1. Sistema Reprodutor
" CADA PARTO É UM PARTO ."
(Paul Claudel)
Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino
NEREU CARLOS PRESTES
Semiologia da Glândula Mamaria de Éguas,
Cadelas e Gatas
FRANCISCO LEYDSON F. FEITOSA
Semiologia da Glândula Mamaria de Ruminantes
EDUARDO HARRY BIRGEL
Semiologia do Sistema Reprodutor Masculino
ALICIO MARTINS JÚNIOR
FRANCISCO LEYDSON F. FEITOSA
2. Semiologia do Sistema Reprodutor
Feminino
CARLOS PRESTES ILUSTRAÇÕES: Médica
Veterinária Diane Hama Sassaki
ANATOMIA GERAL
BÁSICA
O sistema reprodutivo das fêmeas constitui-sc de ovários, ovidutos,
cornos e corpo uterino, cerviz, vagina, vestíbulo c vulva. As estruturas
internas são sustentadas pelo ligamento largo: mesovário que sustenta
o ovário; mesossalpinge que ancora o oviduto e o mesométrio que
mantém o útero. Nervos autónomos inervam o ovário, o oviduto e o
útero, enquanto as fibras sensitivas e parassimpáticas do nervo pudendo
atendem a vagina, vulva e clitóris. Embriologicamente, os duetos de
Múller fundem-se na porção caudal para originar o útero, cerviz e a
porção anterior do canal vaginal. O oviduto torna-se sinuoso, adqui-
rindo epitélio diferenciado e fímbrias pouco antes do nascimento.
As medidas dos ovários variam corn a idade, raça, número de partos,
estado nutricional e fase do ciclo reprodutivo. Na vaca e na ovelha, têm
forma de azeitona; na porca, parecem cachos de uva e, na égua, têm
aspecto de rim, contendo a fossa de ovulação. Nas gatas, os ovários
têm o tamanho e a forma lembrando um grão de arroz, parcialmente
cobertos por uma bursa c, nas cadelas, o tamanho varia na dependên-
cia do ciclo estral, localizando-se próximo aos rins, sendo recobertos
pela gordura periovárica. Desempenham dupla função, liberando os
oócitos e promovendo a estcroidogênese.
As tubas ou ovidutos podem ser divididos em quatro segmentos
funcionais: as fímbrias, o infundíbulo, a ampola e o istmo, vasculari-
zadas por ramos das artérias uterinas e ovarianas. Apresentam funções
singulares de conduzir o óvulo e os espermatozóides em direções opostas
e, simultaneamente, permitir a fertilização e as primeiras clivagens e
conduzir os embriões ao útero.
O útero é composto por dois cornos, um corpo curto e uma cerviz,
também denominada de colo, com forma, comprimento e diâmetro
variáveis de espécie para espécie. As paredes são constituídas por uma
mucosa interna, uma camada muscular lisa intermediária e uma sero-
sa externa (peritôneo), inervados por ramos simpáticos dos plexos uterino
e pélvico. Os vasos sanguíneos são numerosos, espessos e sinuosos,
representados principalmente pela artéria uterina média, um ramo da
artéria ilíaca interna ou externa que supre o órgão e aumenta muito de
diâmetro durante a gestação, permitindo-se palpar e sentir o frémito
nos grandes animais gestantes mediante manipulação por via retal.
3. 336 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
O endométrio uterino é revestido por células
epiteliais com típica função secretória e glândulas
sinuosas e ramificadas. O volume e a composição
do fluido uterino variam durante as fases do ciclo
reprodutivo e apresentam as funções de permitir
condições para a capacitação espermática e forne-
cer subsídios nutritivos ao embrião (blastocisto) até
que se complete a implantação/placentação.
O útero apresenta ampla capacidade de dis-
tenção, permitindo a gestação; contrai-se forte-
mente no momento do parto, facilitando a expul-
são dos produtos e involui rapidamente no puer-
pério, garantindo a depuração do órgão, preparan-
do-se para nova prenhez.
A cerviz (Quadro 8.1) caracteriza-se pela es-
pessa parede ligando o fundo vaginal ao corpo do
útero, contendo saliências anelares na vaca e pe-
quenos ruminantes, anéis em "saca-rolha" na por-
ca, anel único com dobras de mucosa e protrusão
na égua e textura firme nas cadelas e gatas. Per-
manece firmemente fechada, exceto durante o cio,
e apresenta um muco (tampão cervical) que é
expelido pela vagina, constituído de macromolé-
culas de mucina de origem epitelial.
O espaço vaginal é uma estrutura tubular de
comprimento variável, constituída de superfície
epitelial, uma fina camada muscular que lhe per-
mite os movimentos de contração e de uma serosa. Figura 8.1 - Ilustração esquemática do aparelho reprodutor da
Apresenta odor sui generis para cada espécie animal, vaca, vista dorsal. Vulva, vestíbulo e conduto vaginal abertos,
é um forte atrativo sexual, lubrificada por secreções permitindo a visualização da cerviz, clitóris e meato urinário
da própria parede vaginal, produtos de glândulas externo.
sebáceas e sudoríparas, muco cervical, fluido endo-
metrial tubárico e células esfoliativas. Essa capaci-
dade de descamação epitelial permite observação e
tipificação celular características de cada momento SINAIS E/OU SINTOMAS
hormonal do ciclo estral, na maioria das espécies REVELADORES DE PROBLEMAS
domésticas. É o órgão copulatório e via fetal mole
no momento do parto, apresentando pH e flora DO SISTEMA REPRODUTOR
microbiológica típica. Na porção ventral do vestí-
bulo, abre-se o meato urinário externo. FEMININO
O genital feminino exterior é composto pela A fisiopatologia da reprodução dos animais do-
vulva, glândulas vestibulares e pelo clitóris. Embo- mésticos é um capítulo muito rico e altamente
ra não faça parte do aparelho reprodutor, a região estudado. Os sinais e sintomas são exibidos iso-
perineal tem enorme importância nos animais do- ladamente ou envolvendo outros sistemas orgâ-
mésticos, pois eventuais defeitos de conformação nicos. Deve ser lembrada a estacionalidade re-
acarretam posicionamento anómalo da vulva, refle- produtiva dos equídeos e de algumas raças de
tindo-se no desempenho reprodutivo do animal (Figs. pequenos ruminantes. De forma geral, a refe-
8.1 a 8.6).
rência do proprietário ou a observação do técni-
co detectam as seguintes anormalidades: anestro
prolongado, ciclos irregulares, ninfomania, estros
Quadro 8.1 - Funções da cerviz.
curtos, comportamento masculinizado, defeitos
1. Facilitar o transporte espermático. anatómicos da genitália externa, aumento de vo-
2. Atuar como reservatório de espermatozóides.
lume no períneo ou projeções anormais exterio-
3. Agir na seleção de espermatozóides viáveis.
rizadas pela vulva, distensão abdominal, dor, con-
4. Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino 337
CE a gestação, subinvolução dos sítios placcntários
(cães). Outras secreções vaginais incluem
corrimento verde escuro (puerpério inicial em
cães), secreção marrom fétida (morte com de-
OD
composição fetal), secreção serossanguinolen-
ta, secreção purulenta (infecções), secreção mar-
rom ou enegrecida (mumificação fetal). Cuida-
do especial deve ser dado às hemorragias via
vagina nos grandes animais, decorrentes de
varizes vaginais ou lacerações e rupturas extensas
dos órgãos genitais. Distúrbios locais e aqueles
de ordem metabólica podem influenciar sobre-
Vá
maneira as manifestações do aparelho reprodutor
feminino. Polidipsia e poliúria são sinais mais
relatados nos casos de piometra em pequenos
animais.
O material básico necessário para o exame do
-MUE aparelho reprodutor compreende:
Luva plástica descartável.
Lubrificante (não utilizar óleo vegetal).
Água e sabão ou detergente neutro.
Papel toalha.
Faixa ou plástico para forrar a cauda.
Figura 8.2 - Representação do aparelho reprodutor da vaca. CE = Solução fisiológica.
corno uterino esquerdo; CD = corno uterino direito; OE = Especulo metálico ou descartável compatível.
ovário esquerdo; OD = ovário direito; CO = corpo do útero; C
Bandeja metálica estéril.
