A Revista Visões é uma publicação de cunho analítico, voltada ao jornalismo internacional. Em sua edição piloto, a Visões trouxe como o tema as Redes Sociais e a importância que elas tiveram na organização das revoltas no mundo Árabe, iniciadas em dezembro de 2010, que ficaram conhecidas como "Primavera Árabe". Na revista, o leitor pode encontrar textos analíticos, de opinião, matérias sobre os temas ligados ao assunto, além das entrevistas com os embaixadores da Líbia, Síria e Egito.
1. Entrevista Análise
12| Secretário da Líbia no Brasil -
‘As manifestações intelectuais
ganharam novo espaço’
26| Análise da cobertura feita pela
Folha.com e pelo Observatório
da Imprensa
Visões um olhar diferente
Muhammed Muheisen/AP
Galeria
Confira fotos da revolução
no Oriente Médio
Redes Sociais
O poder e a importância da internet na
organização e luta por direitos sociais
1
2. Índice
Capa:
A importância das redes
sociais para a organização
das revoltas e conquista de
direitos no mundo árabe.
página 8
Entrevista:
Segundo Secretário da
Líbia no Brasil fala sobre as
mudanças que ocorreram
após as revoltas que
culminaram na morte do
ditador Muamar Kadafi.
página 14
Carreira:
Países contra jornalsitas.
Como foi possível trabalhar
durante as revoluções no
mundo árabe. página 21
E mais:
Entrevista - Embaixador da Síria fala sobre as revoltas.
‘Á Síria é um país muito diferente dos outros’. página 19
Opinião - Uma menina de coragem. página 11
Turismo - A guerra no Oriente Médio causa medo e
afasta turistas. página 22
2
3. Editorial
A primavera e as flores
VISÕES
N
asce, sob diferentes óticas, a Revista Visões, cuja proposta é apresentar
temas atuais e relevantes para aqueles que gostam de comunicar. Coberta
de artigos, análises e entrevistas, a revista traz em sua primeria edição o
“Redes Sociais”, propondo uma série de discussões políticas e analíticas sobre o
acontecimento que revolucionou a história. Editor Responsável
Com a efemeridade de uma primavera, não carregada de flores, como de
costume, a Primavera Árabe se espalhou como uma onda de protestos pelo nor- Leandro Lisbôa
te da África e Oriente Médio, trazendo à tona assuntos antes desconhecidos para
o mundo. O movimento iniciado na Tunísia, em dezembro de 2010, teve como
estopim a morte de Mohammed Bouazizi, o jovem vendedor de frutas e verdu- Revisores
ras não imaginava que atear fogo ao próprio corpo, em protesto a cobrança de
impostos, provocaria tamanha repercussão. Leandro Lisbôa
Em luta por direitos e unidas contra a corrupção, desemprego e governos Rafaela Mendes
ditatoriais, milhares de pessoas foram às ruas e, apesar da repressão sofrida pelo
governo e censura à imprensa, usaram as mídias sociais, como Twitter, Facebook Thamara Martins
e YouTube, para organizar e fortalecer do movimento. Em resposta às manifesta-
ções, quatro governos ditatoriais caíram, em sequência, Ben Ali, na Tunísia, Hosni
Mubarak, no Egito, no Iêmen, Ali Abdullah Saleh e a morte de Muamar Kadafi, Repórteres
que controlava a Líbia há 42 anos.
Muitos veículos de comunicação omitiram ou minimizaram o movimento Leandro Lisbôa
para não serem fechados, pois a prática iria de encontro aos interesses gover- Rafaela Mendes
namentais. O difícil acesso ao que estava acontecendo nos países envolvidos,
devido ao controle da mídia pelo Estado, deu espaço para o jornalismo cidadão.
A cada post, a população relatava os últimos acontecimentos, criticava as forças
armadas e denunciava os abusos.
Colunistas
No entanto, entre civis, os jornalistas de vários lugares do mundo partici- Leandro Lisbôa
param da cobertura jornalística, e da mesma forma arriscaram a vida para no-
ticiar os fatos. Isso não os torna heróis, mas, sem dúvida, configura um ato de
Rafaela Mendes
coragem. Durante bombardeios e ataques, divulgaram a problemática e as con- Thamara Martins
sequências da Primavera Árabe.
Apesar da tortura, prisões e milhares de mortes, a população não foi inti-
midada a parar. Pelo contrário, a cada flor deixada para um ente querido ganha- Projeto Gráfico e
va força pra se fazer ouvir. Não importando o sexo ou a idade, a busca por liber-
dade e melhoria na qualidade de vida impulsionaram as pessoas a continuarem Diagramação
lutando. Leandro Lisbôa
Por mais que a situação ainda esteja indefinida em alguns países, e ter pas-
sado de dois anos do início da Primavera Árabe, a democracia antes devastada
volta a florescer e com ela a esperança que os árabes e africanos possam ter a
liberdade para escolher seus representantes. E-mail
Visões traz a temática de forma clara e objetiva, fazendo com o que o leitor rvisoes@gmail.com
possa ter acesso a essa análise de forma coesa e imparcial, tendo para isso acesso
às entrevistas exclusivas com alguns embaixadores dos países envolvidos.
Além disso, nos preocupamos em trazer casos divulgados e que fazem
com que a temática não perca seu espaço na história ou caia no esquecimento, Twitter
como o caso de Malala Yousafzai, que sofreu um atentado por lutar por direitos @revistavisoes
à educação e permanece hospitalizada, mas com recuperação visível e positiva.
Mostramos ainda que, devido aos conflitos nas regiões os turistas perde-
ram o interesse em visitar as áreas atingidas pela revolução. Por fim, esperamos
que tenham uma ótima leitura e mergulhem na temática que nos envolveu para
produzir essa revista que chega a você, querido leitor.
Um abraço,
A Redação
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4. Revoltas no oriente médio:
Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes
France Presse
Muhammed Muheisen/AP
4
5. Oriente Médio
O despertar Árabe
Muhammed Muheisen/AP
Cansados das imposições dos
ditadores, cidadãos iniciam uma
série de conflitos por melhorias
e direitos sociais
5
6. E
m dezembro de 2010, quando o jovem tunisia- dos governos ditatoriais. Após a queda dos ditado-
no Tarek Bin Tayeb Bouazizi, conhecido como res, os tunisianos e os egípcios organizaram suas
Mohamed Bouazizi, ateou fogo ao próprio cor- primeiras eleições.
po em forma de protesto, não era possível imaginar A Líbia viveu em regime de ditadura duran-
que isso desencadearia uma série de revoluções no te 42 anos. Muamar Kadhafi, o líder local, controlou
norte da África e no Oriente Médio. Iniciadas na Tu- o país com pulso firme e para o próprio interesse até
nísia, as revoltas no mundo árabe logo se espalha- sua morte em 20 de outubro de 2011, no que podia
ram por outros países em um movimento que ficou ser chamado de “mega-fazenda”, segundo análise
conhecido como “Primavera Árabe”. do pensador político e jornalista egípcio Mohamed
A repressão das autoridades locais e as in- Hassanein Heikal.
justiças cometidas E foi dessa
aos comerciantes foi forma, utilizando as
o que levou Bouazizi palavras de Heikal,
a tomar uma atitu- que o segundo se-
de extrema. Ele não cretário da Embaixa-
concordava com as da da Líbia no Dis-
taxas abusivas de su- trito Federal, Faisal
borno cobradas para Abohmaira explicou
liberação das merca- a história pré-demo-
dorias apreendidas cracia vivida no país.
sem nenhum motivo “Os países árabes
aparente. não eram governa-
A ação, con- dos por instituições,
siderada o estopim seus presidentes go-
das revoltas, foi o vernavam os países
que motivou cida- como se fossem me-
dãos do Egito, Líba- ga-fazendas onde
no, Bahrein, Líbia, a corrupção estava
Iêmen, Argélia, Síria, infiltrada no sistema
Jordânia e Iraque a político”, disse o se-
entrarem em protestos, manifestações, revoltas e gundo secretário.
até mesmo guerras civis, reivindicando por direitos Faisal completou a frase do jornalista egíp-
sociais. cio explicando como funcionava a corrupção. “O
Vários jornalistas ao redor do mundo pas- presidente e seus familiares formam a primeira ca-
saram a chamar os conflitos no Oriente Médio de tegoria, que tinha como segunda ‘casta’, dirigentes
Primavera Árabe, em referência à “Primavera dos Po- ligados ao presidente do país, dentre eles, os mili-
vos” – movimento revolucionário ocorrido em toda tares”.
