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José Carlos Pinto da Costa
CRIA/FCSH-NOVA
• Objetivo geral:
Refletir sobre um modo particular de concretização do futuro no presente: a
digitalização dos sistemas sociotécnicos ligados à prestação de cuidados de
saúde.
• Objetivos específicos:
Identificar os imaginários sociotécnicos, alimentados pela prossecução do ideal
da saúde digital, e as condições em que eles são concretizados no presente
Promover o debate sobre a possibilidade de teorização de uma antropologia
antecipatória que integre o futuro no presente como via para apreender a
realidade social.
1) Não há expectativa sem experiência nem experiência sem expectativa (Koselleck,
2004).
2) “Experiência e expectativa são, enquanto dados antropológicos, a condição das
histórias possíveis” (Koselleck, 2004).
3) Na vida de todos os dias, as pessoas exploram a relação entre experiência e
expetativa (Rosenberg & Harding, 2005).
4) O futuro molda o presente (Adams et al., 2009).
5) O futuro é um marcador de posição, um placebo, um não-lugar, mas é também um
lugar comum que precisamos de investigar em toda a sua densidade histórica e cultural
(Rosenberg & Harding, 2005).
6) O futuro só é real no presente, logo, o ainda-não só pode ser abordado a partir do
presente (Adam, 2009).
7) O futuro tornou-se problemático (Savransky et al, 2017).
8) O futuro no presente é um objeto empírico, e pode ser iluminado através da aplicação de
métodos e técnicas de análise social e cultural (Savransky et al., 2017), porém,
metodologicamente é difícil estudar o futuro, porque não há experiência dele (Bryant &
Knight, 2019).
9) O futuro deve ser estudado por investigadores de diferentes culturas e de diferentes áreas
de conhecimento, entre as quais, a antropologia (Maruyama & Harkins, 1978).
10) É “vital imaginar colaborativamente e construir uma antropologia do futuro robusta”
(Appadurai, 2013).
11) A antropologia tem o dever de assumir o compromisso por uma ética da possibilidade
(que aumenta o horizonte de esperança e expande o campo da imaginação contribuindo
para uma maior equidade na capacidade de aspirar (Appadurai, 2013), uma “antropologia
do bem” – contrária à ética da probabilidade);
12) Devido à sua tradição epistemológica e metodológica de apreensão das culturas como
um todo, o antropólogo possui os instrumentos e as habilidades para identificar e
“especificar as lacunas da predição realizada pelos [planeadores] sempre que a
informação sobre o futuro projetado é desadequada” (Mead, 1971).
13) A antropologia deve ultrapassar os limites do relativismo cultural e do particularismo
histórico para incluir na sua agenda de investigação a supraculturalidade (ou
infraculturalidade) e a multitemporalidade como condições fundamentais necessárias
para a realização de uma antropologia do futuro (Salazar et al., 2017).
14) Para imaginar o futuro em antropologia, é necessário empurrar as fronteiras
disciplinares (Stoller, 2017).
