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Educação
                                                                                                                                                   do campo




                                                                                                  EDUCAÇÃO DO CAMPO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
                                                                                                                                                  e formação




                                                   A experiência do Programa Residência Agrária
                                                                                                                                                  profissional
                                                                                                                                                    A experiência do
                                                                                                                                              Programa Residência Agrária




                                   Ministério do
                        Desenvolvimento Agrário

                                                                                                                                                      Mônica Castagna Molina
                                                                                                                                                    Gema Galgani S. L. Esmeraldo
                                                                                                                                                      Pedro Selvino Neumann
                                                                                                                                                    Sonia Maria P. P. Bergamasco
                                                                                                                                                          (Organizadores)




Capa final res.indd 1                                                                                                                                                              13.05.09 15:27:30
Mônica Castagna Molina
      Gema Galgani S. L. Esmeraldo
        Pedro Selvino Neumann
      Sonia Maria P. P. Bergamasco
            (Organizadores)




     Educação
     do campo
    e formação
    profissional
      A experiência do
Programa Residência Agrária




                  MDA
              Brasília, 2009
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República
                                                       NEAD EXPERIÊNCIAS 2                                                                                   SUMÁRIO
                                                       Copyright 2009 MDA
GUILHERME CASSEL                                       ISBN 978-85-60548-46-0
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário
                                                       Projeto Gráfico, Capa e Diagramação
DANIEL MAIA                                            Caco Bisol Produção Gráfica Ltda
Secretário-Executivo do Ministério do                  (Márcia Helena Ramos)
Desenvolvimento Agrário
                                                       Revisão e Preparação de Originais
ROLF HACKBART                                          Mônica Castagna Molina, Gema Galgani S.
Presidente do Instituto Nacional de                    L. Esmeraldo, Pedro Selvino Neumann,
Colonização e Reforma Agrária                          Sonia Maria P. P. Bergamasco (Org.).
                                                       Iara Maurente.
ADONIRAM SANCHES PERACI
Secretário de Agricultura Familiar                     Fotografias
                                                       Acervo do Programa Residência Agrária
ADHEMAR LOPES DE ALMEIDA                               INCRA/ MDA                                   APRESENTAÇÃO
Secretário de Reordenamento Agrário                                                                 DEZ ANOS DE PRONERA E O PROGRAMA RESIDÊNCIA AGRÁRIA                07
                                                       MINISTÉRIO DO
JOSÉ HUMBERTO OLIVEIRA                                 DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
Secretário de Desenvolvimento Territorial              (MDA)                                        INTRODUÇÃO                                                         11
                                                        www.mda.gov.br
CARLOS MÁRIO GUEDES DE GUEDES
Coordenador-Geral do Núcleo de Estudos                 INSTITUTO NACIONAL DE                        CAPÍTULO 1
Agrários e Desenvolvimento Rural                       COLONIZAÇÃO E REFORMA                        GÊNESE DO PROGRAMA RESIDÊNCIA AGRÁRIA                              15
                                                       AGRÁRIA (INCRA)
CÉSAR JOSÉ DE OLIVEIRA                                 www.incra.gov.br
Diretor de Desenvolvimento de Projetos                                                              1.1. Residência Agrária: concepções e estratégias                  17
de Assentamentos                                       NÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS                        Mônica Castagna Molina
                                                       E DESENVOLVIMENTO RURAL
CLARICE APARECIDA DOS SANTOS                           (NEAD)
Coordenadora-Geral de Educação do Campo                SBN, Quadra 2, Edifício Sarkis               1.2. Uma Residência para as ciências agrárias: saberes coletivos
e Cidadania                                            Bloco D - loja 10 - sala S2
                                                       Brasília/DF - CEP: 70.040-910
                                                                                                    para um projeto camponês e universitário                           29
NELSON MARQUES DE FELIX                                Telefone: (61) 3961-6420                          Maria Inês Escobar Costa Casimiro
Chefe da Divisão de Educação do Campo                  www.nead.org.br
                                                                                                    CAPÍTULO 2
                                                                                                    MATRIZ REGIONAL                                                    39
   PCT MDA/IICA – Apoio às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável
                                                                                                    2.1. Os desafios de uma formação voltada para o contexto regional:
     M722e          Educação do Campo e formação profissional: a experiência                         a experiência do “Curso de Especialização em Agricultura
                       do Programa Residência Agrária / organização de                              Familiar e Camponesa e Educação do Campo da Região Norte”         41
                       Mônica Castagna Molina ... [et al.] – Brasília : MDA,                             Laura Angélica Ferreira, Luiza de Nazaré Mastop-Lima,
                       2009.
                       424p. ; 23cm. – (NEAD Experiências 2).                                            Maria Suely Ferreira Gomes, Marlene Naoyo Abe e Carla Rocha

                         ISBN: 978-85-60548-46-0                                                    2.2. Programa Residência Agrária Nordeste I:
                    I. Título. II. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
                                                                                                    a força de uma experiência                                         63
                        III. Educação do Campo. IV. Programa Residência Agrária.                         Gema Galgani S. L. Esmeraldo, Helena Selma Azevedo,
                                                                                                         Francisco Casimiro Filho e Maria Lúcia de Sousa Moreira
                                                                                 CDD 379.2
2.3. Afinação e desafinação da travessia vivida no




                                                                                                                                                      S u m á r i o
                                                                           CAPÍTULO 4
Programa Residência Agrária Nordeste II                              85    RELATO DE EXPERIÊNCIAS                                             243
     Geralda Macedo
                                                                           4.1. Lembranças do Residência Agrária                              245
2.4. Curso de Especialização “Agricultura Familiar e Camponesa                  José Paes Floriano
e Educação do Campo”: a experiência e os resultados na UFG     104
     Wilson Leandro Mozena, Joel Orlando Bevilaqua Marin e                 4.2. Práticas agroecológicas voltadas para utilização da Azadirachta
     David José Caume                                                      Indica - Nim - como controle fitoterápico nos carrapatos da
                                                                           espécie Boophilus Microplus no Assentamento Nova Canaã:
2.5. O Programa Residência Agrária nas Regiões Sul/Sudeste:                uma perspectiva sustentável                                          255
algumas reflexões                                                     134        Maria da Conceição C. B. da Bôa Viagem e
     Janisse V. Garcia, Julieta T. Aier de Oliveira, Pedro Selvino              Ana Cláudia Ramos de Araújo
     Neumann e Sonia Maria P. P. Bergamasco
                                                                           4.3. Prática e discurso em agroecologia: formação para transição
CAPÍTULO 3                                                                 da agricultura convencional para agricultura agroecológica.
MATRIZES LOCAIS                                                      157   O caso da família difusora de Pajeú Mirim - Tabira/PE              261
                                                                                Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão e
3.1. A formação universitária para a Agricultura Familiar e                    Edvânia de Souza Silva
Educação do Campo: a experiência do Programa Residência Agrária
em Pernambuco                                                   159        4.4. A importância das boas práticas de manipulação de alimentos:
     Irenilda de Souza Lima                                                uma experiência de formação educativa com as mulheres
                                                                           agricultoras e beneficiadoras de alimentos da unidade do
3.2. Coerência de ideários dos temas de pesquisa no                        Sítio Vaca Morta em Monte Alegre - Afogados da Ingazeira/PE 277
“Curso de Especialização Residência Agrária” apoiado pelo MDA        170        Alexsandra M. Siqueira
     Fabio Nolasco e Abdala Untar
                                                                           4.5. Novas identidades e novas dinâmicas dos movimentos
3.3. O projeto piloto do Residência Agrária da Universidade                sociais no sul do Brasil: Via Campesina e FETRAF-Sul               297
Federal de Santa Maria/RS                                            191        Everton Lazzaretti Picolotto
     Pedro Selvino Neumann, Vivien Diesel, José Marcos Froehlich,
     Paulo Roberto da Silveira e Janisse Viero Garcia                      4.6. Extensão de tecnologias adaptadas à realidade do pequeno
                                                                           agricultor: fabricação de multi-implementos de tração animal
3.4. O Residência Agrária no Paraná: a percepção estudantil          214   no Assentamento Rural Pirituba II - Itapeva/SP                     317
     Ricardo Serra Borsatto e Lourival de Morais Fidelis                        Claudia Assad Mello e Antonio Jose da Silva Maciel

3.5. Relatando e refletindo sobre as experiências da FEAGRI/                4.7. O Residência Agrária no Assentamento Sepé Tiarajú -
UNICAMP em sua participação no “Residência Agrária I”                228   Ribeirão Preto/SP: a perspectiva da agroecologia                   330
     Julieta Teresa Aier de Oliveira, Kellen Maria Junqueira                    Wilon Mazalla Neto, Celso Costa Lopes e
     e Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco                                    Julieta Teresa Aier de Oliveira


                                       4                                                                      5
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO 5
REFLEXÕES/ANÁLISES                                                345

5.1. Desafios na formação de agentes de ATER/ATES:
reflexões em torno do projeto piloto da UFSM                       347
     Janisse Viero Garcia e Vivien Diesel

5.2. A questão camponesa e os desafios do
Programa Residência Agrária                                       372   Dez anos de PRONERA e o
     Lais Mourão Sá
                                                                        Programa Residência Agrária
5.3. Por que a ‘Nova ATER’ não sai do papel?
Uma análise da visão dos alunos do projeto Residência Agrária     386
     Vivien Diesel, Pedro Selvino Neumann, Janisse Viero Garcia
     e José Marcos Froehlich                                                                                                                             Rolf Hackbart 1
                                                                                                                                           Clarice Aparecida dos Santos 2
ANEXO                                                             409

SIGLÁRIO                                                          419

                                                                                  Este livro foi projetado a propósito dos dez anos do Programa
                                                                        Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Ao longo
                                                                        deste tempo muito se falou a respeito da estreita e inevitável vinculação
                                                                        existente, no âmbito da Educação do Campo, entre Reforma Agrária,
                                                                        Educação e Desenvolvimento. Essa tríade suscitou muitas idéias acerca
                                                                        do papel da educação no processo de desenvolvimento que, por sua vez,
                                                                        se converteu em propostas de ações públicas potencialmente capazes de
                                                                        serem implementadas.
                                                                                  Algumas destas idéias se transformaram em realidade. Outras,
                                                                        ainda não. Ainda não! Mas, o Programa Residência Agrária é uma das pro-
                                                                        postas que se tornou realidade. Pela teimosia coletiva, por um lado, de
                                                                        produzir avanços no campo das políticas públicas e, por outro, pela própria
                                                                        materialidade do PRONERA e as relações que produz com as Universi-
                                                                        dades e com os movimentos sociais, colocando-os em diálogo. Um diálo-
                                                                        go que se inicia em torno de um determinado e específico curso, mas que,
                                                                        por esta condicionalidade e convivência, se amplia para outras ações.

                                                                         1. Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
                                                                         2. Coordenadora Geral de Educação do Campo e Cidadania - INCRA.




                                    6                                                                                           7
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária



           O Residência Agrária se implementou como um Programa do




                                                                                                                                                                                                          A p r e s e n t a ç ã o
                                                                                                    No Seminário Nacional de Educação Profissional3, o professor
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA instituído por uma                           Guilherme Delgado4 afirmou que o latifúndio é incompatível com a
Portaria do Ministro mas, se enraizou na legislação por meio de uma ação                 construção de uma nova cultura, especialmente em relação à segurança e
no Plano Plurianual – PPA 2004-2007 e, posteriormente, no PPA 2008-                      soberania alimentar, uma vez que as grandes cadeias produtivas da agri-
2011 – para fincar suas raízes no solo das políticas voltadas para o desen-               cultura, as chamadas commodities (soja e grãos), pecuária, biocombustíveis
volvimento dos camponeses e seus territórios.                                            e florestas plantadas exigem, por um lado, grandes propriedades, mono-
           Passou por um período de avaliação em 2006 e 2007 e se revi-                  cultivo e precarização da força de trabalho e, por outro, concentração
talizou em 2008, com um incremento de recursos capazes de implemen-                      fundiária e devastação ambiental. Em contrapartida, não oferecem as
tar novas iniciativas. A experiência inicial, como intencionalmente previa,              condições estratégicas necessárias ao enfrentamento da falta de alimentos
produziu iniciativas próprias das Universidades interessadas em garantir                 baratos e de qualidade para as populações pobres do planeta.
a sua continuidade, como Programa da própria Universidade, buscando                                 Assim, a Reforma Agrária e os assentamentos no Brasil nestes
parcerias com governos estaduais. É o caso da Universidade Federal do                    dez anos impõem novos desafios à educação, especialmente no que se
Ceará que, no Curso de Agronomia, incorporou a experiência e come-                       refere ao seu papel fundamental em relação à produção de alimentos com
mora seus resultados, com uma significativa quantidade de alunos da                       preservação dos recursos naturais. Momentos de crise de abastecimento,
graduação atuando em assentamentos naquele estado.                                       tal como se anuncia e se vislumbra, assim como de crise ambiental, são
           O Residência Agrária é uma proposta por meio da qual se ofere-                ocasiões privilegiadas para reformas estruturais nas políticas de educação
cem as condições de estágio de vivência e especialização para estudantes graduados       e de assistência técnica.
que tenham interface com os projetos de desenvolvimento dos assenta-                                Ainda, segundo o especialista Guilherme Delgado, tais reformas
mentos e com seus processos educativos que os beneficiários realizam                      devem atender a alguns requisitos: a criação de bases técnicas/tecnológicas
nestas áreas. Podem participar todos os jovens profissionais que estejam                  estruturais como as que o futuro exige; inovações técnicas, organizacio-
dispostos a conviver com a população assentada por um período mínimo                     nais e laborais que desenvolvam capacidade de trabalho; acesso irrestrito
de dois anos e, desta convivência, fazer seu objeto de estudo acadêmico                  a direitos sociais básicos no espaço agrário, pois sem a conquista de míni-
com a perspectiva de trabalho futuro e, acima de tudo, contribuir com os                 mos sociais não há desenvolvimento; e, o debate acerca da função sócio-
camponeses e camponesas através do conhecimento sistematizado.                           ambiental da propriedade fundiária.
           Os participantes recebem bolsa de estudos para que se mante-                             Tais conteúdos devem compor um Programa como o Residência
nham, assegurem as despesas com viagens e compra de livros, insumos e                    Agrária para articular os conhecimentos necessários à Reforma Agrária
requisitos necessários para que compreendam a realidade onde estão in-                   como eixo de projeto de desenvolvimento, sua relação com educação e
seridos. Assim, num determinado momento do processo, podem passar                        com educação profissional. Também, para enfrentar os limites da baixa
a intervir, articulando com a assistência técnica e a pesquisa para a cons-              especialização no trabalho do campo, que compromete a produtividade
trução de novas matrizes tecnológicas, interagindo com a comunidade e                    do trabalho. Para pensar novas relações de trabalho e a organização da
seus projetos nas áreas da produção, saúde, educação e na defesa dos di-                 produção, novas tecnologias para a pequena produção e produção em
reitos humanos e sociais.                                                                escala, com base na agroecologia e na cooperação e, acima de tudo, para
           A Reforma Agrária atua, em relação ao desenvolvimento, na                     enfrentar os próprios limites organizativos dos camponeses e contribuir
contra-lógica do projeto historicamente implementado e financiado em                      para a consolidação da organização social, essencial no desenvolvimento.
nosso país. Atua numa concepção de modernização técnica com mudan-                       O Residência Agrária veio, ainda, para enfrentar grandes problemas estru-
ça social, numa opção de desenvolvimento com alteração na estrutura
agrária, que gera nova cultura e novas expectativas frente ao desenvolvi-                 3. Promovido pelo PRONERA, de 02 a 05 de junho de 2008, em Luziânia-GO.

mento econômico e social.                                                                 4. “Contexto atual do Campo nos Projetos de Desenvolvimento em debate”. Palestra proferida por Guilherme Del-
                                                                                          gado, economista do IPEA e Professor da Universidade Federal de Uberlândia.




