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MARA VANESSA FONSECA DUTRA (Org.)




  DIREITOS
QUILOMBOLAS:
  Um estudo do impacto da
   cooperação ecumênica




             Rio de Janeiro
   KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
                  2011
Esta publicação foi feita a partir do relatório final do estudo de impacto sobre o apoio das organizações da Aliança ACT no
Brasil ao movimento e às comunidades quilombolas, encerrado em agosto de 2011.

    Pesquisa, texto e edição: Mara Vanessa Fonseca Dutra
    Texto histórico: Lúcia Andrade
    Revisão: Carla Borges, Lucyvanda Moura e Beatriz de Souza Lima
    Transcrição de gravações: Beatriz de Souza Lima
    Projeto gráfico e diagramação: Renato Palet
    Fotos: Duca Lessa (Comunidades do Rio Grande do Sul), Jota Santos (Maranhão), Marisol Soto Romero (Baixo Sul da Bahia e São Francisco
do Paraguaçu), Zezzynho Andraddy (Marambaia). Algumas fotos da Parte III são do acervo de Koinonia, do acervo do CAPA, do acervo da CPP
e de Mara Vanessa F. Dutra.
    Produção gráfica: Centro de Estudos Bíblicos - CEBI

    Organizações participantes:
    Coordenadoria Ecumênica de Serviço/CESE – Eliana Rolemberg (Diretora Executiva), Alonso Roberts, Augusto Santiago “Caju” Rosana Fer-
                                                                                                                                  ,
nandes (Assessores).
    KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço – Rafael Soares de Oliveira (Diretor Executivo) e Ana Gualberto (Assessora).
    Fundação Luterana de Diaconia/FLD – Carlos Gilberto Bock (Secretário Executivo), Dezir Garcia (Assessor Administrativo), Juliana Mazura-
na (Assessora de Projetos), Susanne Buchweitz (Assessora de Comunicação). CAPA-Sul – Rita Surita (Coordenadora), Antonio Leonel Rodrigues
Soares, Claudio Pinto Nunes, Daniel Roberto Soares, Daniela Silveira Lessa, Eduardo Medeiros de Medeiros, Islair Radtke (Equipe Técnica).
    Christian Aid: Mara Manzoni Luz (Representante no Brasil), Caroline Garcia (Assessora de Performance do Programa da América Latina e
Caribe) e Aidan Timlin (Responsável pela Estratégia Corporativa & Performance).
    EED: Luciano Wolff (Responsável pelo Programa do Brasil)
    As equipes das entidades envolvidas criaram comissões, uma nacional e outra internacional, para coordenar o trabalho.

     Pessoas entrevistadas:
     São Francisco do Paraguaçu: Agnaldo Neves dos Santos, Alexandro dos Santos, Antonio Tiago Cruz de Carvalho, Rosimeire Gomes
Garcia (Babi), José Lopes Conceição (Brama), Celcidinha, Crispim Antonio Carvalho, Crispim dos Santos (Rabicó), Dionice de Santana (D. Bibiu),
Demevaldo dos Santos , Eugênio dos Santos Sena, Fábio Ferreira de Jesus, Maria Lúcia dos Santos Gomes, Onildo, Ozório Brito, Teodoro Brito,
Railda de Santana, Vitória Gomes da Cruz, e outros membros da comunidade. Assessora da Comissão Pastoral da Pesca: Maria José Pacheco.
     Marambaia: Alessandra Saturnino, Bárbara Guerra, Beatriz Inocêncio (Biá), Cristina, Dionato de Lima Eugênio (Seu Naná), Guido Eugênio,
Joeci Gomes do Nascimento Eugênio, Mara Elisabeth Machado Barbosa, Monique Alves, Nilton Carlos Alves, Sônia Maria Machado, Vânia Guer-
ra e outras pessoas da comunidade. José Mauricio Arruti, antropólogo e professor da PUC-RJ. Daniel Sarmento, procurador do Ministério Público
Federal. Advogadas da ONG Mariana Crioula: Aline Lopes e Ana Cláudia Diogo Tavares . Representante da Conaq: Ronaldo dos Santos.
     Baixo Sul da Bahia: Ana Célia dos Santos Pereira, Andrea Mendes do Rosário, Carla Damiana, Domingos da Hora (Domão), Jerônimo (Seu
Caboclo), Joerlindo, José Ramos, Joseildo do Rosário, Maria Andrelice Silva dos Santos (Del), Maria da Hora, Marilene Silva dos Santos, Martinho,
Reginaldo, Renilda Ramos de Souza, Seu Bonfim (Domingos), Silvia Regina Ramos de Souza, Virgínia Santos (Dona Moça)
     Comunidades do Rio Grande do Sul: Torrão: Alessandra, Arlete, Cleusa, Darci, Geneci, Graciano, José, Lurdes Helena, Mara, Márcia, Nil-
za, Salvonei. Monjolo: Darci, Deleci, Erasmo, Ilaine, Jairo, Jerri, Jorge, Margarete, Noêmia, Rosangela, Rosaura, Valnei. Cerro das Velhas: Libânia de
Matos e Roberto de Matos. Maçambique: Carmem, Dilma, Eliane, Juslaine, Jussara, Maria de Lurdes, Maria Jaci, Maria Joana, Maria, Olga, Sandra.
Emater: Karin Peglow. MDA: Carla Rech.
     Maranhão: Centro de Cultura Negra (CCN): Raimundo Maurício Matos Paixão, Ivan Rodrigues Costa, Maria do Socorro Guterres, Ana
Amélia Bandeira Barros. Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos: Luís Antônio Pedrosa. Ministério Público Federal: Alexandre
Silva Soares. Conselho Estadual da Igualdade Etnicorracial: Luiz Alves Ferreira. Ex-Secretário Adjunto da Secretaria Extraordinária da Igualdade
Racial (Gov. Jackson Lago): Silvio Bembém. Aconeruq: Ivo Fonseca Silva, Justo Evangelista, Maria de Jesus (D, Dijé), D. Nice (de Penalva). Soassim:
Gilda. Santa Maria dos Pinheiros: Seu Tinoco e toda a comunidade. Santa Rosa dos Pretos: Anacleta e Libânio Pires. Filipa: D. Nielza.
ÍNDICE

 Apresentação ...........................................................................................................................	9

