Planejando um futuro melhor crianças e adolescentes
1. Planejando um Futuro Melhor
Nos dias de hoje fala-se da efetividade das redes de proteção da criança, do adolescente e de suas
famílias. O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabelece a prioridade
absoluta.
Nesse contexto, como gerar e sustentar a efetividade das redes de proteção a curto, médio e
longo prazo, de forma a garantir a prioridade absoluta?
Para tanto, é essencial uma atuação não apenas nas conseqüências do crescente desrespeito à
natureza e à dignidade humana (própria e dos demais), mas prioritariamente nas suas causas.
Mas quais são as verdadeiras causas desses atos? Será que tais causas estão ligadas apenas à
ausência de recursos materiais ou refletem um sentimento mais profundo de vazio? O que,
verdadeiramente, está faltando?
Por certo que as causas não se limitam às questões materiais, caso contrário, por que pessoas
materialmente abastadas cometeriam tais atos? Corrupção, violência física e sexual praticadas por pessoas
de classes sociais economicamente mais abastadas, bullying em escolas particulares, grande número de
suicídios na Europa e no Japão, aumento do consumo de drogas e de outros vícios, etc. Em verdade,
exteriorizam principalmente a falta de bons valores (bons modos de agir, inclusive aqueles ligados ao
afeto) e a diminuta compreensão do sentido da vida, ou seja, da sua razão de existir. Ademais, sabe-se que
a família é o principal núcleo de desenvolvimento de valores e dessa compreensão.
Levando em consideração que as causas supracitadas são sistêmicas, ou seja, decorrem de
relações interdependentes e interrelacionadas entre diversos componentes do Habitat, percebe-se que para
efetividade das ações se exige o planejamento e a gestão sistêmicos, que possibilitem a visão e a
integração de recursos multidisciplinares e intersetoriais, cujos desempenhos podem afetar, positiva ou
negativamente, a sociedade como um todo.
Nesse contexto, as redes de proteção poderão estabelecer o que fazer, como, onde, quando e
quem, bem como de que forma medir e integralizar todos esses componentes, de modo a garantir um
Habitat sadio para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Tendo em vista as tendências de insustentabilidade dos recursos materiais e humanos, verifica-se
a necessidade de evitar a fragmentação de ações, buscando-se a integração. Para isso, percebe-se a
importância de tornar-se consciente a razão de existir da rede, ou seja, a missão comum, concretizada
através da responsabilização dos violadores de direitos e do atendimento de necessidades fisiológicas,
psicológicas - segurança, pertencimento e auto-estima - e auto-realização (diferentemente de desejos), nos
três eixos da sustentabilidade (econômico, social – saúde, educação, cidadania e segurança – e ambiental),
com foco prioritário na família, de modo a gerar efeitos públicos, agregando valor sustentável.
Essa missão comum permite a formação de redes de cooperação para a atuação sistêmica,
priorizando de forma absoluta a proteção às crianças e aos adolescentes. As redes, que tornam visíveis
esforços isolados, possibilitam a integração e a paz, interna e externamente.
Contudo, para que isso ocorra de forma efetiva, o planejamento deverá contemplar o
mapeamento das necessidades, possibilidades e atividades, sendo indispensável a participação de todos os
envolvidos. Em termos gerais, precisamos mapear quais atividades são passíveis de gerar o
desenvolvimento econômico integrado e sustentável, no qual sejam preservados, no presente e no futuro,
os direitos das crianças e dos adolescentes. No âmbito pessoal, precisamos identificar em quais atuações
as crianças, os adolescentes e os adultos em geral se sentem entusiasmados, fazem a diferença (‘slice of
heart’) na sociedade, sendo, por isso, lembrados, reconhecidos e valorizados. Dessa forma, as pessoas
constatarão que são úteis no contexto maior, o que aumenta a motivação na busca de aperfeiçoamento,
gerando um ciclo de sustentabilidade no ambiente interno e externo. No que se refere às necessidades,
saliente-se que o Estado teoricamente poderia suprir materialmente as crianças e os adolescentes, mas o
afeto, principalmente nos primeiros anos de vida, é um direito-dever dos pais. As conseqüências do não
atendimento equilibrado são profundas (gravadas a nível de sistema límbico) e com reflexos negativos em
todos os eixos da sustentabilidade acima referidos. Para ilustrar, cabe ressaltar que uma criança que nunca
foi cuidada adequadamente terá dificuldades de preservar, por exemplo, a natureza, pois não foram
desenvolvidos adequadamente os potenciais humanos de formar vínculos. Por outro lado, uma criança
que não passou pelo processo de auto-regulação (na qual a figura paterna é importantíssima) será
propensa a transgredir regras e a se envolver no consumo de drogas. Ademais, sabe-se que mais da
metade dos infratores e quase a totalidade dos adolescentes que vivem nas ruas não tiveram o pai
presente. São essas e inúmeras outras situações que denotam a importância dos pais e das redes de
proteção desenvolverem uma visão ampla.
A formação de redes de cooperação permite a atuação sistêmica, na qual os integrantes,
sentindo-se úteis no processo, desenvolvem seus potenciais latentes. Ademais, propicia a conscientização
da co-responsabilidade e a compreensão do binômio dever-direito, de modo a despertar a noção de
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2. contexto e a afastar práticas imediatistas baseadas exclusivamente na punição ou vitimização, gerando,
assim, um verdadeiro pensamento sistêmico.
