Objetivo da Educação
§ 1 - “Que se pretende fazer do homem? É esta pergunta que se propõe responder a filosofia da educação” (ANTUNES, 1973, PP 10 E 15). 1
Sendo homem, necessariamente sou obrigado a saber “o que se pretende fazer do homem”. Contudo, se eu não sei, nenhum outro homem deve saber. Se, porém, algum homem sabe e eu não sei, também devo aprender. Isso não quer dizer que eu sei ou poderei saber (aprender) tudo o que os outros homens sabem ou até mais do que todos eles, nem significa que os outros homens sabem tudo o que eu sei ou mais do que eu sei. Quero dizer que cada pessoa deve ter sua maneira especial de saber “o que se pretende fazer do homem”.
1 ANTUNES, Manuel. Educação e Sociedade, Lisboa, Sampedro, 1973, pp. 10 e 15.
2. Marco Aurélio Rodrigues Dias
Filosofia da Educação
ANO 2022
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3. Sumário
Objetivo da Educação.........................................................5
A Educação e o Educador...............................................14
Educação Como Fato Social............................................25
Novas Pedagogias.............................................................33
Habilidades e Competências...........................................44
O Educando e a Autonomia.............................................56
A Educação Infantil...........................................................66
A Inteligência e a Educação............................................75
Processo Ensino Aprendizagem......................................85
A Dúvida e o Conhecimento............................................93
4. Filosofia da Educação | Marco Aurélio Rodrigues Dias
Objetivo da Educação
§ 1 - “Que se pretende fazer do homem? É
esta pergunta que se propõe responder a
filosofia da educação” (ANTUNES, 1973, PP 10 E
15). 1
Sendo homem, necessariamente sou obrigado a
saber “o que se pretende fazer do homem”. Contudo,
se eu não sei, nenhum outro homem deve saber. Se,
porém, algum homem sabe e eu não sei, também
devo aprender. Isso não quer dizer que eu sei ou
poderei saber (aprender) tudo o que os outros
homens sabem ou até mais do que todos eles, nem
significa que os outros homens sabem tudo o que eu
sei ou mais do que eu sei. Quero dizer que cada
pessoa deve ter sua maneira especial de saber “o que
se pretende fazer do homem”. Se eu não sei e
nenhuma outra pessoa sabe o “que se pretende fazer
do homem”, é porque nem eu e nenhum outro homem
investigou devidamente este assunto. Todavia, se
alguém sabe e eu não sei, é porque eu não estudei a
1 ANTUNES, Manuel. Educação e Sociedade, Lisboa, Sampedro,
1973, pp. 10 e 15.
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resposta produzida por esse homem e nem dei a
minha resposta. Entretanto, eu não preciso estudar
todas as outras respostas que foram dadas aos
conhecimentos, mas apenas preciso dar a minha
resposta, pois, segundo Terêncio, “quantos homens
houverem, tantas opiniões haverão: todos com sua
maneira particular” (Terêncio. Phormio. 161 d.C.). E
minha maneira especial de saber isso e pensar sobre
isso é filosofando em torno de um elogio da educação,
da escola e do processo ensino-aprendizagem, pois
me parece que o “que se pretende fazer do homem” é
civilizá-lo através do conhecimento.
§ 2 – É isso que a filosofia da educação
quer falar a todo mundo: A educação escolar é
amiga indispensável! Schopenhauer disse que
“toda criança é, de certo modo, um gênio. E
todo gênio é, de certo modo, uma criança”.2
Mas
creio que toda criança precisa da escola amiga
para despertar o “gênio” em potencial.
Todo mundo aprende, o tempo todo, desde que
nasce. Não estudar o ensino formal não é o mesmo
que não aprender. Estudar na escola é aprender o
conteúdo científico e metódico. A escola é um
fenômeno social a ser estudado com mais clareza
porque ela existe em um ambiente social e de prática
2 SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como
Representação, 1818.