 Casos estudados ......................................................................................................................	11

 Parte I:	 HISTÓRICO E CONTEXTO DA QUESTÃO
 QUILOMBOLA NO BRASIL
 1.	 As comunidades quilombolas no Brasil .......................................................................................................................	16
 2.	 Direito à terra e ao território - marcos legais ..............................................................................................................	19
 3.	 Mobilização para a garantia de direitos ........................................................................................................................	23

 Parte II: ESTUDOS DE CASO:
 São Francisco do Paraguaçu ........................................................................................................................................................	32
 Marambaia ..............................................................................................................................................................................................	46
 Baixo Sul da Bahia ...............................................................................................................................................................................	58
 Comunidades do Rio Grande do Sul ......................................................................................................................................	72
 Maranhão	................................................................................................................................................................................................	86

 Parte III: REFLEXÕES SOBRE O CAMINHO PERCORRIDO,
 OS IMPACTOS E SUA SUSTENTABILIDADE
 1.	 Algumas reflexões iniciais .....................................................................................................................................................	102
 2.	 Principais impactos ...................................................................................................................................................................	104
 	 2.1. Afirmação da identidade e enfrentamento ao racismo ..............................................................................	102
 	 2.2. Direito à terra e ao território - titulação e integridade territorial ...........................................................	107
 	 2.3. Movimento e organização quilombola ................................................................................................................	110
 	 2.4. Incidência em/sobre políticas governamentais ............................................................................................	115
 	 2.5. Acesso a serviços e melhoria da qualidade de vida .......................................................................................	117
 3.	 Contribuição da cooperação ecumênica .....................................................................................................................	120
 	 Contribuição da Christian Aid e do EED ....................................................................................................................	121
 	 Valor agregado da cooperação ecumênica .................................................................................................................	122
 	 Impactos das ações diretas das agências em relação às comunidades quilombolas ..........................	124
 	 Sustentabilidade dos impactos e a contribuição da cooperação ecumênica .........................................	124

 A Aliança ACT no Brasil e o apoio aos quilombolas .......................................................126

 As Organizações Brasileiras da Aliança ACT e o apoio às comunidades quilombolas ....126

 Rsumo executivo ................................................................................................................... 127
 Referências bibliográficas ......................................................................................................135

 Páginas eletrônicas consultadas .........................................................................................136
SIGLAS UTILIZADAS


AATR	          Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia
ABA	           	Associação Brasileira de Antropologia
ABEP	          Associação Brasileira de Estudos Populacionais
ABIPEME 	      Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado
ACONERUQ		Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão
ACQUILERJ 	    Associação de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro
ADCT 	         Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADIN	          Ação Direta de Inconstitucionalidade
ALERJ	         Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Amubs	         Associação dos Municípios do Baixo Sul da Bahia
ARQIMAR 	      Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia
ARQMO 	        Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná
BNDES	         Banco Nacional de Desenvolvimento	
CADIM 	        Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia
CAPA 	         Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
CCN		Centro de Cultura Negra do Maranhão
CEAP	          Centro de Articulação de Populações Marginalizadas	
CEDEFES	       Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
CEDENPA 	      Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará
CESE 	         Coordenadoria Ecumênica de Serviço
CJP 		Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador
CNACNRQ 	      Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas
COHRE	         Centro pelo Direito à Habitação e contra Despejos
COMIN 	        Conselho de Missão entre Índios
Conaq 	        Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
CONIC	         Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
CONTAG	        Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPI-SP	        Comissão Pró Índio de São Paulo
CPP 		Comissão Pastoral da Pesca
CPT 		Comissão Pastoral da Terra
CRQ 	          Comunidade Remanescente de Quilombo
DESC/FASE	     Projeto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais da Federação de Órgãos para Assistência 	
		Social e Educacional
DFID 	         Departamento de Desenvolvimento Internacional (sigla em inglês)
DHESCA 	       Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
DIS 		Programa de Desenvolvimento Integral Sustentável
EED		Serviço Evangélico de Desenvolvimento (sigla em alemão)
EFA		Escola Família Agrícola
ELCA 	         Igreja Evangélica Luterana na América (sigla em inglês)
EMATER 	       Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
FCP 		Fundação Cultural Palmares
FE Brasil	     Fórum Ecumênico Brasil
FETAEMA 	      Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Maranhão
FLD 		Fundação Luterana de Diaconia
GDASI	         Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá
GTF		Fundo de Governança e Transparência (sigla em inglês)
IDH 		Índice de Desenvolvimento Humano
IDES 	        Instituto de Desenvolvimento Sustentável, ligado à Fundação Odebrecht
IECLB 	       Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
IN		Instrução Normativa
Incra 	       Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP 	        Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa
INESC	        Instituto de Estudos Socioeconomicos
ITERMA 	      Instituto de Terras do Maranhão
MDA 	         Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS 	         Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome
MEC 	         Ministério da Educação
MMA 	         Ministério do Meio Ambiente
MNU	          Movimento Negro Unificado
MP 		Ministério Público
MPF		Ministério Público Federal
MST 	         Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OAB 	         Ordem dos Advogados do Brasil
OIT 		Organização Internacional do Trabalho
ONG 	         Organização Não Governamental
OQ		Observatório Quilombola
PAA 		Programa de Aquisição de Alimentos
PAC 		Programa de Aceleração do Crescimento
PAD 	         Processo de Articulação e Diálogo
PAMN 	        Programa de Apoio ao Movimento Negro
PDT		Partido Democrático Trabalhista
PETI		Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PIDESC 	      Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
PMDB 	        Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAE 	        Programa Nacional de Alimentação Escolar
PPM 		Pão Para o Mundo
PQRN 	        Projeto Quilombo: Resistência Negra
PT 		Partido dos Trabalhadores
PVN 		Projeto Vida de Negro
RENAP	        Rede Nacional de Advogados Populares
REJU		Rede Ecumênica da Juventude
RTID 	        Relatório Técnico de Identificação e Delimitação
SASOP 	       Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais
SECADI 	      Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SEDUC	        Secretaria de Estado de Educação
SENAR	        Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SEPPIR 	      Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República
SEPROMI 	     Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia
SFP 		São Francisco do Paraguaçu
SMDDH 	       Sociedade Maranhense de Defesa de Direitos Humanos
STR 		Sindicato de Trabalhadores Rurais
TI 		Terra Indígena
UFMA 	        Universidade Federal do Maranhão
Apresentação