a) adotar um novo humanismo (Wentzer & Mattingly, 2018), substituindo o princípio da
ontologia natural – que pressupõe a existência de fronteiras metafísicas e ontológicas
entre matéria e memória, pessoas e coisas… e a (tentativa de) construção de formas
discursivas puras (Latour, 1993) – pelo princípio da unicidade cibernética (Dupuy, 2008)
animado por noções como “estrutura material-semiótica” (Law, 2019) e “comuns mais-
que-humano” (Bresnihan, 2015);
b) entender que o futuro é e sempre foi uma dimensão experiencial importante da vida
humana (Ringel & Moghaddari, 2020) e que não é meramente imaginado, mas também
construído (Adam & Groves, 2007);
c) assumir que horizontes indefinidos sobre o que está além da situação presente sempre
acompanharam a experiência humana (Crapanzano, 2003);
d) reconhecer que o presente é multitemporal;
e) reconhecer que, na contemporaneidade, a newness e a mudança perpétua que
constituem a mitologia do capitalismo avançado impedem a fixação no
passado e a inação no presente e mobilizam a expetativa (Collins, 2021[2008]);
f) assumir que o estudo do futuro melhora o nosso entendimento do presente,
por um processo de backcasting, isto é, através da análise dos efeitos de uma
imagem do futuro nos comportamentos do presente (Persoon & van Est, 2000);
g) compreender que o estudo antropológico do futuro implica tanto a sua
configuracionalidade cultural (Appadurai, 2013) como a-cultural (Salazar et al.,
2017);
h) compreender que os regimes de antecipação dos futuros são cultural e
biopoliticamente transnacionais (Adams et al., 2009);
i) compreender que uma antropologia do futuro obriga à realização de uma antropologia
da emergência, informada por uma metodologia da surpresa (Maurer, 2005) que excede
o escopo das abordagens fenomenológica e ontológica meramente descritivas,
implicando o antropólogo, pela crítica dos modelos de construção dos futuros, no
processo de co-desenho destes últimos (Salazar et al., 2017) no contexto de evocações
antecipatórias de assemblagens heterogéneas (sendo que o antropólogo nunca pode
ser o especialista dessa construção;
j) compreender o futuro cultural como a diferença que faz a diferença e entender que essa
compreensão está na base da realização de uma reflexão crítica sobre o presente
(Collins, 2021[2008]);
k) considerar que o contexto temporal relevante da situação presente é formado por
horizontes temporais e imagens do futuro adotadas pelas várias partes envolvidas no
desenho dessas imagens no presente – são imagens parciais (Persoon & van Est, 2000);
l) entender que as mudanças culturais não acontecem simplesmente – são as pessoas que
as fazem acontecer (Maruyama, 1978);
m) compreender que são imaginados “grandes futuros” e “pequenos futuros”, os primeiros
sendo metanarrativas sobre o futuro e as suas promessas e prognósticos e os últimos
como sendo os que são imaginados na vida do dia-a-dia (Rosenberg & Harding, 2005);
n) compreender que o futuro não é um mero espaço técnico ou neutro – é espoletado
através do afeto e das sensações (Appadurai, 2013); é falado, domado, comercializado e
colonizado (Adam & Groves, 2007);
o) assumir que o planeamento social (vulga engenharia social) é um instrumento político de
regulação da vida dos indivíduos e das sociedades que tem como última intenção criar
um Standard World e determinar as possibilidades de variação desse cânone (Boulding,
1978);
p) compreender que os futuros existem em e produzem contextos e estão sempre em risco
de serem descontextualizados, esvaziados de contexto, para efeitos de
desterritorialização e comercialização (Adam & Groves, 2007);
q) compreender que o futuro é contingente e que as suas imaginações podem mudar em
resposta às mudanças dos tempos (Rosenberg & Harding, 2005);
r) compreender que o estudo do futuro requer humildade, implica risco, requer
capacidade negativa e a realização de uma antropologia pública (Stoller, 2017);
s) assumir que os preceitos têm valor analítico como os conceitos, uma vez que
representam uma nova classe de ideais dirigidos para um futuro do qual não há
precedentes teóricos ou racionais, mas apenas aspi-racionais (Pels, 2015);
t) assumir que a capacidade de aspirar é uma capacidade cultural (Appadurai, 2013);
u) considerar que o futuro alimenta imaginações específicas, coexistindo diversos futuros
no presente e desenhando-se tendências de hegemonização e dominação de certas
imagens de futuro sobre outras (Pels, 2015);
v) ter atenção para o facto de que a dominação de certas imagens de futuro sobre outras
leva à privatização da esperança (Thompson & Zizek, 2013) e à emergência e/ou
consolidação de regimes totalitários em que empresas e/ou governos definem os
termos do futuro, o qual é, por esta via, aprisionado no presente (Strathern, 1992);
Amostra
Três grupos de stakeholders:
• Coligações de defesa (advocacy coalitions): “pessoas de uma variedade de posições
(representantes políticos eleitos ou nomeados, líderes de grupos interessados,
pesquisadores) que partilham um sistema de crenças particular – i.e., um conjunto de
valores básicos, suposições causais e perceções sobre o problema – e que mostram um
grau não-trivial de atividade coordenada ao longo do tempo” (Sabatier & Weible, 2007:
196). – Atores situados na corrente “Política” (Politics).
