questionamentos
sobre qual o real tamanho do problema do javali,
e o porquê da necessidade de controle. Infeliz-
mente, ainda não se tem números confiáveis do
tamanho, densidade ou dispersão da população
de porcos asselvajados no Brasil, mas cada vez
mais tem-se relatos de abate, danos ou avista-
mento de varas em todos as regiões do país.
A taxa de crescimento e avanço da popula-
ção de javalis depende de muitos fatores, como
a disponibilidade de abrigo, a abundância de
alimento, e a pressão de manejo, que vão afetar
as características do ambiente e a capacidade
reprodutiva das fêmeas. Em um levantamento
sobre características reprodutivas feito na fron-
teira oeste do Rio Grande do Sul, observou-se
que a média de fetos ou leitões por fêmea foi de
7,5, com valores entre 4 e 14 por porca prenha,
e de 3 a 12 leitões ainda não desmamados. Es-
ses valores são bastante elevados, consideran-
do que se as condições forem próprias as fê-
meas podem parir até duas vezes em um ano.
Para termos uma ideia deste aumento popu-
lacional, da magnitude do problema, e o efeito
do controle na população, desenvolvemos um
simples exercício de simulação matemática. Di-
gamos que a população atual de javalis é dada
pela população no ano anterior, mais os nasci-
mentos do ano atual, e reduzida pelas mortes
naturais e por controle. O crescimento é dividido
entre a população de fêmeas adultas, mais prolí-
feras e com maior capacidade de criação, e das
fêmeas jovens, que ainda no primeiro ano de vida
podem entrar em reprodução, mas geralmente pa-
rindo menos leitões e com uma menor taxa de so-
brevivência. No modelo utilizado, para simplificar,
não vamos considerar parâmetros importantes,
como a capacidade de suporte do meio.
Para facilitar o exercício, pensamos em uma
propriedade rural, onde foi avistada, inicialmente,
uma vara com 10 porcos, onde metade são fê-
meas. As fêmeas jovens podem dar cria uma vez
só no primeiro ano, e com uma leitegada metade
do tamanho das fêmeas adultas e com uma taxa
de sobrevivência um terço menor.
Primeiro, comparamos os números do nosso
levantamento com outros comumente citados em
pesquisas americanas (Figura 1), onde a quantida-
de de leitões por parto é de 5,6, e as porcas parem
em média 1,5 vezes por ano. Considerando contro-
Equipe Javali no Pampa
Série Cadernos Técnicos Javalis no Brasil - Edição 03 – Javali: qual o tamanho do problema?
Figura 1: Crescimento da população de por-
cos asselvajados considerando 7,5 leitões por
leitegada, e 2 parições por ano (A) comparado
com 5,6 leitões por leitegada e 1,5 crias por
ano (B), ambos com taxa de sobrevivência dos
leitões de 0.5.
2
E Q U I P E J A V A L I N O P A M P A
le como zero, temos uma taxa de aumento da po-
pulação de 1,74 contra 1,27 dos modelos america-
nos, o que representa 37% a mais (curvas A e B
da Figura 1, respectivamente). Isto significa que,
ao fim de 4 anos, temos quase 2000 indivíduos
oriundos dos 10 porcos iniciais. Se fizermos esta
predição pelo modelo americano, estaremos su-
bestimando em quase 1500 animais.
No entanto, o parâmetro que tem maior efeito é
a taxa de sobrevivência, e esta pode ser afetada
por condições ambientais desfavoráveis, ou pela
pressão de controle. Nas simulações anteriores,
consideramos uma taxa de sobrevivência de meta-
de dos leitões, o que é bastante conservador. A
segunda simulação, na Figura 2, compara três ta-
xas de sobrevivência dos leitões não desmama-
dos: 20, 50 e 70%, que são representados pelas
curvas C, A e D, respectivamente. Considerando
uma taxa baixa de sobrevivência, de 20%, o au-
mento da população é pouco (r = 0.88), e ao fim
de 4 anos temos 140 porcos. Já com 70% de so-
brevivência, a população oriunda dos iniciais 10
animais é de mais de 6000 porcos (r = 2.13). Con-
siderando nossas condições ambientais pouco
adversas, e abundância de alimento, é mais pro-
vável que estamos próximos às maiores taxas de
sobrevivência.