= cerviz; Vá = vagina; Vê = vestíbulo; MUE = meato urinário
externo; CL = clitóris; Vu = vulva; T = tuba.
Pinça de biopsia uterina.
Aparelho para coleta de amostra para micro-
biológico.
trações e esforços expulsivos, crostas aderidas na Escovas para coleta citológica.
cauda c períneo, corrimento vaginal sanguino- Lanterna.
lento (fazer o diagnóstico diferencial com proestro Meios para transporte e fixação das amostras.
e estro em cães), folículo ovariano persistente, Seringas.
tumores ovarianos produtores de estrógeno, tu- Pipetas.
Álcool.
mor venéreo transmissível (cães), cistite, laceração
vaginal, metrorragia, coagulopatias, corpo estra- Fósforo.
nho vaginal, descolamento placentário durante Solução anti-séptica.
Sacro
Órgão genital
Figura 8.3 - Disposição anatómica do reto e do
feminino
aparelho reprodutor da vaca em relação aos ossos
Fémur
rekicos. Vista lateral direita.
5. 338 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Vestíbulo Figura 8.4 - Vista lateral
direita e a relação anatómica do
aparelho reprodutor da vaca
com relação ao reto e bexiga,
Vagina Cerviz excluindo-se a representação
Corpo Corno uterino
óssea.
uterino Ovário direito esquerdo
Corno uterino
direito
Figura 8.5 - Representação
esquemática da disposição anatómica
do aparelho reprodutor da égua. R =
reto; Vê = vestíbulo vaginal; MUE =
meato urinário externo; Vá = vagina;
C = cerviz; Co = corpo uterino; CD
= corno direito; CE = corno
esquerdo; OD = ovário direito; U =
uretra; B = bexiga urinária; L =
ligamento largo.
MUE
Figura 8.6 - Representação anatómica do aparelho reprodutor da porca. Observar a
sinuosidade dos cornos uterinos e a aparência dos ovários lembrando cacho de uva.
CL = clitóris; Vu = vulva; Vê = vestíbulo; MUE = meato urinário externo; Vá =
vagina; C = cerviz "em saca rolha"; Co = corpo uterino; CE = corno
uterino esquerdo; CD = corno uterino direito; T = tuba; OD = ovário
direito; OE = ovário esquerdo.
Vu
6. Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino 339
Tabela 8.1 - Resumo da sequência do exame clínico do aparelho reprodutor feminino.
Identificação ou resenha - Raça, espécie, idade, eventuais particularidades
Anamnese - Primípara, plurípara
Exame físico - - Condição nutricional
Geral - Corrimento
- Coloração de mucosas, linfonodos,
- Parâmetros vitais: temperatura corporal, frequência cardíaca, frequência
respiratória, frequência dos ruídos ruminais
- Específico - Distensão e tensão abdominal
- Forma e dilatação da vulva
- Aumentos de volume, cicatrizes
- Exame retal
Exames complementares - Dosagem hormonal, exames microbiológicos e sorológicos, exames
citológico e histológico
Figura 8.7 - Esquema ilustrativo da disposição anatómica do
aparelho reprodutor da porca na cavidade abdominal.
Figura 8.8-Vista posterior de égua contida em tronco metálico. Figura 8.9 - Vista posterior de vaca contida em tronco. O
Observar a posição do ânus, vulva e hipertrofia de clitóris. animal apresenta prolapso cervicovaginal pós-parto normal.
7. 340 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Figura 8.13 - Útero de cadela com acúmulo de pus
piometra.
Figura 8.10 - Prolapso parcial de vagina em vaca.
Figura 8.14 - Tumor no corpo do útero, provocando bloqueio
mecânico do parto.
Figura 8.11 - Laceração perineal de 39 grau em égua ocorrida no
momento do parto. Nota-se a entrada do reto. Parte do espaço
vaginal e ruptura completa do períneo e esfíncter anal.
PROTOCOLO DE EXAME -
GINECOLÓGICO E OBSTÉTRICO
Identificação. Espécie, raça, nome, número, tatua-
gem, registro, idade, peso, eventuais particulari-
dades (Tabela 8.1).
Anamnese. Pode ser inquiridora ou espontâ-
nea, procurando resgatar todo o histórico repro-
dutivo do animal. Anotar todas as observações do
proprietário, tratador ou responsável e atentar para
a alimentação, manejo sanitário, medidas preven-
tivas, utilização de drogas medicamentosas e a
situação dos outros animais do grupo ou rebanho.
Tirar conclusões ou negligenciar alguns aspectos,
nesse momento, não é recomendável.
Exame geral. Temperatura retal, linfonodos, pele
e anexos, mucosas, exame convencional dos gran-
Figura 8.12 - Prolapso parcial de útero em cadela pós-parto. des sistemas e da glândula mamaria (inspeção,
palpação e eventual análise da secreção). Atentar
8. Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino 341
para o estado nutricional e eventuais distúrbios Exame Retal em Grandes Animais
circulatórios (edema localizado ou difuso).
Exame específico externo. Baseia-se principal- O examinador deve estar convenientemente
mente na inspeção e na palpação externa. Avaliar trajado com bota, avental ou macacão, luva com-
a distensão e a tensão abdominal, sinais de movi- prida e utilizar lubrificante durante a limpeza do
mentos fetais ou contrações musculares e de tim- reto e manipulação sobre os órgãos internos. As
panismo. Examinar a região perineal, vulva, cau- unhas devem ser aparadas e os animais devida-
da c glândula mamaria, verificando o edema e a mente contidos em troncos, para evitar acidentes.
quantidade, qualidade, odor e cor da secreção O conhecimento de anatomia e fisiologia é essen-
vaginal. Observar atentamente a posição, forma, cial para o reconhecimento das estruturas, para
grau de dilatação e relaxamento da vulva e liga- diferenciar útero vazio do gestante e a condição
mentos sacroisquiáticos. Aumentos de volume, normal do estado patológico (Figs. 8.15 e 8.16).
cicatrizes, prolapsos e lesões devem ser criterio- Por convenção clássica, a espessura do útero
samente anotados. Inspecionar os ossos pélvicos. da vaca vai de El (l dedo) até EVI, em que é
Embora a glândula mamaria mereça um exa- impossível delimitá-lo manualmente.
me semiológico especial, a inspeção externa deve Para simetria:
se ater ao tamanho, à forma do úbere e dos tetos,
pele, coloração e observação de nodosidades. A • S = simétrico (ambos os cornos).
palpação auxilia sobremaneira as conclusões. • AS = assimétricos.
Exame específico interno. Nos animais em • AS+++ = corno direito maior que o esquerdo.
trabalho de parto, o exame obstétrico interno • + AS = corno esquerdo ligeiramente maior
específico, quando necessário, deve ser realizado ao oposto.
por via vaginal com manipulação direta com
luva, nos grandes animais, e pelo toque digital, GI = relaxado.
nos pequenos animais, após prévia higienização do
períneo do animal, dos braços do operador e do ma- Gontração
terial necessário e sob intensa lubrificação. Nos CII = contratilidade média.
pequenos ruminantes e na porca, esse procedi- CHI = fortemente contraído.
mento deve ser cuidadoso e sob intensa lubrifi-
cação, devido ao seu tamanho e riscos de lacera- A exploração retal deve atingir a cerviz, o útero
ções e ruptura uterina (ver Figs. 8.7 a 8.14). e os ovários. A localização ovariana em geral não
Observar: apresenta dificuldades e o tamanho do órgão
depende da idade, da raça dos animais, da esta-
a) vias fetais: abertura e grau de lubrificação; ção do ano (éguas), da fase do ciclo estral e de
b) bolsas fetais: ruptura, cor, odor e quantidade eventuais situações patológicas, principalmente
dos líquidos; os cistos e os tumores.
c) feto: viabilidade, tamanho e apresentação, Fundamentalmente, dedilhando o ovário, busca-
posição e atitude. se verificar a presença de folículos, de corpo lúteo
ou aumentos de volume anómalos que, aliados a
Para um exame ginecológico rotineiro, empre- outros achados, nos auxiliam no diagnóstico.
gado fundamentalmente para animais não gestan- Com o advento e uso da ultra-sonografia em
tes, sadios ou com problemas reprodutivos e para larga escala, a mensuração do ovário e de cada
animais prenhes em situações especiais, inclui-se folículo ficou fácil e altamente fidedigna, permi-
a palpação via retal para equinos e bovinos, a pal-
tindo o estudo do comportamento ovariano, me-
pação abdominal para médios e pequenos animais
lhorando a acuidade de observação e dos méto-
e a vaginoscopia. Nos suínos, ovinos, caprinos e
grandes cães ou animais obesos, a manipulação do dos diagnósticos.
abdome é difícil, comprometendo, em algumas cir- Para a consistência dos folículos ovarianos,
cunstâncias, o diagnóstico. utiliza-se a classificação:
Exames complementares como o Raio X, a
ultra-sonografia, a endoscopia, a dosagem hormo- 1 - sem flutuação;
nal, os exames hematológicos e bioquímicos po- 2 — flutuação débil;
dem ser ferramentas essenciais. 3 — flutuação média;
4 - folículo maduro;
5 - folículo rompido (ovulação).