                                            8                                                                                                 9
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária
                                                                                                                                       INTRODUÇÃO
turais, como a saída da juventude do campo e o decorrente envelhecimen-
to da população camponesa.
           São algumas razões para o INCRA manter colado à Reforma
Agrária um programa de educação como o PRONERA. Para dar um
novo sentido e, também, para ressignificar a própria educação, conferindo
importância a homens e mulheres que trabalham e fazem dos assenta-
mentos o seu espaço de vivência e convivência.
           É precisamente por esta razão que o PRONERA contém uma
ação denominada Residência Agrária. Porque o momento histórico exige
que se pense, proponha e atue em perspectiva, especialmente no campo
                                                                                                     Este livro surge da necessidade de garantir a sistematização e o
das políticas públicas. Nossa tarefa é preparar as condições para o futuro
                                                                                         registro da experiência do processo de implantação do Programa Residên-
do desenvolvimento, em novas bases, em novos paradigmas.
                                                                                         cia Agrária, que se desenvolve no âmbito das políticas públicas de Educação
                                                                                         do Campo, executadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
            Brasília, março de 2009
                                                                                         Agrária e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
                                                                                                     O objetivo principal deste Programa é oportunizar novas estra-
                                                                                         tégias de formação para estudantes e profissionais das Ciências Agrárias,
                                                                                         preparando-os para uma atuação capaz de compreender as necessidades e
                                                                                         especificidades dos processos de produção e de promoção do desenvolvi-
                                                                                         mento rural no âmbito da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar.
                                                                                                     Este enfoque tem pertinência no peso e na importância da Agri-
                                                                                         cultura Familiar para o Brasil e, por reconhecer que historicamente os
                                                                                         profissionais de Ciências Agrárias têm sido formados marginalizando a
                                                                                         importância do aprendizado de posturas e práticas dialógicas, imprescin-
                                                                                         díveis para a atuação junto aos diversos setores que compõem a Agricul-
                                                                                         tura Familiar.
                                                                                                     O projeto piloto do Programa Residência Agrária cujos relatos são
                                                                                         objeto deste livro foi planejado para se desenvolver simultaneamente em
                                                                                         todo território nacional. Desta forma, foram selecionados 15 estados da
                                                                                         Federação, contemplando todas as regiões, assim distribuídos: sete estados
                                                                                         da região Nordeste, em função da grande concentração de assentamentos
                                                                                         e dois estados nas demais regiões: Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
                                                                                                     A partir da seleção das unidades da federação, universidades
                                                                                         públicas que possuíam experiências anteriores de trabalho junto ao públi-
                                                                                         co alvo desta política foram convidadas a desenvolver o projeto piloto do
                                                                                         Residência Agrária, composto de duas fases integradas: um Estágio de Vi-
                                                                                         vência e um Curso de Especialização em Agricultura Familiar e Campo-
                                                                                         nesa e Educação do Campo. A primeira fase do Programa seria desenvol-
                                                                                         vida individualmente em cada instituição e, a segunda, requeria sua arti-
                                                                                         culação em rede.



                                           10                                                                                 11
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária



           Foram convidadas a participar e aceitaram este desafio as seguin-                        A avaliação positiva dos resultados produzidos e dos ricos proces-




                                                                                                                                                                        I n t r o d u ç ã o
tes instituições: Universidade Federal do Pará; Universidade Federal do                  sos desencadeados por meio do Programa foi um incentivo a sua continui-
Acre; Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal do Piauí;                      dade, hoje aberto para todas as universidades que desejarem apresentar suas
Universidade Federal do Semi-Árido; Universidade Federal da Paraíba;                     propostas ao PRONERA. Este livro pretende auxiliar na implantação destes
Universidade Federal Rural de Pernambuco; Universidade Federal de                        novos projetos, instigando questões e desafios para os novos caminhos a
Sergipe; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal Rural do                    serem trilhados na formação dos profissionais das Ciências Agrárias.
Rio de Janeiro; Universidade Federal de Goiás; Universidade Federal de                             Esta experiência piloto só se materializou em função de uma
Santa Maria; Universidade Federal do Paraná. Também foram convidadas                     intensa contribuição e compromisso de diferentes indivíduos, instituições
as seguintes instituições estaduais: Universidade Estadual de Mato Grosso                e movimentos sociais, que assumiram o desafio proposto pelo Residência
– UNEMAT e Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.                                  Agrária. A todos eles, e especialmente aqueles que se dispuseram a siste-
           A estrutura deste livro foi concebida objetivando-se registrar                matizar e refletir a experiência vivida, apresentamos nossos agradecimen-
a experiência do projeto piloto nas diferentes fases de execução. A par-                 tos, com a perspectiva de que este livro possa contribuir com os processos
tir desta perspectiva, considerou-se relevante recuperar as concepções                   de transformação do campo brasileiro.
que fundamentaram a criação do Programa Residência Agrária e as estra-
tégias idealizadas para a sua materialização, o que deu origem ao pri-
meiro capítulo.                                                                                                                     Mônica Castagna Molina - UnB
           Em seguida, optou-se por uma apresentação que possibilitasse                                                       Gema Galgani S. L. Esmeraldo - UFC
o registro da apropriação destas concepções e de suas re-significações pelo                                                        Pedro Selvino Neumann - UFSM
conjunto de instituições parceiras na oferta daquela Especialização em                                                  Sonia Maria P. P. Bergamasco - UNICAMP
rede, possibilitando a visualização do conjunto dos processos vivenciados
em cada região, cujos frutos estão apresentados no capítulo dois, denomi-
nado Matriz Regional.                                                                                                                                Março de 2009
           Além das reflexões sobre o conjunto das cinco Especializações,
considerou-se importante divulgar a dinâmica desencadeada pelo Progra-
ma Residência Agrária em cada universidade, particularmente naquelas
instituições que se dispuseram, num prazo exíguo, a sistematizar suas
práticas. Esse material compõe o capítulo três, intitulado Matriz Local.
           Foram inúmeras as experiências desenvolvidas por mais de 300
estudantes em seus trabalhos junto às áreas de Reforma Agrária e de Agri-
cultura Familiar, em todo o país. Visando registrar a riqueza destas ações
o quarto capítulo traz uma pequena mostra da diversidade destas experi-
ências, organizadas pelos próprios residentes.
           No último capítulo são apresentados textos reflexivos sobre
diferentes questões provocadas pela execução do Programa Residência
Agrária na sua experiência piloto.
           Espera-se que este livro contribua com a análise sobre: em que
medida foi possível ao Programa atender seus objetivos; como se deram
e quais foram as maiores dificuldades; as contradições dentro do governo
e das universidades que limitaram sua execução e quais foram seus prin-
cipais êxitos.



                                           12                                                                                 13
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária


FIGURA 1: Localização e nucleação das universidades que realizaram os Cursos de
          Especialização em Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo
          - Programa Residência Agrária (2005 -2007)




                                                                                              Capítulo 1

                                                                                         GÊNESE DO PROGRAMA
                                                                                          RESIDÊNCIA AGRÁRIA



Fonte: MDA - Documentos do Programa Residência Agrária




                                                         14
Residência Agrária:
estratégias e concepções

                                                                     Mônica Castagna Molina5




              INTRODUÇÃO

            O Programa Nacional de Educação do Campo: Formação de
Estudantes e Qualificação de Profissionais para Assistência Técnica, lan-
çado em 2004 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, foi concebi-
do a partir da necessidade de formar Especialistas das Ciências Agrárias
para atuação nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar.
            A denominação do Programa explicita sua maior intencionali-
dade: ser uma política de formação profissional, com o objetivo de contri-
buir com a promoção do desenvolvimento rural na busca da melhoria das
condições de vida no campo brasileiro. Em função de sua principal estra-
tégia de execução, a inserção e a permanência dos estudantes universitários
nos assentamentos e áreas de Agricultura Familiar por extensos períodos,
adotou-se também como sua denominação Programa Residência Agrária.
            A formação profissional idealizada para o Residência Agrária foi
concebida considerando-se a materialidade do trabalho nas áreas de Reforma
Agrária e Agricultura Familiar, a partir dos desafios concretos que a escolha
política e ideológica para a construção de um modelo de desenvolvimento
rural diferente do hegemônico (principalmente das conseqüências sociais e
ambientais que produz) coloca para a execução de políticas públicas.
            A articulação intrínseca entre as diferentes dimensões que com-
põem este tema: Questão Agrária; Reforma Agrária; Desenvolvimento
Rural; Formação Profissional, Matriz Tecnológica; Soberania Alimentar,
estão contidas nos debates que se desenvolveram nos últimos dez anos no
âmbito da Educação do Campo, a partir do qual foram construídos os
princípios do Programa Residência Agrária.
 5. Doutora em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Coordenou a equipe que elaborou e implementou o Programa
 Nacional de Educação do Campo: Formação de Estudantes e Qualificação de Profissionais para Assistência Técnica
 – Residência Agrária.




                                                    17
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                                              Capítulo 1
                                                                                                                                                        Gênese do Programa Residência Agrária


           Um dos fundamentos centrais da Educação do Campo refere-                      oportunizassem aos jovens estudantes perceber as contradições existentes
se à articulação de seus postulados ao entendimento da necessidade da                    no modelo de desenvolvimento vigente no campo brasileiro. Objetivou-
construção de um novo projeto de nação para a sociedade brasileira. Pro-                 se, ainda, propiciar espaços de produção de criticidade, para que pudessem
jeto este cuja centralidade se dê a partir da busca da garantia das condições            perceber a diferença que determinadas condutas podem ter na relação
dignas de vida para todos, o que exige redistribuição de renda, de terra,                com os agricultores e na construção ou desconstrução de estratégias efi-
poder e conhecimento.                                                                    cazes de promoção do desenvolvimento rural.
           A especificidade da Educação do Campo, em relação a outros                                Desde o início, o Programa foi concebido como uma política
diálogos sobre educação deve-se ao fato de sua permanente associação com                 indutora, como uma ação de governo capaz de fomentar a criação de es-
as questões do desenvolvimento e do contexto na qual ela se enraíza. Sua                 paços de produção de conhecimento no âmbito das Ciências Agrárias,
base de sustentação é que o campo deve ser compreendido para muito além                  dentro das universidades públicas, a partir do estímulo e do chamamento
de um espaço de produção agrícola. O campo é espaço de vida, de produção                 de docentes e discentes para a execução de projetos de pesquisa e extensão
de relações sociais; de produção de história, cultura e conhecimento, de luta            nas áreas de Reforma Agrária e de Agricultura Familiar.
de resistência dos sujeitos que nele vivem.
           A concepção de educação, da expressão Educação do Campo,                                    ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DO RESIDÊNCIA AGRÁRIA
não pode abrir mão da necessária ligação com o contexto no qual se de-
senvolvem estes processos educativos: com os graves conflitos que ocor-                              A proposta original do Residência Agrária era composta por duas
rem no meio rural brasileiro, em função dos diferentes interesses econô-                 fases: a primeira se daria a partir do envolvimento dos estudantes das
micos e sociais existentes para utilização deste território. Esta concepção              Ciências Agrárias, no último semestre de formação nas universidades, em
é constituinte e estruturante de um determinado projeto de campo que,                    Estágios de Vivência nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar,
por sua vez, é parte maior da totalidade de um projeto de sociedade, de                  com seis meses de duração. A segunda, imediatamente após o término
nação. Sua compreensão exige visão ampliada dos processos de formação                    deste período, com o ingresso dos recém formados em um Curso de
dos sujeitos do campo. A Educação do Campo compreende os processos                       Especialização, com duração de dois anos.
culturais; as estratégias de socialização; as relações de trabalho vividas                          A concepção desta estratégia de formação pressupunha que
pelos sujeitos do campo em suas lutas cotidianas para manter esta identi-                ambas as etapas fossem totalmente articuladas, já que a finalidade maior
dade, como elementos essenciais de seu processo formativo.                               do Programa se viabilizaria com a conjunção dos objetivos destas duas
           Por isso, as reflexões sobre Educação do Campo são indissociá-                 etapas formativas. A dinâmica para a execução do Residência tinha como
veis do debate sobre a construção de um novo projeto de nação; sobre a                   eixo norteador a compreensão de que a necessária formação de profissio-
mudança do modelo de desenvolvimento brasileiro e sobre o papel do                       nais críticos desta área de conhecimento não se daria somente a partir das
campo neste modelo.                                                                      reflexões teóricas possibilitadas na passagem pela universidade, mas exi-
           Tendo como pressuposto que os principais componentes deste                    giria forte presença e trabalho nas áreas rurais.
modelo a ser forjado pela luta coletiva são: a prioridade à vida e à dignida-                       A articulação das etapas formativas dar-se-ia da seguinte manei-
de de todos os seres humanos e a produção da igualdade e da justiça social,              ra: durante o Estágio de Vivência, os estudantes das agrárias inserir-se-iam
o novo papel do campo neste modelo exige democratização do acesso à                      nas comunidades rurais selecionadas com o apoio e mediação de uma
terra, Reforma Agrária para a desconcentração fundiária. É neste cenário                 equipe de Assistência Técnica que já atuasse nesta área rural. Para tanto,
que se insere a construção do Residência Agrária: formar profissionais com-               buscou-se garantir a articulação com outra ação do INCRA: o Programa
prometidos com a classe trabalhadora do campo, que tenham horizonte                      de Assessoria Técnica, Ambiental e Social - ATES6. O Residência Agrária e
de transformação da sociedade, que assumam compromisso com as mu-                         6. De acordo com o Manual de Operações do INCRA, o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à
danças do meio rural e com as condições de vida de seus sujeitos.                         Reforma Agrária atua com equipes de técnicos em Ciências Agrárias, sociais, ambientais e econômicas. Os grupos
                                                                                          trabalham nos assentamentos executando atividades como: elaboração de planos de desenvolvimento ou
           O que se pretendeu, a partir dos referencias teóricos que orien-               recuperação de projetos de assentamento, extensão rural, capacitação continuada, visando à formação de
                                                                                          competências e à mudança de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de
taram a elaboração do Programa foi criar possibilidades de formação que                   melhoria da qualidade de vida e promoção do desenvolvimento rural sustentável.