Agora, em um terceiro cenário, simulamos dis-
tintas pressões de controle, onde 30, 50 ou 70%
da população são abatidos anualmente (modelos
E, F e G da Figura 3, respectivamente). Com 30%
de controle consegue-se uma redução dos origi-
nais 2000 para 600 animais em 4 anos. Será sufi-
ciente? Se estas premissas forem mantidas (de
taxa de reprodução, sobrevivência e controle), em
6 anos, a população já estaria próxima a 10.000
porcos. Com isso, a densidade da população au-
menta e começa a se expandir por outras áreas,
levando consigo mais danos, doenças e riscos
para a população e criações. Para ter-se um con-
trole satisfatório da população, é preciso que a
pressão de controle seja ao redor de 70%, assim
como também demonstrado por Barrett (1978) e
Timmons et al. (2012). Só assim conseguimos
manter o incremento populacional em taxas relati-
vamente baixas (r = 0.23).
É viável tamanha pressão de controle? Embora
complexa, é possível, a partir da aplicação coor-
denada de técnicas que atendam as especificida-
des da região. O problema é que estamos per-
dendo o nosso maior aliado: o tempo. Enquanto
questões institucionais e interesses de classe não
chegam a um consenso, as populações de porcos
crescem em taxas elevadas, e quanto antes agir-
mos, mais chances temos de fazer um controle
mais eficiente. Para se ter uma noção urgência do
Figura 3: Crescimento da população de
porcos asselvajados considerando 30%
(Modelo E), 50% (Modelo F), ou 70% (Modelo
G) da população total abatida anualmente.
Figura 2: Incremento da população de por-
cos asselvajados em 4 anos com taxas de so-
brevivência de 20% (Modelo C), 50% (Modelo
3
E Q U I P E J A V A L I N O P A M P A
tema, 70% da população no ano 2, na nossa pro-
priedade rural onde avistamos 10 porcos no ano
passado, são 34 animais a serem abatidos. Se es-
perarmos mais dois anos para começar a agir, te-
remos que abater mais de 1360 porcos na região!
Por ano! Nestes exemplos dados, fizemos uma si-
mulação simplificada somente para entender a di-
nâmica de crescimento da população de javalis. Os
Referências:
Barrett, R. H. The feral hog on the Dye Creek Ranch, California. Hilgardia, v. 46, n. 9, p. 283–355, 1978.
Timmons, J.B., B. Higginbotham, R. Lopez, J.C. Cathey, J. Mellish, J. Griffin, A. Sumrall, and K. Skow. 2012. Feral Hog Popula-
tion Growth, Density and Harvest in Texas. College Station, TX.
Wallau, M.W, C.A. da Rosa, T.X dos Reis, N. Molinos, C.A. Wallau, L.H. Mendina Filho. 2016. Observations on feral hog ecology
in South and Southeast Brazil. In: R.M. Timm and R.A. Balwin (Ed.). Proceedings 27th Vertbr Pest Conf. Univ. of Calif., Davis
(Em revisão).
números, além dos reprodutivos que foram obser-
vados, são fictícios, mas servem para nos alertar
para a gravidade do problema. Mesmo que não
tenha sido considerada a capacidade de suporte
do meio, tendo em vista a abundancia de alimento,
seja pelos cultivos ou criações domésticas, ou de
fonte nativa e silvestre, a população de porcos as-
selvajados ainda tem muito para avançar.
Este material foi desenvolvido
pela Equipe Javali no Pampa
com recursos próprios, para fins
de extensão.
Para mais informações, obtenção
ou reprodução deste material,
entre em contato conosco ou
acesse nosso site:
Equipe Javali no Pampa info@javalinopampa.info e www.javalinopampa.info
Parâmetro Modelo A Modelo B Modelo C Modelo D Modelo E Modelo F Modelo G
Leitões por parto 7.5 5.6 7.5 7.5 7.5 7.5 7.5
Partos por ano 2 1.5 2 2 2 2 2
Sobrevivência dos leitões
(% )
50% 50% 20% 70% 50% 50% 50%
Controle (% da população
total)
0% 0% 0% 0% 30% 50% 70%
População estimada em 4
anos a partir de 10 javalis
1946 451 140 6023 625 199 20
Tabela 1: Valores para os parâmetros utilizados nas simulações das figuras 1, 2 e 3.
Modelo A corresponde a valores de variáveis reprodutivas observados a campo na fronteira
Oeste do RS, Modelo B corresponde aos dados da literatura (Barrett, 1979, Timmons et al.,
2012), Modelos C e D com variação na taxa de sobrevivência, e Modelos E, F e G com diferentes
taxas de controle.