9. 342 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
í*
Figura 8.15 - Corte esquemático
simulando a palpação do trato
reprodutivo da vaca por via retal no
local correspondente à cerviz.
Figura 8.16 - (A) Vista cranio-
caudal da palpação cervical da
vaca por via retal. Essa é a forma de
empunhar a cerviz para a
inseminação artificial e nos tra-
tamentos de infusão uterina. (B)
Vista craniocaudal da palpação por
via retal do corno uterino direito.
Notar a assimetria entre os cornos,
compatível com gestação inicial.
Quadro 8.2 - Convenção adotada para tamanho baixo, evitando o ingresso de líquido. Secar a vulva
comparativo do ovário de grandes animais. e períneo com papel toalha. Os exames manuais
são executados ao parto ou em situações que não
E = ervilha N = noz n
F = feijão G = ovo de galinha Q-cro"
podem ser identificadas visualmente. Nos cães,
A = avelã Pa = ovo de pata D utiliza-se o toque digital munido de luva, espe-
Q.
P = ovo de pomba Ga = ovo de gansa O cialmente para palpar possíveis tumores vaginais.
Com o animal devidamente contido, o especulo
é introduzido no vestíbulo, afastando-se
manualmente os lábios vulvares e, com suave
Exame Vaginal movimento circulatório, o tubo é introduzido
obedecendo-se à curvatura dorsocranial da vagi-
Previamente à vaginoscopia, o técnico deve na. Para as éguas, utiliza-se o especulo tubular
realizar o exame retal, preparar o material neces- ou o tipo Polanski, que permite a visualização de
sário, promover a bandagem da cauda, dispor o todo o trajeto vaginal. Se necessário, lubrifica-se
animal lateral ou dorsalmente, higienizar o períneo o equipamento com solução fisiológica estéril. Nas
e lábios vulvares e, eventualmente, nos animais cadelas, especules tubulares metálicos, plásticos,
com grande quantidade de pêlo ou lã, aparar o de acrílico ou o tipo bico de pato são empregados
necessário para permitir um exame limpo, evitan- rotineiramente. Nessa espécie, a visualização da
do-se a introdução de material contaminante no cerviz é dificultada ou impossibilitada pelas inú-
espaço vaginal. Quando a lavagem for imposta, a meras dobras da mucosa vaginal. As gatas, de forma
água deve ser aspergida sem pressão, de cima para geral, não aceitam os exames vaginais.
10. Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino 343
Em poucos segundos, utilizando-se boa ilu- • Grau de umidade - cerviz/vagina
minação, é possível a realização da vaginoscopia, — I = seca.
descrevendo-se no prontuário todas as observações. — II = ligeiramente úmida.
A presença de fezes caracteriza as fístulas - III = umidade média.
retovaginais e lacerações perineais graves; a urina - IV = muito úmida.
no fundo vaginal denuncia graves lesões do meato - V = coleção de muco.
urinário externo e prega transversa; a presença de
muito ar (pneumovagina) significa que a coaptação • Característica do muco - cerviz/vagina
dos lábios vulvares é imperfeita. Deve-se qualificar - Cl = claro.
e quantificar a secreção c atentar para aderências, - Sá = sanguinolento.
cicatrizes, defeitos anatómicos, aumentos de volu- — MP = muco purulento.
me, forma e posição da cerviz. Alguns animais sen- - P = purulento.
tem ligeiro desconforto ao exame pelo ingresso de
ar na vagina ou abertura exagerada do especulo.
Para a vaca, adota-se a seguinte convenção
clássica:
Diagnóstico de Gestação
O diagnóstico de gestação deve ser realizado
• Forma da cerviz o mais prccoccmente possível para orientar o criador,
- C = cónica. racionalizar serviços, aumentar a eficiência
• R = roseta. reprodutiva e produtiva e adotar procedimentos
- E = espalhada. de manejo (ver Figs. 8.17 a 8.20). Com a utilização
- P = pendular. da ultra-sonografia é possível detectar a gestação
aos 30 dias nos pequenos ruminantes, aos 24 dias
• Abertura cervical
nos bovinos, aos 12 a 15 dias nas éguas e entre 18
- O = fechada.
a 20 dias nos pequenos animais, de maneira
- l = abertura mínima.
- 2 = diâmetro de lápis. fidedigna. E possível, inclusive, determinar o sexo
-3 = 1 dedo. do filhote a partir da visualização do tubérculo genital
-4 = 2 dedos. pela ultra-sonografia cm muitas espécies animais,
-5 = 3 dedos. em diferentes períodos gestacionais.
Devemos lembrar, contudo, que equipamen-
• Coloração da mucosa = cerviz/vagina tos não substituem os métodos semiológicos e a
- A = anêmica. capacidade profissional do médico veterinário.
- B = pálida. A porca é o animal mais difícil para se detec-
- C = hiperêmica. tar a gestação manualmente, tanto pela palpação
- D-E = vermelho patológico. abdominal quanto pela palpação rctal, quando
Corno uterino Corno uterino
direito esquerdo
Figura 8.17 - (A) Corte esquemático do abdome de cadela, representando a
disposição do útero gestante. (B) Útero de cadela compatível com 30 dias de
gestação. Três vesículas fetais no corno esquerdo e quatro no corno direito. (C)
Corte esquemático do corno uterino gestante. Observa-se a disposição dos fetos
e a placenta do tipo zonária.
Corpo uterino
Cerviz
Placenta
12. 344 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Corno uterino
Alantocório
Saco amniótico
Amnio
Alantóide
Placenta
zonária
seccionada
Cordão umbilical
Figura 8.19 - Palpação abdominal do feto de cadela no período
médio e final da gestação. Pela suave compressão manual,
Figura 8.18 - Cadela em final de gestação colocada em decúbito percebe-se partes do feto e de seus movimentos. Notar a
lateral para exame. Observar o aumento típico do volume das disposição do feto, dos envoltórios, cordão umbilical e
glândulas mamarias e a posição das mãos do examinador placenta zonária.
efetuando a palpação abdominal. Posicionamento ideal para a
execução da ausculta do batimento cardíaco do feto e a ultra-
sonografia.
Fase assintomática: a persistência do corpo
lúteo e o não retorno ao cio 21 dias após a
apresentar tamanho compatível. O mais forte cobertura ou inseminação induzem a supor
indicativo da gestação nessa espécie é o não re- uma gestação.
torno ao cio, após a cobertura natural ou insemi- Pequena bolsa inicial: 5a e 6a semanas. Ape-
nação artificial. Aparelho ultra-sonográfico adap- nas profissionais experientes conseguem um
tável ao braço do operador já está sendo utiliza- diagnóstico seguro nessa fase. Pequena bolsa
do, aumentando a eficiência diagnostica. Outros característica: 7- e 8a semanas. A presença de
métodos são demorados ou antieconômicos. corpo lúteo, assimetria uterina e
Para pequenos ruminantes, a palpação do ab-
dome é pouco eficaz. Para pequenos animais, dó-
ceis, de abdome flácido e sem obesidade, a palpa-
ção abdominal em decúbito lateral, utilizando-se as
mãos dispostas, uma de cada lado do abdome, per-
mite contornar as vesículas fetais a partir de 25 a 30
dias da prenhez, com segurança diagnostica. O Raio
X é empregado entre 40 e 45 dias, pois a calcifica-
ção esquelética permite quantificar o número de
filhotes. O ultra-som constitui-se em método alta-
mente seguro e pouco invasivo, sendo excelente para
a observação da viabilidade fetal.