Europa no ano de 1848. Assim como no passado, Uma análise estatística feita pela Consulto-
os acontecimentos recentes têm relação a um “des- ria de Risco Político Geopolicity baseada em dados
pertar” do povo em relação à sua condição social e do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostrou
política. que Líbia e Síria foram os países que
Além da luta por direitos, o as rebeliões tiveram manifestações mais violen-
que fez a nova revolução ganhar no- tas, com prejuízos financeiros maio-
toriedade foi forma de organização políticas que res, seguidos pelo Egito, Tunísia,
realizada por meio das redes sociais, varreram o Oriente Bahrein e Iêmen.
em principal, canais como Twitter e De acordo com Antônio
Facebook iniciando uma verdadeira Médio e Norte da Carlos Lessa, doutor em história das
“Revolução 2.0”. África custaram, em relações internacionais na Universi-
Pouco mais de um ano dade de Brasília (UnB), “as rebeliões
após o início das revoltas no Oriente 2012, mais de US$ políticas que varreram o Oriente
Médio o mundo árabe já vivia dis- 55 bilhões aos países Médio e Norte da África custaram,
túrbios e conflitos maiores que os em 2012, mais de US$ 55 bilhões
vividos em décadas sob a repressão envolvidos aos países envolvidos”.
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7. Religiosidade
Oração da Liberdade
Rafaela Mendes
Apu Gomes/Folhapress
Rebeldes oram em estrada próximo
a Zwetyna, Líbia
Reunidos aqui com minha família, os meus vizi- Podemos ver o nosso sonho cada vez mais perto,
nhos e meus amigos estamos quase lá
Firmes juntos contra a opressão de mãos dadas Oh deus obrigado
Não importa de onde você é Por nos dar a força para aguentar
Ou se você é jovem, velho, mulher ou homem
E agora estamos aqui juntos
Nós estamos aqui pela mesma razão, queremos Chamando-o para a liberdade, a liberdade
ter Nós sabemos que você pode ouvir o nosso apelo
de volta a nossa terra Nós estamos chamando para a liberdade, lutando
Oh deus obrigado pela liberdade
Por nos dar a força para aguentar
Sabemos que não nos deixará cair
Agora estamos aqui juntos Sabemos que você está aqui conosco
Chamando-o para a liberdade, a liberdade Eu posso sentir o orgulho no ar
Nós sabemos que você pode ouvir o nosso apelo E isso faz-me forte para ver todos
Nós estamos chamando para a liberdade, lutando
pela liberdade De pé juntos, de mãos dadas na unidade
Gritando, exigindo o seu direito de liberdade
Sabemos que não nos deixará cair Oh Deus nós sabemos que você ouve o nosso
Sabemos que você está aqui conosco apelo
Não sendo mais prisioneiros em nossas casas E nós estamos chamando você para a liberdade, a
Não tendo mais medo de falar liberdade
Nosso sonho é apenas ser livre, apenas para ser Nós sabemos que você pode ouvir o nosso apel
livre Estamos pedindo a liberdade, apelando para a
Agora, quando temos de dar o nosso primeiro liberdade
passo Sabemos que não nos deixará cair oh
Rumo a uma vida de completa liberdade Sabemos que você está aqui conosco...
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8. Capa
A utilização das Redes Sociais
na organização das revoltas
Twitter e Facebook foram essenciais para a conquista de direitos do cidadão
Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes
Reprodução
P
resente em todo mundo, a internet e as mavera Árabe”, tiveram início na
a internet tem tido impor- Tunísia, quando um jovem ateou
tância cada vez maior na plataformas que fogo ao próprio corpo para protes-
produção de conteúdo, geração vieram com ela tar pelos abusos vividos.
de conhecimento e interação A partir desse momento,
entre pessoas. Com a globaliza- funcionam para pessoas simples passaram a orga-
ção e o forte crescimento ocor- ajudar a comunicação nizar revoltas. Tendo como princi-
rido na última década, pessoas pal ferramenta, redes sociais como
têm se organizado cada vez
e circulação de Twitter e Facebook as revoluções
mais por meio da rede mundial informações, mas resultaram na destituição do pre-
de computadores. ainda são fortemente sidente Zine al-Abidine Ben Ali, no
As revoltas no Oriente Mé- que ficou conhecido como “Revo-
dio não iniciaram de forma dife- controladas lução tuitada”, em menção ao do-
rente. Cansados das imposições cumentário “A revolução não será
feitas pelos governos ditatoriais, cidadãos comuns televisionada”, que apresenta acontecimentos do
passaram a se organizar para cobrar seus direitos. golpe contra o governo do presidente Hugo Chá-
Os conflitos, que ficaram conhecidos como “Pri- vez, em abril de 2002.
8
9. Reprodução cio, formas mais violentas de
confronto. Ainda que não eli-
minem os protestos na rua, as
tecnologias aplicadas à internet
acabam ampliando as possibili-
dades de mobilização, além de
atingirem um número maior de
pessoas, como explica Antônio
Carlos Lessa doutor em História
das Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB).
“As redes sociais ajudam a dar
novo vulto a esses protestos,
transformam a voz individual
em uma manifestação que atin-
No Egito, os manifestantes derrubaram Hos- ge todas as partes. Deixa de ser
ni Mubarak, no poder há 30 anos e a organização um protesto em uma praça, e vira uma mensa-
para o acontecimento também se deu por meio gem para todo o mundo”, afirma.
das redes, onde os manifestantes organizaram os O papel do Twitter, utilizado como forma de
protestos, convocaram mais pessoas e aumenta- busca e conquista por democracia, é importante.
ram a abrangência das críticas contra o governo. Porém, ainda que o microblog esteja em alta, é
Já na Líbia, o Conselho Nacional Transitório, abriu passível de controle governamental ou veto de
uma conta no Twitter para se comunicar com os ditadores em relação a sua utilização e da inter-
meios de comunicação nacionais e estrangeiros net, como é o caso da Líbia.
de forma direta. Segundo Faisal Abohmaira, segundo secre-
Na opinião do jornalista Jairo Marques, da tário da Embaixada da Líbia no Distrito Federal,
Folha.com o Twitter acabou por se tornar um dos “na era Kadafi, qualquer veículo, jornalista ou
meios de comunicação mais democráticos da atu- pessoa que falasse mal dele ou de seus familiares
alidade potencializando questões étnicos-sociais sofria duras penas. A internet era controlada e a
existentes nos países em conflito. “Não podemos liberdade de expressão era condicionada às von-
dizer que, no caso da Líbia, Egito e Tunísia, foram tades do controlador”.
as redes sociais que revoluciona- Além da Líbia, o Egito tam-
ram o movimento. Ele já existia, a bém impunha controle à inter-
insatisfação popular também, só as redes sociais net e redes sociais. O Twitter foi
que as redes sociais potenciali- potencializaram a controlado pelo governo e blo-
zaram a forma de atuação. Então, queado no momento em que
elas permitem que mais pessoas
forma de atuação seu potencial foi percebido. Para
postem mais coisas, mesmo em das revoluções. Isso Leila Diniz, jornalista do Observa-
regimes ditatoriais cujo controle permitiu que as tório da Imprensa, “a internet e as
é de ordem máxima”, disse o jor- plataformas que vieram com ela
nalista. pessoas postassem funcionam para ajudar a comuni-
Muito mais do que incen- mais coisas, mesmo cação e a circulação de informa-
tivo ou fonte de mobilização, a ções, mas ainda são fortemente
internet tornou-se elemento de durante os regimes controladas”.
grande importância na derruba- ditatoriais O fato é que, independente
da de regimes autoritários em do controle e veto que sofreram,
uma onda que se alastrou, com as redes sociais serviram e ain-
a ajuda do Facebook e Twitter, para outros países da servem como forma de organização dos pro-
árabes. testos no Oriente Médio. Dessa maneira, países
As redes sociais oferecem uma organização como a Síria, em conflito até hoje, têm manifes-
mais efetiva, que não envolve, ao menos no iní- tantes cada vez mais ativos nas páginas da web.
9
10. Internet
A importância da internet para a
cobertura internacional das revoltas
Rede de computadores é o diferencial para a cobertura da briga da população por direitos
Rafaela Mendes
N
o computador, pelo celular ou pelo tablet tuitou incessantemente todos os momentos do
a internet tem revolucionado as formas de conflito, desde os bombardeios iniciais, o com-
comunicação e, sobretudo, a forma de fa- bate corpo a corpo, até a tomada final da cidade
zer jornalismo. Com a facilidade dos blogs, sites e com a rendição das forças leais. Luiza acredita que,
redes sociais será que ainda faz sentido para uma “o twitter é muito importante para os jornalistas
empresa jornalística equipar escritórios ou sim- que fazem cobertura internacional se você souber
plesmente manter um correspondente no exterior quem seguir, vai ter uma informação certa”.
quando a informação navega livremente e sem Para saber o que estava acontecendo bas-
custos pela internet? tava seguir os tweets para obter informações dos
Essa questão é delicada, e gera muita polêmi- eventos. Inclusive foi o que vários veículos de co-
ca, antes da disseminação da internet, a cobertura municação como a CBS, FOX News, Washington
internacional era exclusiva às grandes empresas Post e alguns no Brasil fizeram. Passaram a produzir
jornalísticas que dispunham de capital para con- flashes, notas e até matérias baseadas nos tweets
tratar os serviços das agências de notícias interna- de Engel. Isso ilustra como a internet globalizou a
cionais ou manter uma equipe no exterior. informação e fragilizou ainda mais a editoria dos
Apesar de importante para correspondentes internacionais.