                                           18                                                                                                 19
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                                                  Capítulo 1
                                                                                                                                                            Gênese do Programa Residência Agrária


o ATES eram, à época, programas nascentes (2003/2004), em processo de                       colaborar com a construção de diagnósticos participativos buscando,
instalação, cuja semelhança se dava principalmente, pela compreensão da                     junto com as comunidades, identificar as principais dificuldades encon-
importância do meio rural para a implantação de outra concepção de                          tradas no sentido de viabilizar seus processos produtivos e sua organi-
desenvolvimento para a sociedade brasileira.                                                zação social.
           O estabelecimento de novas funções para a Assistência Técnica                              Para alcançar estes objetivos, e oportunizar presença continuada
nas áreas de Reforma Agrária, com a incorporação da Assessoria Ambien-                      nas áreas de atuação, o Programa estabelecia nos artigos 11º e 12º de sua
tal e Social possibilitou a articulação entre os dois Programas. Além disso,                Norma de Execução que:
no período, reformulavam-se também os papéis reservados à Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER, que se                                         Art. 11º: As instituições de ensino e seus docentes e discentes deverão
materializaria através do trabalho das equipes de Assistência Técnica e                                   atuar obrigatoriamente nas áreas de Reforma Agrária e de Agricultura
Extensão Rural – ATER. As concepções e diretrizes que estavam sendo                                       Familiar do estado em que se localizam, devendo priorizar a seleção de
construídas para o PNATER possibilitaram também a articulação do                                          áreas que estejam contidas no âmbito dos territórios rurais eleitos como
Programa Residência Agrária com esta política.                                                            prioritários pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT.
           Imaginava-se que esta articulação oportunizaria aos jovens que
iniciavam nova fase de inserção profissional, espaços ricos de diálogo e                                   Art. 12º: As instituições de ensino, em parceira com os movimentos sociais
trocas de experiências. Idealizava-se ainda, que a estratégia de terem recém                              do campo e os órgãos públicos que prestam Assistência Técnica, seleciona-
saído de graduações, e participarem de uma Especialização, funcionasse                                    rão as áreas de atuação, devendo concentrar seus alunos numa mesma
como via de mão dupla: não só complementaria sua formação, como                                           região do estado, cuja distância não deverá exceder a quilometragem
também enriqueceria o próprio trabalho destas equipes de ATES ou                                          orientada pela Comissão Executiva, respeitando as especificidades de cada
ATER, onde iriam inserir-se.                                                                              região para garantir um acompanhamento mais intenso e permanente dos
           Por isso, o parágrafo único do artigo 11º, da Instrução Norma-                                 docentes nas ações do conjunto da Instituição no Programa.
tiva que criou o Programa dispunha:
                                                                                                      Na seqüência dos trabalhos produzidos no Estágio de Vivência,
            Só poderão ser escolhidas áreas que já tenham trabalhos de Assistência          os estudantes ingressariam em um Curso de Especialização construído no
            Técnica, sendo que desta equipe será escolhido um técnico que atuará em         âmbito do Residência Agrária, em parceria com as Universidades executoras
            parceira com o professor da instituição de ensino responsável por este aluno,   do Programa, denominado “Especialização em Agricultura Familiar e
            e que se denominará Orientador de Campo, para melhor acompanhar os              Camponesa e Educação do Campo”7.
            estudantes e os recém-formados, em vista de uma melhor integração nas                     Esse Curso seria ofertado em regime de alternância, contendo
            comunidades e melhor aproveitamento destes estagiários em campo.                períodos de formação que ocorreriam nas próprias Universidades, e pe-
                                                                                            ríodos que ocorreriam no campo, para que estes jovens profissionais
          Aliada a esta diretriz, propôs-se também como estratégia do                       pudessem continuar desenvolvendo as atividades planejadas com a comu-
Programa, que após o Estágio de Vivência, parte dos orientadores de                         nidade rural na qual haviam se inserido, buscando estratégias para enca-
campo, membros das equipes de ATES ou ATER, participariam dos                               minhar as demandas diagnosticadas coletivamente, a partir do suporte do
Cursos de Especialização, com o objetivo de criar oportunidades de qua-                     conhecimento científico construído durante o Curso.
lificação para profissionais que já atuavam nos assentamentos e áreas de                                Definiram-se como requisitos para o convite das universidades
Agricultura Familiar.                                                                       participantes do Programa o acúmulo de experiências de trabalhos de
          Ainda na fase de Vivência, os estudantes conheceriam as comu-
nidades, estabelecendo vínculos e buscando compreender o modo de vida                        7. A denominação do Curso de Especialização foi objeto de intenso debate durante a construção do Programa, tanto
                                                                                             entre as instâncias do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, quanto entre este e as várias instituições
das populações rurais. A proposta do Residência Agrária era que, no período                  universitárias e movimentos sociais e sindicais parceiros. A opção coletiva da utilização das duas categorias:
                                                                                             Agricultura Familiar e Camponesa baseou-se no reconhecimento da presença destas duas formas de produção na
de seis meses, a partir de diferentes metodologias os estudantes pudessem                    agricultura brasileira, não polarizadas, mas em um gradiente de situações.




                                           20                                                                                                     21
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                                                           Capítulo 1
                                                                                                                                                                     Gênese do Programa Residência Agrária


extensão universitária e pesquisas nas áreas de assentamentos e de Agri-                                            zir nova concepção de formação para os trabalhos de apoio à produção
cultura Familiar e Camponesa, práticas recorrentes de parceria com os                                               agropecuária, na perspectiva de efetivar ações propostas pelos educadores
movimentos sociais e sindicais do campo e o desenvolvimento anterior                                                do campo que vinham se formando nos cursos do PRONERA.
de Estágios de Vivência.                                                                                                      De acordo com os princípios da Educação do Campo, por sua
            Esperava-se que, partir dessas experiências, o Residência Agrária                                       compreensão de educação como processo de formação humana, que
se implantaria em instituições nas quais houvesse grupos de professores                                             ocorre em diferentes esferas e não apenas na dimensão escolar, fazia-se
e alunos com compreensão do rural identificada com os pressupostos do                                                necessária a construção de trabalhos articulados entre os processos de
Programa. A intenção era que, com o apoio do Governo, via execução                                                  formação com os processos de apoio à organização da produção nas áreas
desta política pública, com aporte de recursos financeiros e infra-estrutu-                                          de acampamentos, assentamentos e Agricultura Familiar. Ora, se a Edu-
ra física à materialização destes Projetos8, estes grupos de docentes pudes-                                        cação do Campo afirma que só há sentido em seus postulados, como
sem se fortalecer e ampliar as ações de ensino, pesquisa e extensão produ-                                          constituintes de um projeto mais amplo de transformação do conjunto de
zidas nas universidades públicas, no âmbito das Ciências Agrárias, a partir                                         valores da sociedade, a perspectiva da garantia da real humanização e
de ações direcionadas à promoção do desenvolvimento rural, nas áreas de                                             emancipação de todos, a primeira e mais forte condição da exeqüibilidade
Reforma Agrária e Agricultura Familiar.                                                                             de seus fundamentos deve se dar a partir das próprias transformações das
            Idealizou-se que o desenrolar desta dinâmica proporcionaria as                                          condições de trabalho no campo.
Universidades espaços relevantes de confrontação entre teoria e prática                                                       A riqueza da compreensão do próprio conceito de Educação,
que fizessem emergir os diferentes paradigmas para o desenvolvimento                                                 contido na expressão Educação do Campo relaciona-se à necessária vin-
do campo brasileiro. Cinco eixos temáticos foram eleitos como prioritá-                                             culação com o mundo da vida dos educandos que protagonizam estas
rios para os cursos de Especialização: Campo e Desenvolvimento; Edu-                                                práticas educativas. O processo de reprodução social destes sujeitos e de
cação do Campo; Agroecologia; Socioeconomia Solidária; Metodologias                                                 suas famílias, ou seja, suas condições de vida, trabalho e cultura não po-
Participativas e de Pesquisa, para possibilitar aos estudantes a compreen-                                          dem ser subsumidos numa visão de educação que se reduz à escolariza-
são critica desses paradigmas em confronto.                                                                         ção. O que a faz surgir; o que lhe garante materialidade é exatamente a
                                                                                                                    concretude dos processos vividos por estes sujeitos na luta cotidiana da
              AS CONCEPÇÕES DO RESIDÊNCIA AGRÁRIA                                                                   busca de sua humanização e de seus direitos. Na compreensão da Educa-
                                                                                                                    ção do Campo, o debate do campo precede a Educação e este é
          No processo de construção desta política, para as Universidades
que fariam parte da primeira experiência do Residência Agrária, explicitava-se                                                fundamentalmente o debate sobre o trabalho no campo, que traz colada a
a intencionalidade do Programa de ampliar e fortalecer a rede de instituições                                                 dimensão da cultura, vinculada às relações sociais e aos processos produ-
universitárias já envolvidas com a produção de conhecimento na ótica da                                                       tivos da existência social no campo. Isto demarca uma concepção de
Educação do Campo. Rede esta cuja tessitura vinha se fazendo a partir da                                                      educação. Integra-nos a uma tradição teórica que pensa a natureza da
inserção das instituições de ensino superior nos cursos do PRONERA9,                                                          educação vinculada ao destino do trabalho.
especialmente aqueles direcionados à formação de educadores do campo.                                                         Esta concepção nos aproxima e nos faz herdeiros de uma tradição pedagó-
          É, aliás, este processo que em muito contribui para a percepção                                                     gica de perspectiva emancipatória e socialista: é desta tradição o acúmulo de
da necessidade de intensificar, e até mesmo, em muitas áreas, de introdu-                                                      pensar a dimensão formativa do trabalho, do vínculo da educação com os
                                                                                                                              processos produtivos, de como não é possível pensar-fazer a educação sem
                                                                                                                              considerar os sujeitos concretos e os processos formadores que os constituem
 8. Para fortalecer estes grupos articulou-se, na fase de implementação do Programa, uma parceria com a Fundação
 Banco do Brasil, que através de seu Programa de Apoio à Formação de Agentes de Desenvolvimento Rural garantiu                como seres humanos desde a práxis social (CALDART, 2008, p 77).
 a instalação de computadores, impressoras, e materiais para registro destas experiências nas universidades.
 9. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA tem como objetivo garantir o acesso à
 escolarização formal para jovens e adultos assentados, incluindo nível médio, técnico profissionalizante e ensino           Para se manter íntegra esta compreensão de educação, não re-
 superior, em diferentes áreas do conhecimento. O PRONERA é executado através de parceria com mais de 55
 universidades públicas federais e estaduais, com os movimentos sociais e sindicais rurais.                         duzindo-a às práticas inovadoras sobre as necessárias, mas insuficientes,



                                                      22                                                                                                     23
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                                                          Capítulo 1
                                                                                                                                                                    Gênese do Programa Residência Agrária


dimensões dos processos pedagógicos escolares vividos pelos sujeitos do                                              camponesa, todas as suas estratégias metodológicas propunham-se ao cul-
campo, é necessário construir políticas públicas de Educação do Campo                                                tivo de práticas dialógicas, a partir das quais, as idéias, saberes e valores
capazes de contribuir para a verdadeira transformação: produzir práticas                                             destes sujeitos deveriam ter a mesma legitimidade das idéias, saberes e va-
pedagógicas que sejam capazes de alavancar o processo de desalienação do                                             lores das equipes do Residência Agrária, fossem elas docentes ou discentes.
próprio trabalho. Conforme ressalta Sá, se compreendermos o                                                                     Nesta direção Tardin afirma que:

              o trabalho como a atividade criadora humana e a educação como o pro-                                             a relação de fundo está em camponeses, camponesas e técnicos vincula-
              cesso de desenvolvimento permanente dessa capacidade, é preciso que a                                            rem-se em estado de convivência (‘viver com’) no diálogo entre sujeitos
              educação esteja a serviço da auto-realização dos indivíduos e não da ordem                                       educandos-educadores; neste encontro que entrelaça compromisso social,
              alienante do capital. Mészáros repõe em sua reflexão sobre a educação                                             cultural, político, ideológico e de classe. É um estado de viver que em
              para além do capital, a proposição marxista de que a auto-alienação do                                           nada se assemelha e em tudo supera aquela relação vertical e domina-
              trabalho está na raiz de todas as formas de alienação (2006, p 225).                                             dora de Assistência Técnica (insistência técnica), onde alguém, o técni-
                                                                                                                               co, sendo um estranho, assiste, como um ato que apenas olha e nada vê
            No caso dos assentados e agricultores familiares, a auto-aliena-                                                   do mundo camponês, e prescreve sobre o objeto específico um receituário
ção reproduz-se nos processos que induzem os trabalhadores a adotarem                                                          comercial determinado pelos agentes do capital, alimentando um círcu-
práticas e estratégias de produção que paulatina ou aceleradamente rouba-                                                      lo vinculante subordinador que ora coopta, ora exclui o camponês,
lhes a autonomia e o controle do processo de trabalho, instaurando situ-                                                       tanto quanto em nada leva em conta a natureza e seus processos ecoló-
ações que os subordinam aos interesses maiores da acumulação de capital,                                                       gicos (2006, p.3).
ao invés de preocuparem-se com a construção e viabilização de estratégias
produtivas que lhes garantam independência e permanência das condi-                                                            As Diretrizes Básicas do Programa traduziam esta compreensão
ções de reprodução familiar. Durante as últimas décadas da história bra-                                             no seu inciso nono, que estabelecia que o Residência Agrária deveria:
sileira, parte relevante da Assistência Técnica e da Extensão Rural prestou-
se a este papel10.                                                                                                             IX – desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a par-
            Há vasta bibliografia que discute a relação entre profissionais                                                      tir de princípios dialógicos e da práxis que permitam o movimento de
externos e as comunidades de agricultores familiares e camponesas. Esta                                                        ação-reflexão-ação e, a perspectiva de transformação da realidade. Uma
relação tem sido historicamente pautada como relação de poder e subor-                                                         dinâmica de aprendizagem-ensino que valorize e provoque o envolvi-
dinação, onde prevalece a palavra do técnico.                                                                                  mento de técnicos e agricultores familiares em ações sociais concretas, e
            Aliado a um amplo conjunto de práticas produtivas desenvolvi-                                                      ajude na interpretação crítica e no aprofundamento teórico necessário a
das por agricultores familiares e camponeses e apoiados por diferentes                                                         uma atuação transformadora.
organizações, o Programa Residência Agrária ambicionava tornar-se uma
ação de governo capaz de: acumular forças na perspectiva da contra hege-                                                        A materialização desta Diretriz dever-se-ia traduzir durante
monia; contribuir com a garantia da autonomia da produção familiar e                                                 toda a execução da política: tanto na fase do Estágio de Vivência quanto
camponesa; colaborar com o fortalecimento da produção agroecológica e                                                durante a realização do Curso de Especialização. Mas para tal ambição, o
da promoção da segurança alimentar.                                                                                  Residência Agrária deveria ser capaz de estimular, de desencadear processos
            Tendo como escola de pensamento os valores defendidos pelos                                              que induzissem esta transformação no âmbito das Ciências Agrárias, a
princípios da Educação do Campo, o Residência Agrária foi inspirado no le-                                           princípio para dentro das próprias instituições universitárias responsáveis
gado de Paulo Freire. Para contribuir com a construção da autonomia                                                  pela formação dos profissionais que atuam no campo.
                                                                                                                                O Programa construiu estratégias que intencionavam induzir a
 10. É necessário ressalvar que sempre houve espaços de resistência. Embora tenha sido hegemônico aquele tipo
 de prática, houve, durante todo este período, grupos e organizações de diferentes matizes, tanto públicas, quanto
                                                                                                                     criação de espaços institucionais para a germinação de mudanças nas prá-
 privadas, que mantiveram a criticidade de sua atuação.                                                              ticas dos docentes das Ciências Agrárias. Definiu-se que, desde o período



                                                      24                                                                                                    25
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                           Capítulo 1
                                                                                                                                     Gênese do Programa Residência Agrária


do Estágio de Vivência, os alunos que participassem do Residência Agrária,                         Universidade, em especial a das Ciências Agrárias (MICHELOTTI
seriam acompanhados por docentes que deveriam ir a campo, com fre-                                 e GUERRA, 2006, p.15).
qüência e regularidade. A intenção era que, deste convívio, nasceriam não
apenas novas compreensões na academia sobre os problemas concretos                                  Este o desafio posto às práticas formativas idealizadas pelo Resi-
dos camponeses, mas também novos projetos de pesquisa e extensão                         dência Agrária: simultaneamente disponibilizar os conhecimentos científi-
nestas localidades, comprometendo o processo de produção de conheci-                     cos existentes, capazes de subsidiar a busca de soluções para os problemas
mento das universidades públicas com a promoção do desenvolvimento                       encontrados a partir das práticas participativas desenvolvidas pelos alunos
rural em suas regiões.                                                                   à época do Estágio de Vivência e durante a Especialização, sem, contudo
           A presença da universidade nos assentamentos, acampamentos                    fazer deste processo o silenciamento e a exclusão dos saberes e práticas dos
e áreas de Agricultura Familiar refletia a essência da política do Residência             agricultores em relação aos mesmos problemas. Desta interação, da arti-
Agrária. A possibilidade de desencadear movimentos de transformação no                   culação entre os diferentes modos de conhecer poderiam brotar novas
próprio processo de produção do conhecimento no âmbito Ciências                          estratégias de atuação com a perspectiva de reforçar a autonomia da pro-
Agrárias era uma das principais ambições do Programa.                                    dução familiar e camponesa.
           A construção de novos processos de produção de conhecimen-                               Com o objetivo de analisar em que medida estas concepções e
to se daria à medida que os estudantes universitários integrados ao Resi-                estratégias se materializaram, serão apresentados na seqüência as reflexões
dência e os docentes que dele participassem, assumissem a dimensão                       sobre as experiências dos cinco Cursos de Especialização desenvolvidos
metodológica proposta, cujo fundamento seria a compreensão de que a                      pelo Residência Agrária, com o intuito de socializar os erros e acertos desta
ação cotidiana dos camponeses é portadora de saberes e conhecimentos e                   experiência piloto, na perspectiva da acumulação de subsídios teóricos
que também deveriam orientar a prática da Assistência Técnica.                           para a consolidação das políticas públicas de Educação do Campo.
           Este reconhecimento tem sido um dos pontos de tensão do
avanço da agenda da Educação do Campo. Ao mesmo tempo em que os                                    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sujeitos do campo lutam para ter acesso ao conhecimento científico his-
toricamente construído, exigindo o aumento de seus níveis de acesso à                    CALDART, Roseli. S. Sobre Educação do Campo. In: Campo, Política
escolarização formal, têm simultaneamente o desafio de recuperar suas                     Pública e Educação. Coleção Por uma Educação do Campo v. 7. Brasília,
práticas, seus saberes, não permitindo que eles sejam desqualificados e                   DF: NEAD, 2008.
subsumidos pela visão científica tradicional.
           Uma das principais características da produção familiar e cam-                MDA. INCRA. Programa Nacional de Educação do Campo: Formação
ponesa é exatamente a diversidade, pois ela é detentora de uma racionali-                de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica: Dire-
dade específica, já que nas unidades familiares                                           trizes Básicas do Programa. Brasília, 2004.
                                                                                         MDA. INCRA. Programa Nacional de Educação do Campo: Formação
            a força de trabalho não é apenas um fator de produção, mas a própria         de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica: Nor-
            razão de sua existência. A indissociabilidade entre a unidade de produção    ma de Execução. Brasília, 2004.
            e a unidade de consumo no modo de vida camponês, imprime-lhe uma
                                                                                         MDA. INCRA. Programa Nacional de Educação do Campo: Formação
            outra racionalidade, no sentido de otimizar o uso da força de trabalho e
                                                                                         de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica: Ins-
            não de reduzi-lo. (...) Saber lidar com essa outra racionalidade, contri-
                                                                                         trução Normativa. Brasília, 2004.
            buindo para a geração de um conhecimento agronômico capaz de atender
            as verdadeiras necessidades da produção familiar, permitindo a construção    MICHELOTTI, Fernando e GUERRA, Gutemberg Armando Diniz.
            de um diálogo entre formas diferentes de saber que potencializem um novo     Agronomia e Desenvolvimento Sustentável: reflexões e princípios
            padrão tecnológico na agropecuária, com vistas à sua maior sustentabili-     da experiência da Universidade Federal do Pará. Mimeo, Marabá, Pará,
            dade, requer repensar a própria concepção de ciência predominante na         2006.