O uso do estetoscópio possibilita a ausculta
do batimento cardíaco dos produtos, a qual se ca-
racteriza pelo alto ritmo.
Para bovinos e equinos, a palpação retal é
amplamente utilizada, sendo um método seguro e
Figura 8.20 - Peça anatómica do útero de ovelha gestante (70
económico no diagnóstico da gestação. Nos bovi- dias). Notar o alantocório que constitui a porção fetal da
nos, o período de gestação é assim caracterizado: placenta cotiledonária.
13. Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino 345
nítida duplicidade de parede permite diagnós- • Fase de descida: 20a e 24a semanas. Devido ao
tico eficaz. peso, o útero aloja-se na porção mais baixa
Grande bolsa inicial: 9a e 10a semanas. A assi- do abdome. Diagnósticos erróneos podem
metria pronunciada, conteúdo flutuante, "pro- acontecer. Tracionar a cerviz e perceber o peso,
va de beliscamento positivo" e feto de 7 a palpar o frémito da artéria uterina média.
lOcm garantem diagnóstico definitivo. • Fase final: 24- a 40a semanas. A palpação do
Grande bolsa característica: 11a a 14§ semana. útero aumentado, placentomas e partes do pro
Fase de balão: 14a e 19a semanas. Os placen- duto facilitam o diagnóstico.
tomas são claramente palpáveis; percebe-se
o pulso da artéria uterina média e o útero com A palpação retal na espécie equina deve ser efe-
tamanho de bola de futebol. tuada com extremo cuidado e sob intensa lubrifica-
Figura 8.21 - Representação esquemática da evolução da gestação (3, 4, 7 e 9 meses) em vaca. Notar a disposição do útero gravídico
em relação ao rúmen (R). P = placentoma.
14. 346 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
cão, com o braço protegido por luva para evitar lace- Durante o cio, o útero está relaxado e os ovários
rações ou perfurações do intestino (Figs. 8.21 a 8.23). aumentam de volume, devido ao crescimento
O útero da égua tem forma de ípsilon c os ovários folicular. Todo o órgão deve ser examinado com
são maiores que os da vaca e de forma e tamanho a mão disposta "em concha", partindo-se de um
variáveis, na dependência do ciclo ou estacionalidade ovário, corno, corpo, corno e ovário contralateral.
reprodutiva. A maioria das raças apresenta atividade Até a 4- ou 5a semana após a cobertura, o diagnós-
reprodutiva nos dias longos, de maior luminosidade. tico de gestação manual não é fácil e seguro, a
Figura 8.22 - Representação es-
quemática da gestação inicial da
égua. Observar o aumento de volume
de tamanho compatível a uma bola
de ténis (E) próximo ao corpo do
útero (Co) - aproximadamente 30
dias após a fecundação. CD =
corno uterino direito; CE = corno
uterino esquerdo; OD = ovário
direito; OE = ovário esquerdo; VA
= vagina; VÊ = vestíbulo.
Figura 8.23 - Corte esquemático ilustrativo da evolução da
gestação na égua (120, 210 e 300 dias da prenhez). Notar a
disposição do âmnio, alantóide e cordão umbilical e o
posicionamento particular adotado pelo feto equino no interior
do útero.
15. Semiologia do Sistema Reprodutor Feminino 347
Quadro 8.3 - Duração media da gestação em cultivo e antibiograma do material e por testes
animais (em dias). sorológicos, principalmente nos casos de infecções
Vacas 273 a 296
graves, não responsivas ao tratamento, episódios
Éguas 327 a 357 de abortamento e partos prematuros, visando a saúde
Ovelhas 140 a 155 animal e a saúde pública. Para a coleta da amostra,
Porcas 111 a 116 é necessário o máximo de assepsia. Existem no
Cabras 148 a 156
Cadelas mercado equipamentos reutilizáveis e descartáveis,
60 a 63
Catas 56 a 65
destinados principalmente aos grandes animais, para
a coleta dessas amostras, incluindo meios especiais
para o transporte até o laboratório. Pode ser colhi-
do material de cada segmento do sistema repro-
menos que seja confirmada pela ultra-sonografia. dutor feminino.
Nas fases iniciais da prenhez, o embrião se mo- O antibiograma indicará a sensibilidade ou
vimenta pelos cornos uterinos, tem rápida para- resistência bacteriana ao princípio da droga, fun-
da no corpo do útero para implantar-se perma- damentando a terapia a ser imposta.
nentemente em um dos cornos, aumentado pro-
gressivamente pela presença dos líquidos fetais.
Aos 2 a 3 meses, detecta-se uma vesícula do ta-
manho de uma "bola de futebol de salão". Aos 4
Exame Citológico e Histológico
a 5 meses, toca-se pelo reto as porções do feto, a A característica descamativa do epitélio vagi-
parede do útero é fina, com flutuação c o liga- nal, acompanhando as mudanças hormonais do ciclo
mento uterino fica tenso, devido ao peso do ór- estral, fizeram do esfregaço vaginal um excelente
gão. A partir da metade da gestação, não há maio- complemento diagnóstico. A colpocitologia tornou-
res dificuldades para o diagnóstico de gestação se rotineira nos exames ginecológicos dos carnívo-
nessa espécie. ros, equinos e bovinos, sendo empregada em menor
escala nas outras espécies animais. As células são
obtidas com o uso de cotonete, escova ginecológi-
EXAMES COMPLEMENTARES ca ou lavado vaginal com auxílio de especulo,
depositadas em lâmina (esfregaço), fixadas e cora-
Dosagem Hormonal das tricome ou diff-quick® para exame ao micros-
cópio óptico.
As dosagens hormonais podem ser realizadas As citologias cervical e uterina são utilizadas
no soro, no plasma e, em situações especiais, no cm equinos e bovinos. A análise da morfologia
leite, urina e fezes, sendo eficientes como método celular, muco, leucócitos e bactérias, auxiliam no
complementar de diagnóstico de um estado fisio- diagnóstico da fase do ciclo reprodutivo e forne-
lógico ou distúrbios cndócrinos. O material cole- cem fortes indícios dos processos inflamatórios e
tado, devidamente acondicionado, identificado e tumorais.
preservado, deverá ser encaminhado a laboratórios Fragmentos de tecido vaginal e uterino po-
específicos, obedecendo-se protocolos rígidos de dem ser facilmente obtidos, particularmente nos
tempo e transporte, a fim de evitar resultados er- grandes animais, com pinça de biopsia específi-
róneos. Existem na literatura especializada valo- ca para análise histopatológica, fixados em solu-
res de referência para os principais hormônios li- ção de Bouin para transporte ao laboratório
gados à reprodução dos animais domésticos. O processador da amostra. Constitui-se em exame
resultado emitido deve sempre ser associado aos complementar mais demorado, porém indispen-
achados clínicos para estabelecer as suspeitas diag- sável em determinadas patologias.
nosticas e apresentar validade confiável. Atualmente, a citologia aspirativa com agulha
fina como método auxiliar de diagnóstico é ampla-
mente utilizada. Constitui-se em exame simples e se-
Exames Microbiológicos e guro de coleta de amostras em lesões sólidas ou
fluidas no corpo do animal, tornando-se um com-
Sorológicos plemento ao exame ginecológico. Por ser uma téc-
Quando houver suspeita de processo infeccioso nica rápida e de baixo custo, pode ser utilizada
durante uma cirurgia, auxiliando o técnico nas
ou inespecífico, a confirmação deverá ser feita pelo
16. 348 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
condutas emergenciais, podendo ser executada PRESTES, N.C., LANGONI, H., CORDEIRO, L.A.V. Estudo
em estruturas não visíveis, guiando-se a agulha do leite de éguas sadias ou portadoras de mastite
com o ultra-som. assintomática, pelo teste de Whiteside, análise microbio-
A amniocentese, rotineiramente empregada lógica e contagem de células somáticas. Braz-ilian Journal
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17. Semiologia da Glândula Mamaria de
Éguas, Cadelas e Gatas
•FRANCISCO LEYDSON F. FEITOSA
INTRODUÇÃO
Os animais que pertencem à classe dos mamíferos são caracterizados
pelo corpo basicamente coberto por pêlos c amamentam suas crias pelo
uso de estruturas denominadas glândulas mamarias. A capacidade dos
mamíferos de alimentar as suas crias por meio da secreção das glându-
las mamarias durante a primeira parte da vida após o parto proporci-
ona a esses animais a perspectiva da sobrevivência. O desenvolvimento
dos dentes coincide com a necessidade de consumir outros alimentos
além do leite.