a qualidade na produção de ma- Para Marcos Caramuru,
térias, hoje isso não é mais neces- o twitter é muito jornalista da Folha.com, “é uma
sário, pois a informação foi de- importante para pena que isso esteja ocorrendo,
mocratizada pela rede e acessá-la pois a redução no número de
ficou muito fácil. os jornalistas que correspondentes internacionais
Segundo a jornalista Luiza fazem cobertura baseados em uma determinada
Souza, a cobertura jornalística região parece ser uma tendência
à longa distância foi banalizada internacional. Se você mundial”.
graças à internet, e a Primavera Várias empresas, como a
souber quem seguir, BBC de Londres, estão reduzindo
Árabe ocorreu graças a essa ba-
nalização, “Hoje todos podemos vai ter uma informação o corpo editorial nesta área, hoje,
fazer noticias basta ter uma in- além do uso das mídias sociais
ternet que o mundo pode ver o
certa para a cobertura há uma super-
que você pensa, hoje todos nos valorização das agências de notí-
temos voz independente da nossa posição social”, cias, que possuem excelente equipe.
disse. A internet impôs ganhos e perdas. Em rela-
O twitter é outra ferramenta que veio sub- ção às coberturas jornalísticas internacionais não
verter a necessidade física do repórter para a co- foi diferente. Os pequenos jornais agora têm chan-
bertura a distância, um fato recente disso foi que ce de trazer aos seus leitores notícias que antes só
em 20 de agosto de 2011, o correspondente in- seria possível se um correspondente internacional
ternacional da NBC, Richard Engel, acompanhou fosse contratado. Segundo Marcos Caramuru, “ter
“in loco” e cobriu pelo Twitter a sangrenta batalha acesso às análises dos críticos e tudo isso sem ter
pela tomada da capital Líbia, a cidade de Trípoli e que arcar com nenhum custo, pois o material está
que resultou na derrocada do ditador Muamar Ka- disponível para uso, a única exigência é dar o devi-
dafi. Engel foi o primeiro jornalista de TV a entrar do crédito para as fontes”. Isso, sem dúidas facilita a
na cidade com os rebeldes quando eles avançaram vida de todos que querem ter acesso à informação,
pela fronteira da Tunísia. seja jornalista há muito tempo, iniciante ou cida-
Por meio da hashtag Trípoli (#tripoli), ele dão comum.
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11. Opinião
Uma menina de coragem
Leandro Lisbôa
“C
laro que vão tentar matá-la. Uma ado- ninguém.
lescente a falar no direito das mulheres A sua determinação e coragem, obviamente,
à educação é a coisa mais assustadora irritaram a facção terrorista fundamentalista que
do mundo para os talibãs. Ela não pertence a uma ainda sobrevive em vários vilarejos afegãos, prin-
ONG estrangeira. Ela é muito mais perigosa do que cipalmente os próximos da fronteira com o Paquis-
isso: é uma local, defensora do progresso da edu- tão. Sem esquecer que há fortes indícios de que o
cação e do esclarecimento. Se pessoas como ela se próprio governo paquistanês, que agora promete
multiplicarem, os talibãs não têm futuro”. A revista caçar o atirador e seus comparsas, faça vistas gros-
Status divulgou este comentário sobre o ataque sas aos criminosos.
sofrido pela paquistanesa em um ônibus. Malala está em um dos melhores hospitais
Malala Yousafzai, 14 anos, defende o direito da Inglaterra, enquanto isso, dezenas, talvez até
das meninas muçulmanas de frequentar a escola, milhares, saíram às ruas para protestar contra a
com o objetivo de ter uma vida melhor. Por defen- covardia dos fundamentalistas. Vale lembrar que
Malala é uma adolescente, de certa forma uma
der esta causa foi vítima de uma tentativa de homi-
criança, e ainda assim não foi poupada, tudo em
cídio por parte de um atirador talibã, que disparou
nome de um pensamento
contra sua cabeça na van
retrógrado e covarde.
em que ela voltava da es- Apesar do episódio
cola com colegas.
Reprodução
revoltante, sua luta de-
A valente menina terminada, sua coragem
não é uma desconhecida e sua inocência dão um
no mundo árabe e mu- recado sobre a beleza e
çulmano. Há três anos ela a importância de se lutar
mantém uma campanha pelo que se quer. Mostra
pelo fim dos ataques ta- a coragem cada vez maior
libãs a escolas femininas de mulheres em defender
em países como Paquistão suas prerrogativas, em-
e Afeganistão. bora religiosos de vários
A jovem escrevia matizes tentem impedi-las
um blog para a BBC sobre de ter os mesmos direitos
como era sua rotina, que que os homens possuem.
acabou virando tema até Malala passa o reca-
de documentário. Chegou do de que há mulheres co-
a receber um “Prêmio da rajosas em vários lugares
Paz” concedido aos jovens do mundo, nos piores lu-
pelo governo paquistanês, gares, que não irão desis-
o mesmo que, de certa for- tir, embora sejam vários os
ma, contribuiu para o que argumentos que tentam
lhe aconteceu. racionalizar o preconceito
O pesadelo de Malala começou em 2009, e instrumentalizar os seus direitos sejam em ques-
quando a Sharia, código moral islâmico, passou a tão que envolvam educação, direitos sexuais e re-
produtivos, trabalho ou cultura.
ter valor de lei no Vale do Swat, local onde reside
Que Malala viva para levar adiante este so-
com sua família.
Com a nova lei em vigor, as meninas foram nho e realize este direito inalienável das mulheres
proibidas de receber instrução e ir à escola. Ela já de viverem suas vidas com autonomia, sem inter-
era conhecida por seu ativismo, e teve medo. So- ferências de quaisquer ordens, principalmente as
nhava com helicópteros e milicianos. Homens a religiosas. E que inspire outras Malalas que estão
perseguiam na rua. Mas Malala continuou. A meni- por aí a mostrarem seu rosto. Juntas, serão mais
na assistia a aula sentada no chão da escola, tudo temidas do que os covardes que hoje tentam in-
em nome da educação, sem temer nada e nem timidá-las.
11
12. Opinião
A primavera das mulheres
vs. as mulheres da primavera
Rafaela Mendes
A
“Primavera Árabe” recebeu muita atenção a corrupção nas altas esferas, a alta dos preços
na mídia norte-americana, mas um de seus de alimentos e energia e a escassez econômica
elementos cruciais tem sido ignorado: o provocada pela diminuição das oportunidades de
papel impressionante das mulheres nos protestos emprego.
que varreram o mundo árabe. Como profissionais, além de donas de casa,
Apesar da mídia apresentar uma cobertura as mulheres sofreram diretamente com todos
inadequada de seus papéis, as mulheres estiveram esses problemas e com o sofrimento de seus filhos
presentes e ainda permanecem à frente desses pro- e maridos. Ou seja, muitos são os desafios que a
testos e, apesar de marcharem lado a lado com os mulher árabe deverá enfrentar nos próximos anos
homens, sua participação política e efetiva continu- na busca por igualdade e por direitos sociais.
am limitadas.
Para começar, as
Anja Niedringhaus/AP
mulheres tiveram posição
significativa nas manifes-
tações tunisianas que de-
sencadearam a Primavera
Árabe, muitas vezes mar-
chando pela Avenida Ha-
bib Bourguiba, na capital
Túnis, incentivando seus
maridos e filhos a protes-
tarem.
Com o estopim do
levante egípcio, que cul-
minou na queda do pre-
sidente Hosni Mubarak,
uma jovem apaixonada,
Mulheres saem às ruas em manifestação
por meio de um vídeo de apoio à ofensia aérea promovida pela
postado no Facebook, coalizão internacional contra as forças do
convocou uma manifesta- ditador Muamar kadafi, em Benghazi
ção na Praça Tahrir, Cairo,
em 25 de janeiro. É possível que a Primavera Árabe tenha sido
Entretanto, os gestos da ousadia foram acom- o início do despertar feminino que há de florescer
panhados pelo medo ocasionado pela expectativa nos próximos anos. Prova disso é o reconhecimento
do futuro. As mulheres do médio oriente ainda te- que algumas manifestantes receberam internacio-
mem que seus direitos não sejam garantidos nos nalmente por lutarem por seus direitos.
novos regimes democráticos, fossem eles liberais, O importante é que, independente de
patriarcais ou fundamentalismos mulçumanos. qualquer coisa, algo extremamente importante já
Os historiadores, sem dúvidas, vão debater foi conquistado. As mulheres conseguiram iniciar
durante décadas as causas da Primavera Árabe. a quebra do estereótipo da falta de voz feminina
Entre elas estão os altos índices de desemprego e, com isso, mostraram que as revoltas conhecidas
das classes instruídas, políticas neoliberais de por “Primavera Árabe” teriam sido impossíveis sem
privatização, o enfraquecimento dos sindicatos, as “Mulheres da Primavera”.