   E
           ste estudo tem por ob-
           jetivo avaliar o impacto
           do apoio das organiza-
ções da Aliança ACT no Brasil
ao movimento e às comunidades
quilombolas desde 1996 até 2009.
Considera-se como impacto a
mudança que permanece e que
faz diferença. A identificação des-
se impacto deve colaborar para
um aprofundamento da compre-
ensão de como as organizações
que compõem a Aliança ACT po-
dem contribuir para a superação
da situação de injustiça social e de
pobreza e para a reflexão sobre de
que forma essa contribuição pode
ser aperfeiçoada.
    O estudo contou com o apoio
da Christian Aid e do EED, mem-
bros europeus da Aliança ACT e
foi realizado a partir do trabalho
do Comitê Nacional do Estudo de
Impacto, formado por represen-
tantes das três organizações parti-
cipantes da Aliança ACT no Brasil:
Koinonia – Presença Ecumênica
e Serviço, CESE – Coordenado-          uma boa aproximação da situa-         e o valor agregado da contribuição
ria Ecumênica de Serviço e FLD         ção quilombola no Brasil a partir     das agências ecumênicas.
– Fundação Luterana de Diaconia,       do trabalho das três organizações         A metodologia para identificar
e pela representante do escritório     mencionadas.                          os impactos foi adaptada do mé-
da Christian Aid no Brasil.                A proposta metodológica           todo da Christian Aid “Fazendo a
    A realidade quilombola é tra-      consistiu em ouvir as pessoas         Diferença”, baseado nas percepções
balhada pelas três instituições. Por   nas comunidades e observar as         dos beneficiários e de outros atores
isso, e por sua importância históri-   mudanças significativas em suas       envolvidos sobre as mudanças e,
ca e simbólica na luta pela justiça    vidas, especialmente no que se re-    sempre que possível, identifican-
social no Brasil, foi escolhida como   fere ao direito territorial, com um   do a percepção dos entrevistados
tema deste estudo de impacto, com      olhar atento às questões de gênero    sobre as causas e as formas como
foco no direito territorial. A abor-   e à juventude e com vistas a tra-     essas ocorreram, com um cuidado
dagem se dá a partir do conceito de    çar um olhar comparativo entre        especial em relação à contribuição
desenvolvimento transformador,         a situação antes e depois da inter-   das organizações da Aliança ACT.
que orienta a ação da Aliança ACT,     venção. Também buscou captar              Para tal utilizou-se entrevistas
e no marco dos Direitos Humanos,       em que medida as comunidades          semiestruturadas com grupos fo-
Econômicos, Sociais, Culturais e       relacionam/atribuem essas mu-         cais (uma adaptação da proposta
Ambientais/DHESCA.                     danças à atuação das organizações     de mini-oficinas, da metodologia
    A metodologia utilizada foram      de apoio. Foram ouvidas, ainda, as    citada da Christian Aid); entrevis-
os estudos de caso. Foram selecio-     equipes técnicas das organizações     tas individuais, complementando
nadas cinco situações distintas,       de apoio direto e da Aliança ACT      informações com participantes
tanto em relação à localização         no Brasil (KOINONIA, CESE,            dos grupos focais ou entrevistan-
geográfica quanto à natureza do        FLD, CAPA - Centro de Apoio           do outros atores; e a observação
problema vivido e da intervenção       ao Pequeno Agricultor e CCN           em campo: visitas às comunida-
realizada: São Francisco do Para-      – Centro de Cultura Negra do          des, participação em reuniões e
guaçu (Bahia); Marambaia (Rio de       Maranhão); e as coordenações ou       outros eventos. Considerou-se
Janeiro); Baixo Sul (Bahia); Mara-     diretorias das três organizações      apropriado trabalhar de maneira
nhão/Centro de Cultura Negra;          brasileiras analisadas e também       informal, devido ao fato de nem
e comunidades quilombolas do           da Christian Aid e do EED. Tais       sempre ser possível reunir todas
Território Sul do Rio Grande do        entrevistas abordaram a contri-       as pessoas em uma única oficina
Sul. Embora esses cinco casos não      buição da cooperação internacio-      e por priorizar uma ferramen-
esgotem o panorama, oferecem           nal ao tema quilombola no Brasil      ta com caráter mais etnográfico,
10
                                                                                              A FLD possui um recorte claro,
                                                                                              com definição geográfica e terri-
                                                                                              torial devido à sua forma e local de
                                                                                              atuação e, por isso, decidiu-se estu-
                                                                                              dar o trabalho do CAPA-Sul, cujo
                                                                                              foco é o desenvolvimento susten-
                                                                                              tável com base na agricultura fami-
                                                                                              liar desenvolvida por comunidades
                                                                                              quilombolas daquela região. Koi-
                                                                                              nonia tem notável incidência em
                                                                                              âmbito nacional e internacional,
                                                                                              com destaque para o Observatório
                                                                                              Quilombola, apresentando possi-
                                                                                              bilidades de aprofundamento em
                                                                                              comunidades no Rio de Janeiro e
                                                                                              na Bahia. A CESE apoia muitas co-
                                                                                              munidades e organizações quilom-
                                                                                              bolas em todo o país por meio do
                                                                                              Programa de Pequenos Projetos,
                                                                                              além de sua atuação estratégica de
                                                                                              advocacy e de comunicação.
                                                                                                   A partir desse crivo, procurou-
                                                                                              se identificar os casos que trouxes-
                                                                                              sem mais elementos para a com-
                                                                                              preensão das diversas situações
                                                                                              vivenciadas pelas comunidades
                                                                                              quilombolas hoje no Brasil. Duas
                                                                                              situações foram definidas como
                                                                                              emblemáticas pela reconhecida re-
                                                                                              sistência das comunidades e pelo ta-
                                                                                              manho da desigualdade do enfren-
     valorizando os momentos infor-                       Este documento está estru-          tamento pela garantia dos direitos
     mais, a observação, as conversas,               turado em três partes: a primeira        territoriais: Marambaia, no Rio de
     o não programado. O foco, nesse                 refere-se à contextualização da          Janeiro (Koinonia) e São Francisco
     momento, era captar a percepção                 questão quilombola no Brasil hoje,       do Paraguaçu, na Bahia (CESE).
     dos sujeitos envolvidos, que subsi-             traçando um rápido histórico e                O Maranhão tem relevante
     diaria a análise qualitativa.                   apontando os principais desafios         importância histórica para a luta
         Os momentos com os grupos                   para a garantia dos direitos territo-    e o movimento quilombola. A
     focais foram muito ricos e gera-                riais dessas comunidades. A segun-       decisão foi de não focalizar em