Secreção do Leite
As funções do organismo são reguladas por dois sistemas de con-
trole: o nervoso e o hormonal.
Esses dois sistemas são chamados de sistema neuroendócrino. De
maneira geral, as respostas rápidas são controladas pelo sistema ner-
voso e, as lentas, como o processo de crescimento, reprodução, meta-
bolismo, entre outras, são coordenadas pelo sistema endócrino. Exis-
te, muitas vezes, uma inter-relação entre os dois sistemas: ora os hor-
mônios agem sobre o sistema nervoso, ora o sistema endócrino é es-
timulado ou inibido pelos mensageiros químicos liberados pelo siste-
ma nervoso.
Embora o desenvolvimento da glândula mamaria comece com o
início da puberdade, ela se mantém pouco desenvolvida até que ocor-
ra a gestação. A secreção de leite frequentemente começa durante a
última parte da gestação, em virtude do aumento dos níveis de pro-
lactina, e resulta na formação do colostro. O leite é formado nas célu-
las mioepiteliais. A lactação, entretanto, não pode ocorrer até que a
gestação chegue ao seu final. Um dos hormônios da neuro-hipófisc de
interesse primordial na lactação é a ocitocina. A descida do leite em
animais sadios deve-se à ação da ocitocina, liberada por via reflexa do
lóbulo posterior da hipófise, depois que o estímulo da ordenha ou da
mamada tenha sido desencadeado. O estímulo tátil ou da amamenta-
ção resulta na transmissão de um impulso nervoso pelo nervo inguinal
até a medula espinhal e cerebelo. O hipotálamo determina a liberação
18. 350 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
de ocitocina, que segue por ramos das veias ju- cies quanto à sua aparência e à quantidade rela-
gulares até o coração e de lá é levada para todas tiva dos componentes secretados. A cadela tem
as partes do corpo através da aorta, chegando às quatro a cinco glândulas mamarias em cada lado
glândulas pelas artérias pudendas externas, o que da linha média, que se estendem desde a região
estimula a contração das células miocpiteliais que ventral do tórax até a região inguinal. Cada teta
envolvem os alvéolos e promove o relaxamento pode possuir até 20 aberturas distintas, cada uma
do esfíncter do orifício das tetas, forçando assim correspondendo a um sistema específico de glân-
a ejeção do leite. dulas. De acordo com a sua localização anatómi-
Segundo o número de glândulas mamarias, ca, elas são denominadas torácica cranial e cau-
os animais domésticos podem ser classificados cm: dal, abdominal cranial e caudal e, por fim, inguinal
(Figura 8.24). Cerca da metade das cadelas não
• Dimásticos:caprinos, ovinos e equinos (até duas). possui um dos pares da glândula abdominal cra-
• P o limas ticos: bovinos (4), carnívoros (6 a 10), nial. As gatas apresentam quatro pares de glân-
onívoros (10 a 14). dulas mamarias e a sua nomenclatura é similar à
usada para cadelas. As éguas possuem um par de
A glândula mamaria, assim como as glându- glândulas mamarias. Cada glândula mamaria é di-
las sudoríparas e sebáceas, é uma glândula cutâ- vidida por cápsulas fibroelásticas que originam dois
nea. Embora seja basicamente similar em todos ou, ocasionalmente, três lobos mamários. Cada lobo
os mamíferos, há amplas variações entre as espé- possui uma cisterna e um orifício de teta próprios
e separados. Dessa forma, cada teta pode possuir
de duas a três aberturas.
Antes do exame físico da glândula mamaria, é
importante que algumas informações sejam conhe-
cidas, tais como espécie, raça, nome, número, ta-
tuagem, registro, idade, peso c eventuais particu-
Figura 8.24 - Glândulas mamarias em laridades. A anamnese pode ser inquiridora ou es-
cadelas. 1 = torácica cranial; 2 = torácica pontânea, procurando resgatar todo o histórico
caudal; 3 = abdominal cranial; 4 = reprodutivo do animal. Deve-sc, inicialmente:
abdominal caudal; 5 = inguinal.
• Perguntar quantos partos a fêmea já teve:
- Nulípara: nunca pariu. — Primtpara:
um trabalho de parto. - Plurípara:
vários trabalhos de parto.
• Perguntar se os partos foram normais ou
distócicos (parto difícil, laborioso).
• Cirurgias anteriores ou exames realizados
(ovariectomia, biópsia, por exemplo).
• Aparecimento e duração dos sinais clínicos.
• Se usa ou usou anticoncepcionais.
• Tratamentos realizados e evolução.
Exame Físico Específico
Figura 8.25 - Neoplasia mamaria em cadelas.
O exame físico das glândulas mamarias das
cadelas, gatas e éguas inicia-se com a inspeção do
paciente, na tentativa de observar a coloração da
pele, a presença de lesões, secreções, o número e
o tamanho das glândulas mamarias e das tetas.
A cor da glândula mamaria varia com a raça
da cadela c da gata e depende do número de
melanócitos, como também do número, do tama-
nho e da disposição dos grânulos de melanina
19. Semiologia da Glândula Mamaria de Éguas, Cadelas e Gatas 351
dentro dos melanócitos. A pele da cadela e das armazenado. Tal acúmulo é considerado normal
gatas apresenta-se, usualmente, marrom-clara (pale na gestação avançada e na lactação. Durante a
ta n) mas pode ter manchas acinzentadas ou ene- lactação, na pseudocicsc ou falsa gestação e, às
grecidas. A pele da glândula mamaria das éguas vezes, logo após o parto, esse acúmulo pode au-
é invariavelmente escura. O aumento de volume mentar a ponto das mamas tornarem-se extrema-
fisiológico das mamas ocorre geralmente nos ca- mente quentes e sensíveis à palpação. Kgalactorréta
sos de gestação avançada, por acúmulo de colos- diz respeito à lactação não associada a prenhez,
tro, e é mantido durante a lactação. Causas de au- sendo o indício mais comum de pseudociese.
mento anormal de tamanho incluem infecção Ocorre como resultado da secreção aumentada de
(mamite), abscessos e neoplasia. Qualquer aumento prolactina, em virtude do declínio da progcstcro-
de volume é mais bem avaliado com a realização na sérica associada ao final do diestro. Em felinos, a
simultânea da palpação, já que se pode dife- hiperplasia mamaria caracteriza-se por rápido cres-
renciar um processo inflamatório e/ou infeccioso cimento anormal de tecido. É mais comum em
de um outro neoplásico. A palpação é mais bem gatas jovens e o seu aspecto lembra uma neopla-
realizada em cadelas e gatas colocando o animal sia mamaria, sendo necessária uma avaliação his-
em decúbito lateral (Fig. 8.26), devendo iniciar- tológica para se fazer o diagnóstico diferencial entre
se das glândulas "aparentemente" sadias para as ambas. Na grande maioria das vezes é indolor à
"visivelmente" alteradas. Todos os pares de glân- palpação. A mamite ou mastite c o processo infla-
dulas devem ser palpados. A palpação da glândula matório da glândula mamaria, em grande parte,
mamaria de éguas é feita com o clínico posicio- de origem infecciosa. É caracterizada por aumento
nado lateralmente ao animal (a uma certa distân- de volume, elevação da temperatura local e dor
acentuada à palpação. A mastite não é comum em
cia da mama e, obviamente, dos membros poste-
cadelas e gatas; quando ocorre, é provavelmente
riores), com uma das mãos no dorso do animal e
como sequela de danos traumáticos prévios. O
estendendo o braço da outra mão na direção da
quadro está associado à história de parto recente
mama. Por exemplo, se o exame for feito pelo
(entre uma e três semanas) e abandono dos filho-
lado esquerdo, a mão esquerda é posicionada sobre
tes pela mãe. Na maioria das vezes, acomete apenas
o dorso, enquanto a mão direita é colocada no flanco
uma ou duas glândulas e, com maior frequência,
e movimentada lentamente em direção à glân-
as de localização abdominal e inguinal, por se-
dula mamaria.