12
13. Opinião
O atentado que matou o
embaixador dos Estados Unidos
Thamara Martins
Q
uais são os verdadeiros motivos da morte atingiu outros países: como Austrália, Tunísia, Egi-
do embaixador dos Estados Unidos, John to, Sudão, levando a morte de oito pessoas , provo-
Cristopher Stevens, e de outros três ame- cando também o bloqueio ao acesso do YOU TUBE
ricanos no ataque ao consulado em Benghazi, na no Afeganistão
Líbia? A resposta aparentemente mais óbvia é a re- Segundo informação do grupo de inteligên-
ação dos mulçumanos contra a publicação do fil- cia Site Monitoring Service, no dia 26 de outubro
me anti- islã,denominado “Innocence of Muslims” , O líder da AL QAEDA, Ayman al-Zawahiri postou
(“A inocência dos muçulmanos”) no You Tube, em vídeo em sites islâmicos para pedir que os mul-
julho de 2012. çumanos continuem protestando para fechar as
Em telefonema ao Jornal Wall Street Journal, embaixadas dos Estados Unidos, inclusive incen-
Sam Bacile declarou que “o islã é o câncer da socie- tivando o sequestro de ocidentais, para facilitar a
dade”. O americano, natural da Califórnia é de ori- libertação de presos. Em contrapartida o presiden-
gem israelense, foi o primeiro a postar o vídeo na te do Egito, Mohammed Morsi, fez um apelo na
internet, contou com a ajuda de 100 doadores ju- televisão pedindo para que os não atacassem as
deus, custando cerca de cinco milhões de dólares. Embaixadas dos Estados Unidos
No entanto,somente após a tradução para o árabe, O vice ministro da Líbia, Wanis al Sharef, acu-
promovida pelo pastor Terry Jones, conhecido por sa os aliados as forças de Kadafi pelo atentado,
queimar páginas do Alcorão, que o filme ganhou acredita na represália pela extradição do ex-chefe
notoriedade. de inteligência do governo, Abdullah al-Senoussi”.
Com pouco mais de duas horas, o longa-me- Havia granadas lançadas por foguetes, o que mos-
tragem retrata o profeta Maomé como um apro- tra que havia forças que exploravam isso. Eles são
veitador de mulheres e crianças e incentivador de resquícios do regime”, acredita Sharef. De acordo
massacres. Apesar do produto ter sido conside- com o Ministério do Interior da Tunísia, um suspei-
rado preconceituoso e ofensivo, a sua veiculação to pelo ataque, Ali Harzi, está preso em Túnis.
foi permitida devido ao direito de expressão. E aí Após a morte do ditador Muamar Kadafi, em
ficam as perguntas: Existe limite para o direito de outubro de 2011, a Líbia tem sido governada pelo
expressão? Será que esse mesmo direito seria as- Conselho Nacional de Transição, formado pelos
segurado se um vídeo antissemita fosse produzido opositores do governo de Kadafi com apoio da
por neo-nazistas? comunidade Internacional. No mundo ocidental,
O presidente americano, Barack Obama, ho- há o temor de que os árabes e africanos não esco-
menageou o embaixador pela atuação na transi- lham bem os seus representantes, e que por meio
ção democrática na Líbia, e prometeu reforçar a das eleições coloquem grupos islamitas que ame-
segurança na Líbia e nas embaixadas dos Estados acem o governo democrático .
Unidos no mundo.Em comunicado, Obama conde- Porém, os líbios já fizeram a parte mais difí-
nou o atentado e prestou solidariedade às famílias cil, destronaram o ditador que comandava o país
das vítimas: “Os Estados Unidos rejeitam os esfor-
há quarenta e dois anos, cabe a eles decidirem o
ços para denegrir as crenças religiosas de outros,
melhor para o país. Segundo dados de 1992, os
mas todos devemos nos opor, sem equívocos, ao
mulçumanos representam 97% da população da
tipo de violência insensata que tirou a vida destes
Líbia,é um país riquíssimo em petróleo e gás na-
funcionários públicos”.
tural, possui as maiores reservas da África, cerca de
No dia 11 de setembro de 2012, durante pro-
testo contra o filme em frente a sede em Benghazi, 44 mil milhões de barris. Será que a Líbia precisa
o carro onde estava o embaixador foi atingido por realmente dessa intervenção política? Ou por trás
foguetes. Os manifestantes atearam fogo no con- do ideal democrático dos Estados Unidos existem
sulado. Em poucos dias uma onda de protestos outros interesses?
13
14. Entrevista
Faisal Abohmaira: ‘as manifestações
intelectuais ganharam novo espaço’
Secretário da Líbia no Brasil fala sobre o que mudou com a morte do ditador
Muamar Kadafi
Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes
E
m outubro de 2010, o jornalista e pensador sem mega-fazendas onde a corrupção está infil-
político Mohamed Heikal fez uma análise so- trada dentro do sistema político”.
bre os documentos vazados do site Wikiele- Foi com essa explicação que o Segundo Secretário
aks relacionado aos governos do Egito, Tunísia e da Embaixada da Líbia no Brasil, Faisal Abohmai-
Líbia, chegando ao seguinte resumo: “os países ra, iniciou a entrevista sobre as revoluções ocorri-
árabes não são governados por instituições. Seus das no país e explicou como era antes e com ficou
presidentes governam esses países como se fos- após da morte do ditador Muamar Kadafi.
Revista Visões: Em sua visão, essa infiltração na Reprodução
política citada por Heikal seria por parte dos
militares?
Faisal Abohmaira: Essa corrupção funciona da
seguinte forma: O presidente do país e seus fami-
liares seriam a primeira categoria, em segundo,
os dirigentes ligados ao presidente do país, entre
eles, os militares.
Então o que havia ali não era um país edificado
em bases de instituições sólidas e democráticas. A
decisão sobre assuntos do país estava na mão de
uma única pessoa, sem conselheiros para orientar Estamos respirando com mais tranquilidade atual-
e os três países estavam preparando seus sucesso- mente. O decreto da independência da Líbia é de
res para governar. 24/12/1951, data da declaração de independência
da Líbia. Antes da independência do país, uma co-
Para o senhor, o que fez com que os cidadãos missão da Organização das Nações Unidas (ONU)
líbios iniciassem as manifestações? foi ao país para estudar se o país tinha indepen-
O que inspirou as revoluções na Líbia foram as ma- dência ou não, tendo em vista que o Estado tinha
nifestações na Tunísia e no Egito. Quando em uma sido herança da segunda guerra mundial.
pequena manifestação o Kadafi usou armas letais
contra uma população indefesa, aí a coisa mudou. A comissão escreveu um relatório sobre a situação
Pode se dizer que foi a força popular que fez a da Líbia, em 1942. Nele havia a seguinte frase: “a
transformação na Líbia. Líbia é uma região recém-saída da Se-
gunda Guerra Mundial, sem infraestru-
Você é dono de uma revolução justa. a Líbia é tura, sem hospitais, mal há profissio-
As vezes alguns revolucionários come- nais para cuidar da área de saúde...” E
tem excessos, esses excessos não deni-
considerada finalizava assim “...a Líbia é considerada
grem a imagem da sua revolução, ela uma caixa de uma caixa de areia fechada!”, fazendo
continuam sendo legítima, pois exces- menção ao deserto.
sos acontecem em qualquer lugar.
areia fechada Posterior a esse relatório, veio a inde-
pendência do país sob o reinado do rei
Como foi para a Líbia, após 42 anos vivendo Idris, que era uma monarquia com par-
o regime ditatorial do Kadafi, ficar agora sem lamento, partidos, tinha liberdade de expressão
ele? política e o país começou a se reestruturar. Escolas,
14
15. faculdades, universidades começaram a ser cons- tícias que entravam e saíam do país?
truídas. Em relação principalmente a Líbia, quando co-
meçou a revolução, as pessoas começaram a fo-
A primeira produção de petróleo aconteceu em tografar pelo celular e divulgar pela internet, daí
1964. O país estava se desenvolvendo de uma for- cortaram a internet e começaram a rastrear os te-
ma política, democrática, econômica, mas em 1 de lefones. Cada pessoa que saía da Líbia da área de
setembro 1969 um grupo de tenentes deram um exclusão aérea, na época da guerra, tinha que sair
golpe contra a instituição democrática e legal do por terra e seguiam para a Tunísia. Na alfândega,
país, sob o comando de um tenente chamado Mu- os telefones eram visto-
amar Kadafi. riados para banir fotos e
E depois de 42 anos de governo de Kadafi, ele abo- vídeos dos protestos. durante a
liu o parlamento, aboliu os partidos e até a liberda- Para trocar informações guerra, a
de de pensamento. Kadafi ainda envolveu a Líbia com as emissoras de TV
em problemas com os países vizinhos. árabes, os líbios trocavam principal arma
Dessa maneira, em 2010, a imagem da Líbia era a de chip do celular, faziam de ataque
de Muamar Kadafi. O que impossibilitou as pesso- as fotos ou vídeos e de-
as de conhecer a poesia, o teatro, a literatura e o pois voltavam ao anterior, contra a força
esporte líbio do país. Qualquer pessoa intelectual para escapar da barreira. aérea era
conhecido ou de renome, que pudesse oferecer Durante a guerra, a princi-
perigo, Kadafi dava um jeito de acabar com a pes- pal arma de ataque contra desestruturar a
soa. Tudo isso remeteu à expressão da ONU “é uma a força aérea era desestru-
caixa de areia fechada”, sem nada. turar a comunicação.
comunicação
Em relação a essa restrição imposta por Kadafi, Como era feito para que uma emissora de rá-
como era o acesso para jornalistas estrangeiros dio, TV ou web aqui do Brasil pudesse obter
e locais na cobertura de eventos como as revo- informações, levando em consideração o blo-
luções na região? queio no país?