                                           26                                                                                 27
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária



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Tedesco, João Carlos (org.). Agricultura Familiar Realidades e Pers-                                                                        em escola de assentamento no município de Jóia/RS.

pectivas. 2. Ed. Passo Fundo: EDIUPF, 1999, Cap. 1, p. 21-25.

                                                                                         Uma residência para as ciências
                                                                                         agrárias: saberes coletivos para um
                                                                                         projeto camponês e universitário

                                                                                                                                              Maria Inês Escobar Costa Casimiro11




                                                                                                       INTRODUÇÃO

                                                                                                   O Programa Nacional de Educação do Campo: Formação de
                                                                                         Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica – Resi-
                                                                                         dência Agrária se constituiu em um espaço formativo de grande impor-
                                                                                         tância para estudantes e profissionais oriundos dos Cursos de Ciências
                                                                                         Agrárias. Embora tenha pouco tempo de existência já apresenta aspectos
                                                                                         que indicam sua originalidade no educar, sua coragem ao propor novas
                                                                                         fórmulas e resgatar antigas, que foram esquecidas porque não faziam
                                                                                         parte dos interesses dominantes. A centralidade desta proposta pedagó-
                                                                                          11. Mestre em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Participou da equipe que elaborou e implementou o Programa
                                                                                          Nacional de Educação do Campo: Formação de Estudantes e Qualificação de Profissionais para Assistência Técnica
                                                                                          – Residência Agrária.




                                           28                                                                                                29
Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                            Capítulo 1
                                                                                                                                      Gênese do Programa Residência Agrária


gica está em reconhecer o papel e a importância do homem e da mulher                               A primeira turma deste Programa teve o Estágio de Vivência
do campo. Assim, os movimentos sociais e sindicais rurais compõem,                       prolongado na maioria dos estados, acompanhado pela figura do orienta-
junto com as Universidades, os projetos político-pedagógicos que se                      dor acadêmico (professor da Universidade) e de um orientador de campo
inserem no Programa.                                                                     (técnico que atuava no local). Constatou-se que muitos dos professores
           A proposta tem ainda muitos desafios para sua consolidação: os                 das Universidades que integraram o Programa nunca haviam ido a um
percalços da implantação de uma nova política; o descompasso entre os                    assentamento ou os conheciam superficialmente.
calendários das Universidades e a liberação de recursos pelo Programa; a
dificuldade das Universidades em realizarem trabalhos coletivos e inter e                          Nós já fazíamos extensão, um Curso aqui, outro lá, um dia de campo,
transdisciplinares; as dificuldades de comunicação e as difíceis condições                         mas dessa forma é a primeira vez e dificilmente nós professores que pas-
de acesso aos assentamentos; realidade enfrentada todos os dias pelas fa-                         samos por esta experiência voltaremos a fazer da forma que fazíamos.
mílias assentadas.                                                                                (Depoimento de uma professora no Seminário de Encerramen-
           O “desenho” do Programa se inspirou em experiências de algu-                           to do Estágio de Vivência).
mas Universidades, de movimentos estudantis e sociais e a partir delas
construiu um modelo de Residência. Sua primeira edição foi uma modali-                            Vocês estavam com medo de ir para os assentamentos, serem rejeitados ou
dade de ensino de pós-graduação sob a forma de Curso de Especialização,                           perguntados, mas devo confessar que quem estava com medo éramos nós,
caracterizada pela capacitação no trabalho em Assentamentos de Reforma                            só que não deixávamos transparecer, pois, como orientar os estudantes
Agrária e áreas de Agricultura Familiar, funcionando sob a responsabili-                          num estágio em uma realidade que desconhecíamos totalmente? (Depoi-
dade de instituições públicas de ensino universitário e por colegiados lo-                        mento de um professor, no Seminário de Encerramento do
cais constituídos por representantes dos movimentos sociais, das Univer-                          Estágio de Vivência).
sidades e instituições prestadoras de Assistência Técnica.
                                                                                                    Neste aspecto, o Programa Residência Agrária tem um papel
            O ESTÁGIO DE VIVÊNCIA                                                        fundamental, o de aproximar a Universidade e os pesquisadores das ques-
                                                                                         tões reais das famílias camponesas. Envolvê-los neste universo, compro-
          Durante a primeira turma, a Universidade que se inseria no                     metê-los com a melhoria da qualidade de vida destas pessoas é um dos
Programa promovia inicialmente um Estágio de Vivência (esta é a pri-                     objetivos do Programa.
meira fase do Residência). Neste estágio, os estudantes foram para o                                Constatou-se em uma das Universidades, cujo professor orien-
campo vivenciar o dia-a-dia das famílias que aí vivem e trabalham. A                     tador também era coordenador de estágios curriculares no Curso de
idéia era promover um compartilhar de olhares, de saberes, quebrar a                     Graduação, que após seu envolvimento com o Programa, aumentou o
distância muitas vezes evidenciada na postura dos técnicos e reforçada                   leque de estágios oferecidos pela escola para os alunos e tornou-se mais
pela Universidade através da hierarquização do conhecimento. Neste                       representativo da realidade. O estágio que era oferecido somente em
momento, exercitam-se novas relações entre estudantes e comunida-                        empresas e fazendas passou a ser realizado também em áreas de Agricul-
des: um pedido de entrada, um reconhecimento das limitações e um se                      tura Familiar e Reforma Agrária. No seminário de encerramento da vi-
dispor a contribuir a partir da troca de aprendizagens. Não é um mo-                     vência foi firmado um termo de cooperação entre INCRA e a Universi-
mento fácil, pois, os estudantes estão vivenciando: as questões da ju-                   dade daquele estado. Casos como este mostram a importância desta pri-
ventude, o peso da formatura, de um diploma e o desafio de uma rea-                       meira fase, que na verdade não é um estágio de vivência, é estágio de Vi-
lidade diferente quando vão se deparar com sintaxes diferentes, lógicas                  vências, onde professores, agricultores, estudantes, técnicos mergulham
produtivas diversas e outras visões de mundo. É também na vivência                       em uma realidade de forma intensiva para aprender e ensinar. E apren-
que vêem na prática o que só viram nos livros, e que vão confrontar “o                   dendo ensinam e ensinando aprendem.
aprendido”, e ter a possibilidade de contribuir criticamente a partir de                            É claro que nem todas as escolas deram este caráter ao Estágio
sua formação e de sua vida.                                                              de Vivência. Algumas Universidades enfrentaram resistências em aban-



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Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                            Capítulo 1
                                                                                                                                      Gênese do Programa Residência Agrária


donar práticas tecnicistas de oferecer respostas prontas, postura de quem                Uma ferramenta importante para este produto foi o diário de campo, sob
veio com um conhecimento técnico e superior para auxiliar a vida dos                     a orientação pedagógica, que tinha a função de registrar as percepções, as
agricultores familiares camponeses. Algumas destas situações ocorreram                   angústias, inseguranças, aspectos sociais, políticos, físicos, antropológicos,
principalmente onde os colegiados locais não funcionaram, e também,                      agronômicos do local da vivência.
quando não havia a participação dos movimentos sociais e de represen-
tantes dos movimentos estudantis durante o planejamento das ativida-                               A PESQUISA NO RESIDÊNCIA AGRÁRIA
des. Em outros casos, os técnicos orientadores de campo que deveriam
fazer “a entrada” dos estudantes e professores nas áreas, por já conhece-                           Na segunda etapa, o estudante já está articulado com o técnico
rem a realidade e os agricultores, não atuaram adequadamente já que                      que atua no local, com o professor orientador e com representantes da
estavam chegando nestas áreas como técnicos recém contratados pelo                       comunidade, podendo assim, neste coletivo, formular um esboço de
serviço de ATES12 ou ainda por não compreenderem os princípios do                        plano de trabalho. Esse plano consolidaria sua pesquisa, na área escolhi-
Programa, trataram os estudantes como seus estagiários, suprindo pre-                    da, com duração de dois anos. Esta se constituiu em mais um desafio do
cariedades dessas equipes. Estes estudantes não foram bem compreen-                      Programa, pois a concepção de pesquisa, essencialmente para os profes-
didos pelos agricultores, pois, aos seus olhos, eram simplesmente repre-                 sores das Ciências Agrárias envolvidos no Programa, se reportava às
sentantes das entidades de ATER/ATES, tendo que responder por                            pesquisas experimentais, ou sob ambientes controlados, ou apenas tec-
questões de crédito, atraso do banco, etc. Por sua vez, os estudantes,                   nológicas, focadas nos aspectos produtivistas e unidimensionais. A pro-
encantados pelo status de técnico perante a comunidade assumiram este                    posta da pesquisa no Residência Agrária deveria ser multidimensional,
papel construído equivocadamente, não tendo assim a oportunidade de                      transdisciplinar, complexa como a realidade familiar e camponesa. Era
“banhar”-se na lógica e na simbólica da vida camponesa nem de viven-                     necessária a avaliação permanente, considerando as limitações de todos
ciar com os trabalhadores.                                                               no processo.
           Estas vivências diferenciadas eram confrontadas quando os es-                            Na região Nordeste, houve a possibilidade de reunião dos pro-
tudantes se reuniam para avaliar e trocar experiências e os níveis de troca              fessores orientadores no I Encontro de Formação dos Formadores do
cresciam quando as escolas, as regionais e os estados se reuniam. Assim,                 Residência Agrária do Nordeste, que se realizou em Aracajú, em junho de
o papel de cada sujeito, os erros e acertos, as aprendizagens, as superações             2005. A reunião de 60 profissionais de ensino superior de Universidades
e as limitações iam sendo explicitadas, registradas e refletidas agregando                federais do Nordeste foi um marco de grande importância. Nesta reu-
avanços formativos nos grupos.                                                           nião, doutores e mestres das Ciências Agrárias e sociais discutiram sobre:
           Outro aspecto importante desta etapa é a preparação anterior à                Questão Agrária, Paradigmas do Desenvolvimento, Educação do Campo
vivência. Neste momento, acontece a sensibilização das famílias que re-                  e participaram de uma oficina pedagógica discutindo Formação Profissio-
ceberão os estudantes. Os técnicos, professores e estudantes consolidam                  nal e Transdiciplinariedade. A partir daí e da vivência nos assentamentos
e validam a coordenação colegiada. Os princípios do Programa são discu-                  passou-se a discutir sobre os dois cursos de especialização que acontece-
tidos e fortalecidos no sentido de se entender essa vivência com os agri-                riam naquela região (situados na UFC e UFPB), compondo assim o
cultores e agricultoras. Pode-se constatar que as Universidades que fize-                 Programa Residência Agrária.
ram uma boa preparação tiveram mais êxito na vivência. Questões discu-                              A experiência de construção dos currículos foi significativa, pois
tidas na preparação puderam ser confrontadas em campo e rediscutidas                     trouxe grandes perspectivas de transformação e reafirmou os desafios de
no retorno, algumas delas viraram trabalho de conclusão de curso. O                      superação na formação dos novos técnicos educadores e formadores.
Estudo Participativo da Realidade, exigido ao final do período de vivência
pela coordenação do Programa, poderia se converter em monografia e                                  Pensando os Currículos Através das Vivências
trabalho de final de curso, como aconteceu em algumas Universidades.
                                                                                                   Enquanto aconteciam os Estágios de Vivência em quinze esta-
 12. Assessoria Técnica Social e Ambiental – ATES.                                       dos diferentes, a Coordenação Nacional promovia as reuniões regionais



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Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária                                                                                                 Capítulo 1
                                                                                                                                                           Gênese do Programa Residência Agrária