rem mais produtivas. No entanto, na forma agu-
A ausência total de secreção láctea é deno-
da, particularmente quando se desenvolve logo
minada de agalaxia; já a galactostasia é o acúmulo
após o parto, é comum observar o comprometi-
e cstasc de leite caracterizado por glândulas fir- mento de várias mamas. Os microorganismos mais
mes, quentes e edemaciadas. O leite é produzi- frequentemente isolados são estreptococos e es-
do mais rápido do que pode ser comodamente tafilococos que, na fase aguda, tendem a causar,
respectivamente, inflamação supurativa e necro-
sante. A avaliação física geral do animal é impor-
tante e revelará elevação da temperatura corpo-
ral, taquicardia e taquipnéia. A forma crónica pode
estar associada a cistos mamários (galactocele) que
resultam da obstrução dos duetos acinares. Os
processos inflamatórios da glândula mamaria são
mais dolorosos ao manuseio que as neoplasias. O
leite, ao exame citológico, mostra-se, em geral,
purulento ou hemorrágico, com neutrófilos de-
generados. O plano diagnóstico também deve
incluir cultivo bacteriano e antibiograma do leite
alterado.
Um outro processo que altera a estrutura da glân-
dula mamaria é a neoplasia. De todos os animais
domésticos, a cadela é o que apresenta maior inci-
dência de tumores. A neoplasia do tecido mamário
Figura 8.26 - Palpação das glândulas mamarias de cadeia. é uma entidade patológica comum em cadelas com
Ilustração: Médica Veterinária Diane Hama Sassaki
20. 352 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
mais de cinco anos de idade e corresponde, aproxi- inguinais e axilares deve ser considerado para que se
madamente, à metade de todos os tumores na ca- possa detectar eventuais metástases. O plano diagnós-
dela. Embora sejam menos prevalentes em gatas, tico deve incluir exames radiográficos da região torácica
ainda constituem o terceiro tumor mais comum em para verificar se há metástase pulmonar. Ainda exis-
felinos. O tamanho é extremamente variável: de tem controvérsias entre os autores consultados sobre
alguns milímetros a vários centímetros de diâme- as vantagens e as desvantagens de se proceder a biópsia
tro. Em muitos casos, a condição está presente durante cirúrgica ou aspirativa (com agulha fina) para o diag-
vários anos como um nódulo pequeno, semelhante nóstico cito e histopatológico na tentativa de elucidar
a um grão de ervilha, que tende a passar desaperce- o tipo de tumor.
bido tanto pelo proprietário como pelo veterinário,
até que, de repente, aumenta rapidamente de ta-
manho. Esse aumento está, geralmente, associado BIBLIOGRAFIA
ao estímulo do estro, e o rápido crescimento neo-
plásico coincide, muitas vezes, com o desenvolvi- CUNNINGHAM, J.G. Tratado de Fisiologia Veterinária. 2.ed.,
mento de lesões metastásicas que se espalham, por Editora Guanabara Koogan, 1999, p.528. HARDY,
via linfática, aos nódulos linfáticos locais ou pelo R.M. General physical examination of the canine
sistema cardiovascular para fígado e pulmões. A in- patient. Veterinary Clinics of North America: Small Animal
cidência de tumores mamários é relativamente baixa Practice. v.ll, n.3, p.453-67, 1981. KELLY, W.R.
em cadelas castradas antes da manifestação do pri- Diagnóstico Clínico Veterinário. 3.cd. Rio de
Janeiro: Interamericana. 1986. p.364. NELSON, R.W.,
meiro cio, mas aumenta progressivamente a partir
COUTO, C.G. Fundamentos de Medicina
do segundo cio nos animais não operados. Os pro-
Interna de Pequenos Animais. Rio de Janeiro: Guanabara
prietários quase sempre identificam os tumores ma-
Koogan, p.465-501, 1992. RADOSTITS, O.M., JOE
mários nos animais, meses antes de recorrerem aos
MAYHEW, I.G., HOUSTON,
cuidados veterinários, e geralmente relatam que ti- D.M. Veterinary Clinicai Examination andDiagnosis. W. B.
veram dois ou mais cios. O tamanho dos linfonodos Saunders, 2000. p.771.
21. Semiologia da Glândula
Mamaria de Ruminantes
EDUARDO HARRY BIRGEL
INTRODUÇÃ
O
Em vista da utilização da produção gerada pela glândula mamaria dos
ruminantes na alimentação humana, revestem-se os estudos de se-
miologia desse órgão de grande interesse clínico e académico. Pois
baseados nos resultados do exame clínico do úbere, será tomada uma
série de medidas para manutenção da produção e para que a matéria-
prima seja adequada para o consumo do leite in natura ou haja elabo-
ração de laticínios de excelente qualidade.
A participação do médico veterinário especializado em clínica de
bovinos, ou seja, dos buiatras, é fundamental e indispensável na ca-
deia produtiva de leite c seus produtos manufaturados, desde a pro-
dução até o consumo, isto é, do balde das fazendas às mesas dos con-
sumidores. Pode-se afirmar, sem medo de erro ou supervalorização da
atuação do buiatra, que ele é o elo principal dessa cadeia produtiva, pois
tanto os erros como o não-atendimento das recomendações feitas pelo
profissional bem formado são, em geral, fontes de irreparáveis perdas
económicas, falhas na produção higiénica do leite e produtos lácteos
sem a necessária qualidade tecnológica e frequentemente causariam
desarranjo no sistema de manejo e criação dos animais produtores de
leite. Tais possibilidades tornam necessário o aprimoramento do buiatra,
em todas as áreas de sua atuação: o atendimento da criação dos bovi-
nos (manejo e alimentação); a saúde animal (clínicas médica e cirúr-
gica, como também das doenças infectocontagiosas e parasitárias ou
relacionadas à reprodução - ginecologia c obstetrícia). Além do mais,
o buiatra deve ter uma formação que permita não só a recuperação da
saúde dos bovinos produtores de leite mas, e principalmente, manter
a saúde dos animais e o nível de produção do rebanho, pois as medi-
das profiláticas de teor clínico-epidcmiológico só podem ser adequa-
damente implantadas cm um rebanho após o perfeito diagnóstico dos
males que acometem os indivíduos que os constituem. Em contrapar-
tida, caso as decisões do clínico veterinário estejam certas, baseadas
numa excelente formação profissional, c sendo suas recomendações
acatadas pelo pecuarista, com certeza o rebanho terá boa produtivida-
de e o plantei será constituído por indivíduos sadios.
Nessas considerações iniciais, creio ter ficado claro e explicitado
de forma definitiva ser fundamental para a saúde e produção do reba-
22. 354 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
nho a perfeita formação do clínico, que dará aten- sejam obrigados a vender esse produto agrope-
dimento à criação e à saúde dos animais; desse cuário primário por valores aviltantes. Além do
profissional exigem-se conhecimentos básicos de mais, os clínicos veterinários, de modo geral, e o
anatomia e fisiologia, alicerçando sua formação em buiatra, em particular, devem aperfeiçoar seu
Clínica Veterinária, com perfeito conhecimento conhecimento numa área à qual geralmente se
de suas especializações em medicina veterinária dá pouca importância: a relação custo/benefício.
interna e externa, patologia das doenças infecto- Para tanto, esse profissional deve conhecer as des-
contagiosas e parasitárias, bem como da reprodu- pesas que comportam as técnicas que utilizará no
ção. Associam-se a tais especialidades fortes co- diagnóstico (necessidade de saber diagnosticar);
nhecimentos de criação, manejo e alimentação saber o custo e a duração dos tratamentos reco-
animal. Ressalte-se, por sua significativa impor- mendados (pleno conhecimento das normas te-
tância, que todas essas áreas do conhecimento têm rapêuticas e capacidade de prognosticar e avaliar
um fundamento ordenador e condutor de atitu- a evolução das doenças); bem como ter plena cons-
des e decisões: a Semiologia ou Propedêutica Vete- ciência do valor do animal e de sua produção. Essa
rinária. Essa ciência, por razões epistemológicas, gama de conhecimentos fundamentais para a boa
por si só se define (pró + pedeutica = ensinar an- formação profissional do clínico veterinário, es-
tes; e semion + logus = estudo dos sintomas ou ma- pecialmente do buiatra, servirá para demonstrar,
nifestações) e, assim, poder-se-ia conceituar Se- de forma incontestável, sua atuação na produção
miologia como conjunto de conhecimentos ne- animal com produtividade, garantindo o lucro do
cessários e introdutórios para o ensino de uma pecuarista e demonstrando sua real participação
ciência maior. Por tal razão, a semiologia poderia na melhoria da produtividade dos rebanhos.