FA: Em 1976 havia alunos universitários, eles en- Primeiro era enviado o nome do jornal e do jor-
traram em partidos nacionalistas, partidos demo- nalista para a Líbia para obter a aceitação do visto
cráticos, liberais, comunistas. Foram todos execu- em Trípoli.
tados na praça no campus da universidade sob
acusação de traição, apenas por ter uma ideia que Mas era a embaixada que enviava esses dados?
diferia dos ideais de Kadafi. Essa execução conti- Na Líbia há um departamento chamado “Departa-
nuou acontecendo anualmente, sempre em 7 de mento de Informação do Exterior” ou de informa-
abril, até meados de 1980. ção externa. As pessoas desse gabinete recebiam
os grupos de jornalistas estrangeiros e colocavam
Em 2006, um jornalista líbio foi assassinado por-
um segurança com eles. Esse segurança não era
que escreveu um artigo contra o gabinete dos co-
para proteger os jornalistas, e sim, para tomar a
mitês revolucionários, braços do governo.
câmera deles, caso fosse feita alguma fotografia
Na era de Kadafi, o jornalismo na Libia criticava o ou filmagem não autorizada. O segurança tam-
papel do Premiêr do Estado e não do presidente. bém servia para observar os jornalistas quando
As críticas sobre corrupção e má gestão eram di- eles fossem falar com as pessoas na rua.
recionadas ao Premiêr, sob as ordens do próprio
Muamar Kadafi. Nessa época, se o jornalista conseguisse algum
furo de reportagem e se fosse pu-
blicado, o punido seria a pessoa da
Com isso, a liberdade jornalística a Líbia está se embaixada que tivesse autoriza-
na Líbia era classificada como uma
das piores do mundo. Qualquer jor- preparando para do a entrada do jornalista no país.
nal árabe, local ou de outros países, mostrar ao mundo Principalmente se a matéria fosse
que falassem mal do Kadafi, tinha a falando mal do Kadafi ou de um de
edição proibida de circular no país. o que o país tem de seus familiares.
Durante a Primavera Árabe,
como era feito o controle das no-
melhor Então foi por isso que a embaixa-
15
16. da aqui no Brasil comemorou quando soube da rar uma nova Constituição para o país, que deverá
morte dele? conter a formação do Governo e outros pontos.
Sim e não só aqui. Na Colômbia, o presidente se Esse conselho observa muito a história do Brasil,
mostrou contente, pois Kadafi apoiava as Forças a mudança que houve desde a ditadura para a
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). democracia. A constituição brasileira é bem male-
ável, não tem centralização de poder, respeita os
Em relação às manifestações culturais, antes direitos humanos, além da liberdade de imprensa
proibidas, com a morte do e de expressão, o que torna a
Kadafi, como é atualmente? Constituição Federal de 1988 e
Hoje há muitas emissoras de
a Constituição brasileira leis brasileiras um modelo para
TV particulares, imprensa li- é bem maleável, não tem a Líbia.
vre, que criticam o congresso
nacional, os ministros, fazem
centralização de poder, A mulher teve direito ao voto
respeita os direitos nessas eleições?
perguntas, sugerem pergun-
Na própria constituição do
tas e esperam respostas dos
comandantes do país.
humanos, além da Conselho ou do Congresso
Hoje a opinião pública é per- liberdade de imprensa e estáde,necessidade da20% dos
cia
a
no mínimo,
existên-
mitida, o cidadão pode se ex- de expressão, o que torna partidos serem constituídos
pressar, o multipartidarismo já
é permitido; os partidos polí- a Constituição Federal de por mulheres.
ticos devem elaborar progra- 1988 e leis brasileiras um Qual a idade mínima para
mas de desenvolvimento; as votação?
pesquisas feitas nas universi- modelo para a Líbia Tanto para homens, quanto
dades independentes, que são para mulheres, a idade mínima
públicas, agora não são mais é de 18 anos.
controladas pelo governo.
Em relação às punições aos crimes de morte,
O curso de jornalismo tinha sido abolido ou como funciona?
apenas havia uma restrição muito grande em A Líbia está tentando instituir um judiciário justo,
relação às publicações? transparente, com a existência de observadores
A formação do jornalista na Líbia é boa como a de internacionais para julgar todos os acusados de
qualquer outro país, mas a prática , na era Kadafi, crimes contra o povo líbio, pois estão perseguindo
era impossível. A diferença agora é a liberdade. as pessoas que estavam com Kadafi, não para exe-
cutar, mas para condená-los justamente.
A Líbia já possui sistema eleitoral, onde as pes-
soas podem escolher seu governante? Faisal encerrou citando uma frase que escutou em
Em 7 de julho de 2012 foi eleito um Congresso Na- sua época acadêmica. “Nós não proibimos a pala-
cional Geral. O alto Comissariado Eleitoral, com o vra, mas é preciso saber falar apenas quando sua
apoio logístico da ONU, foi quem elegeu os candi- fala não for melhor que seu silêncio” e é por esse
datos para disputar as eleições. O primeiro pleito motivo que a Líbia está se preparando para mos-
em 42 anos teve o acompanhhamento e observa- trar ao mundo o que o país tem de melhor.
ção da União Europeia e do Instituto Carter – Insti-
tuto que leva o nome do 39º presidente dos Esta-
dos Unidos, Jimmy Carter.
As eleições ocorreram de forma limpa e satisfatória
e os líbios ficaram felizes com o resultado. Muitas
pessoas postaram no Facebook as fotos dos dedos
Leandro Lisbôa
manchados para identificar as cédulas de votação
e confirmar o voto.
O Congresso Nacional Geral é como se fosse o con- Embaixada da Líbia em
selho constituinte do país. Eles vão ter que elabo- Brasília - DF
16
17. Entrevista
Na visão de Ahmed Darwish,
“O Egito está mudando”
Embaixador do Egito fala sobre a situação do país pós-Primavera Árabe
Rafaela Mendes
A
Primavera Árabe chegou em diversos paí- considera que os militares que assumiram o
ses árabes, causando inclusive a queda de poder estão ainda muito ligados ao antigo
alguns governos muito antigos, como o regime.
de Hosni Mubarak, no Egito, que teve cerca de 2 Há vários aspectos do processo revolucionário
mil mortos em conflitos. ocorrido no país que resultou na queda
Como boa parte dos desejos dos manifestantes do ditador Hosni Mubarak. Atualmente, o
se concretizou, o movimento rapidamente clima de esperança é muito grande para a
enfraqueceu, embora não tenha acabado. No população egípcia, principalmente para a classe
Egito, ainda há manifestações, pois o povo trabalhadora e a juventude.
Revista Visões: Qual a sua visão sobre a Prima- nessa situação. A distribuição de renda também
vera Árabe? era muito ruim no Egito. Uma parte da população
Ahmed Darwish: Acompanhei tudo com enorme vivia com o equivalente a um ou dois dólares por
interesse, sobretudo porque é meu país, minha na- dia. Um absurdo! Não dá pra viver só com isso. Nos
ção, o futuro do país da minha família. Foram três últimos anos não houve nenhuma reforma social.
anos como embaixador no Irã, três anos e meio na Uma grande massa da população foi extremamen-
Turquia e, agora, mais de três anos no Brasil, sem te impactada pelo aumento da inflação, particular-
dúvida um dos grandes motores dos protestos mente mais grave no caso dos produtos alimentí-
foi a presença massiva de jovens nas rua, a maio- cios. A classe média, embora pequena, também foi
ria sem emprego, pois boa parte deles estavam afetada o que explica porque também saiu às ruas,
Amr Nabil/Associated Press
Opositores de Hosni Mubarak jogam pedras em partidários do ex-ditador egípcio em frente a tribunal no Cairo
17
18. solidarizando-se com os jovens e os setores mais prazo?
pobres da população. Foi a conjunção destes fato- Existe uma série de demandas políticas, econômi-
res que levou milhões de pessoas às ruas. cas e salariais que ainda não foram atendidas, os
sindicatos estão muito ativos e, no que diz respeito
O que ocasionou a queda do presidente Hosni a uma possível propagação, mas os países do Orien-
Mubarak? te Médio são muito diferentes. Costumo comparar
A falta de respeito às liberdades civis e a falta da com a percepção que se tem em relação à Amé-
ordem econômica rica Latina. Muita
do país. É preciso gente, que olha de
Reprodução
ter em mente que longe acha que os
a economia do Egi- países e os povos
to foi muito atingi- são muito pareci-
da pelos protestos dos. Sabemos que
dos últimos meses. não são. No Egito
Os prejuízos para é a mesma coisa. É
o país foram muito normal, mas erra-
grandes, a popula- do pensar isso do
ção tinha a razão Oriente Médio. Os
de estar naquele iranianos são per-
desespero. Essa sas, os turcos são
revolução aconte- otomanos, uns são
ceu exatamente no sunitas, outros são
período de maior xiitas. Os 22 países
afluxo de turistas, quando a temperatura não é tão da Liga Árabe têm uma diversidade muito grande.
quente. Calcula-se que mais de um milhão de turis- O Egito e a Turquia, por exemplo, são repúblicas.
tas foram embora, o que representa uma perda de Vários outros países são monarquias. Isso significa
aproximadamente 11% da riqueza nacional. Além que é preciso analisar caso a caso antes de fazer
disso, muitas empresas cancelaram ou adiaram in- previsões.
vestimentos que estavam planejados. Isso deixou a
população ainda mais revoltada. Do ponto de vista político, quais são as possí-
veis consequências dessa turbulência no Orien-
Como está a situação no país após a queda de te Médio?