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da ação ensino-aprendizagem dos conteúdos que a
humanidade produziu. A humanidade é a abstração do
homem. Quem é a humanidade? Ninguém sabe. Jules
Michelet, historiador francês, disse que “cada homem
é uma humanidade e uma história universal”
(MICHELET, 1961, P. 103)3
Sem dúvida, o homem é a
potencialidade em miniatura da humanidade. Eu
sempre espero que meus pensamentos sejam
diferentes e únicos, mas não o são, e eu continuo
esperando, estudando e tentando entender o que sou,
o que espero de mim e o que a sociedade propõe que
eu seja. Faço isso a partir dos conhecimentos que a
humanidade produziu. Sem dúvida nenhuma, “toda
criança é um gênio”, conforme a observação de
Schopenhauer, e tem potencial cognitivo para
desenvolver e conhecer o que lhe é proposto
socialmente. Os gênios, por sua vez, são produtos da
educação, e a educação, consequentemente, é um
produto dos gênios. Então, objetivamente, a escola é
importante porque orienta o aluno para os
conhecimentos essenciais da humanidade, a partir dos
quais ele pode criar outros conhecimentos, estimular
suas potencialidades cognitivas e se transformar
conscientemente numa humanidade miniatura capaz
de transcender e transformar os conhecimentos que
foram produzidos anteriormente.
3 (MICHELET, Jules. Histoire de France, ed.Chamerot, 1861, vol.
4, chap 1r (Le Duc dÓrleans, Le Duc de Bourgogne), 1407 (23
nov.). Jea-Sans-Peur le fait assassiner, p.103).
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§ 3 - Fica uma dúvida: devo ser o que me
proponho ser ou o que a Educação propõe que
eu seja? Ou será que nenhuma das duas
hipóteses é possível?
Minha intenção é ser um estudante aplicado,
melhor do que fui no passado. Descobri o ponto de
encontro entre a sociedade e eu: o estudo. Tanto
quero e gosto de estudar, quanto a sociedade propõe
que eu estude indefinidamente. Meus professores
foram um pesadelo em sala de aula. Não sabiam se
comunicar. Viviam punindo os alunos que não
conseguiam ficar sentados na cadeira, imóveis e
calados feito uma estátua. Não sabiam formular
propostas convincentes que estimulassem os alunos
para o estudo. Tratava-se da educação conservadora
da década de 60. Michael Joseph Oakeshott, filósofo
inglês, disse que “ser conservador é preferir o familiar
ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o
fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao
ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao
superabundante, o conveniente ao perfeito”4
(OAKESHOTT, 1962, p. 127). No entanto, estudar a
vida e investigar a capacidade de aprender o novo e
de ensinar o novo é muito mais divertido do que os
conservadores podem imaginar. Muitos estudantes
4 OAKESHOTT, Michael. Rationalism in Politics. London: Methuen,
1962: p. 127).
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fogem do estudo, por causa de experiências negativas
que tiveram com educadores sem profissionalismo.
Esses alunos supõem que estudar seja algo chato,
baseados em experiências negativas com professores
conservadores, com planos de aula sem criatividade e
com avaliações punitivas. Eles, infelizmente, não
conheceram um processo ensino-aprendizagem
dinâmico, includente e interacionista. Por isso não
imaginam quanto uma pessoa se enriquece
estudando. Immanuel Kant disse: “Eu sou por
inclinação um pesquisador. Sinto uma grande sede por
conhecimento, uma ansiada inquietação em avançar
mais em sua direção e também felicidade quando
alcanço algum”5
(KANT, 1764 apud KLEIN, 2019, p.
01) Desde a infância, a busca do saber deve gerar
felicidade e estímulo para aprender mais. Caso o
estudante não esteja expressando felicidade e
estímulo em sala de aula, algo está errado e é preciso
diagnosticar.
§ 4 - Lawrence Stenhouse (1926-1982),
educador inglês que defendeu um
posicionamento investigativo por parte dos
professores, disse que “os estudantes rendem
mais quando são recebidos e acolhidos com
consideração”.
5 KLEIN, J. T. A questão da natureza humana: Kant leitor de Rousseau.
Transformação. Marília, v. 42, n. 1, p. 09-34, Mar., 2019.