• Comunidades Epistémicas: “um grupo diverso de atores políticos incluindo cientistas,
especialistas académicos, representantes do setor público e outros agentes
governamentais que estão unidos por um interesse comum numa interpretação partilhada
da ciência subjacente à política em causa” (Haas, 1992, citado por Béland et al., 2018:6). –
Atores situados na corrente “Problema”.
• Círculos Instrumentais (instrument constituencies): atores envolvidos na articulação de
soluções, independentemente da natureza do problema a ser enfrentado (Voss & Simons,
2014). – Atores situados na corrente “Político” (Policy).
Discursos dos três
grupos de
stakeholders
envolvidos na
cocriação dos
cuidados de saúde
do futuro
A promessa da medicina de precisão e da saúde digital é melhorar a capacidade de
prevenir doenças, promover a saúde e reduzir as disparidades no acesso e na
condição de saúde das populações (Khoury & Galea, 2016: E2), tornando, na
sequência, os tratamentos mais eficazes e os sistemas de saúde mais eficientes.
Porém, o custo do desenvolvimento de terapias de precisão tende a ser elevado, o
que naturalmente se refletirá nos preços dos cuidados de saúde e dos tratamentos
e, consequentemente, no acesso das populações aos cuidados.
Adicionalmente, as diferentes especialidades não partilham dados clínicos entre si,
impedindo a interoperabilidade dos serviços e dos sistemas, que é uma condição
crucial dos imaginários sociotécnicos da saúde digital. Este impedimento é
atribuído à cultura de gestão dos serviços, cujas decisões são mantidas nas mãos
de clínicos que resistem a perder a sua autoridade por essa via (a qual entendem
provir do monopólio na gestão dos dados clínicos).
A promessa do modelo de cuidados de saúde baseados em valor é tornar os sistemas
de saúde eficientes, articulando implicitamente a eficiência dos sistemas com a eficácia dos
cuidados, isto é, com a propriedade de estes criarem valor para o paciente.
Devido à tendência a uniformizar as medidas de “valor para o paciente” (que denota a
dificuldade em definir o que significa o “valor para o paciente”), a inclusão da
diversidade de perceções de valor que a promessa inicial assume como ponto de
partida do modelo acaba por ser ilusória e submete a voz das populações aos
interesses do sistema e dos stakeholders formais, limitando os efeitos práticos de uma
potencial abertura da gestão da saúde às populações.
• No caso da imaginação do futuro baseada na digitalização dos sistemas sociotécnicos
ligados à prestação de cuidados de saúde, as expetativas desafiam a experiência em tal
amplitude que as promessas que sugere são, com os elementos de que hoje se dispõe,
irrealistas.
• Este irrealismo provém fundamentalmente da pré-existência de um passado mais ou
menos longo que resiste à implementação da newness, o qual se encontra cristalizado
numa cultura de gestão da saúde reativa à digitalização plena da saúde, em virtude de
poder com isso perder a sua hegemonia nos processos de decisão clínica.
• Os diferentes stakeholders promovem discursividades diversas que produzem imaginários
potencialmente inconciliáveis, apesar de concordarem com a inevitabilidade da
transformação digital dos cuidados de saúde.
• É notória a existência de um choque entre o grande futuro (marcado pela discursividade
transnacional sobre a transformação digital da saúde) e os pequenos futuros dos agentes
envolvidos na implementação local dessa discursividade.