Mubarak? Creio que o que está acontecendo
Há duas prioridades que estão abre um espaço maior para a po-
sendo enfrentadas agora, um mo-
a distribuição de lítica na região. Considerando os
vimento institucional, que é a con- renda também era problemas sociais e econômicos
vocação de uma comissão especial muito ruim no que estão na base dos protestos,
que vai emendar os artigos mais imagino que os novos governos
importantes da Constituição em vi- Egito. Uma parte da de países como o Egito e a Tunísia
gor desde 1977, que atualmente é população vivia com terão interesse nos programas so-
muito autoritária. A outra priorida- ciais. O sentimento é, sobretudo,
de é restaurar a ordem econômica, o equivalente a um de esperança. As classes sociais
o comércio e os bancos. Mubarak ou dois dólares por que saíram para as ruas no Egito
bloqueou a internet durante uma têm uma expectativa muito gran-
semana. Imagine o impacto que
dia de de que a vida vai melhorar. É
isso cusa na economia de um país um país com mais de 80 milhões
atualmente. A Bolsa de Valores foi suspensa. Além de habitantes, com muitos jovens e que vem ga-
disso, há várias categorias profissionais em greve. nhando cerca de 2,5 milhões de habitantes a cada
Temos dois movimentos na oposição que conduzi- ano. Esses números indicam a grande responsabi-
ram os protestos. lidade que recai sobre o governo de transição e,
Na sua opinião, o que deve acontecer a curto depois, sobre o futuro governo.
18
19. Entrevista
Mohammed Khaddour: ‘A Síria é
muito diferente dos outros países’
O embaixador da Síria no Brasil fala sobre a sua visão de como é a relação do
governo sírio com a população.
Rafaela Mendes
E
m 2011, uma onda de protestos começou na contexto sociopolítico dos países vizinhos, pois o
Síria contra o governo de Bashar al-Assad, que ocorre na Síria é reflexo de um movimento
iniciada na cidade de Homs, desencadeou um comumente chamado de Primavera Árabe é um
conflito armado que já dura mais de um ano. Para termo que remete à esperança do florescimento
compreender esse levante é preciso considerar o da democracia na região.
Mohammed Khaddour, embaixador da Síria no que representa o caminho da legalidade e nun-
Brasil, jornalista de formação, que nas últimas dé- ca ameaçou os laços diplomáticos, como outros
cadas ocupou cargos países fizeram”.
Repreodução
de chefia no ministé-
rio da informação e Revista Visões:
nos principais meios Como o senhor vê a
de comunicação do Primavera Árabe?
governo disse que a Mohammed Khad-
Primavera Árabe de- dour: Pessoalmente
veria ser chamada de considero isso tudo
“Bagunça Árabe”, pois uma “bagunça ára-
só representou insta- be”, que ocorreu por
bilidade para a região. vontade externa.
Questiono se hoje
Khaddour disse ainda que Bashar al-Assad, no existe de fato alguma estabilidade na Líbia, na
poder há 11 anos, herdou a cadeira de presiden- Tunísia, no Iêmen e sobretudo no Egito. Questio-
te do pai, que governou durante 30 anos. O em- no se esses países conseguiram melhorar a vida
baixador completou dizendo que o atual presi- da população.
dente não deve ser visto como ditador, e sim, um
grande reformista. Então o senhor acredita que seria melhor sem
a Primavera Árabe?
Para o representante da Síria no Brasil há um A imprensa precisa ser razoável e entender a ló-
equívoco por parte da Organização das Nações gica da região. A diferença cultural é muito gran-
Unidas (ONU) ao dizer que o país vive uma guer- de. Somos um país de terceiro mundo, não de
ra civil, mesmo com as mais de 10 mil mortes em primeiro. De que democracia estamos falando?
apenas 15 meses. “Desde que Houve ”Primavera” no Iraque,
não haja críticas diretas ao pre- a Síria é muito diferente que os americanos invadiram?
sidente, aos interesses sobera- E a Arábia Saudita, que é a
nos da nação e da liberdade dos demais países do maior aliada dos americanos?
religiosa, tudo é permitido na Oriente Médio. Não há Por que reivindicam uma de-
Síria”, afirmou.
mocracia nesses moldes na Sí-
“É preciso lembrar que a im- conflito religioso, e o ria e não reivindicam na Arábia
prensa não deve chamar nosso
presidente de ditador, como
povo nunca foi às ruas Saudita?
tem feito. Gostaria que a im- pedir a renúncia do seu
prensa local seguisse a política A Síria é um país democráti-
externa adotada pelo governo,
governante co?
19
20. Reprodução
Manifestantes protestam a favor do presidente Bashar al-Assad
A Síria é muito diferente dos demais países do Temos órgãos oficiais e independentes. Em to-
Oriente Médio. Não há conflito religioso, e o dos, prevalecem as mesmas regras: desde que
povo nunca foi às ruas pedir a renúncia do seu não se critique ou se faça humor com o presiden-
governante. O nosso Presidente foi eleito demo- te, com os interesses soberanos da nação e com
craticamente pelo povo para cumprir um man- a liberdade religiosa, tudo pode. Eu reafirmo o
dato de sete anos e depois foi reeleito. Perma- que já disse, aqui na Síria não existe nenhum
necerá no poder até 2014, por vontade popular, tipo de censura. A nossa imprensa pode publicar
determinada em votação. Por isso é incorreto o que está de acordo com a nossa constituição.
dizer que a Síria sofre ditadura. Temos um presi- Portanto, o que você vê repercutindo na internet
dente querido pela popuçação. ou nos meios de comunicação nem sempre são
verídicos. Tratamos muito bem todos os jornalis-
É possível fazer oposição ao governo dentro tas. Uma estudante de jornalismo, por exemplo,
da Síria? poderia ter livre acesso às coisas desde que res-
Desde que não haja um desrespeito às nossas peitasse o que lhe fosse pedido.
leis, sim. Temos partidos a favor e contra o gover-
no. O problema é a oposição no exterior, forma- Por várias vezes o senhor disse que o Presi-
da por gente que teve relação errada com o Esta- dente da Síria não é um ditador. Na sua visão,
do. É uma visão deturpada que a imprensa passa Muamar Kadafi poderia ser considerado um?
mostrando uma visão que não temos. Algo tão Para nós, qualquer pessoa benquista pelo seu
errado que chega a ser antiético. povo não pode ser chamada de ditadora. Talvez
esse seja um dos pontos de encontro e desen-
A ONU diz que a Síria está em guerra civil. contro culturais que existem entre os árabes e o
Você confirma? Ocidente. Os longos períodos sob um governo
A Síria não vive uma guerra civil e os números do e a transição de poder de pai para filho como
governo dão conta de 9 mil mortes. O presiden- herança são um processo natural. Isso vale para
te conta com o apoio de 70% da população.
vários regimes da região, como os emirados do
Uma imprensa livre como no Brasil, caberia Kuait e de Bahrein ou a Arábia Saudita, com o rei
na Síria? Abdallah.
20
21. Carreira
Países vs. Jornalistas: Como
trabalhar?