para construção dos cursos de Especialização em Agricultura Familiar e                   mente na vida dos povos do campo13? O segundo impulso foi de adicionar
Camponesa e Educação do Campo. A tentativa era reunir os sujeitos                        os diversos conhecimentos necessários para estes profissionais: históricos,
envolvidos no Programa para, a partir da realidade, pensar sobre as carên-               sociológicos, antropológicos para que se fizesse uma leitura mais crítica
cias na formação dos profissionais, e quais habilidades, conhecimentos                    da realidade. Constatou-se também a necessidade de um conhecimento
seriam necessários para a especificidade da Agricultura Familiar e Cam-                   técnico agroecológico, para contribuir com alternativas sustentáveis e,
ponesa. A composição do grupo que se reunia era sempre variada, regra                    uma prática pedagógica consistente, com conhecimentos metodológicos,
geral a maioria era de professores das Ciências Agrárias, representantes                 de comunicação, culturais que favorecessem a organização social, resul-
dos movimentos sociais, técnicos do INCRA, às vezes representantes dos                   tando numa matriz curricular muito extensa.
estudantes e Coordenação Nacional. Uma participação fundamental                                     Para contornar esse problema contou-se com a contribuição
neste processo foi dos estudantes da Especialização em Educação do                       dos técnicos, que já estavam em campo, e dos militantes do setor de pro-
Campo e Desenvolvimento, do PRONERA, pois traziam a experiência                          dução dos movimentos sociais que trouxeram os principais “gargalos” da
acumulada da Articulação Nacional por uma Educação do Campo e dos                        prática do técnico. Agregou-se a essa contribuição a ousadia de professores
cursos formais do PRONERA. Em função dessa prática foram incorpo-                        que propuseram metodologias diferentes para a realização das Especiali-
rados no Programa como monitores.                                                        zações. A partir daí, surgiram formatos interessantes, como o Curso da
           Questões pouco presentes nos cursos de Ciências Agrárias, que,                região Norte, que realizou uma etapa em cada região (Altamira, Marabá
de maneira geral, são práticas constantes nos cursos de Educação do Cam-                 e Rio Branco) escolhendo uma temática regional, e a partir dela os eixos
po, tais como: o compromisso com o estudo, a responsabilidade coletiva,                  temáticos foram sendo desenvolvidos.
arte e cultura, o trabalho solidário, cooperativo, a avaliação permanente,                          A maior parte dos cursos trabalhou com a idéia de módulos ou
deveriam constar nos cursos do Residência Agrária.                                       eixos temáticos. Assim as diversas áreas do conhecimento foram chama-
           Os Cursos de Especialização deveriam se realizar na perspec-                  das a contribuir com determinada temática sem cair nas limitações disci-
tiva da Pedagogia da Alternância. Desta forma, os monitores teriam                       plinares. Tarefa difícil esta, pois, regra geral toda lógica na construção de
muito a contribuir a partir de sua avaliação e crítica quanto aos possíveis              currículos dá-se em torno das disciplinas. Um exemplo dessa dificuldade
êxitos e dificuldades dentro dos cursos do PRONERA. Apesar de alguns                      pôde ser constatado após uma exaustiva reunião, com discussão acalorada
dos professores envolvidos nos cursos de Especialização do Residência                    e profunda sobre o que move as pessoas no processo de aprendizagem.
Agrária estarem também coordenando e ou acompanhando outros cur-                         Nesse debate uma professora exclamou: “Gente, tudo bem! Mas não vejo
sos do PRONERA, foi freqüente a percepção do entendimento do                             como começarmos a montar este Curso se não for a partir das disciplinas...” Nessa
Tempo Comunidade (referente ao período de tempo em que os estu-                          situação começou-se pelas disciplinas, mas a experiência de outros cursos
dantes estão em campo) como o tempo da prática e o Tempo Univer-                         contribuiu para o avanço da proposta.
sidade ou Tempo-Escola, como o tempo da teoria. Em geral, esta sepa-                                Os eixos temáticos nos cinco Cursos de Especialização em Agri-
ração é equivocada na construção do conhecimento que se deseja, e                        cultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo foram os seguintes:
reflete vícios antigos, cujas raízes encontram-se no pensamento carte-                                 Campo e Desenvolvimento
siano de construção do saber. A prática do técnico educador deve estar                                Economia Familiar e Camponesa e Socioeconomia Solidária
repleta de teoria, de reflexão e suas teorias devem estar alicerçadas na                               Agroecologia, Produção e Sustentabilidade
realidade. Mas, como a reflexão epistemológica avança mais rápido que                                  Educação do Campo e Desenvolvimento
a prática, sentiu-se que na hora de concretizar os princípios definidos                                Metodologias Participativas e Pesquisa como princípio
para o curso, as formas tradicionais se revelavam.                                       Educativo.
           O primeiro impulso foi preencher o currículo com as discipli-
nas que os professores já ministravam em seus cursos regulares ou em                      13. Aqui são chamados povos do campo de maneira genérica todos aqueles que vivem e produzem sua existência
                                                                                          nos campos, florestas, cerrados, no mar, nos rios, em ambientes opostos à organização urbana, e segundo
outras especializações. Para evitar essa repetição, retornava-se sempre à                 Wanderley (1999) numa lógica de construção de territórios familiares, de lugares de vida e de trabalho, capazes de
                                                                                          guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações posteriores. Estes são agricultores, extrativistas,
pergunta: o que é necessário para que esse profissional contribua efetiva-                 pescadores, quilombolas e tantos outros.