     ram intensos debates. Muitas ve-                da é composta pelos cinco estudos        uma comunidade específica, mas
     zes, o número de participantes,                 de caso mencionados; e a terceira        no trabalho do parceiro institu-
     aos poucos, ia crescendo, incor-                contém uma reflexão sobre os             cional da CESE e da Christian
     porando outros interessados da                  principais aprendizados, desafios        Aid, o Centro de Cultura Negra
     comunidade. As falas resultantes                e recomendações à luz dos casos          do Maranhão/CCN, com atuação
     das entrevistas individuais estão               analisados de forma a contribuir         em várias regiões do estado. Além
     identificadas ao longo do docu-                 para o avanço da garantia dos di-        disso, considerou-se a realização
     mento. No caso das falas retiradas              reitos quilombolas no Brasil como        do Programa de Apoio ao Mo-
     dos grupos focais, são considera-               parte da luta por superar a injustiça    vimento Negro/PAMN (CESE/
     das como coletivas e, portanto,                 social e a pobreza.                      EZE1), entre 1996 e 2002.
     sem identificação individual.                                                                 Finalmente, o Baixo Sul da
         Para melhor compreensão dos                    Por que esses casos foram             Bahia apresenta uma experiência
     casos estudados, foi feita também               selecionados?                            singular: em relativamente pouco
     uma revisão de relatórios, publica-                 A decisão sobre quais situações      tempo (desde 2007), um conjun-
     ções e outros materiais pertinen-               destacar neste estudo considerou         to de comunidades negras rurais
     tes. Outro cuidado foi fazer um                 alguns elementos. Como ponto de          passa a assumir a identidade qui-
     registro fotográfico das comunida-              partida, era necessário ter a atuação    lombola – que estava sendo “im-
     des visitadas. Para isso, fotógrafos            direta e recente das organizações        posta” pelos governos municipais
     locais acompanharam as visitas.                 envolvidas: CESE, FLD e Koinonia.        como forma de angariar recursos
                                                                                              federais – e se organiza para ga-
                                                                                              rantir seus direitos, tornando-se
     1
      EZE (Evangelische Zentralstelle fur Entwicklungshilfe eV – Associação Evangélica para   rapidamente um novo ator políti-
     Cooperação em Desenvolvimento) foi um dos componentes que formaram o EED.                co coletivo na região.
11
SÃO FRANCISCO DO                     Marambaia é outro caso em-           limitação (RTID) pelo Incra,
PARAGUAÇU OU DO                      blemático, dessa vez da luta de      em 2006.
BOQUEIRÃO (BAHIA)                    uma comunidade quilombola
São Francisco do Paraguaçu           contra o aparato militar do Es-      BAIXO SUL DA BAHIA
tornou-se um caso emblemáti-         tado, mais precisamente a Ma-        Na região chamada de “Cos-
co para o movimento quilom-          rinha de Guerra. Marambaia           ta do Dendê”, na Bahia, há um
bola no Brasil ao ser alvo de        funciona como uma espécie de         conjunto de dezoito comu-
polêmica gerada pela grande          “teste” para o estado de direito     nidades quilombolas com as
mídia para criar opinião pú-         no país: de um lado está a co-       quais Koinonia trabalha des-
blica contrária aos interesses       munidade quilombola, dotada          de 2007. Essas comunidades
quilombolas. Uma reportagem          de todos os referenciais neces-      têm se organizado a partir da
veiculada em maio de 2007 no         sários para seu reconhecimento       pressão dos governos munici-
horário nobre da TV Globo,           legal e a regularização de suas      pais, que, no intuito de captar
canal com maior audiência no         terras; de outro, o interesse fun-   recursos federais destinados
país, acusava a comunidade e         diário militar, representando o      a comunidades quilombolas,
seus aliados de forjarem um          Estado.                              começaram a “estimular” seu
“falso quilombo”. Essa reporta-      A Marinha se utiliza do dis-         reconhecimento legal sem que
gem foi parte da onda violenta       curso ambientalista para criar       elas sequer soubessem do que
de acusações desse tipo contra       ou reforçar um argumento de          se tratava.
comunidades quilombolas em           racismo ambiental, afirmando         É relevante notar como o grupo
todo o país e teve forte reper-      que a comunidade quilombola          de comunidades tem consegui-
cussão negativa na opinião pú-       “faveliza” a ilha. A comunidade      do se articular, resistir à pressão
blica nacional.                      foi alvo de campanha da mídia        dos governos locais e tornar-se
A CESE vem apoiando a comu-          (Jornal O Globo) a partir desse      um ator político com voz pró-
nidade de São Francisco do Pa-       falso argumento ambientalista.       pria. No entanto, essa experiên-
raguaçu por meio do Programa         Também está presente neste           cia também é representativa das
de Pequenos Projetos, (apoios        caso a estratégia de criminali-      dificuldades e perigos da “corri-
à Comissão Pastoral da Pesca/        zação: a Marinha utiliza instru-     da” desenfreada dos municípios
CPP, que atua diretamente na         mentos coercitivos de caráter        por recursos federais com base
comunidade desde 2005, e à           policial, como os inquéritos, a      na declaração da existência de
Associação dos Remanescentes         fim de aterrorizar os ilhéus.        comunidades quilombolas, que
de Quilombo de São Francisco         Koinonia vem atuando em Ma-          consiste em um evidente mau
do Paraguaçu – Boqueirão), e         rambaia desde 2002, apoiando         uso do instrumento de autoa-
de ações de comunicação e de         a organização e a luta dos qui-      tribuição e gera sérios atrope-
advocacy.                            lombolas e levando o caso para       los no processo de apropriação
Esse caso é representativo de        instâncias nacionais e interna-      dessa identidade.
tantos outros que enfrentam          cionais. A atuação no local foi      O aspecto mais delicado desse
desafios semelhantes e con-          fundamental para a elaboração        fenômeno reside na regulariza-
grega elementos ilustrativos da      da metodologia de interven-          ção fundiária, já que os gover-
situação quilombola. O coro-         ção de Koinonia, assim como          nos municipais acenam para as
nelismo local, que reflete a per-    para a criação do Observatório       comunidades com as possíveis
petuação da aristocracia agrária     Quilombola (portal na Internet       melhorias trazidas por projetos
no poder no Brasil, o poder de       com notícias e análises da situ-     especiais quilombolas (água,
influência política e jurídica dos   ação quilombola no país)2.           luz, casas etc.), mas não discu-
fazendeiros envolvidos, que têm      A resistência da comunidade,         tem a titulação coletiva da ter-
orquestrado uma situação de          os ganhos jurídicos logrados,        ra. Isso ocorre numa região em
criminalização do movimento,         que possibilitaram uma dimi-         que a única forma de comuni-
levando inclusive à morte de         nuição da coerção da Marinha         dades expulsas de seus territó-
duas lideranças da comunida-         e da expulsão dos ilhéus, são        rios terem acesso à terra foram
de, e o racismo ambiental – que      alguns dos fatores que levam         os assentamentos de reforma
apresenta os quilombolas como        os quilombolas da Marambaia          agrária, ou em que o órgão
depredadores do meio ambiente        a persistirem na luta e a acredi-    fundiário do estado titulou em
e os fazendeiros como ambien-        tarem na vitória final, mesmo        lotes individuais parte de ou-
talistas (ou preservacionistas)      frente a adversário tão pode-        tras comunidades e em que, ao
– são exemplos de elementos          roso. O caso da Marambaia foi        mesmo tempo, a especulação
presentes neste e em tantos ou-      motivo de intervenção da Casa        imobiliária provocada pelo tu-
tros casos no país.                  Civil da Presidência da Repú-        rismo começa a se intensificar.
                                     blica, originando a revogação
MARAMBAIA (RIO DE                    da publicação do Relatório
JANEIRO)                             Técnico de Identificação e De-         2
                                                                                Ver: http://www.koinonia.org.br/oq/
12
         COMUNIDADES               QUI-                     área do CAPA-Sul: Cerro das             tudos, realizou encontros de
         LOMBOLAS DO TER-                                   Velhas, Torrão, Monjolo e Ma-           comunidades negras rurais