A liberdade de expressão distante do Oriente Médio
Rafaela Mendes
Apu Gomes/Folhapress
Jornalistas estrangeiros entrevistam soldado
do exército de Kadafi, capturado por rebeldes
em Benghazi
A
situação continua crítica principalmente nos Para os meios de comunicação, o aspecto
países do mundo árabe. As várias ondas de inovador da Primavera Árabe foi a abundância de
violência, que vêm aumentando ao longo dos conteúdos produzidos por usuários, como vídeos e
anos, acarretaram mudanças profundas, porém não gravações feitas por cidadãos locais.
significa que, em geral, o trabalho dos jornalistas Isso ajudou muito a imprensa mundial, pois
nos territórios árabes tenha se tornado mais fácil. a falta de acesso de jornalistas e cinegrafistas aos
A atividade jornalística na Tunísia, não é tão pontos cruciais do conflito fez com que conteúdos
difícil como antes. Já na Síria, diversos profissionais produzidos por usuários em geral ou fornecidos por
morreram desde o início da repressão. O atual grau ativistas com fortes interesses nos resultados dos
de perigo para a classe é mais ou menos compará- conflitos levassem ao mundo o que estava ocorren-
vel ao do Iraque, há alguns anos . “A Primavera Ára- do nestes lugares.
be desencadeou grandes conflitos. Os jornalistas A mudança no mundo árabe demonstrou o
poder da combinação das aspirações pelos direi-
precisam estar in loco e são atacados sobretudo
tos com os ‘media’ tradicionais e os novos ‘media’, e
pelos governos, obviamente”, diz Faraj Hassan Ali
mostrou a importância do jornalismo cidadão.
vice-presidente da Sociedade Palestina para Todos. Em uma nota, a ONU divulgou seu ponto de
Já em alguns países, as expectativas quanto vista sobre o que foi a Primavera Árabe e os ata-
a uma maior liberdade não se cumpriram. “O Egito, ques sofridos por jornalistas, “as revoltas recentes
por exemplo, em que se depositavam grandes es- em alguns estados árabes destacaram o poder dos
peranças, voltou a viver esta falta de liberdade de media, a busca humana pela liberdade de expres-
expressão, pois o governo militar decretou novas são e a confluência da liberdade de imprensa com a
leis de estado de exceção, restringindo novamente liberdade de expressão, através dos vários meios de
a liberdade de imprensa”, disse Farj Hassan. comunicação tradicionais e novos”.
21
22. Turismo
A guerra no Oriente Médio
causa medo e afasta turistas
Para não perder os clientes, agências de viagens encontram alternativas
Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes
O
Oriente Mé-
dio, palco de
Maria Khevisng
guerras infini-
tas e índice de mortos
elevado teve mais um
ponto negativo. Se por
um lado as revoluções
dão ao povo uma es-
perança de dias me-
lhores, por outro, im-
pulsiona a economia
para baixo ao “espan-
tar” os turistas de suas
cidades.
A região, que re-
cebe turistas de todo o
mundo, principalmen-
te devido ao contexto
histórico e religioso
tem tido cada vez me-
outras regiões que pudessem estar envolvidas nos
nos visitas após o início das revoltas na busca por
conflitos. Como alternativa, as agências se movi-
direitos sociais. Entretanto, esse não é o único moti-
mentaram e criaram alternativas aos seus clientes.
vo da ausência de visitantes. A falta de um governo
“O período de conflitos foi bem complicado para
sólido e com ações estratégicas foi ponto decisivo
nós. Tivemos cancelamentos de clientes que es-
na ausência de confiança por parte de investidores
tavam na área e queriam voltar ou sair de lá com
na economia dos países envolvidos nos conflitos.
urgência, por medo
Países como o Egito, que já sofria com a gran-
de crise econômica mundial, tiveram um prejuízo
de sofrer um atenta- as pessoas que
do ou ser atingidos
ainda maior. A desvalorização da libra egípcia em
pelas manifesta-
buscam nossa
comparação ao dólar americano é muito grande – ções. Dessa forma, agência preferem
atualmente cada US$ 1 dólar equivale a 6,10 libras passamos a ofere-
– o que enfraquece o comércio local, pois os turistas cer as Américas do
utilizar o dólar em
preferem utilizar a moeda americana para aumen- Sul e do Norte como países dessa zona
tar o poder de compra. Como afirma Thiago Souza alternativa”, afirmou
agente de viagens da Mappa Turismo. “As pessoas Thiago, da Mappa
devido ao maior
que buscam nossa agência preferem utilizar o dó- Turismo. poder de compra
lar em países dessa zona devido ao maior poder de Entretanto, os
compra”. conflitos não são a
Outro ponto que dificulta o desenvolvimento única preocupação dos turistas que querem ir ao
econômico é a segurança dos turistas. Por não con- Oriente Médio. Os desafios de inserir-se em uma
seguir garantir a segurança dos clientes que com- nova cultura, com costumes e linguagem diferentes
pravam pacotes de viagem, muitas agências para- são pontos que tiram o sono de quem quer ir aos
ram de vender passagens para Egito, Tunísia, Síria e países árabes.
22
23. Cuidados ao viajar para o exterior
D
e acordo com o livro “Superdicas de Etique- com quem você vai estar. No caso, cidadãos ára-
ta”, da jornalista Claudia Matarazzo, ao via- bes. Dessa maneira, é necessário se informar an-
jar, é fundamental estar em sintonia com o tes de chegar ao próprio destino, coletar detalhes
modo de vida e com o pensamento das pessoas do local para onde está indo.
Nome correto do país a visitar – o México, origi- O nome da capital - confundir a capital do país
nalmente chama-se Estados Mexicanos Unidos; a pode ser um problema, então é preciso não es-
Alemanha, República Federal da Alemanha, mes- quecer onde se está.
mo que não haja mais uma República Democrática
da Alemanha (Alemanha Ocidental). O nome do governante - e das principais autori-
dades do governo nacional e da região para onde
A forma de governo – democracia parlamenta- se vai. Em alguns países, o primeiro ministro é
rista, democracia constitucional, ditadura, monar- mais importante que o presidente.
quia, é bom saber também o que isso significa, pois
o país pode se chamar “república” e ainda assim ser Se existe uma religião nacional – e qual é ela.
uma ditadura. Isso faz diferença no sentimento na- Não é conveniente presumir, por exemplo, que
cional da população. todos os países árabes são muçulmanos.
Temple of Apollo, Líbia
Reprodução
Reprodução
Mosquee of Okba, Tunísia
Reprodução
Maria Madai Khevisng
Citadel of Aleppo, norte da Síria
23
24. Países que participaram
Líbia - Protestos por habitação
e grandes manifestações públi-
cas com várias mortes. Morte de
Muamar Kadafi.
Jordânia - Pequenos protestos
no país. Mudança de governo
e apelo do rei Abdullah ll, com
uma rápida reforma democrá-
tica.
Omã - Pequenos protestos que
foram parados com o aumento
do salário para o setor privado.
Djibuti - Protestos isolados em Iêmen - Com muita manifesta-
Líbano - Os protestos não ge- ção, para acalmar a população o
pequenas vilas.
raram nenhum resultado para a presidente Salen resolveu não se
população. candidatar novamente.
Argélia - Grandes manifestações
ocorreram, porém o presidente
Palestina - Os protestos isola- Abdelazis Bouteflika prometeu Egito - Grandes protestos que
dos não trouxeram mudanças colocar um fim no estado de culminaram na renúncia do pre-
ao país. emergência do país. sidente Hosni Mubaraki.
24
25. Mapa
da Primavera Árabe
e morte pelo país. Para conter
os manifestantes, o presidente
prometeu reformas no gover-
no.
Tunísia - A autoimolação de
Mohammed Bouazizi levou a
grandes manifestações públi-
cas que resultaram na deposi-
ção do ditador Ben Ali.
Mauritânia - Ocorreram vários
protestos.
Arábia Saudita - Protestos se
Bahrein - As grandes manifesta- país. espalharam pelo país, mas com
ções só chegaram ao fim, quan- pouca relevãncia.
do o rei Hamad prometeu soltar Iraque - Protestos espalhados
os presos políticos do país. por todo o país. Marrocos - Depois de muitos
protestos o rei Mohammed VI
Kuwait - Grandes manifestações Síria - O país se tornou campo organizou um referendo que
públicas, porém sem nenhuma de batalha entre manifestantes levou à mudança da Constitui-
consequência importante para o e militares com muita violência ção.
25
26. Análise
A cobertura da primavera
árabe é opinativa
A Revista Visões fez uma análise da cobertura da Primavera Árabe realizada pelos
veículos Folha.com e Observatório da Imprensa
Thamara Martins
D
urante a análise de dez matérias sobre a co- realidade onde estão inseridas” (BORDENAVE, 2005,
bertura jornalística da Primavera Árabe, sen- p.36).
do a metade do site Observatório da Impren- É necessidade do ser humano se comunicar,
sa e a outra do site Folha.com, o que não faltou foi a inclusive é um direito garantido no artigo 5° da
opinião, ou melhor, a presença do “ethos” - apresen- Constituição Federal de 1988. “XIV - é assegurado
tação da autoridade do locutor. a todos o acesso à informação e resguardado o si-
Nas palavras de Dominique Maingueneau, no gilo da fonte, quando necessário ao exercício pro-
livro Análise de textos de comunicação, fissional; como também IX - é livre a
“toda fala procede de um enunciador expressão da atividade intelectual,
encarnado; mesmo quando escrito, a cobertura artística, científica e de comunicação,
um texto é sustentado por uma voz- a jornalística foi independentemente de censura ou li-
de um sujeito situado para além texto” essencialmente cença”. Exercendo uma dupla função,
(pg.95). Porém, até que ponto o comu- opinativa, e os as pessoas precisam se informar e os
nicador usa a pessoalidade para infor- textos revelaram comunicadores existem para essa fina-
mar, persuadir ou divertir as pessoas? pessoalidade e lidade.