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  • 1. Educação do campo EDUCAÇÃO DO CAMPO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL e formação A experiência do Programa Residência Agrária profissional A experiência do Programa Residência Agrária Ministério do Desenvolvimento Agrário Mônica Castagna Molina Gema Galgani S. L. Esmeraldo Pedro Selvino Neumann Sonia Maria P. P. Bergamasco (Organizadores) Capa final res.indd 1 13.05.09 15:27:30
  • 2. Mônica Castagna Molina Gema Galgani S. L. Esmeraldo Pedro Selvino Neumann Sonia Maria P. P. Bergamasco (Organizadores) Educação do campo e formação profissional A experiência do Programa Residência Agrária MDA Brasília, 2009
  • 3. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Presidente da República NEAD EXPERIÊNCIAS 2 SUMÁRIO Copyright 2009 MDA GUILHERME CASSEL ISBN 978-85-60548-46-0 Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário Projeto Gráfico, Capa e Diagramação DANIEL MAIA Caco Bisol Produção Gráfica Ltda Secretário-Executivo do Ministério do (Márcia Helena Ramos) Desenvolvimento Agrário Revisão e Preparação de Originais ROLF HACKBART Mônica Castagna Molina, Gema Galgani S. Presidente do Instituto Nacional de L. Esmeraldo, Pedro Selvino Neumann, Colonização e Reforma Agrária Sonia Maria P. P. Bergamasco (Org.). Iara Maurente. ADONIRAM SANCHES PERACI Secretário de Agricultura Familiar Fotografias Acervo do Programa Residência Agrária ADHEMAR LOPES DE ALMEIDA INCRA/ MDA APRESENTAÇÃO Secretário de Reordenamento Agrário DEZ ANOS DE PRONERA E O PROGRAMA RESIDÊNCIA AGRÁRIA 07 MINISTÉRIO DO JOSÉ HUMBERTO OLIVEIRA DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO Secretário de Desenvolvimento Territorial (MDA) INTRODUÇÃO 11 www.mda.gov.br CARLOS MÁRIO GUEDES DE GUEDES Coordenador-Geral do Núcleo de Estudos INSTITUTO NACIONAL DE CAPÍTULO 1 Agrários e Desenvolvimento Rural COLONIZAÇÃO E REFORMA GÊNESE DO PROGRAMA RESIDÊNCIA AGRÁRIA 15 AGRÁRIA (INCRA) CÉSAR JOSÉ DE OLIVEIRA www.incra.gov.br Diretor de Desenvolvimento de Projetos 1.1. Residência Agrária: concepções e estratégias 17 de Assentamentos NÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS Mônica Castagna Molina E DESENVOLVIMENTO RURAL CLARICE APARECIDA DOS SANTOS (NEAD) Coordenadora-Geral de Educação do Campo SBN, Quadra 2, Edifício Sarkis 1.2. Uma Residência para as ciências agrárias: saberes coletivos e Cidadania Bloco D - loja 10 - sala S2 Brasília/DF - CEP: 70.040-910 para um projeto camponês e universitário 29 NELSON MARQUES DE FELIX Telefone: (61) 3961-6420 Maria Inês Escobar Costa Casimiro Chefe da Divisão de Educação do Campo www.nead.org.br CAPÍTULO 2 MATRIZ REGIONAL 39 PCT MDA/IICA – Apoio às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável 2.1. Os desafios de uma formação voltada para o contexto regional: M722e Educação do Campo e formação profissional: a experiência a experiência do “Curso de Especialização em Agricultura do Programa Residência Agrária / organização de Familiar e Camponesa e Educação do Campo da Região Norte” 41 Mônica Castagna Molina ... [et al.] – Brasília : MDA, Laura Angélica Ferreira, Luiza de Nazaré Mastop-Lima, 2009. 424p. ; 23cm. – (NEAD Experiências 2). Maria Suely Ferreira Gomes, Marlene Naoyo Abe e Carla Rocha ISBN: 978-85-60548-46-0 2.2. Programa Residência Agrária Nordeste I: I. Título. II. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. a força de uma experiência 63 III. Educação do Campo. IV. Programa Residência Agrária. Gema Galgani S. L. Esmeraldo, Helena Selma Azevedo, Francisco Casimiro Filho e Maria Lúcia de Sousa Moreira CDD 379.2
  • 4. 2.3. Afinação e desafinação da travessia vivida no S u m á r i o CAPÍTULO 4 Programa Residência Agrária Nordeste II 85 RELATO DE EXPERIÊNCIAS 243 Geralda Macedo 4.1. Lembranças do Residência Agrária 245 2.4. Curso de Especialização “Agricultura Familiar e Camponesa José Paes Floriano e Educação do Campo”: a experiência e os resultados na UFG 104 Wilson Leandro Mozena, Joel Orlando Bevilaqua Marin e 4.2. Práticas agroecológicas voltadas para utilização da Azadirachta David José Caume Indica - Nim - como controle fitoterápico nos carrapatos da espécie Boophilus Microplus no Assentamento Nova Canaã: 2.5. O Programa Residência Agrária nas Regiões Sul/Sudeste: uma perspectiva sustentável 255 algumas reflexões 134 Maria da Conceição C. B. da Bôa Viagem e Janisse V. Garcia, Julieta T. Aier de Oliveira, Pedro Selvino Ana Cláudia Ramos de Araújo Neumann e Sonia Maria P. P. Bergamasco 4.3. Prática e discurso em agroecologia: formação para transição CAPÍTULO 3 da agricultura convencional para agricultura agroecológica. MATRIZES LOCAIS 157 O caso da família difusora de Pajeú Mirim - Tabira/PE 261 Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão e 3.1. A formação universitária para a Agricultura Familiar e Edvânia de Souza Silva Educação do Campo: a experiência do Programa Residência Agrária em Pernambuco 159 4.4. A importância das boas práticas de manipulação de alimentos: Irenilda de Souza Lima uma experiência de formação educativa com as mulheres agricultoras e beneficiadoras de alimentos da unidade do 3.2. Coerência de ideários dos temas de pesquisa no Sítio Vaca Morta em Monte Alegre - Afogados da Ingazeira/PE 277 “Curso de Especialização Residência Agrária” apoiado pelo MDA 170 Alexsandra M. Siqueira Fabio Nolasco e Abdala Untar 4.5. Novas identidades e novas dinâmicas dos movimentos 3.3. O projeto piloto do Residência Agrária da Universidade sociais no sul do Brasil: Via Campesina e FETRAF-Sul 297 Federal de Santa Maria/RS 191 Everton Lazzaretti Picolotto Pedro Selvino Neumann, Vivien Diesel, José Marcos Froehlich, Paulo Roberto da Silveira e Janisse Viero Garcia 4.6. Extensão de tecnologias adaptadas à realidade do pequeno agricultor: fabricação de multi-implementos de tração animal 3.4. O Residência Agrária no Paraná: a percepção estudantil 214 no Assentamento Rural Pirituba II - Itapeva/SP 317 Ricardo Serra Borsatto e Lourival de Morais Fidelis Claudia Assad Mello e Antonio Jose da Silva Maciel 3.5. Relatando e refletindo sobre as experiências da FEAGRI/ 4.7. O Residência Agrária no Assentamento Sepé Tiarajú - UNICAMP em sua participação no “Residência Agrária I” 228 Ribeirão Preto/SP: a perspectiva da agroecologia 330 Julieta Teresa Aier de Oliveira, Kellen Maria Junqueira Wilon Mazalla Neto, Celso Costa Lopes e e Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco Julieta Teresa Aier de Oliveira 4 5
  • 5. APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 5 REFLEXÕES/ANÁLISES 345 5.1. Desafios na formação de agentes de ATER/ATES: reflexões em torno do projeto piloto da UFSM 347 Janisse Viero Garcia e Vivien Diesel 5.2. A questão camponesa e os desafios do Programa Residência Agrária 372 Dez anos de PRONERA e o Lais Mourão Sá Programa Residência Agrária 5.3. Por que a ‘Nova ATER’ não sai do papel? Uma análise da visão dos alunos do projeto Residência Agrária 386 Vivien Diesel, Pedro Selvino Neumann, Janisse Viero Garcia e José Marcos Froehlich Rolf Hackbart 1 Clarice Aparecida dos Santos 2 ANEXO 409 SIGLÁRIO 419 Este livro foi projetado a propósito dos dez anos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Ao longo deste tempo muito se falou a respeito da estreita e inevitável vinculação existente, no âmbito da Educação do Campo, entre Reforma Agrária, Educação e Desenvolvimento. Essa tríade suscitou muitas idéias acerca do papel da educação no processo de desenvolvimento que, por sua vez, se converteu em propostas de ações públicas potencialmente capazes de serem implementadas. Algumas destas idéias se transformaram em realidade. Outras, ainda não. Ainda não! Mas, o Programa Residência Agrária é uma das pro- postas que se tornou realidade. Pela teimosia coletiva, por um lado, de produzir avanços no campo das políticas públicas e, por outro, pela própria materialidade do PRONERA e as relações que produz com as Universi- dades e com os movimentos sociais, colocando-os em diálogo. Um diálo- go que se inicia em torno de um determinado e específico curso, mas que, por esta condicionalidade e convivência, se amplia para outras ações. 1. Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. 2. Coordenadora Geral de Educação do Campo e Cidadania - INCRA. 6 7
  • 6. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária O Residência Agrária se implementou como um Programa do A p r e s e n t a ç ã o No Seminário Nacional de Educação Profissional3, o professor Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA instituído por uma Guilherme Delgado4 afirmou que o latifúndio é incompatível com a Portaria do Ministro mas, se enraizou na legislação por meio de uma ação construção de uma nova cultura, especialmente em relação à segurança e no Plano Plurianual – PPA 2004-2007 e, posteriormente, no PPA 2008- soberania alimentar, uma vez que as grandes cadeias produtivas da agri- 2011 – para fincar suas raízes no solo das políticas voltadas para o desen- cultura, as chamadas commodities (soja e grãos), pecuária, biocombustíveis volvimento dos camponeses e seus territórios. e florestas plantadas exigem, por um lado, grandes propriedades, mono- Passou por um período de avaliação em 2006 e 2007 e se revi- cultivo e precarização da força de trabalho e, por outro, concentração talizou em 2008, com um incremento de recursos capazes de implemen- fundiária e devastação ambiental. Em contrapartida, não oferecem as tar novas iniciativas. A experiência inicial, como intencionalmente previa, condições estratégicas necessárias ao enfrentamento da falta de alimentos produziu iniciativas próprias das Universidades interessadas em garantir baratos e de qualidade para as populações pobres do planeta. a sua continuidade, como Programa da própria Universidade, buscando Assim, a Reforma Agrária e os assentamentos no Brasil nestes parcerias com governos estaduais. É o caso da Universidade Federal do dez anos impõem novos desafios à educação, especialmente no que se Ceará que, no Curso de Agronomia, incorporou a experiência e come- refere ao seu papel fundamental em relação à produção de alimentos com mora seus resultados, com uma significativa quantidade de alunos da preservação dos recursos naturais. Momentos de crise de abastecimento, graduação atuando em assentamentos naquele estado. tal como se anuncia e se vislumbra, assim como de crise ambiental, são O Residência Agrária é uma proposta por meio da qual se ofere- ocasiões privilegiadas para reformas estruturais nas políticas de educação cem as condições de estágio de vivência e especialização para estudantes graduados e de assistência técnica. que tenham interface com os projetos de desenvolvimento dos assenta- Ainda, segundo o especialista Guilherme Delgado, tais reformas mentos e com seus processos educativos que os beneficiários realizam devem atender a alguns requisitos: a criação de bases técnicas/tecnológicas nestas áreas. Podem participar todos os jovens profissionais que estejam estruturais como as que o futuro exige; inovações técnicas, organizacio- dispostos a conviver com a população assentada por um período mínimo nais e laborais que desenvolvam capacidade de trabalho; acesso irrestrito de dois anos e, desta convivência, fazer seu objeto de estudo acadêmico a direitos sociais básicos no espaço agrário, pois sem a conquista de míni- com a perspectiva de trabalho futuro e, acima de tudo, contribuir com os mos sociais não há desenvolvimento; e, o debate acerca da função sócio- camponeses e camponesas através do conhecimento sistematizado. ambiental da propriedade fundiária. Os participantes recebem bolsa de estudos para que se mante- Tais conteúdos devem compor um Programa como o Residência nham, assegurem as despesas com viagens e compra de livros, insumos e Agrária para articular os conhecimentos necessários à Reforma Agrária requisitos necessários para que compreendam a realidade onde estão in- como eixo de projeto de desenvolvimento, sua relação com educação e seridos. Assim, num determinado momento do processo, podem passar com educação profissional. Também, para enfrentar os limites da baixa a intervir, articulando com a assistência técnica e a pesquisa para a cons- especialização no trabalho do campo, que compromete a produtividade trução de novas matrizes tecnológicas, interagindo com a comunidade e do trabalho. Para pensar novas relações de trabalho e a organização da seus projetos nas áreas da produção, saúde, educação e na defesa dos di- produção, novas tecnologias para a pequena produção e produção em reitos humanos e sociais. escala, com base na agroecologia e na cooperação e, acima de tudo, para A Reforma Agrária atua, em relação ao desenvolvimento, na enfrentar os próprios limites organizativos dos camponeses e contribuir contra-lógica do projeto historicamente implementado e financiado em para a consolidação da organização social, essencial no desenvolvimento. nosso país. Atua numa concepção de modernização técnica com mudan- O Residência Agrária veio, ainda, para enfrentar grandes problemas estru- ça social, numa opção de desenvolvimento com alteração na estrutura agrária, que gera nova cultura e novas expectativas frente ao desenvolvi- 3. Promovido pelo PRONERA, de 02 a 05 de junho de 2008, em Luziânia-GO. mento econômico e social. 4. “Contexto atual do Campo nos Projetos de Desenvolvimento em debate”. Palestra proferida por Guilherme Del- gado, economista do IPEA e Professor da Universidade Federal de Uberlândia. 8 9
  • 7. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária INTRODUÇÃO turais, como a saída da juventude do campo e o decorrente envelhecimen- to da população camponesa. São algumas razões para o INCRA manter colado à Reforma Agrária um programa de educação como o PRONERA. Para dar um novo sentido e, também, para ressignificar a própria educação, conferindo importância a homens e mulheres que trabalham e fazem dos assenta- mentos o seu espaço de vivência e convivência. É precisamente por esta razão que o PRONERA contém uma ação denominada Residência Agrária. Porque o momento histórico exige que se pense, proponha e atue em perspectiva, especialmente no campo Este livro surge da necessidade de garantir a sistematização e o das políticas públicas. Nossa tarefa é preparar as condições para o futuro registro da experiência do processo de implantação do Programa Residên- do desenvolvimento, em novas bases, em novos paradigmas. cia Agrária, que se desenvolve no âmbito das políticas públicas de Educação do Campo, executadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Brasília, março de 2009 Agrária e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. O objetivo principal deste Programa é oportunizar novas estra- tégias de formação para estudantes e profissionais das Ciências Agrárias, preparando-os para uma atuação capaz de compreender as necessidades e especificidades dos processos de produção e de promoção do desenvolvi- mento rural no âmbito da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar. Este enfoque tem pertinência no peso e na importância da Agri- cultura Familiar para o Brasil e, por reconhecer que historicamente os profissionais de Ciências Agrárias têm sido formados marginalizando a importância do aprendizado de posturas e práticas dialógicas, imprescin- díveis para a atuação junto aos diversos setores que compõem a Agricul- tura Familiar. O projeto piloto do Programa Residência Agrária cujos relatos são objeto deste livro foi planejado para se desenvolver simultaneamente em todo território nacional. Desta forma, foram selecionados 15 estados da Federação, contemplando todas as regiões, assim distribuídos: sete estados da região Nordeste, em função da grande concentração de assentamentos e dois estados nas demais regiões: Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A partir da seleção das unidades da federação, universidades públicas que possuíam experiências anteriores de trabalho junto ao públi- co alvo desta política foram convidadas a desenvolver o projeto piloto do Residência Agrária, composto de duas fases integradas: um Estágio de Vi- vência e um Curso de Especialização em Agricultura Familiar e Campo- nesa e Educação do Campo. A primeira fase do Programa seria desenvol- vida individualmente em cada instituição e, a segunda, requeria sua arti- culação em rede. 10 11
  • 8. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Foram convidadas a participar e aceitaram este desafio as seguin- A avaliação positiva dos resultados produzidos e dos ricos proces- I n t r o d u ç ã o tes instituições: Universidade Federal do Pará; Universidade Federal do sos desencadeados por meio do Programa foi um incentivo a sua continui- Acre; Universidade Federal do Ceará; Universidade Federal do Piauí; dade, hoje aberto para todas as universidades que desejarem apresentar suas Universidade Federal do Semi-Árido; Universidade Federal da Paraíba; propostas ao PRONERA. Este livro pretende auxiliar na implantação destes Universidade Federal Rural de Pernambuco; Universidade Federal de novos projetos, instigando questões e desafios para os novos caminhos a Sergipe; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal Rural do serem trilhados na formação dos profissionais das Ciências Agrárias. Rio de Janeiro; Universidade Federal de Goiás; Universidade Federal de Esta experiência piloto só se materializou em função de uma Santa Maria; Universidade Federal do Paraná. Também foram convidadas intensa contribuição e compromisso de diferentes indivíduos, instituições as seguintes instituições estaduais: Universidade Estadual de Mato Grosso e movimentos sociais, que assumiram o desafio proposto pelo Residência – UNEMAT e Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Agrária. A todos eles, e especialmente aqueles que se dispuseram a siste- A estrutura deste livro foi concebida objetivando-se registrar matizar e refletir a experiência vivida, apresentamos nossos agradecimen- a experiência do projeto piloto nas diferentes fases de execução. A par- tos, com a perspectiva de que este livro possa contribuir com os processos tir desta perspectiva, considerou-se relevante recuperar as concepções de transformação do campo brasileiro. que fundamentaram a criação do Programa Residência Agrária e as estra- tégias idealizadas para a sua materialização, o que deu origem ao pri- meiro capítulo. Mônica Castagna Molina - UnB Em seguida, optou-se por uma apresentação que possibilitasse Gema Galgani S. L. Esmeraldo - UFC o registro da apropriação destas concepções e de suas re-significações pelo Pedro Selvino Neumann - UFSM conjunto de instituições parceiras na oferta daquela Especialização em Sonia Maria P. P. Bergamasco - UNICAMP rede, possibilitando a visualização do conjunto dos processos vivenciados em cada região, cujos frutos estão apresentados no capítulo dois, denomi- nado Matriz Regional. Março de 2009 Além das reflexões sobre o conjunto das cinco Especializações, considerou-se importante divulgar a dinâmica desencadeada pelo Progra- ma Residência Agrária em cada universidade, particularmente naquelas instituições que se dispuseram, num prazo exíguo, a sistematizar suas práticas. Esse material compõe o capítulo três, intitulado Matriz Local. Foram inúmeras as experiências desenvolvidas por mais de 300 estudantes em seus trabalhos junto às áreas de Reforma Agrária e de Agri- cultura Familiar, em todo o país. Visando registrar a riqueza destas ações o quarto capítulo traz uma pequena mostra da diversidade destas experi- ências, organizadas pelos próprios residentes. No último capítulo são apresentados textos reflexivos sobre diferentes questões provocadas pela execução do Programa Residência Agrária na sua experiência piloto. Espera-se que este livro contribua com a análise sobre: em que medida foi possível ao Programa atender seus objetivos; como se deram e quais foram as maiores dificuldades; as contradições dentro do governo e das universidades que limitaram sua execução e quais foram seus prin- cipais êxitos. 12 13
  • 9. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária FIGURA 1: Localização e nucleação das universidades que realizaram os Cursos de Especialização em Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo - Programa Residência Agrária (2005 -2007) Capítulo 1 GÊNESE DO PROGRAMA RESIDÊNCIA AGRÁRIA Fonte: MDA - Documentos do Programa Residência Agrária 14
  • 10. Residência Agrária: estratégias e concepções Mônica Castagna Molina5 INTRODUÇÃO O Programa Nacional de Educação do Campo: Formação de Estudantes e Qualificação de Profissionais para Assistência Técnica, lan- çado em 2004 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, foi concebi- do a partir da necessidade de formar Especialistas das Ciências Agrárias para atuação nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar. A denominação do Programa explicita sua maior intencionali- dade: ser uma política de formação profissional, com o objetivo de contri- buir com a promoção do desenvolvimento rural na busca da melhoria das condições de vida no campo brasileiro. Em função de sua principal estra- tégia de execução, a inserção e a permanência dos estudantes universitários nos assentamentos e áreas de Agricultura Familiar por extensos períodos, adotou-se também como sua denominação Programa Residência Agrária. A formação profissional idealizada para o Residência Agrária foi concebida considerando-se a materialidade do trabalho nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar, a partir dos desafios concretos que a escolha política e ideológica para a construção de um modelo de desenvolvimento rural diferente do hegemônico (principalmente das conseqüências sociais e ambientais que produz) coloca para a execução de políticas públicas. A articulação intrínseca entre as diferentes dimensões que com- põem este tema: Questão Agrária; Reforma Agrária; Desenvolvimento Rural; Formação Profissional, Matriz Tecnológica; Soberania Alimentar, estão contidas nos debates que se desenvolveram nos últimos dez anos no âmbito da Educação do Campo, a partir do qual foram construídos os princípios do Programa Residência Agrária. 5. Doutora em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Coordenou a equipe que elaborou e implementou o Programa Nacional de Educação do Campo: Formação de Estudantes e Qualificação de Profissionais para Assistência Técnica – Residência Agrária. 17