ser considerada uma ciência pré-profissionalizante Para tanto, o clínico deve se colocar ao lado
cujo ensinamento prepararia a formação do vete- do pecuarista, pois as corporações - Laboratórios
rinário para o perfeito treinamento em uma ciên- de Pr odutos Far macêuticos, Cooperativas
cia maior (considerada sua aplicação e uso na saúde Agropecuárias e Indústrias de Laticínios - sabem
animal), a Clínica Veterinária em suas mais varia- se defender ou possuem equipe de técnicos que
das especializações. consegue manter em seu poder a maior parte da
Pelo exposto, fica claro que a semiologia lucratividade. O clínico veterinário deve se posi-
veterinária é a ciência e arte do exame clínico dos cionar a respeito e talvez assim se consiga manter
animais doentes ou daqueles que não alcançaram nos Estados mais desenvolvidos cultural, técnica
adequadamente a perspectiva de sua produção, e economicamente uma pecuária leiteira de escol
dentro dos limites de seu potencial genético e das — para desativar o sistema adrede preparado para
normas regionais de criação, manejo e alimenta- desestruturação dos excelentes planteis de vacas
ção. Além do mais, o ensino da semiologia ou leiteiras, ainda criados em regiões periféricas das
propedêutica veterinária teria ainda a função de grandes cidades. Desse modo, poderíamos ter
alertar ou preparar o buiatra para as demandas da farta oferta de leite integral, estabilizado ou
sociedade, particularmente das populações rurais homogeneizado e pasteurizado nas próprias
e dos pecuaristas, relacionando saúde animal com fazendas - leite de excelente qualidade higiénica
os fatorcs económicos, enfatizando a produtivi- e nutritiva - com o tradicional, mas já esquecido,
dade e seu custo, como também correlacionando, sabor de leite; ao invés disso, a conjuntura
de forma direta, saúde e produção animal com económica dominante nos oferece e obriga
saúde pública - atuando no controle das zoonoses consumir um "leite aguado" do qual se tirou tudo,
ou na inspeção sanitária e tecnologia de produtos mas que é de longa duração, com sabor que nem
lácteos. Assim, ter-se-ia a possibilidade de a in- de leve lembra o sabor e agradável aroma do leite
dústria de laticínios oferecer leite higienicamente puro. Leite que, empacotado, viaja mais de mil
produzido, o que resultaria em produtos de ex- quilómetros para chegar à mesa do consumidor,
celente qualidade. como salienta a propaganda do produto - que
No caso específico da produção leiteira, o esquece de dizer o que se perdeu cm termos de
clínico veterinário com a ideal formação em se- matéria-prima neste percurso. Talvez por isso,
miologia deve propugnar para que a produção de como falsa compensação, a esse leite transforma-
leite seja consumida pela população com preços do adiciona-se inúmeras e desnecessárias subs-
aceitáveis para seu poder aquisitivo, mas não tâncias — vitaminas, minerais, aminoácidos etc. E
permitindo que os criadores de bovinos leiteiros o consumidor, por comodismo, compra esse pró-
23. Semiologia da Glândula Mamaria de Ruminantes 355
duto contemptível c, em consequência, são ideais de higiene; b) apenas o leite higiénico
desativados inúmeros laticínios das pequenas e permite a produção de laticínios de excelente
médias cidades, encerrando a atividade de vários qualidade, obedecendo a um adágio profissional
planteis produtores de leite, com a consequente - "nenhuma tecnologia que manipula ou indus-
diminuição da atividade autónoma dos buiatras. trializa produtos de origem animal melhora a
Assim, cabe ao clínico a responsabilidade de pro- qualidade da matéria-prima; quando essa técnica
pagar e divulgar as qualidades do leite pasteuri- for de excelente nível, apenas não altera a quali-
zado e integral, aceitando apenas sua homo- dade e propriedades primitivas do produto"; c) a
geneização e ao desejo do consumidor para dimi- criação de ruminantes leiteiros saudáveis e a
nuir seu teor de gordura. Pois, dessa forma, atuará dedicação dos criadores na produção de leite hi-
eficientemente na defesa da saúde pública ao giénico resultam em maior produção e melhores
oferecer e recomendar o consumo de matéria-prima resultados económicos, além de cfetiva partici-
fundamental para boa alimentação e nutrição das pação no equacionamento da Saúde Pública.
populações, em detrimento de produtos indus- Leite anti-higiênico. Representa a antítese do
trializados e sem as desejadas qualidades. leite que, em condições ideais, deveria ser distri-
Por tais razões, associadas à necessidade de buído para ser consumido pelas populações.
diferenciar as características fisiológicas do leite, Quanto às suas qualidades, esse tipo de leite
daqueles anormais por condições patológicas es- poderia variar de sofrível a péssimo. Essa gradação,
pecíficas da mama ou por razões de produção após avaliação sanitária competente, recomenda-
leiteira em condições não higiénicas, iniciaremos rá o uso do produto: consumo, industrialização ou
esse capítulo de semiologia da glândula mamaria descarte, por serem inadequadas as duas possibi-
diferenciando conceitualmente leite mamitoso do lidades anteriores. Qualquer que seja o nível de
leite produzido em condições anti-higiênicas. Pois qualificação do leite anti-higiênico, um fato é in-
contestável: ele foi produzido, manipulado e/ou
dessa diferenciação dependerá, em muitas circuns-
industrializado em condições higiênico-sanitárias
tâncias, o diagnóstico nosológico da enfermidade
inadequadas e indesejáveis. Houve falha na criação,
da glândula mamaria.
no manejo da ordenha c na conservação pre-
liminar do leite c as condições sanitárias do reba-
nho deveriam ser reavaliadas por um clínico ve-
Características Higiênico- terinário competente.
organolépticas do Leite Leite mamitoso. Essa designação serve para
caracterizar as amostras de leite obtidas de ani-
Para a liberação do leite produzido em planteis mais leiteiros acometidos por uma das formas
de bovinos e caprinos para o consumo humano, clínicas de mamites, isto é, no caso particular das
ele deverá apresentar características organolépticas considerações desse trabalho, de vacas e cabras
smgeneris e ser gerado, manipulado, manufatura- acometidas por um processo inflamatório das
do e/ou industrializado, da produção ao consumo, estruturas anatómicas do úbere - todos passíveis
em condições higiênico-sanitárias ideais. Dentro de um adequado diagnóstico clínico.
desse conceito pode-se afirmar a existência de três
tipos de leite: higiénico, anti-higiênico e mamitoso. Inter-relação entre Leite
Leite higiénico. É aquele produzido em condi-
Higiénico e Leite Mamitoso
ções ideais, por vacas e cabras saudáveis, subme-
tidas a manejos adequados de criação e alimenta- A correlação entre esses dois tipos de leite é
ção, bem como com cuidados especiais no siste- imediata, pois o leite mamitoso nunca poderá ser
ma de ordenha e conservação do leite produzido considerado higienicamente produzido. Além do
(cuidados higiénicos nos momentos que antece- mais, quando ele é adicionado e misturado a outras
dem e sucedem a ordenha e adequada tecnologia quantidades de leite higiénico, alterará a quali-
da ordenha - manual ou mecânica). Pelo expos- dade e a constituição da mistura homogeneizada,
to, o conceito de leite higiénico está entre os tornando, na maioria das vezes, esse leite de
objetivos da Saúde Pública e da Produção Eco- mistura inadequado para o consumo in natura ou
nómica de Alimentos de Origem Animal, pois: a) para a produção de excelentes laticínios. Entre-
a população deve receber, para consumo, leite in tanto, apesar da correlação ser imediata, para o
natura, produzido e industrializado em condições leite mamitoso, que sempre deve ser considerado
24. 356 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
um leite não produzido em condições higiénicas tão definitivamente estabelecidos, neste epítome
ideais, o leite de produção anti-higiênica nem sem- apresentaremos as dúvidas existentes e faremos
pre é ou deve ser considerado leite mamitoso. as recomendações consideradas mais pertinentes
Existem, como se deduz, diferenças fundamen- para o clínico no exercício de sua profissão.
tais, evidentes e facilmente diagnosticáveis por As enfermidades da glândula mamaria são
minucioso exame semiológico entre os dois tipos responsáveis por enormes perdas económicas e,
de leite considerados. mesmo não sendo uma das características da ciên-
cia brasileira a exatidão das estatísticas vitais, já na
década de 1950, Renato Lopes Leão1, presidente
Conhecimentos Prévios da Sociedade Paulista de Medicina Veterinária,
afirmara que entre 20 e 40% dos efetivos dos re-
Necessários para Estudos banhos leiteiros sofriam, constantemente, de
Semiológicos da Glândula mamites e que, nos Estados Unidos, essa doença
fora considerada inimiga n2 l da produção leiteira.