Obrigado

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Futuros da Saúde Digital

  • 1. José Carlos Pinto da Costa CRIA/FCSH-NOVA
  • 2. • Objetivo geral: Refletir sobre um modo particular de concretização do futuro no presente: a digitalização dos sistemas sociotécnicos ligados à prestação de cuidados de saúde. • Objetivos específicos: Identificar os imaginários sociotécnicos, alimentados pela prossecução do ideal da saúde digital, e as condições em que eles são concretizados no presente Promover o debate sobre a possibilidade de teorização de uma antropologia antecipatória que integre o futuro no presente como via para apreender a realidade social.
  • 3. 1) Não há expectativa sem experiência nem experiência sem expectativa (Koselleck, 2004). 2) “Experiência e expectativa são, enquanto dados antropológicos, a condição das histórias possíveis” (Koselleck, 2004). 3) Na vida de todos os dias, as pessoas exploram a relação entre experiência e expetativa (Rosenberg & Harding, 2005). 4) O futuro molda o presente (Adams et al., 2009). 5) O futuro é um marcador de posição, um placebo, um não-lugar, mas é também um lugar comum que precisamos de investigar em toda a sua densidade histórica e cultural (Rosenberg & Harding, 2005). 6) O futuro só é real no presente, logo, o ainda-não só pode ser abordado a partir do presente (Adam, 2009).
  • 4. 7) O futuro tornou-se problemático (Savransky et al, 2017). 8) O futuro no presente é um objeto empírico, e pode ser iluminado através da aplicação de métodos e técnicas de análise social e cultural (Savransky et al., 2017), porém, metodologicamente é difícil estudar o futuro, porque não há experiência dele (Bryant & Knight, 2019). 9) O futuro deve ser estudado por investigadores de diferentes culturas e de diferentes áreas de conhecimento, entre as quais, a antropologia (Maruyama & Harkins, 1978). 10) É “vital imaginar colaborativamente e construir uma antropologia do futuro robusta” (Appadurai, 2013). 11) A antropologia tem o dever de assumir o compromisso por uma ética da possibilidade (que aumenta o horizonte de esperança e expande o campo da imaginação contribuindo para uma maior equidade na capacidade de aspirar (Appadurai, 2013), uma “antropologia do bem” – contrária à ética da probabilidade);
  • 5. 12) Devido à sua tradição epistemológica e metodológica de apreensão das culturas como um todo, o antropólogo possui os instrumentos e as habilidades para identificar e “especificar as lacunas da predição realizada pelos [planeadores] sempre que a informação sobre o futuro projetado é desadequada” (Mead, 1971). 13) A antropologia deve ultrapassar os limites do relativismo cultural e do particularismo histórico para incluir na sua agenda de investigação a supraculturalidade (ou infraculturalidade) e a multitemporalidade como condições fundamentais necessárias para a realização de uma antropologia do futuro (Salazar et al., 2017). 14) Para imaginar o futuro em antropologia, é necessário empurrar as fronteiras disciplinares (Stoller, 2017).