         RITÓRIO SUL DO RIO                                 çambique.                               com até três mil pessoas, orga-
         GRANDE DO SUL                                      O trabalho político de tecer es-        nizou e participou de mobili-
         Hoje existem 43 comunidades                        sas parcerias, bem como o pro-          zações na longa trajetória de
         quilombolas reconhecidas pela                      cesso de autorreconhecimento            luta quilombola em favor da
         Fundação Cultural Palmares e                       dessas comunidades, frente ao           regularização de suas terras.
         com processos de regulariza-                       racismo existente no país e re-         Em 1995, o CCN criou o Proje-
         ção fundiária abertos no Incra                     forçado pelo mito da não exis-          to Quilombo: Resistência Ne-
         na região do Território da Ci-                     tência de populações negras na          gra (PQRN), com o objetivo de
         dadania Sul do Rio Grande do                       região, representa um grande            trabalhar o fortalecimento da
         Sul. A simples existência dessas                   avanço e um enorme desafio              identidade quilombola a partir
         comunidades na região já causa                     para a atuação da própria IE-           de ações educativas e político-
         um grande estranhamento para                       CLB, para o movimento negro             culturais. O foco do trabalho
         muitos, acostumados a pensar                       e para o nascente movimento             do PQRN são as escolas das
         em um sul sem negros.                              quilombola no Rio Grande do             comunidades, formando pro-
         Essa tem sido a atuação do                         Sul. O maior desafio está na            fessores e buscando incidir em
         CAPA-Sul, projeto da FLD, que                      questão fundiária, já que as co-        suas práticas pedagógicas, mas
         começou a trabalhar com os                         munidades quilombolas hoje              também atuando diretamente
         quilombolas desde 2002. Cria-                      ocupam áreas extremamente               com crianças, jovens e mulhe-
         do para trabalhar inicialmente                     limitadas, cercadas em parte            res, entendendo o processo
         com os agricultores luteranos,                     por fazendeiros, mas em gran-           educativo como caminho de
         grande parte da minoria po-                        de parte por agricultores fami-         fortalecimento da organização
         merana3, a FLD/CAPA foi aos                        liares da “colônia” pomerana,           das comunidades.
         poucos ampliando seu público,                      que também são uma minoria              O trabalho pioneiro no Mara-
         trabalhando com acampados e                        com um histórico de dif ícil            nhão propiciou que, em 1997,
         assentados da reforma agrária,                     acesso à terra.                         fosse criada a primeira orga-
         com pescadores, com indíge-                                                                nização quilombola de nível
         nas, com quilombolas, cola-                        MARANHÃO/CENTRO                         estadual do país, a Associa-
         borando, assim, para uma re-                       DE CULTURA NEGRA                        ção das Comunidades Negras
         flexão interna promovida pela                      (CCN)                                   Rurais Quilombolas do Ma-
         Igreja Evangélica de Confissão                     A primeira comunidade qui-              ranhão (Aconeruq). Tanto o
         Luterana no Brasil – IECLB a                       lombola que recebeu algum               CCN como a SMDDH consi-
         respeito de quem são os mais                       tipo de demarcação, ainda que           deram a criação da Aconeruq
         marginalizados.                                    não como tal, mas sim como              como um impacto significa-
         O diferencial aqui é o foco no                     reserva extrativista, foi Frechal,      tivo de sua intervenção. Ela
         desenvolvimento sustentável                        no Maranhão. Junto ao Pará, o           foi parte da criação da atual
         – produção e comercialização                       Maranhão foi um dos estados             Conaq (Comissão Nacional de
         de alimentos e de artesanato,                      onde o movimento quilombo-              Articulação das Comunidades
         permitindo que os quilombo-                        la se iniciou. O Projeto Vida de        Negras Rurais Quilombolas) e
         las passassem a fazer parte da                     Negro (PVN), desenvolvido               é uma das quatro organizações
         rede organizada da agricultura                     pelo Centro de Cultura Negra            quilombolas       consideradas
         familiar na região (cooperati-                     (CCN) e pela Sociedade Mara-            mais consolidadas, dentre as
         vas, centros de venda, feiras) e                   nhense de Defesa de Direitos            vinte existentes no país.
         a acessar projetos de governo                      Humanos (SMDDH) desde                   Atualmente, o CCN tem atua-
         que favorecem o aumento da                         1988 com o objetivo de mape-            do mais diretamente no Médio
         renda dos agricultores. A par-                     ar as comunidades negras ru-            Mearim e no Baixo Parnaíba,
         ticipação dos quilombolas em                       rais do Maranhão, é um marco            regiões com alto grau de ten-
         espaços políticos (Fórum de                        histórico importante por seu            são fundiária4 - com recorte
         Agricultura Familiar, Colegia-                     pioneirismo.       Desenvolveu          específico para o trabalho com
         do do Território) é um signifi-                    uma metodologia de mapea-               as quebradeiras de coco de ba-
         cativo avanço em relação à situ-                   mento das comunidades que               baçu. Continua trabalhando
         ação de total invisibilidade em                    gerou grande envolvimento               em parceria com a CESE, seja
         que viviam essas comunidades.                      e mobilização da população              por meio do Programa de Pe-
         Para este estudo, foram visi-                      quilombola no estado. O PVN             quenos Projetos ou em espa-
         tadas quatro comunidades na                        produziu laudos, publicou es-           ços comuns, como o Progra-
                                                                                                    ma Água, Terra e Território,
     3
       Os pomeranos formam uma etnia descendente de tribos eslavas e germânicas que vivem           da ICCO.
     na região histórica da Pomerânia ao longo da costa do Mar Báltico.                             Para este estudo, três comuni-
     4
       Flaviano Pinto Neto, líder da comunidade quilombola do Charco, no estado do Maranhão,        dades foram visitadas: Santa
     foi morto a tiros em 30 de outubro de 2010. A denúncia foi feita pela Anistia Internacional.
13
Maria dos Pinheiros, Filipa e      níveis de identificação de im-                 enfrentam no caminho para
Santa Rosa dos Pretos, todas no    pactos – um, a partir das co-                  a titulação de suas terras, ao
município de Itapecuru-Mirim.      munidades mesmas, em rela-                     longo de um período em que
Essas comunidades haviam           ção ao trabalho do CCN; outro,                 o estado foi normatizando
iniciado seus processos de ti-     a partir do trabalho do CCN                    cada vez mais o processo, em
tulação na época do PAMN5 e        em relação à questão quilom-                   que mais legislação foi criada,
contaram com a atuação tanto       bola no estado e no país. Pro-                 em que projetos especiais de
do PVN como do PQRN. Tam-          curou-se observar como essas                   desenvolvimento quilombola
bém foi feita uma revisão da in-   comunidades veem o CCN e                       foram desenvolvidos pelo go-
tervenção mais ampla do CCN,       avaliam essa relação; e qual a                 verno federal, em que o tema
considerando a situação geral      reflexão que o CCN faz sobre                   quilombola se transformou
das comunidades e do movi-         a parceria com a CESE e com a                  numa questão nacional, mas
mento quilombola no Mara-          Christian Aid.                                 em que, ao mesmo tempo,
nhão, tomando como foco a          Esse caso permite observar                     pouco se avançou na resolu-
Aconeruq.                          as principais dificuldades que                 ção da situação fundiária das
No caso do Maranhão, há dois       as comunidades quilombolas                     comunidades em todo o país.