  • 11. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária Um dos fundamentos centrais da Educação do Campo refere- oportunizassem aos jovens estudantes perceber as contradições existentes se à articulação de seus postulados ao entendimento da necessidade da no modelo de desenvolvimento vigente no campo brasileiro. Objetivou- construção de um novo projeto de nação para a sociedade brasileira. Pro- se, ainda, propiciar espaços de produção de criticidade, para que pudessem jeto este cuja centralidade se dê a partir da busca da garantia das condições perceber a diferença que determinadas condutas podem ter na relação dignas de vida para todos, o que exige redistribuição de renda, de terra, com os agricultores e na construção ou desconstrução de estratégias efi- poder e conhecimento. cazes de promoção do desenvolvimento rural. A especificidade da Educação do Campo, em relação a outros Desde o início, o Programa foi concebido como uma política diálogos sobre educação deve-se ao fato de sua permanente associação com indutora, como uma ação de governo capaz de fomentar a criação de es- as questões do desenvolvimento e do contexto na qual ela se enraíza. Sua paços de produção de conhecimento no âmbito das Ciências Agrárias, base de sustentação é que o campo deve ser compreendido para muito além dentro das universidades públicas, a partir do estímulo e do chamamento de um espaço de produção agrícola. O campo é espaço de vida, de produção de docentes e discentes para a execução de projetos de pesquisa e extensão de relações sociais; de produção de história, cultura e conhecimento, de luta nas áreas de Reforma Agrária e de Agricultura Familiar. de resistência dos sujeitos que nele vivem. A concepção de educação, da expressão Educação do Campo, ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DO RESIDÊNCIA AGRÁRIA não pode abrir mão da necessária ligação com o contexto no qual se de- senvolvem estes processos educativos: com os graves conflitos que ocor- A proposta original do Residência Agrária era composta por duas rem no meio rural brasileiro, em função dos diferentes interesses econô- fases: a primeira se daria a partir do envolvimento dos estudantes das micos e sociais existentes para utilização deste território. Esta concepção Ciências Agrárias, no último semestre de formação nas universidades, em é constituinte e estruturante de um determinado projeto de campo que, Estágios de Vivência nas áreas de Reforma Agrária e Agricultura Familiar, por sua vez, é parte maior da totalidade de um projeto de sociedade, de com seis meses de duração. A segunda, imediatamente após o término nação. Sua compreensão exige visão ampliada dos processos de formação deste período, com o ingresso dos recém formados em um Curso de dos sujeitos do campo. A Educação do Campo compreende os processos Especialização, com duração de dois anos. culturais; as estratégias de socialização; as relações de trabalho vividas A concepção desta estratégia de formação pressupunha que pelos sujeitos do campo em suas lutas cotidianas para manter esta identi- ambas as etapas fossem totalmente articuladas, já que a finalidade maior dade, como elementos essenciais de seu processo formativo. do Programa se viabilizaria com a conjunção dos objetivos destas duas Por isso, as reflexões sobre Educação do Campo são indissociá- etapas formativas. A dinâmica para a execução do Residência tinha como veis do debate sobre a construção de um novo projeto de nação; sobre a eixo norteador a compreensão de que a necessária formação de profissio- mudança do modelo de desenvolvimento brasileiro e sobre o papel do nais críticos desta área de conhecimento não se daria somente a partir das campo neste modelo. reflexões teóricas possibilitadas na passagem pela universidade, mas exi- Tendo como pressuposto que os principais componentes deste giria forte presença e trabalho nas áreas rurais. modelo a ser forjado pela luta coletiva são: a prioridade à vida e à dignida- A articulação das etapas formativas dar-se-ia da seguinte manei- de de todos os seres humanos e a produção da igualdade e da justiça social, ra: durante o Estágio de Vivência, os estudantes das agrárias inserir-se-iam o novo papel do campo neste modelo exige democratização do acesso à nas comunidades rurais selecionadas com o apoio e mediação de uma terra, Reforma Agrária para a desconcentração fundiária. É neste cenário equipe de Assistência Técnica que já atuasse nesta área rural. Para tanto, que se insere a construção do Residência Agrária: formar profissionais com- buscou-se garantir a articulação com outra ação do INCRA: o Programa prometidos com a classe trabalhadora do campo, que tenham horizonte de Assessoria Técnica, Ambiental e Social - ATES6. O Residência Agrária e de transformação da sociedade, que assumam compromisso com as mu- 6. De acordo com o Manual de Operações do INCRA, o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à danças do meio rural e com as condições de vida de seus sujeitos. Reforma Agrária atua com equipes de técnicos em Ciências Agrárias, sociais, ambientais e econômicas. Os grupos trabalham nos assentamentos executando atividades como: elaboração de planos de desenvolvimento ou O que se pretendeu, a partir dos referencias teóricos que orien- recuperação de projetos de assentamento, extensão rural, capacitação continuada, visando à formação de competências e à mudança de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos de taram a elaboração do Programa foi criar possibilidades de formação que melhoria da qualidade de vida e promoção do desenvolvimento rural sustentável. 18 19
  • 12. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária o ATES eram, à época, programas nascentes (2003/2004), em processo de colaborar com a construção de diagnósticos participativos buscando, instalação, cuja semelhança se dava principalmente, pela compreensão da junto com as comunidades, identificar as principais dificuldades encon- importância do meio rural para a implantação de outra concepção de tradas no sentido de viabilizar seus processos produtivos e sua organi- desenvolvimento para a sociedade brasileira. zação social. O estabelecimento de novas funções para a Assistência Técnica Para alcançar estes objetivos, e oportunizar presença continuada nas áreas de Reforma Agrária, com a incorporação da Assessoria Ambien- nas áreas de atuação, o Programa estabelecia nos artigos 11º e 12º de sua tal e Social possibilitou a articulação entre os dois Programas. Além disso, Norma de Execução que: no período, reformulavam-se também os papéis reservados à Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER, que se Art. 11º: As instituições de ensino e seus docentes e discentes deverão materializaria através do trabalho das equipes de Assistência Técnica e atuar obrigatoriamente nas áreas de Reforma Agrária e de Agricultura Extensão Rural – ATER. As concepções e diretrizes que estavam sendo Familiar do estado em que se localizam, devendo priorizar a seleção de construídas para o PNATER possibilitaram também a articulação do áreas que estejam contidas no âmbito dos territórios rurais eleitos como Programa Residência Agrária com esta política. prioritários pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT. Imaginava-se que esta articulação oportunizaria aos jovens que iniciavam nova fase de inserção profissional, espaços ricos de diálogo e Art. 12º: As instituições de ensino, em parceira com os movimentos sociais trocas de experiências. Idealizava-se ainda, que a estratégia de terem recém do campo e os órgãos públicos que prestam Assistência Técnica, seleciona- saído de graduações, e participarem de uma Especialização, funcionasse rão as áreas de atuação, devendo concentrar seus alunos numa mesma como via de mão dupla: não só complementaria sua formação, como região do estado, cuja distância não deverá exceder a quilometragem também enriqueceria o próprio trabalho destas equipes de ATES ou orientada pela Comissão Executiva, respeitando as especificidades de cada ATER, onde iriam inserir-se. região para garantir um acompanhamento mais intenso e permanente dos Por isso, o parágrafo único do artigo 11º, da Instrução Norma- docentes nas ações do conjunto da Instituição no Programa. tiva que criou o Programa dispunha: Na seqüência dos trabalhos produzidos no Estágio de Vivência, Só poderão ser escolhidas áreas que já tenham trabalhos de Assistência os estudantes ingressariam em um Curso de Especialização construído no Técnica, sendo que desta equipe será escolhido um técnico que atuará em âmbito do Residência Agrária, em parceria com as Universidades executoras parceira com o professor da instituição de ensino responsável por este aluno, do Programa, denominado “Especialização em Agricultura Familiar e e que se denominará Orientador de Campo, para melhor acompanhar os Camponesa e Educação do Campo”7. estudantes e os recém-formados, em vista de uma melhor integração nas Esse Curso seria ofertado em regime de alternância, contendo comunidades e melhor aproveitamento destes estagiários em campo. períodos de formação que ocorreriam nas próprias Universidades, e pe- ríodos que ocorreriam no campo, para que estes jovens profissionais Aliada a esta diretriz, propôs-se também como estratégia do pudessem continuar desenvolvendo as atividades planejadas com a comu- Programa, que após o Estágio de Vivência, parte dos orientadores de nidade rural na qual haviam se inserido, buscando estratégias para enca- campo, membros das equipes de ATES ou ATER, participariam dos minhar as demandas diagnosticadas coletivamente, a partir do suporte do Cursos de Especialização, com o objetivo de criar oportunidades de qua- conhecimento científico construído durante o Curso. lificação para profissionais que já atuavam nos assentamentos e áreas de Definiram-se como requisitos para o convite das universidades Agricultura Familiar. participantes do Programa o acúmulo de experiências de trabalhos de Ainda na fase de Vivência, os estudantes conheceriam as comu- nidades, estabelecendo vínculos e buscando compreender o modo de vida 7. A denominação do Curso de Especialização foi objeto de intenso debate durante a construção do Programa, tanto entre as instâncias do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, quanto entre este e as várias instituições das populações rurais. A proposta do Residência Agrária era que, no período universitárias e movimentos sociais e sindicais parceiros. A opção coletiva da utilização das duas categorias: Agricultura Familiar e Camponesa baseou-se no reconhecimento da presença destas duas formas de produção na de seis meses, a partir de diferentes metodologias os estudantes pudessem agricultura brasileira, não polarizadas, mas em um gradiente de situações. 20 21
  • 13. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária extensão universitária e pesquisas nas áreas de assentamentos e de Agri- zir nova concepção de formação para os trabalhos de apoio à produção cultura Familiar e Camponesa, práticas recorrentes de parceria com os agropecuária, na perspectiva de efetivar ações propostas pelos educadores movimentos sociais e sindicais do campo e o desenvolvimento anterior do campo que vinham se formando nos cursos do PRONERA. de Estágios de Vivência. De acordo com os princípios da Educação do Campo, por sua Esperava-se que, partir dessas experiências, o Residência Agrária compreensão de educação como processo de formação humana, que se implantaria em instituições nas quais houvesse grupos de professores ocorre em diferentes esferas e não apenas na dimensão escolar, fazia-se e alunos com compreensão do rural identificada com os pressupostos do necessária a construção de trabalhos articulados entre os processos de Programa. A intenção era que, com o apoio do Governo, via execução formação com os processos de apoio à organização da produção nas áreas desta política pública, com aporte de recursos financeiros e infra-estrutu- de acampamentos, assentamentos e Agricultura Familiar. Ora, se a Edu- ra física à materialização destes Projetos8, estes grupos de docentes pudes- cação do Campo afirma que só há sentido em seus postulados, como sem se fortalecer e ampliar as ações de ensino, pesquisa e extensão produ- constituintes de um projeto mais amplo de transformação do conjunto de zidas nas universidades públicas, no âmbito das Ciências Agrárias, a partir valores da sociedade, a perspectiva da garantia da real humanização e de ações direcionadas à promoção do desenvolvimento rural, nas áreas de emancipação de todos, a primeira e mais forte condição da exeqüibilidade Reforma Agrária e Agricultura Familiar. de seus fundamentos deve se dar a partir das próprias transformações das Idealizou-se que o desenrolar desta dinâmica proporcionaria as condições de trabalho no campo. Universidades espaços relevantes de confrontação entre teoria e prática A riqueza da compreensão do próprio conceito de Educação, que fizessem emergir os diferentes paradigmas para o desenvolvimento contido na expressão Educação do Campo relaciona-se à necessária vin- do campo brasileiro. Cinco eixos temáticos foram eleitos como prioritá- culação com o mundo da vida dos educandos que protagonizam estas rios para os cursos de Especialização: Campo e Desenvolvimento; Edu- práticas educativas. O processo de reprodução social destes sujeitos e de cação do Campo; Agroecologia; Socioeconomia Solidária; Metodologias suas famílias, ou seja, suas condições de vida, trabalho e cultura não po- Participativas e de Pesquisa, para possibilitar aos estudantes a compreen- dem ser subsumidos numa visão de educação que se reduz à escolariza- são critica desses paradigmas em confronto. ção. O que a faz surgir; o que lhe garante materialidade é exatamente a concretude dos processos vividos por estes sujeitos na luta cotidiana da AS CONCEPÇÕES DO RESIDÊNCIA AGRÁRIA busca de sua humanização e de seus direitos. Na compreensão da Educa- ção do Campo, o debate do campo precede a Educação e este é No processo de construção desta política, para as Universidades que fariam parte da primeira experiência do Residência Agrária, explicitava-se fundamentalmente o debate sobre o trabalho no campo, que traz colada a a intencionalidade do Programa de ampliar e fortalecer a rede de instituições dimensão da cultura, vinculada às relações sociais e aos processos produ- universitárias já envolvidas com a produção de conhecimento na ótica da tivos da existência social no campo. Isto demarca uma concepção de Educação do Campo. Rede esta cuja tessitura vinha se fazendo a partir da educação. Integra-nos a uma tradição teórica que pensa a natureza da inserção das instituições de ensino superior nos cursos do PRONERA9, educação vinculada ao destino do trabalho. especialmente aqueles direcionados à formação de educadores do campo. Esta concepção nos aproxima e nos faz herdeiros de uma tradição pedagó- É, aliás, este processo que em muito contribui para a percepção gica de perspectiva emancipatória e socialista: é desta tradição o acúmulo de da necessidade de intensificar, e até mesmo, em muitas áreas, de introdu- pensar a dimensão formativa do trabalho, do vínculo da educação com os processos produtivos, de como não é possível pensar-fazer a educação sem considerar os sujeitos concretos e os processos formadores que os constituem 8. Para fortalecer estes grupos articulou-se, na fase de implementação do Programa, uma parceria com a Fundação Banco do Brasil, que através de seu Programa de Apoio à Formação de Agentes de Desenvolvimento Rural garantiu como seres humanos desde a práxis social (CALDART, 2008, p 77). a instalação de computadores, impressoras, e materiais para registro destas experiências nas universidades. 9. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA tem como objetivo garantir o acesso à escolarização formal para jovens e adultos assentados, incluindo nível médio, técnico profissionalizante e ensino Para se manter íntegra esta compreensão de educação, não re- superior, em diferentes áreas do conhecimento. O PRONERA é executado através de parceria com mais de 55 universidades públicas federais e estaduais, com os movimentos sociais e sindicais rurais. duzindo-a às práticas inovadoras sobre as necessárias, mas insuficientes, 22 23
  • 14. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária dimensões dos processos pedagógicos escolares vividos pelos sujeitos do camponesa, todas as suas estratégias metodológicas propunham-se ao cul- campo, é necessário construir políticas públicas de Educação do Campo tivo de práticas dialógicas, a partir das quais, as idéias, saberes e valores capazes de contribuir para a verdadeira transformação: produzir práticas destes sujeitos deveriam ter a mesma legitimidade das idéias, saberes e va- pedagógicas que sejam capazes de alavancar o processo de desalienação do lores das equipes do Residência Agrária, fossem elas docentes ou discentes. próprio trabalho. Conforme ressalta Sá, se compreendermos o Nesta direção Tardin afirma que: o trabalho como a atividade criadora humana e a educação como o pro- a relação de fundo está em camponeses, camponesas e técnicos vincula- cesso de desenvolvimento permanente dessa capacidade, é preciso que a rem-se em estado de convivência (‘viver com’) no diálogo entre sujeitos educação esteja a serviço da auto-realização dos indivíduos e não da ordem educandos-educadores; neste encontro que entrelaça compromisso social, alienante do capital. Mészáros repõe em sua reflexão sobre a educação cultural, político, ideológico e de classe. É um estado de viver que em para além do capital, a proposição marxista de que a auto-alienação do nada se assemelha e em tudo supera aquela relação vertical e domina- trabalho está na raiz de todas as formas de alienação (2006, p 225). dora de Assistência Técnica (insistência técnica), onde alguém, o técni- co, sendo um estranho, assiste, como um ato que apenas olha e nada vê No caso dos assentados e agricultores familiares, a auto-aliena- do mundo camponês, e prescreve sobre o objeto específico um receituário ção reproduz-se nos processos que induzem os trabalhadores a adotarem comercial determinado pelos agentes do capital, alimentando um círcu- práticas e estratégias de produção que paulatina ou aceleradamente rouba- lo vinculante subordinador que ora coopta, ora exclui o camponês, lhes a autonomia e o controle do processo de trabalho, instaurando situ- tanto quanto em nada leva em conta a natureza e seus processos ecoló- ações que os subordinam aos interesses maiores da acumulação de capital, gicos (2006, p.3). ao invés de preocuparem-se com a construção e viabilização de estratégias produtivas que lhes garantam independência e permanência das condi- As Diretrizes Básicas do Programa traduziam esta compreensão ções de reprodução familiar. Durante as últimas décadas da história bra- no seu inciso nono, que estabelecia que o Residência Agrária deveria: sileira, parte relevante da Assistência Técnica e da Extensão Rural prestou- se a este papel10. IX – desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a par- Há vasta bibliografia que discute a relação entre profissionais tir de princípios dialógicos e da práxis que permitam o movimento de externos e as comunidades de agricultores familiares e camponesas. Esta ação-reflexão-ação e, a perspectiva de transformação da realidade. Uma relação tem sido historicamente pautada como relação de poder e subor- dinâmica de aprendizagem-ensino que valorize e provoque o envolvi- dinação, onde prevalece a palavra do técnico. mento de técnicos e agricultores familiares em ações sociais concretas, e Aliado a um amplo conjunto de práticas produtivas desenvolvi- ajude na interpretação crítica e no aprofundamento teórico necessário a das por agricultores familiares e camponeses e apoiados por diferentes uma atuação transformadora. organizações, o Programa Residência Agrária ambicionava tornar-se uma ação de governo capaz de: acumular forças na perspectiva da contra hege- A materialização desta Diretriz dever-se-ia traduzir durante monia; contribuir com a garantia da autonomia da produção familiar e toda a execução da política: tanto na fase do Estágio de Vivência quanto camponesa; colaborar com o fortalecimento da produção agroecológica e durante a realização do Curso de Especialização. Mas para tal ambição, o da promoção da segurança alimentar. Residência Agrária deveria ser capaz de estimular, de desencadear processos Tendo como escola de pensamento os valores defendidos pelos que induzissem esta transformação no âmbito das Ciências Agrárias, a princípios da Educação do Campo, o Residência Agrária foi inspirado no le- princípio para dentro das próprias instituições universitárias responsáveis gado de Paulo Freire. Para contribuir com a construção da autonomia pela formação dos profissionais que atuam no campo. O Programa construiu estratégias que intencionavam induzir a 10. É necessário ressalvar que sempre houve espaços de resistência. Embora tenha sido hegemônico aquele tipo de prática, houve, durante todo este período, grupos e organizações de diferentes matizes, tanto públicas, quanto criação de espaços institucionais para a germinação de mudanças nas prá- privadas, que mantiveram a criticidade de sua atuação. ticas dos docentes das Ciências Agrárias. Definiu-se que, desde o período 24 25