Nesse contexto, já existem em andamento diversos projetos e programas. No município do Rio
Grande a Rede de Abrigagem, o Programa Aliança:Rede Família e o programa municipal de
planejamento familiar, entre outros, buscam proteger crianças e adolescentes de forma interdisciplinar e
intersetorial, com o que se obteve diversos resultados positivos, dentre os quais, a manutenção, desde o
início do ano, de um índice de mortalidade infantil inferior dois dígitos. A redução da mortalidade infantil
e os demais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, por sua vez, tem sido objeto de diversas ações do
Fórum RS, do Programa Primeira Infância Melhor, da Estratégia de Saúde da Família, dos projetos
sociais da Fecomércio e dos Bancos Sociais da Fiergs, sendo foco do GEMP 2022 – Gestão Estratégica
do Ministério Público. São várias ações que possuem uma missão comum, a de proteger de forma
integrada e sustentável o Habitat em que vivemos, formando uma rede que busca garantir de forma
sistêmica o presente e o futuro das crianças e dos adolescentes. Visando potencializar o capital social do
Estado do Rio Grande do Sul, a Agenda 2020 – O Rio Grande que Queremos está iniciando o
mapeamento dos ativos sociais, que se forem integrados certamente irão responder, na prática, os
questionamentos propostos pela Conferência Mundial sobre Desenvolvimento de Cidades, a ser realizada
em Porto Alegre, nos dias 13 a 16 de fevereiro de 2008. Dentre os quais, cabe citar o de número 38:
“Sustentabilidade é uma dimensão ambiental (no sentido do meio ambiente natural) do
desenvolvimento ou é o novo nome do próprio desenvolvimento sob uma perspectiva sistêmica
(englobando todas as outras dimensões, inclusive a social)? A sustentabilidade das sociedades humanas e
das organizações governamentais, empresariais e sociais depende de quais fatores críticos?”
Por certo que, dentre os fatores prioritários, está a rede familiar, a ser definida como estrutura de
cuidados no qual o afeto a caracteriza e propicia o desenvolvimento dos potenciais humanos que
sustentarão o Habitat. Pois é nesse sentido e com essa visão que a Constituição Federal afirmou ser a
família a base da sociedade, sendo o planejamento familiar fundado na dignidade da pessoa humana e na
paternidade responsável (artigo 226 da Lei Maior).
Em termos mais amplos, as considerações expostas nos parágrafos acima são importantes para
aceitação e participação de todos os segmentos da sociedade, bem como para se ter acesso a recursos
aptos a implementar ações (voluntariado, Agenda Habitat, CAIXA, BNDES - Redes Sociais, Plano
Nacional de Proteção, Promoção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar
e Comunitária, etc.), bem como na garantia do cumprimento de diversos Tratados, Convenções, Pactos e
Planos de Ações das diversas Conferências das Nações Unidas (Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Contra a Mulher, Convenção Sobre os Direitos da Criança, Plano de Ação da
Conferência Mundial de População e Desenvolvimento, etc.). Ademais, se o planejamento sistêmico
utilizar metodologias, ferramentas e sistema de avaliação, certamente poderá ser elaborado um Índice de
Desenvolvimento Sistêmico transparente e, portanto, confiável (a confiança-comunicação é fator
agregador nas redes). Desse modo, diminui o risco dos investimentos efetivados no local, o que atrai
recursos nacionais e internacionais para a região (por exemplo, via investimento sistêmico na bolsa de
valores, através do ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa, DJSI - Dow Jones
Sustainability Indexes da Bolsa de Nova York, etc.).
Nesse contexto, as tendências internacionais estão se dirigindo para esse norte comum. A
TrendWatching, empresa que pesquisa tendências de consumo ao redor do mundo, em seus relatórios
avaliou que os consumidores estão cada vez mais unidos, ousados e realizadores. O mais recente relatório
indicou como principal tendência a transparência das relações, na qual a comunicação on line (rede de
computadores) está proliferando avaliações e comentários sobre tudo e todos. Como realizadores, os
consumidores passam a considerar como símbolos de status, não objetos ou bens, mas experiências,
contatos e habilidades. Sabe-se que a cooperação é uma habilidade inata dos seres humanos, despertada
quando agimos ou observamos alguém, através da atuação sistêmica das células conhecidas na
neurociências como neurônios-espelho. Essa tendência para cooperação está profundamente arraigada na
espécie humana, pois faz parte do processo de evolução. Ora, se hoje essa tendência de integração já esta
se revelando até mesmo nos consumidores (e nas empresas que estão rumando para um “capitalismo
sustentável” como forma de atender seu público-alvo), o que dirá das redes de proteção, cujo atendimento
das necessidades das crianças e dos adolescentes somente se dará através de uma atuação sistêmica que
produza efeitos públicos. Será que para efetividade das redes não devemos atentar para essas tendências?
Parece que tais aspectos se distanciam da busca de proteção às crianças e aos adolescentes, mas,
em verdade, é esse o contexto global no qual elas vivem e viverão. Aliás, todos nós.
Rodrigo Schoeller de Moraes
rsmoraes@mp.rs.gov.br
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