2. De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguem me esqueça
3. analise
"Cálice" é uma canção escrita e originalmente
interpretada pelos cantores brasileiros Chico
Buarque e Gilberto Gil em 1973. Na canção
percebe-se um elaborado jogo de palavras para
despistar a censura da ditadura militar. A
palavra-título, por exemplo, é cantado pelo coral
que acompanha o cantor de forma a soar como
um raivoso "Cale-se!". A canção teve sua
execução proibida durante anos no Brasil. Só foi
lançada em disco em novembro de 1978 no
álbum Chico Buarque, tendo Milton
Nascimento nos versos de Gil, e também em
dezembro no álbum Álibi de Maria Bethânia. A
cantora Pitty regravou essa canção em
2010, numa versão rock 'n roll.
4. (Pai, afasta de mim esse cálice)
Sintetiza uma súplica por algo que se deseja ver à distância. Boa parte da música faz
uma analogia entre a Paixão de Cristo e o sofrimento vivido pela população
aterrorizada com o regime autoritário. O refrão faz uma alusão à agonia de Jesus no
calvário, mas a ambigüidade da palavra “cálice” em relação ao imperativo “cale-
se”, remete à atuação da censura.
(De vinho tinto de sangue)
O “cálice” é um objeto que contém algo em seu interior. Na Bíblia esse conteúdo é o
sangue de Cristo, na música é o sangue derramado pelas vítimas da repressão e
torturas.
(Como beber dessa bebida amarga)
A metáfora do verso remete à dificuldade de aceitar um quadro social em que as
pessoas eram subjugadas de forma desumana.
(Tragar a dor, engolir a labuta)
Significa a imposição de ter que agüentar a dor e aceitá-la como algo banal e
corriqueiro. “Engolir a labuta” significa ter que aceitar uma condição de trabalho
subumana de forma natural e passiva.