  • 6. a) adotar um novo humanismo (Wentzer & Mattingly, 2018), substituindo o princípio da ontologia natural – que pressupõe a existência de fronteiras metafísicas e ontológicas entre matéria e memória, pessoas e coisas… e a (tentativa de) construção de formas discursivas puras (Latour, 1993) – pelo princípio da unicidade cibernética (Dupuy, 2008) animado por noções como “estrutura material-semiótica” (Law, 2019) e “comuns mais- que-humano” (Bresnihan, 2015); b) entender que o futuro é e sempre foi uma dimensão experiencial importante da vida humana (Ringel & Moghaddari, 2020) e que não é meramente imaginado, mas também construído (Adam & Groves, 2007); c) assumir que horizontes indefinidos sobre o que está além da situação presente sempre acompanharam a experiência humana (Crapanzano, 2003);
  • 7. d) reconhecer que o presente é multitemporal; e) reconhecer que, na contemporaneidade, a newness e a mudança perpétua que constituem a mitologia do capitalismo avançado impedem a fixação no passado e a inação no presente e mobilizam a expetativa (Collins, 2021[2008]); f) assumir que o estudo do futuro melhora o nosso entendimento do presente, por um processo de backcasting, isto é, através da análise dos efeitos de uma imagem do futuro nos comportamentos do presente (Persoon & van Est, 2000); g) compreender que o estudo antropológico do futuro implica tanto a sua configuracionalidade cultural (Appadurai, 2013) como a-cultural (Salazar et al., 2017); h) compreender que os regimes de antecipação dos futuros são cultural e biopoliticamente transnacionais (Adams et al., 2009);
  • 8. i) compreender que uma antropologia do futuro obriga à realização de uma antropologia da emergência, informada por uma metodologia da surpresa (Maurer, 2005) que excede o escopo das abordagens fenomenológica e ontológica meramente descritivas, implicando o antropólogo, pela crítica dos modelos de construção dos futuros, no processo de co-desenho destes últimos (Salazar et al., 2017) no contexto de evocações antecipatórias de assemblagens heterogéneas (sendo que o antropólogo nunca pode ser o especialista dessa construção; j) compreender o futuro cultural como a diferença que faz a diferença e entender que essa compreensão está na base da realização de uma reflexão crítica sobre o presente (Collins, 2021[2008]); k) considerar que o contexto temporal relevante da situação presente é formado por horizontes temporais e imagens do futuro adotadas pelas várias partes envolvidas no desenho dessas imagens no presente – são imagens parciais (Persoon & van Est, 2000); l) entender que as mudanças culturais não acontecem simplesmente – são as pessoas que as fazem acontecer (Maruyama, 1978);
  • 9. m) compreender que são imaginados “grandes futuros” e “pequenos futuros”, os primeiros sendo metanarrativas sobre o futuro e as suas promessas e prognósticos e os últimos como sendo os que são imaginados na vida do dia-a-dia (Rosenberg & Harding, 2005); n) compreender que o futuro não é um mero espaço técnico ou neutro – é espoletado através do afeto e das sensações (Appadurai, 2013); é falado, domado, comercializado e colonizado (Adam & Groves, 2007); o) assumir que o planeamento social (vulga engenharia social) é um instrumento político de regulação da vida dos indivíduos e das sociedades que tem como última intenção criar um Standard World e determinar as possibilidades de variação desse cânone (Boulding, 1978); p) compreender que os futuros existem em e produzem contextos e estão sempre em risco de serem descontextualizados, esvaziados de contexto, para efeitos de desterritorialização e comercialização (Adam & Groves, 2007); q) compreender que o futuro é contingente e que as suas imaginações podem mudar em resposta às mudanças dos tempos (Rosenberg & Harding, 2005);
  • 10. r) compreender que o estudo do futuro requer humildade, implica risco, requer capacidade negativa e a realização de uma antropologia pública (Stoller, 2017); s) assumir que os preceitos têm valor analítico como os conceitos, uma vez que representam uma nova classe de ideais dirigidos para um futuro do qual não há precedentes teóricos ou racionais, mas apenas aspi-racionais (Pels, 2015); t) assumir que a capacidade de aspirar é uma capacidade cultural (Appadurai, 2013); u) considerar que o futuro alimenta imaginações específicas, coexistindo diversos futuros no presente e desenhando-se tendências de hegemonização e dominação de certas imagens de futuro sobre outras (Pels, 2015); v) ter atenção para o facto de que a dominação de certas imagens de futuro sobre outras leva à privatização da esperança (Thompson & Zizek, 2013) e à emergência e/ou consolidação de regimes totalitários em que empresas e/ou governos definem os termos do futuro, o qual é, por esta via, aprisionado no presente (Strathern, 1992);
  • 11.