  • 15. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária do Estágio de Vivência, os alunos que participassem do Residência Agrária, Universidade, em especial a das Ciências Agrárias (MICHELOTTI seriam acompanhados por docentes que deveriam ir a campo, com fre- e GUERRA, 2006, p.15). qüência e regularidade. A intenção era que, deste convívio, nasceriam não apenas novas compreensões na academia sobre os problemas concretos Este o desafio posto às práticas formativas idealizadas pelo Resi- dos camponeses, mas também novos projetos de pesquisa e extensão dência Agrária: simultaneamente disponibilizar os conhecimentos científi- nestas localidades, comprometendo o processo de produção de conheci- cos existentes, capazes de subsidiar a busca de soluções para os problemas mento das universidades públicas com a promoção do desenvolvimento encontrados a partir das práticas participativas desenvolvidas pelos alunos rural em suas regiões. à época do Estágio de Vivência e durante a Especialização, sem, contudo A presença da universidade nos assentamentos, acampamentos fazer deste processo o silenciamento e a exclusão dos saberes e práticas dos e áreas de Agricultura Familiar refletia a essência da política do Residência agricultores em relação aos mesmos problemas. Desta interação, da arti- Agrária. A possibilidade de desencadear movimentos de transformação no culação entre os diferentes modos de conhecer poderiam brotar novas próprio processo de produção do conhecimento no âmbito Ciências estratégias de atuação com a perspectiva de reforçar a autonomia da pro- Agrárias era uma das principais ambições do Programa. dução familiar e camponesa. A construção de novos processos de produção de conhecimen- Com o objetivo de analisar em que medida estas concepções e to se daria à medida que os estudantes universitários integrados ao Resi- estratégias se materializaram, serão apresentados na seqüência as reflexões dência e os docentes que dele participassem, assumissem a dimensão sobre as experiências dos cinco Cursos de Especialização desenvolvidos metodológica proposta, cujo fundamento seria a compreensão de que a pelo Residência Agrária, com o intuito de socializar os erros e acertos desta ação cotidiana dos camponeses é portadora de saberes e conhecimentos e experiência piloto, na perspectiva da acumulação de subsídios teóricos que também deveriam orientar a prática da Assistência Técnica. para a consolidação das políticas públicas de Educação do Campo. Este reconhecimento tem sido um dos pontos de tensão do avanço da agenda da Educação do Campo. Ao mesmo tempo em que os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS sujeitos do campo lutam para ter acesso ao conhecimento científico his- toricamente construído, exigindo o aumento de seus níveis de acesso à CALDART, Roseli. S. Sobre Educação do Campo. In: Campo, Política escolarização formal, têm simultaneamente o desafio de recuperar suas Pública e Educação. Coleção Por uma Educação do Campo v. 7. Brasília, práticas, seus saberes, não permitindo que eles sejam desqualificados e DF: NEAD, 2008. subsumidos pela visão científica tradicional. Uma das principais características da produção familiar e cam- MDA. INCRA. Programa Nacional de Educação do Campo: Formação ponesa é exatamente a diversidade, pois ela é detentora de uma racionali- de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica: Dire- dade específica, já que nas unidades familiares trizes Básicas do Programa. Brasília, 2004. MDA. INCRA. Programa Nacional de Educação do Campo: Formação a força de trabalho não é apenas um fator de produção, mas a própria de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica: Nor- razão de sua existência. A indissociabilidade entre a unidade de produção ma de Execução. Brasília, 2004. e a unidade de consumo no modo de vida camponês, imprime-lhe uma MDA. INCRA. Programa Nacional de Educação do Campo: Formação outra racionalidade, no sentido de otimizar o uso da força de trabalho e de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica: Ins- não de reduzi-lo. (...) Saber lidar com essa outra racionalidade, contri- trução Normativa. Brasília, 2004. buindo para a geração de um conhecimento agronômico capaz de atender as verdadeiras necessidades da produção familiar, permitindo a construção MICHELOTTI, Fernando e GUERRA, Gutemberg Armando Diniz. de um diálogo entre formas diferentes de saber que potencializem um novo Agronomia e Desenvolvimento Sustentável: reflexões e princípios padrão tecnológico na agropecuária, com vistas à sua maior sustentabili- da experiência da Universidade Federal do Pará. Mimeo, Marabá, Pará, dade, requer repensar a própria concepção de ciência predominante na 2006. 26 27
  • 16. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária MOLINA, Mônica C. (org). Educação do Campo e Pesquisa: Ques- tões para Reflexão. Brasília, Ministério do Desenvolvimento Agrário. NEAD, 2006. SÁ, Laís Mourão. Ciência e Sociedade: A Educação em Tempos de Fron- teiras Paradigmáticas. In: Linhas Críticas - PPGE Revista Semestral da Faculdade de Educação da UnB. Volume 12, n 23 p.217- 228, julho-dez, 2006 Brasília, DF. TARDIN, José Maria. Diálogo de Saberes no Encontro de Culturas. Mimeo. Escola Latino Americana de Agroecologia, Curitiba, Paraná, 2006. WANDERLEY, M.N.B. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: Primeira turma Residência Agrária, Santa Maria/RS. Reunião Tedesco, João Carlos (org.). Agricultura Familiar Realidades e Pers- em escola de assentamento no município de Jóia/RS. pectivas. 2. Ed. Passo Fundo: EDIUPF, 1999, Cap. 1, p. 21-25. Uma residência para as ciências agrárias: saberes coletivos para um projeto camponês e universitário Maria Inês Escobar Costa Casimiro11 INTRODUÇÃO O Programa Nacional de Educação do Campo: Formação de Estudantes e Qualificação Profissional para Assistência Técnica – Resi- dência Agrária se constituiu em um espaço formativo de grande impor- tância para estudantes e profissionais oriundos dos Cursos de Ciências Agrárias. Embora tenha pouco tempo de existência já apresenta aspectos que indicam sua originalidade no educar, sua coragem ao propor novas fórmulas e resgatar antigas, que foram esquecidas porque não faziam parte dos interesses dominantes. A centralidade desta proposta pedagó- 11. Mestre em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Participou da equipe que elaborou e implementou o Programa Nacional de Educação do Campo: Formação de Estudantes e Qualificação de Profissionais para Assistência Técnica – Residência Agrária. 28 29
  • 17. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária gica está em reconhecer o papel e a importância do homem e da mulher A primeira turma deste Programa teve o Estágio de Vivência do campo. Assim, os movimentos sociais e sindicais rurais compõem, prolongado na maioria dos estados, acompanhado pela figura do orienta- junto com as Universidades, os projetos político-pedagógicos que se dor acadêmico (professor da Universidade) e de um orientador de campo inserem no Programa. (técnico que atuava no local). Constatou-se que muitos dos professores A proposta tem ainda muitos desafios para sua consolidação: os das Universidades que integraram o Programa nunca haviam ido a um percalços da implantação de uma nova política; o descompasso entre os assentamento ou os conheciam superficialmente. calendários das Universidades e a liberação de recursos pelo Programa; a dificuldade das Universidades em realizarem trabalhos coletivos e inter e Nós já fazíamos extensão, um Curso aqui, outro lá, um dia de campo, transdisciplinares; as dificuldades de comunicação e as difíceis condições mas dessa forma é a primeira vez e dificilmente nós professores que pas- de acesso aos assentamentos; realidade enfrentada todos os dias pelas fa- samos por esta experiência voltaremos a fazer da forma que fazíamos. mílias assentadas. (Depoimento de uma professora no Seminário de Encerramen- O “desenho” do Programa se inspirou em experiências de algu- to do Estágio de Vivência). mas Universidades, de movimentos estudantis e sociais e a partir delas construiu um modelo de Residência. Sua primeira edição foi uma modali- Vocês estavam com medo de ir para os assentamentos, serem rejeitados ou dade de ensino de pós-graduação sob a forma de Curso de Especialização, perguntados, mas devo confessar que quem estava com medo éramos nós, caracterizada pela capacitação no trabalho em Assentamentos de Reforma só que não deixávamos transparecer, pois, como orientar os estudantes Agrária e áreas de Agricultura Familiar, funcionando sob a responsabili- num estágio em uma realidade que desconhecíamos totalmente? (Depoi- dade de instituições públicas de ensino universitário e por colegiados lo- mento de um professor, no Seminário de Encerramento do cais constituídos por representantes dos movimentos sociais, das Univer- Estágio de Vivência). sidades e instituições prestadoras de Assistência Técnica. Neste aspecto, o Programa Residência Agrária tem um papel O ESTÁGIO DE VIVÊNCIA fundamental, o de aproximar a Universidade e os pesquisadores das ques- tões reais das famílias camponesas. Envolvê-los neste universo, compro- Durante a primeira turma, a Universidade que se inseria no metê-los com a melhoria da qualidade de vida destas pessoas é um dos Programa promovia inicialmente um Estágio de Vivência (esta é a pri- objetivos do Programa. meira fase do Residência). Neste estágio, os estudantes foram para o Constatou-se em uma das Universidades, cujo professor orien- campo vivenciar o dia-a-dia das famílias que aí vivem e trabalham. A tador também era coordenador de estágios curriculares no Curso de idéia era promover um compartilhar de olhares, de saberes, quebrar a Graduação, que após seu envolvimento com o Programa, aumentou o distância muitas vezes evidenciada na postura dos técnicos e reforçada leque de estágios oferecidos pela escola para os alunos e tornou-se mais pela Universidade através da hierarquização do conhecimento. Neste representativo da realidade. O estágio que era oferecido somente em momento, exercitam-se novas relações entre estudantes e comunida- empresas e fazendas passou a ser realizado também em áreas de Agricul- des: um pedido de entrada, um reconhecimento das limitações e um se tura Familiar e Reforma Agrária. No seminário de encerramento da vi- dispor a contribuir a partir da troca de aprendizagens. Não é um mo- vência foi firmado um termo de cooperação entre INCRA e a Universi- mento fácil, pois, os estudantes estão vivenciando: as questões da ju- dade daquele estado. Casos como este mostram a importância desta pri- ventude, o peso da formatura, de um diploma e o desafio de uma rea- meira fase, que na verdade não é um estágio de vivência, é estágio de Vi- lidade diferente quando vão se deparar com sintaxes diferentes, lógicas vências, onde professores, agricultores, estudantes, técnicos mergulham produtivas diversas e outras visões de mundo. É também na vivência em uma realidade de forma intensiva para aprender e ensinar. E apren- que vêem na prática o que só viram nos livros, e que vão confrontar “o dendo ensinam e ensinando aprendem. aprendido”, e ter a possibilidade de contribuir criticamente a partir de É claro que nem todas as escolas deram este caráter ao Estágio sua formação e de sua vida. de Vivência. Algumas Universidades enfrentaram resistências em aban- 30 31
  • 18. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária donar práticas tecnicistas de oferecer respostas prontas, postura de quem Uma ferramenta importante para este produto foi o diário de campo, sob veio com um conhecimento técnico e superior para auxiliar a vida dos a orientação pedagógica, que tinha a função de registrar as percepções, as agricultores familiares camponeses. Algumas destas situações ocorreram angústias, inseguranças, aspectos sociais, políticos, físicos, antropológicos, principalmente onde os colegiados locais não funcionaram, e também, agronômicos do local da vivência. quando não havia a participação dos movimentos sociais e de represen- tantes dos movimentos estudantis durante o planejamento das ativida- A PESQUISA NO RESIDÊNCIA AGRÁRIA des. Em outros casos, os técnicos orientadores de campo que deveriam fazer “a entrada” dos estudantes e professores nas áreas, por já conhece- Na segunda etapa, o estudante já está articulado com o técnico rem a realidade e os agricultores, não atuaram adequadamente já que que atua no local, com o professor orientador e com representantes da estavam chegando nestas áreas como técnicos recém contratados pelo comunidade, podendo assim, neste coletivo, formular um esboço de serviço de ATES12 ou ainda por não compreenderem os princípios do plano de trabalho. Esse plano consolidaria sua pesquisa, na área escolhi- Programa, trataram os estudantes como seus estagiários, suprindo pre- da, com duração de dois anos. Esta se constituiu em mais um desafio do cariedades dessas equipes. Estes estudantes não foram bem compreen- Programa, pois a concepção de pesquisa, essencialmente para os profes- didos pelos agricultores, pois, aos seus olhos, eram simplesmente repre- sores das Ciências Agrárias envolvidos no Programa, se reportava às sentantes das entidades de ATER/ATES, tendo que responder por pesquisas experimentais, ou sob ambientes controlados, ou apenas tec- questões de crédito, atraso do banco, etc. Por sua vez, os estudantes, nológicas, focadas nos aspectos produtivistas e unidimensionais. A pro- encantados pelo status de técnico perante a comunidade assumiram este posta da pesquisa no Residência Agrária deveria ser multidimensional, papel construído equivocadamente, não tendo assim a oportunidade de transdisciplinar, complexa como a realidade familiar e camponesa. Era “banhar”-se na lógica e na simbólica da vida camponesa nem de viven- necessária a avaliação permanente, considerando as limitações de todos ciar com os trabalhadores. no processo. Estas vivências diferenciadas eram confrontadas quando os es- Na região Nordeste, houve a possibilidade de reunião dos pro- tudantes se reuniam para avaliar e trocar experiências e os níveis de troca fessores orientadores no I Encontro de Formação dos Formadores do cresciam quando as escolas, as regionais e os estados se reuniam. Assim, Residência Agrária do Nordeste, que se realizou em Aracajú, em junho de o papel de cada sujeito, os erros e acertos, as aprendizagens, as superações 2005. A reunião de 60 profissionais de ensino superior de Universidades e as limitações iam sendo explicitadas, registradas e refletidas agregando federais do Nordeste foi um marco de grande importância. Nesta reu- avanços formativos nos grupos. nião, doutores e mestres das Ciências Agrárias e sociais discutiram sobre: Outro aspecto importante desta etapa é a preparação anterior à Questão Agrária, Paradigmas do Desenvolvimento, Educação do Campo vivência. Neste momento, acontece a sensibilização das famílias que re- e participaram de uma oficina pedagógica discutindo Formação Profissio- ceberão os estudantes. Os técnicos, professores e estudantes consolidam nal e Transdiciplinariedade. A partir daí e da vivência nos assentamentos e validam a coordenação colegiada. Os princípios do Programa são discu- passou-se a discutir sobre os dois cursos de especialização que acontece- tidos e fortalecidos no sentido de se entender essa vivência com os agri- riam naquela região (situados na UFC e UFPB), compondo assim o cultores e agricultoras. Pode-se constatar que as Universidades que fize- Programa Residência Agrária. ram uma boa preparação tiveram mais êxito na vivência. Questões discu- A experiência de construção dos currículos foi significativa, pois tidas na preparação puderam ser confrontadas em campo e rediscutidas trouxe grandes perspectivas de transformação e reafirmou os desafios de no retorno, algumas delas viraram trabalho de conclusão de curso. O superação na formação dos novos técnicos educadores e formadores. Estudo Participativo da Realidade, exigido ao final do período de vivência pela coordenação do Programa, poderia se converter em monografia e Pensando os Currículos Através das Vivências trabalho de final de curso, como aconteceu em algumas Universidades. Enquanto aconteciam os Estágios de Vivência em quinze esta- 12. Assessoria Técnica Social e Ambiental – ATES. dos diferentes, a Coordenação Nacional promovia as reuniões regionais 32 33
  • 19. Educação do Campo e Formação Profissional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 1 Gênese do Programa Residência Agrária para construção dos cursos de Especialização em Agricultura Familiar e mente na vida dos povos do campo13? O segundo impulso foi de adicionar Camponesa e Educação do Campo. A tentativa era reunir os sujeitos os diversos conhecimentos necessários para estes profissionais: históricos, envolvidos no Programa para, a partir da realidade, pensar sobre as carên- sociológicos, antropológicos para que se fizesse uma leitura mais crítica cias na formação dos profissionais, e quais habilidades, conhecimentos da realidade. Constatou-se também a necessidade de um conhecimento seriam necessários para a especificidade da Agricultura Familiar e Cam- técnico agroecológico, para contribuir com alternativas sustentáveis e, ponesa. A composição do grupo que se reunia era sempre variada, regra uma prática pedagógica consistente, com conhecimentos metodológicos, geral a maioria era de professores das Ciências Agrárias, representantes de comunicação, culturais que favorecessem a organização social, resul- dos movimentos sociais, técnicos do INCRA, às vezes representantes dos tando numa matriz curricular muito extensa. estudantes e Coordenação Nacional. Uma participação fundamental Para contornar esse problema contou-se com a contribuição neste processo foi dos estudantes da Especialização em Educação do dos técnicos, que já estavam em campo, e dos militantes do setor de pro- Campo e Desenvolvimento, do PRONERA, pois traziam a experiência dução dos movimentos sociais que trouxeram os principais “gargalos” da acumulada da Articulação Nacional por uma Educação do Campo e dos prática do técnico. Agregou-se a essa contribuição a ousadia de professores cursos formais do PRONERA. Em função dessa prática foram incorpo- que propuseram metodologias diferentes para a realização das Especiali- rados no Programa como monitores. zações. A partir daí, surgiram formatos interessantes, como o Curso da Questões pouco presentes nos cursos de Ciências Agrárias, que, região Norte, que realizou uma etapa em cada região (Altamira, Marabá de maneira geral, são práticas constantes nos cursos de Educação do Cam- e Rio Branco) escolhendo uma temática regional, e a partir dela os eixos po, tais como: o compromisso com o estudo, a responsabilidade coletiva, temáticos foram sendo desenvolvidos. arte e cultura, o trabalho solidário, cooperativo, a avaliação permanente, A maior parte dos cursos trabalhou com a idéia de módulos ou deveriam constar nos cursos do Residência Agrária. eixos temáticos. Assim as diversas áreas do conhecimento foram chama- Os Cursos de Especialização deveriam se realizar na perspec- das a contribuir com determinada temática sem cair nas limitações disci- tiva da Pedagogia da Alternância. Desta forma, os monitores teriam plinares. Tarefa difícil esta, pois, regra geral toda lógica na construção de muito a contribuir a partir de sua avaliação e crítica quanto aos possíveis currículos dá-se em torno das disciplinas. Um exemplo dessa dificuldade êxitos e dificuldades dentro dos cursos do PRONERA. Apesar de alguns pôde ser constatado após uma exaustiva reunião, com discussão acalorada dos professores envolvidos nos cursos de Especialização do Residência e profunda sobre o que move as pessoas no processo de aprendizagem. Agrária estarem também coordenando e ou acompanhando outros cur- Nesse debate uma professora exclamou: “Gente, tudo bem! Mas não vejo sos do PRONERA, foi freqüente a percepção do entendimento do como começarmos a montar este Curso se não for a partir das disciplinas...” Nessa Tempo Comunidade (referente ao período de tempo em que os estu- situação começou-se pelas disciplinas, mas a experiência de outros cursos dantes estão em campo) como o tempo da prática e o Tempo Univer- contribuiu para o avanço da proposta. sidade ou Tempo-Escola, como o tempo da teoria. Em geral, esta sepa- Os eixos temáticos nos cinco Cursos de Especialização em Agri- ração é equivocada na construção do conhecimento que se deseja, e cultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo foram os seguintes: reflete vícios antigos, cujas raízes encontram-se no pensamento carte- Campo e Desenvolvimento siano de construção do saber. A prática do técnico educador deve estar Economia Familiar e Camponesa e Socioeconomia Solidária repleta de teoria, de reflexão e suas teorias devem estar alicerçadas na Agroecologia, Produção e Sustentabilidade realidade. Mas, como a reflexão epistemológica avança mais rápido que Educação do Campo e Desenvolvimento a prática, sentiu-se que na hora de concretizar os princípios definidos Metodologias Participativas e Pesquisa como princípio para o curso, as formas tradicionais se revelavam. Educativo. O primeiro impulso foi preencher o currículo com as discipli- nas que os professores já ministravam em seus cursos regulares ou em 13. Aqui são chamados povos do campo de maneira genérica todos aqueles que vivem e produzem sua existência nos campos, florestas, cerrados, no mar, nos rios, em ambientes opostos à organização urbana, e segundo outras especializações. Para evitar essa repetição, retornava-se sempre à Wanderley (1999) numa lógica de construção de territórios familiares, de lugares de vida e de trabalho, capazes de guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações posteriores. Estes são agricultores, extrativistas, pergunta: o que é necessário para que esse profissional contribua efetiva- pescadores, quilombolas e tantos outros. 34 35