                                   5
                                    De 1996 a 2002, o CCN fez parte do Programa de Apoio ao Movimento Negro (PAMN),
                                   da CESE em parceria com a antiga EZE (depois EED). A sistematização dessa experi-
                                   ência gerou a publicação “Racismo no Brasil: por que um programa com quilombos?”. A
                                   partir do PAMN, o CCN desenvolveu uma parceria com a Christian Aid (ainda em vigência
                                   em 2010), para o apoio ao PQRN e para o desenvolvimento institucional do CCN.
14
15




PARTE I



HISTÓRICO E
CONTEXTO DA
QUESTÃO
QUILOMBOLA
NO BRASIL
16
     1. As comunidades quilombolas no Brasil1

         Origem                                       de agentes da sociedade de seu                    cia de quilombos contemporâneos
         A origem dos quilombos rela-                 entorno (comerciantes, tavernei-                  no Brasil é relativamente recente.
     ciona-se com o processo de resis-                ros, fazendeiros, escravos, negros                Apenas em 1988, com a promulga-
     tência ao regime de escravidão ne-               libertos).2 Tais relações eram parte              ção da nova Constituição Federal,
     gra que vigorou no Brasil1 por 300               das estratégias engendradas pelos                 o Estado brasileiro reconheceu a
     anos. Tais grupos se constituíram a              negros para escapar do jugo dos                   existência desse grupo social e lhes
     partir de uma grande diversidade                 senhores e garantir sua autonomia                 garantiu o direito à propriedade de
     de processos e estratégias de resis-             econômica.3                                       suas terras.
     tência: as fugas com ocupação de                     A abolição da escravidão em                        Na luta mais recente para fazer
     terras livres; o recebimento de ter-             1888 não significou o fim de tais                 valer esse direito, homens e mulhe-
     ras por herança, doação ou como                  grupos sociais, que permaneceram                  res quilombolas vão, aos poucos,
     pagamento de serviços prestados                  e resistiram em suas terras, sendo                superando a invisibilidade e eviden-
     ao Estado; a compra de terras; ou                por muitas décadas ignorados pelo                 ciando mais uma face da diversida-
     ainda, a permanência nas áreas que               Estado brasileiro e invisíveis à so-              de sociocultural do Brasil. Como
     ocupavam e cultivavam no interior                ciedade. Até hoje, tais comunida-                 coloca o antropólogo José Maurício
     de grandes propriedades.                         des constituem grupos étnicos que                 Arruti, trata-se de uma categoria so-
         Apesar do seu caráter de resis-              compartilham de uma identidade                    cial relativamente recente:
     tência e contestação, os quilombos,              que os singulariza e que constitui a
                                                      base para a sua organização, mobili-                     representa uma força social
     mesmo no período da escravidão,
                                                      zação e ação política, especialmente                relevante no meio rural brasileiro,
     não eram física ou economicamen-                                                                     dando nova tradução àquilo que
     te comunidades isoladas. No que                  no que se refere a seu relacionamen-
                                                                                                          era conhecido como comunida-
     tange à sua localização, era comum               to com os demais grupos e com o                     des negras rurais (mais ao centro,
     que estivessem situados nas proxi-               poder público.4                                     sul e sudeste do país) e terras de
     midades de centros urbanos ou de                                                                     preto (mais ao norte e nordeste),
     fazendas. Os quilombolas manti-                     Invisibilidade e reconhe-                        que também começa a pene-
     nham também relações comerciais                  cimento                                             trar o meio urbano, dando nova
     significativas com uma ampla gama                     O reconhecimento da existên-                   tradução a um leque variado de
                                                                                                          situações que vão desde antigas
                                                                                                          comunidades negras rurais atingi-
                                                                                                          das pela expansão dos perímetros
                                                                                                          urbanos até bairros no entorno de
                                                                                                          terreiros de candomblé.5