  • 12. Amostra Três grupos de stakeholders: • Coligações de defesa (advocacy coalitions): “pessoas de uma variedade de posições (representantes políticos eleitos ou nomeados, líderes de grupos interessados, pesquisadores) que partilham um sistema de crenças particular – i.e., um conjunto de valores básicos, suposições causais e perceções sobre o problema – e que mostram um grau não-trivial de atividade coordenada ao longo do tempo” (Sabatier & Weible, 2007: 196). – Atores situados na corrente “Política” (Politics). • Comunidades Epistémicas: “um grupo diverso de atores políticos incluindo cientistas, especialistas académicos, representantes do setor público e outros agentes governamentais que estão unidos por um interesse comum numa interpretação partilhada da ciência subjacente à política em causa” (Haas, 1992, citado por Béland et al., 2018:6). – Atores situados na corrente “Problema”. • Círculos Instrumentais (instrument constituencies): atores envolvidos na articulação de soluções, independentemente da natureza do problema a ser enfrentado (Voss & Simons, 2014). – Atores situados na corrente “Político” (Policy).
  • 13. Discursos dos três grupos de stakeholders envolvidos na cocriação dos cuidados de saúde do futuro
  • 14. A promessa da medicina de precisão e da saúde digital é melhorar a capacidade de prevenir doenças, promover a saúde e reduzir as disparidades no acesso e na condição de saúde das populações (Khoury & Galea, 2016: E2), tornando, na sequência, os tratamentos mais eficazes e os sistemas de saúde mais eficientes. Porém, o custo do desenvolvimento de terapias de precisão tende a ser elevado, o que naturalmente se refletirá nos preços dos cuidados de saúde e dos tratamentos e, consequentemente, no acesso das populações aos cuidados. Adicionalmente, as diferentes especialidades não partilham dados clínicos entre si, impedindo a interoperabilidade dos serviços e dos sistemas, que é uma condição crucial dos imaginários sociotécnicos da saúde digital. Este impedimento é atribuído à cultura de gestão dos serviços, cujas decisões são mantidas nas mãos de clínicos que resistem a perder a sua autoridade por essa via (a qual entendem provir do monopólio na gestão dos dados clínicos).
  • 15. A promessa do modelo de cuidados de saúde baseados em valor é tornar os sistemas de saúde eficientes, articulando implicitamente a eficiência dos sistemas com a eficácia dos cuidados, isto é, com a propriedade de estes criarem valor para o paciente. Devido à tendência a uniformizar as medidas de “valor para o paciente” (que denota a dificuldade em definir o que significa o “valor para o paciente”), a inclusão da diversidade de perceções de valor que a promessa inicial assume como ponto de partida do modelo acaba por ser ilusória e submete a voz das populações aos interesses do sistema e dos stakeholders formais, limitando os efeitos práticos de uma potencial abertura da gestão da saúde às populações.
  • 16. • No caso da imaginação do futuro baseada na digitalização dos sistemas sociotécnicos ligados à prestação de cuidados de saúde, as expetativas desafiam a experiência em tal amplitude que as promessas que sugere são, com os elementos de que hoje se dispõe, irrealistas. • Este irrealismo provém fundamentalmente da pré-existência de um passado mais ou menos longo que resiste à implementação da newness, o qual se encontra cristalizado numa cultura de gestão da saúde reativa à digitalização plena da saúde, em virtude de poder com isso perder a sua hegemonia nos processos de decisão clínica. • Os diferentes stakeholders promovem discursividades diversas que produzem imaginários potencialmente inconciliáveis, apesar de concordarem com a inevitabilidade da transformação digital dos cuidados de saúde. • É notória a existência de um choque entre o grande futuro (marcado pela discursividade transnacional sobre a transformação digital da saúde) e os pequenos futuros dos agentes envolvidos na implementação local dessa discursividade.