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  • 1. JAVALIS NO BRASIL 2016-4 Mai. 2016 #3 JAVALI: QUAL O TAMANHO DO PROBLEMA? Marcelo Wallau, Nilson Molinos, La Hire Mendina Filho e Tiago Xavier dos Reis Frequentemente surgem questionamentos sobre qual o real tamanho do problema do javali, e o porquê da necessidade de controle. Infeliz- mente, ainda não se tem números confiáveis do tamanho, densidade ou dispersão da população de porcos asselvajados no Brasil, mas cada vez mais tem-se relatos de abate, danos ou avista- mento de varas em todos as regiões do país. A taxa de crescimento e avanço da popula- ção de javalis depende de muitos fatores, como a disponibilidade de abrigo, a abundância de alimento, e a pressão de manejo, que vão afetar as características do ambiente e a capacidade reprodutiva das fêmeas. Em um levantamento sobre características reprodutivas feito na fron- teira oeste do Rio Grande do Sul, observou-se que a média de fetos ou leitões por fêmea foi de 7,5, com valores entre 4 e 14 por porca prenha, e de 3 a 12 leitões ainda não desmamados. Es- ses valores são bastante elevados, consideran- do que se as condições forem próprias as fê- meas podem parir até duas vezes em um ano. Para termos uma ideia deste aumento popu- lacional, da magnitude do problema, e o efeito do controle na população, desenvolvemos um simples exercício de simulação matemática. Di- gamos que a população atual de javalis é dada pela população no ano anterior, mais os nasci- mentos do ano atual, e reduzida pelas mortes naturais e por controle. O crescimento é dividido entre a população de fêmeas adultas, mais prolí- feras e com maior capacidade de criação, e das fêmeas jovens, que ainda no primeiro ano de vida podem entrar em reprodução, mas geralmente pa- rindo menos leitões e com uma menor taxa de so- brevivência. No modelo utilizado, para simplificar, não vamos considerar parâmetros importantes, como a capacidade de suporte do meio. Para facilitar o exercício, pensamos em uma propriedade rural, onde foi avistada, inicialmente, uma vara com 10 porcos, onde metade são fê- meas. As fêmeas jovens podem dar cria uma vez só no primeiro ano, e com uma leitegada metade do tamanho das fêmeas adultas e com uma taxa de sobrevivência um terço menor. Primeiro, comparamos os números do nosso levantamento com outros comumente citados em pesquisas americanas (Figura 1), onde a quantida- de de leitões por parto é de 5,6, e as porcas parem em média 1,5 vezes por ano. Considerando contro- Equipe Javali no Pampa Série Cadernos Técnicos Javalis no Brasil - Edição 03 – Javali: qual o tamanho do problema? Figura 1: Crescimento da população de por- cos asselvajados considerando 7,5 leitões por leitegada, e 2 parições por ano (A) comparado com 5,6 leitões por leitegada e 1,5 crias por ano (B), ambos com taxa de sobrevivência dos leitões de 0.5.
  • 2. 2 E Q U I P E J A V A L I N O P A M P A le como zero, temos uma taxa de aumento da po- pulação de 1,74 contra 1,27 dos modelos america- nos, o que representa 37% a mais (curvas A e B da Figura 1, respectivamente). Isto significa que, ao fim de 4 anos, temos quase 2000 indivíduos oriundos dos 10 porcos iniciais. Se fizermos esta predição pelo modelo americano, estaremos su- bestimando em quase 1500 animais. No entanto, o parâmetro que tem maior efeito é a taxa de sobrevivência, e esta pode ser afetada por condições ambientais desfavoráveis, ou pela pressão de controle. Nas simulações anteriores, consideramos uma taxa de sobrevivência de meta- de dos leitões, o que é bastante conservador. A segunda simulação, na Figura 2, compara três ta- xas de sobrevivência dos leitões não desmama- dos: 20, 50 e 70%, que são representados pelas curvas C, A e D, respectivamente. Considerando uma taxa baixa de sobrevivência, de 20%, o au- mento da população é pouco (r = 0.88), e ao fim de 4 anos temos 140 porcos. Já com 70% de so- brevivência, a população oriunda dos iniciais 10 animais é de mais de 6000 porcos (r = 2.13). Con- siderando nossas condições ambientais pouco adversas, e abundância de alimento, é mais pro- vável