                                                                                                            A existência de quilombos con-
                                                                                                        temporâneos é uma realidade lati-
                                                                                                        no-americana. Tais comunidades
                                                                                                        são encontradas em países como
                                                                                                        Colômbia, Equador, Suriname,
                                                                                                        Honduras, Belize e Nicarágua. Em
                                                                                                        diversos deles – como ocorre no
                                                                                                        Brasil – seu direito às terras tradicio-
                                                                                                        nais é assegurado por instrumentos
                                                                                                        legais.
                                                                                                            No Brasil, estimativas do movi-
                                                                                                        mento social apontam a existência
                                                                                                        de cerca de três mil comunidades
                                                                                                        quilombolas. Essa cifra é endossa-
                                                                                                        da pela Secretaria de Políticas de
                                                                                                        Promoção da Igualdade Racial da
                                                                                                        Presidência da República (SEPPIR),

     1
       Este trecho foi redigido por uma especialista convidada, Lúcia Andrade, da Comissão Pró-Índio de São Paulo, e serviu como ponto de
     partida e de diálogo para a análise final.
     2
       REIS, João José  GOMES, Flávio dos Santos “Introdução - Uma História da Liberdade”, In: Liberdade por Um Fio. História dos Quilom-
     bos no Brasil, Reis  Gomes (Org.), Companhia das Letras, São Paulo, 1996: 9 - 25.
     3
       GOMES, Flávio dos Santos, “Quilombos do Rio de Janeiro no século XIX” In: Liberdade por Um Fio. História dos Quilombos no Brasil,
     Reis  Gomes (Org.), Companhia das Letras, São Paulo, 1996: 282.
     4
       A identidade étnica de tais grupos pode estar baseada em diferentes fatores, tais como a auto classificação, uma ancestralidade comum,
     uma estrutura de organização política própria, um sistema de produção particular (incluem-se aí as formas específicas de relação com os
     seus territórios), em características raciais, em elementos linguísticos e religiosos, ou em símbolos específicos.
     5
       In: ARRUTI, José Maurício Mocambo, antropologia e história do processo de formação quilombola, Bauru, SP, EDUSC, 2006: 26.
17
que afirma que o número de comu-               estão distribuídas por todas as re-             lombolas regularizados, 25 foram
                                                                                                                            15

nidades quilombolas identificadas              giões do país,13 ocupando biomas                tramitados pelo governo federal, 75
chega a 3.5246, embora o Cadastro              bastante diversos. Em sua maioria,              por governos estaduais e outros por
Geral de Remanescentes de Comu-                encontram-se na zona rural, mas                 meio de títulos concedidos pelo go-
nidades de Quilombos da Fundação               existem também grupos localiza-                 verno federal e governos estaduais
Cultural Palmares registre a apenas            dos em área urbana. Dentre os es-               (cada um para uma porção do terri-
1.527 grupos7.                                 tados com grande concentração de                tório), somando 971.376,0752 hec-
     Há de se ressaltar a grande lacu-         comunidades quilombolas, pode-                  tares onde reside uma população
na quanto às informações censitá-              mos citar Maranhão, Minas Gerais,               estimada em 11.491 famílias.16
rias (governamentais ou não) sobre             Bahia e Pará.                                        Quase metade dos territórios ti-
as comunidades quilombolas. Os                     As comunidades quilombolas                  tulados está localizada no Pará. Em
estudos disponíveis ainda são insu-            se caracterizam pela prática do sis-            segundo lugar, está o Maranhão,
ficientes para nos fornecer um qua-            tema de uso comum de terras, con-               com 22% do total de territórios re-
dro geral da situação das comunida-            cebidas como um espaço coletivo e               gularizados. Nas duas situações, o
des quilombolas no Brasil, embora              indivisível. O território é ocupado e           número significativo de titulações
apresentem alguns dados relevantes             explorado por meio de regras con-               advém da atuação dos governos es-
sobre grupos ou regiões específicos.           sensuais entre os diversos grupos fa-           taduais acionados pelo movimento
Contudo, ainda não se dispõe de le-            miliares que compõem as comuni-                 quilombola daqueles estados. No
vantamentos ou estimativas confiá-             dades, cujas relações são orientadas            Maranhão, todas as regularizações
veis sobre sua população ou sobre a            pela solidariedade e ajuda mútua.14             foram realizadas pelo Instituto de
dimensão de seus territórios.                      Seus territórios étnicos consti-            Terras do Maranhão e no caso do
     No esforço de suprir a lacuna             tuem um dos pilares de sua existên-             Pará, o Instituto de Terras do Pará
de informações, há que se destacar             cia enquanto grupo social. Portanto,            foi responsável pela entrega de 50%
a iniciativa pioneira do Projeto Vida          assegurar aos quilombolas o direito             dos títulos.
de Negro (PVN), desenvolvido                   à propriedade de seus territórios é
desde 1988 pelo Centro de Cultura              garantir não somente a sua sobre-                Estado                           Número de Territórios
Negra (CCN)8 e a Sociedade Mara-               vivência física, mas também a sua                Amapá                                           3
nhense de Defesa dos Direitos Hu-              cultura e modo de vida próprio.                  Bahia                                           5
manos (SMDDH)9 com o objetivo                      Tais características determinam
                                                                                                Goiás                                           1
de mapear as comunidades negras                que a titulação das terras quilom-
                                                                                                Maranhão                                       23
rurais do Maranhão.10                          bolas se diferencie da regulariza-
     A organização Koinonia Pre-               ção fundiária mais habitual, que                 Mato Grosso                                     1
sença Ecumênica e Serviço figura               costuma distribuir lotes individuais             Mato Grosso do Sul                              2
também entre as entidades que                  para cada família, padronizados de               Minas Gerais                                    1
têm se preocupado em levantar,                 acordo com o tipo de exploração,                 Pará                                           49
sistematizar e disponibilizar infor-           na maioria agrícola, e a localização             Pernambuco                                      2
mações sobre as comunidades qui-               do imóvel.                                       Piauí                                           5
lombolas, divulgando reportagens,                  Embora o direito das comuni-                 Rio de Janeiro                                  2
ensaios acadêmicos e fotográficos              dades quilombolas à propriedade                  Rio Grande do Sul                               2
e artigos analíticos sobre o tema no           das terras originárias/ocupadas
                                                                                                Rondônia                                        1
Observatório Quilombola11, criado              esteja assegurado na Constituição
                                                                                                São Paulo                                       6
em 2005.12                                     desde 1988, apenas 185, uma ínfima
                                               parcela de 6% das 3.000 que se esti-             Sergipe                                         1
    Os Territórios                             ma existir, lograram regularizar seus            TOTAL                                         104
    As comunidades quilombolas                 territórios. Dos 104 territórios qui-            Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo, agosto de 2010