“E para que serve a comunica- interpretação Entretanto, a impessoalidade
ção? Serve para que as pessoas se re- ditada pelo código de ética dos jorna-
lacionem entre si, transformando-se listas é algo questionável. Há recursos
mutuamente e a realidade que as rodeia. Sem a como o discurso direto, que conferem autenticida-
comunicação cada pessoa seria um mundo fecha- de e distanciam o enunciador da matéria. Todavia,
do em si mesmo. Pela comunicação as pessoas nem sempre nos textos os dois lados da história são
compartilham experiências, ideias e sentimentos. apresentados, e quando são é possível perceber a
Ao se relacionarem como seres interdependentes, opinião dos enunciadores reveladas nas aspas dos
influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a entrevistados.
Matérias analisadas (Folha.com)
1 - Secularismo no resgate da Primavera Árabe. Por Fadi Hakura (3/6/2011)
2 - Egito reprime atos de homenagem à revolução com furor. Por Marcelo Ninio (30/6/2011)
3 - 1 ano depois, êxito islâmico é como espectro sobre revoluções. Por Salem H. Nasser (17/12/2011)
4 - Egito condena Mubarak, mas matém alicerces de seu tempo. Por Arlene Clemesha (4/6/2012)
5- Tunísia condena à prisão perpétua ex-ditador Ben Ali. Por Marcelo Ninio (14/6/2012)
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27. No objeto de análise, a utópica impessoali- Além de abordar a Política Internacional, to-
dade dá lugar a relação do “eu e você”, são encon- dos os textos são coesos e coerentes. Porém, alguns
trados verbos na segunda pessoa do plural e enun- jornalistas, seja por distração ou por conhecer bem
ciadores que direcionam o discurso para o leitor. O o leitor-modelo, deixam de explicar palavras difíceis.
texto “Os rebeldes” e o futuro da Líbia, publicado no Exemplo disso é a matéria Consultoria critica mis-
Observatório da Imprensa, confere valor pragmáti- tificações, escrita por Mauro Malin. “A consultoria
de estratégia Stratfor mandou na quarta-feira
Num dia incerto e não sabido, quando (2/11) aos destinatários de seu mailing”, em outra
for decretado o final da ‘guerra’, todos parte do texto, quando inclui um discurso direto, “A
Primavera Árabe é um manual clássico de wish-
os rebeldes entregarão candidamente ful thinking da mídia hegemônica [mainstream
suas armas às forças da ONU ou media]”. Mailing significa “lista de e-mails”, e a ex-
talvez nos escritórios do ente político pressão inglesa wishful thinking tem por sinônimo
as palavras “utopia, ilusão e excesso de otimismo”.
criado pelos insurgentes: o Conselho Independentemente do tamanho das maté-
Nacional de Transição. Você acredita rias [pequeno (20 linhas), médio (até 35 linhas) ou
nisso? grande (acima de 35 linhas)], o enunciador pôde
escolher a forma de apresentação mais apropriada,
co, relação com o destinatário, quando trata o leitor ora pirâmide invertida (cinco), fatos mais relevantes
por você. Segue trecho: no início, ora forma literária (uma), quando o me-
O ethos é mais próximo do leitor, instável, sen- lhor é deixado pro final, ou ainda quando o siste-
do possível identificá-lo, seja pelo uso de metáforas, ma é misto (quatro), tanto no começo, quanto no
opiniões ou interpretações. Em geral, comentários final. A forma analítica esteve presente em todos os
para explicar a própria fala são identificados nos casos, ou seja, respondendo às perguntas: quem, o
textos, os termos “Ou melhor” (linha 5) e “Em geral” quê, quando, onde, como e por quê?
(linha 54) são exemplos propositais de modaliza- Além da função de informar, a persuasão foi
ções autonímicas. encontrada em oito das dez matérias, sendo clara
Os textos da cobertura apresentam poucos a presença do jornalista no texto. Entre os 11 itens
erros nas notícias, palavras difíceis e fontes. Três analisados (fontes, viés/abordagem, estrutura tex-
fontes não foram identificadas, quatro tiveram ge- tual, tamanho, notícia sintética/analítica, função da
neraliações, sem citar os nomes das pessoas envol- notícia, formas de apresentação, erros das notícias,
vidas: “Segundo o Exército”, “Ministério da Saúde”, ethos, contraste e logos ) o “ethos” foi o item de des-
“Organizações de Direitos Humanos” e “Centro Pew taque, logo, as conclusões das premissas e observa-
de Pesquisas”. As matérias tiveram contraste de três ções leva a crer que a cobertura jornalística foi es-
versões do nome do ex-ditador da Líbia: “Muamar el sencialmente opinativa, e que os textos revelaram
Gadafi”, “Muamar Kadafi” e “Qaddafi”. pessoalidade e interpretação.
Matérias analisadas (Observatório da Imprensa)
1 - O caminho da democracia no Oriente Médio. Por Thiago Antonio Melo (7/1/2012)
2 - A dimensão da onde revolucionária. Por Ian Bremmer (12/6/2011)
3 - Redes Sociais e democracia. Por Michael Moran (1/6/2012)
4 - Consultoria critica mistificações. Por Mauro Malim (3/12/20122)
5 - Os “rebeldes” e o futuro da Líbia. Por Samuel Lima (30/8/2012)
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28. Cultura
Quando surgiu o Islamismo?
O islamismo surgiu no século VI na Arábia,
região do Oriente Médio que era habitada
por cerca de 5 milhões de pessoas. Eram
grupos de sedentários e nômades organizados em
tribos e clãs. A população era de maioria politeísta,
templos locais.
Maomé passou a pregar a crença num único deus,
Alá, e reuniu suas mensagens num livro sagrado para
os muçulmanos, o Corão. Perseguidos em Meca, o
profeta e seus adeptos fugiram para criar a primeira
mas existiam algumas tribos judaicas e outras de comunidade islâmica em Medina, em um oásis
tradição cristã. próximo.
Nesse contexto surgiu o criador do islamismo, o Essa migração forçada, conhecida como Hégira,
profeta Maomé, chamado de Muhammad pelos marcou o início do calendário muçulmano e, aos
muçulmanos. Órfão desde cedo, ele se tornou um poucos, o profeta atraiu cada vez mais seguidores até
condutor de caravanas, o que lhe possibilitou o ter força para derrotar os rivais que o expulsaram de
contato com noções básicas da doutrina cristã. Meca.
Quando adulto, o profeta passou a se dedicar a Usando como doutrina a nova religião que assimilava
retiros espirituais e, segundo os seguidores do Islã, tradições judaicas, combinada aos conceitos cristãos
começou a ter visões divinas com mensagens que e ideais das tribos árabes, ele conseguiu unificar toda
deveria divulgar. As primeiras pregações públicas de a Arábia sob sua liderança.
Maomé em Meca, sua cidade natal, tiveram pouco
sucesso e geraram atritos locais. Após morrer, em 632, seu sogro Abu Bakr passou a
conduzir a expansão do islamismo, que nos séculos
Admirador do monoteísmo, ele criticava uma das seguintes se espalhou pela Europa, Ásia e África,
maiores fontes de renda de Meca: a peregrinação levado não apenas por árabes, mas por outros povos
dos idólatras, que adoravam as várias divindades dos convertidos.
Você sabia? Cinco orações diárias
Que os nomes mais utilizados no Oriente Médio O fiel deve rezar todos os dias em cinco horários
são: Muhammad e Mai. diferentes: 5h00, 12h30, 16h00, 18h30 e 20h00.
Para isso, deve entrar na mesquita sem sapatos
O Alcorão não obriga a mulher usar o véu, vai do e dirigir-se a Sala de Oração, que ocupa a ala de
bom senso de cada uma. um jardim aberto.
No centro do jardim, há um poço de purificação,
Nos Países Árabes a mão esquerda é considerada para antes da prece.
impura, pois é destinada a higiene pessoal, então
não ofereça ou receba documentos esta mão. No muro que dá para a Meca, o mihrab indica a
direção para qual se deve rezar.
Para os muçulmanos o ideal é manter uma Durante a oração, o fiel se inclina para a frente,
distância respeitosa entre sexos opostos, até prostrando-se no chão, em sinal de respeito ao
dentro dos transportes públicos, pessoas de sexo Criador
oposto não se sentam lado a lado.
ORAÇÃO:
Na Árabia Saudita arrotar após as refeições Em nome d’Allah, ó Clemente, ó Misericordioso,
é sinal de boa educação e de satisfação pela Louvado seja Allah, Senhor do Universo,
comida. Clemente, ó Misericordioso,
Soberano do Dia do Juízo,
É comum que homens andem de mãos dadas. Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda!
Isso é um sinal de respeito e amizade. Guia-nos á senda reta,
À senda dos que agraciaste, não a dos
Não se deve mostrar o solo do sapato. É sinal de abominados, nem a dos extraviados.
impureza. Fonte: Alcorão
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