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O conhecimento nasce do costume de estudar e
aprender. A educação escolar, quando é integrada,
pode ser dividida em duas partes: uma parte é a de
quem ensina; a outra parte é a de quem aprende; o
aluno fica com a parte do professor e o professor fica
com a parte do aluno. Os dois aprendem e os dois
ensinam. Onde mais posso me procurar e me
encontrar senão no pensamento e no conhecimento?
Quem estuda, pensa e se encontra no conhecimento.
Há uma profunda falha no processo ensino-
aprendizagem dentro da escola, na comunidade ou na
família, ou em todas juntas, que justifica a nossa
sociedade separatista, corrupta e desigual. A falha
está na falta de consideração do adulto pela criança e
no desrespeito ao momento afetivo e cognitivo dela. A
falha não está menos na escola e mais na família e na
sociedade, porque, indubitavelmente, as três estâncias
da educação citadas são uma só e uma reflete a outra.
Há de se imputar o baixo rendimento de civilidade
social, além da baixa aprendizagem, ao sistema
integrado de aprendizagem: escola, família e
sociedade.
§ 5 - A filosofia tem necessidade de
explicar qual é o objetivo da educação em
relação ao homem. Quanto ao educador, este
não precisa explicar a educação, mas apenas
experimentar e praticar a realidade dela.
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10. Filosofia da Educação | Marco Aurélio Rodrigues Dias
Boa ou ruim a atuação do professor, ela sempre
será a realidade da educação. Se a sociedade é
conservadora e opta pelas práticas de opressão nas
relações sociais, é porque nossa educação é
basicamente conservadora, muito embora queira ser
interacionista. Todavia, dada a necessidade de haver
uma boa educação, queremos saber o que é preciso
para que um professor faça uma educação exemplar
em sala de aula e leve o aluno a aprender conteúdos
que realmente transformem a sociedade. Eu também
não sei. Mas podemos filosofar. Immanuel Kant (1803,
p.11) disse que “o ser humano não é nada além
daquilo que a educação faz dele”6
. Então, sendo
assim, e considerando que o filósofo está correto em
seu pensamento, nós todos somos o produto da
educação que recebemos, e, por sua vez, a sociedade
é o produto total da educação de cada um de nós,
assim como a humanidade é o produto total da
educação de todas as sociedades. A educação,
similarmente, é o produto dos conhecimentos e das
experiências de todas as gerações através da história.
Logo, o papel da educação oferecida na sala de aula é
incrível, fantástico e extraordinário, e não menos o é o
papel da educação oferecida na família e na
sociedade! Visto que os homens, as sociedades e as
gerações têm sido sistematicamente corruptas e
desumanas, deduz-se que a educação tem funcionado
6 KANT, Immanuel. Über Pädagogik. Nicolovius, 1803, p. 11.
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11. Filosofia da Educação | Marco Aurélio Rodrigues Dias
desastrosamente na ação ensino-aprendizagem, quer
na escola, na família e na sociedade.
§ 6 - Digo, pois, como forma de filosofar
sobre a educação, que o professor em sala de
aula tem que ter autonomia e muita criatividade
para que possa usar as metodologias científicas
que estudou e aprendeu.
O professor, e todos nós somos professores,
modela a sociedade através da sua ação sobre o aluno
ou em conjunto com ele, e o aluno também está, sem
o saber, configurando a sociedade enquanto estuda.
Aristóteles disse que “o homem é um ser social”, o
que significa que cada um de nós é o grupo onde vive,
um agindo sobre o outro. Não basta que o educador
tenha conhecimento pedagógico, é preciso saber usá-
lo. A criatividade, porém, não pode ser usada para o
educador inventar teorias ou aplicar as teorias que as
vovós usaram para educar seus filhos, argumentando-
se que elas souberam fazê-lo. A gente sempre lembra
de alguém citando que “minha avó ensinou assim e
deu certo; minha mãe educou os filhos da mesma
forma que minha avó a educou e também deu certo”.
Depreende-se, portanto, neste caso, que existiria um
“método da vovó”, o que não é verdade, embora
saibamos que a imagem da avó como educadora
sugere afetividade. A educação precisa de regras
científicas e de teorias libertadoras comprovadas.
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