Mamaria Paradoxalmente, a ciência e as técnicas veteriná-
O ensino da Semiologia, em geral ou em um rias evoluíram de forma marcante, mas, ainda hoje,
órgão ou sistema orgânico específico dos animais do- esses números se repetem e dá-se às mamites o
mésticos, deve preparar os clínicos veterinários para mesmo destaque. Assim sendo, na evolução da
responderem quatro questões fundamentais (Onde?, postura deste capítulo, ficará claro que as técnicas e
O quê?, Por que? e Como?). Os compêndios de Se- manobras de semiotécnica, clínica propedêutica
miologia ou Propedêutica Clínica devem apresen- e patologia médica da glândula mamaria visaram a
tar, em seus capítulos, um preâmbulo sumarizado e preparar o estudante e o médico veterinário para
objetivo da anatomia topo-descritiva, da fisiologia que possam dar excelente atendimento às búfalas
ou fisiopatologia e, quando pertinente, de anato- ou vacas acometidas por uma forma clínica de
mia patológica - principalmente patologia médica mamite (as demais doenças da mama, apesar de
dos temas em questão, detalhando ao final as con- sua importância e significado em patologia e pro-
siderações de scmiotécnica e de clínica propedêu- dução animal, serão consideradas fatores etiológi-
tica. Assim, as questões preestabelecidas serão ade- cos predisponentes às mamites).
quadamente respondidas: Onde examinar?, pela re- A melhor colocação e situação do ensino da
capitulação objetiva de anatomia descritiva e topo- semiologia e/ou patologia da glândula mamaria é
gráfica; O que examinar*., pelo destaque dos conhe- um assunto que ainda não foi definitivamente
cimentos fundamentais da fisiologia nos animais elucidado. Para alguns tratadistas clássicos da Me-
sadios e pelas informações de fisiopatologia para ana- dicina Veterinária, comoSisson &Grossman (1953),
lisar a função de órgãos ou sistemas comprometidos Lesbories (1955), Leinati (1955) e Fincher (1956),
por alguma enfermidade; Por que examinará, o co- o estudo da glândula mamaria far-se-ia em con-
nhecimento de patologia médica dos males que afli- junto ou como item anexo aos estudos do apare-
gem os animais orientam o clínico - alertado pelo lho genital, quer seja em seus aspectos morfoló-
proprietário do paciente sobre a necessidade de ser gicos, fisiológicos, semiológicos e patológicos. Esses
submetido a exame clínico (obedecendo aos mo- autores associaram a glândula mamaria ao apare-
dernos conceitos da Semiologia Veterinária, o ani- lho genital feminino, pois sua função estaria in-
mal que não alcançar o nível programado de produ- timamente relacionada à gestação e ao parto, es-
ção - no caso, de leite, deve ser submetido a tando, ainda, a indução e a manutenção da lacta-
elucidativo exame clínico) e; finalmente, Como exa- ção diretamente ligadas aos hormônios da esfera
minar.', fulcro da Semiologia Veterinária - arte e ciên- sexual. Além do mais, a secreção láctea será uti-
cia do exame clínico dos animais. Portanto, esse úl- lizada na alimentação do rebento das matrizes pro-
timo item será o objetivo especial deste capítulo. dutoras de leite ou de carne. Outros autores, des-
tacando os histologistas, estudam a glândula ma-
maria em conjunto, no capítulo sobre "Semiolo-
gia da pele"; finalmente, alguns como Kolb (1980),
SÚMULA DA MORFOLOGIA DA em seu tratado sobre "Fisiologia Veterinária", deu
GLÂNDULA MAMARIA destaque à fisiologia da glândula mamaria, atri-
buindo-lhe um capítulo independente e isolado,
Apesar de aparentemente se julgar que os estu- como se faz na presente publicação.
dos básicos e estáticos da glândula mamaria es-
25. Semiologia da Glândula Mamaria de Ruminantes 357
Mas para Costa & Chaves (1949), o ensino da lado o teto, consequentemente ocorrendo a ere-
histologia da glândula mamaria deveria ser incluí- ção do teto, o que facilita a ordenha (ver Fig. 8.29).
do no capítulo dedicado ao estudo da pele e ane- Ductus papillarís. O canal do teto é curto e
xos, em face de sua origem embrionária na crista irregular, mais estreito em sua extremidade dis-
mamaria do espessamento epiblástico. Além do tai. O orifício do teto tem inúmeras particulari-
mais, destacaram que, segundo conceitos histoló- dades anatómicas que impedem a penetração das
gicos, o órgão, que habitualmente é designado por bactérias na cisterna do teto. O epitélio escamo-
glândula mamaria, deveria ser considerado como so de dupla camada do sinus papillarís pode so-
um aglomerado de glândulas elementares e não frer estratificações por estresse da ordenha ou por
como um órgão unitário. Essas glândulas elemen- reação a lesões de diferentes origens, determinando
tares, histomorfologicamente, podem ser classifi- o desenvolvimento de tecido fibroso cicatricial,
cadas como tubuloacinosas compostas com tipo com projeções para o lume da cisterna, podendo
secretório holomerócrino ou apócrino, separadas por até obstruí-la.
abundante tecido conjuntivo (ver Figs. 8.27 e 8.28). Sinus lactiferous. A cisterna da glândula mamaria
Ressalte-se, entretanto, que outros autores de tem volume de variada magnitude, na dependên-
compêndios especialistas em morfofisiologia: cia da constituição racial, podendo ser uma cavi-
anatomistas (Sisson & Grossman, 1953), histologistas dade simples e ampla ou subdividir-se por pregas
(Maximow & Bloom, 1952, Junqueira & Carnei- e membranas, constituindo, então, múltiplas cavi-
ro, 1982) e fisiologistas (Kolb, 1980) consideram a dades. O epitélio de revestimento também é for-
estrutura da glândula mamaria como tubuloalveolar. mado por células dispostas em duas camadas.
As diferentes estruturas da glândula mama- Na cisterna da glândula, abrem-se entre 8 e
ria apresentam inúmeras configurações histoló- 12 duetos galactóforos, que provêm do parênqui-
gicas que merecem destaque e serão detalhadas
a seguir.
Tetos. A parede das papilas da glândula mama-
ria dos bovinos é delgada e sua epiderme é des-
provida de pêlos e de glândulas; entretanto, inter-
namente tem um plexo vascular que se preenche
de sangue, aumentando a pressão quando estimu-
Figura 8.28 - Célula secretora da glândula mamaria: re-
presentação esquemática da imagem em microscopia ele-trônica.
Figura 8.27 - Estrutura de um ácino da glândula mamaria: 1 = gotículas de gordura com resquícios celulares; 2 = glóbulos
representação esquemática. A = artéria; B = célula mioepi-telial; de gordura; 3 = grânulos de proteína; 4 = microvilosidades;
C = capilares; D = células secretoras; E = duto galac-tóforo 5 = junções celulares; 6. mitocôndrias; 7 = ribossomos; 8 = retículo
terminal; F = fibras musculares; C = duto galactó-foro endoplasmático; 9 = células mioepiteliais; 10 = membrana basal;
interlobular. 11 = núcleo celular.