que estamos próximos às maiores taxas de sobrevivência. Agora, em um terceiro cenário, simulamos dis- tintas pressões de controle, onde 30, 50 ou 70% da população são abatidos anualmente (modelos E, F e G da Figura 3, respectivamente). Com 30% de controle consegue-se uma redução dos origi- nais 2000 para 600 animais em 4 anos. Será sufi- ciente? Se estas premissas forem mantidas (de taxa de reprodução, sobrevivência e controle), em 6 anos, a população já estaria próxima a 10.000 porcos. Com isso, a densidade da população au- menta e começa a se expandir por outras áreas, levando consigo mais danos, doenças e riscos para a população e criações. Para ter-se um con- trole satisfatório da população, é preciso que a pressão de controle seja ao redor de 70%, assim como também demonstrado por Barrett (1978) e Timmons et al. (2012). Só assim conseguimos manter o incremento populacional em taxas relati- vamente baixas (r = 0.23). É viável tamanha pressão de controle? Embora complexa, é possível, a partir da aplicação coor- denada de técnicas que atendam as especificida- des da região. O problema é que estamos per- dendo o nosso maior aliado: o tempo. Enquanto questões institucionais e interesses de classe não chegam a um consenso, as populações de porcos crescem em taxas elevadas, e quanto antes agir- mos, mais chances temos de fazer um controle mais eficiente. Para se ter uma noção urgência do Figura 3: Crescimento da população de porcos asselvajados considerando 30% (Modelo E), 50% (Modelo F), ou 70% (Modelo G) da população total abatida anualmente. Figura 2: Incremento da população de por- cos asselvajados em 4 anos com taxas de so- brevivência de 20% (Modelo C), 50% (Modelo
  • 3. 3 E Q U I P E J A V A L I N O P A M P A tema, 70% da população no ano 2, na nossa pro- priedade rural onde avistamos 10 porcos no ano passado, são 34 animais a serem abatidos. Se es- perarmos mais dois anos para começar a agir, te- remos que abater mais de 1360 porcos na região! Por ano! Nestes exemplos dados, fizemos uma si- mulação simplificada somente para entender a di- nâmica de crescimento da população de javalis. Os Referências: Barrett, R. H. The feral hog on the Dye Creek Ranch, California. Hilgardia, v. 46, n. 9, p. 283–355, 1978. Timmons, J.B., B. Higginbotham, R. Lopez, J.C. Cathey, J. Mellish, J. Griffin, A. Sumrall, and K. Skow. 2012. Feral Hog Popula- tion Growth, Density and Harvest in Texas. College Station, TX. Wallau, M.W, C.A. da Rosa, T.X dos Reis, N. Molinos, C.A. Wallau, L.H. Mendina Filho. 2016. Observations on feral hog ecology in South and Southeast Brazil. In: R.M. Timm and R.A. Balwin (Ed.). Proceedings 27th Vertbr Pest Conf. Univ. of Calif., Davis (Em revisão). números, além dos reprodutivos que foram obser- vados, são fictícios, mas servem para nos alertar para a gravidade do problema. Mesmo que não tenha sido considerada a capacidade de suporte do meio, tendo em vista a abundancia de alimento, seja pelos cultivos ou criações domésticas, ou de fonte nativa e silvestre, a população de porcos as- selvajados ainda tem muito para avançar. Este material foi desenvolvido pela Equipe Javali no Pampa com recursos próprios, para fins de extensão. Para mais informações, obtenção ou reprodução deste material, entre em contato conosco ou acesse nosso site: Equipe Javali no Pampa info@javalinopampa.info e www.javalinopampa.info Parâmetro Modelo A Modelo B Modelo C Modelo D Modelo E Modelo F Modelo G Leitões por parto 7.5 5.6 7.5 7.5 7.5 7.5 7.5 Partos por ano 2 1.5 2 2 2 2 2 Sobrevivência dos leitões (% ) 50% 50% 20% 70% 50% 50% 50% Controle (% da população total) 0% 0% 0% 0% 30% 50% 70% População estimada em 4 anos a partir de 10 javalis 1946 451 140 6023 625 199 20 Tabela 1: Valores para os parâmetros utilizados nas simulações das figuras 1, 2 e 3. Modelo A corresponde a valores de variáveis reprodutivas observados a campo na fronteira Oeste do RS, Modelo B corresponde aos dados da literatura (Barrett, 1979, Timmons et al., 2012), Modelos C e D com variação na taxa de sobrevivência, e Modelos E, F e G com diferentes taxas de controle.