    6
      In: SEPPIR, Comunidades Quilombolas Brasileiras - Regularização Fundiária e Políticas Públicas, Brasília, 2010: 8. Acessado em
    12/07/2010 https://gestaoseppir.serpro.gov.br/.arquivos/relatorio_gestao_pbq2009
    7
      In: Fundação Cultural Palmares www.palmares.gov.br, consulta em 9/07/2010.
    8
      Ver: http://www.ccnma.org.br/
    9
      Ver:HTTP://WWW.smdh.org.br/
    10
       Segundo o CCN (Centro de Cultura Negra do Maranhão) e a SMDDH (Sociedade. Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos), “para
    o surgimento e implementação do PVN, foi decisiva a participação solidária de agências de cooperação internacional”, entre elas a CESE
    e a EZE (agora EED). In: CCN  SMDDH, Vida de Negro no Maranhão: Uma experiência de luta, organização e resistência nos territórios
    quilombolas, São Luis, maio de 2005: 41.
    11
       Ver: HTTP://www.koinonia.org.br/oq/default.asp
    12
       No universo de ONGs podemos citar também os trabalhos do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) dedicados às
    comunidades quilombolas de Minas Gerais e o monitoramento da legislação, ações judiciais e processos administrativos de âmbito nacional
    desenvolvido pela Comissão Pró-Índio de São Paulo.
    13
       Somente nos estados do Acre e Roraima não se tem informação sobre a existência de comunidades quilombolas.
    14
       ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, “Documento do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais”, Rio de
    Janeiro, 17/18 de outubro de 1994.
    15
       A diferença entre o número de comunidades (180) e terras (104) deve-se aos casos em que em um mesmo território titulado vivem mais
    de uma comunidade.
    16
       In: Comissão Pró-Índio de São Paulo www.cpisp.org.br/terras
18
        Direitos Humanos Eco-                       de invasões e tampouco das conse-                   Também são preocupantes os
     nômicos, Sociais, Culturais                    quências das mudanças climáticas.               dados referentes a saneamento bá-
     e Ambientais                                       A insegurança quanto à terra e              sico, um elemento sintomático para
         As comunidades quilombolas                 à moradia dificulta o planejamen-               a melhoria das taxas de desnutrição
     vivenciam uma situação de desigual-            to e a adoção de medidas voltadas               infantil. Apenas pouco mais de 30%
     dade socioeconômica e de violação              para o desenvolvimento susten-                  das residências quilombolas en-
     de direitos humanos, econômicos,               tado dos territórios quilombolas                trevistadas estavam ligadas à rede
     sociais, culturais e ambientais.               e afeta, entre outros, o direito à              pública de água e esgoto ou dispu-
         A morosidade do governo na                 alimentação adequada. Os resul-                 nham de fossa séptica.20
     efetivação das titulações coloca os            tados da “Chamada Nutricional                       Um artigo que analisa os dados
     quilombolas em situação de vulne-              Quilombola 2006”17 evidenciam a                 da “Chamada Nutricional Quilom-
     rabilidade, mais suscetíveis às cres-          realidade de insegurança alimentar              bola 2006” destaca a situação de desi-
     centes pressões do agronegócio, da             vivenciada por essas populações.                gualdade vivida pelos quilombolas:
     mineração, de empreendimentos                  Uma das conclusões do estudo é
                                                    que “do ponto de vista da nutrição          Conforme a classificação da
     de infraestrutura e dos programas
                                                    de menores de cinco anos, fica es-     Associação Brasileira de Insti-
     governamentais de “segurança na-                                                      tutos de Pesquisa de Mercado
     cional” Nas diversas regiões do país,
            .                                       tabelecido que se constituem em
                                                                                           (Abipeme) constata-se que 57%
     registram-se conflitos envolvendo              grupo com altos riscos de desnu-       das famílias quilombolas entre-
     territórios quilombolas, como os               trição, igualando-se às crianças do    vistadas encontram-se dentro da
     vividos pelas comunidades Maram-               nordeste urbano de uma década          classe E, o que significa crianças
     baia (Rio de Janeiro), São Francisco           anterior à ‘Chamada’” (1996).18        de zero a cinco anos vivendo em
     do Paraguaçu (Bahia) e as localiza-                A pesquisa do Ministério do        residências desprovidas de insta-
     das no Baixo Parnaíba (Maranhão),              Desenvolvimento Social e Combate       lações e equipamentos mínimos.
                                                    à Fome indica que a proporção de       De acordo com a Associação
     objeto dos estudos de caso apre-
                                                    crianças de até cinco anos desnutri-   Brasileira de Estudos Populacio-
     sentados pela presente avaliação de                                                   nais – Abep (2003), esse grupo
     impacto.                                       das é 76,1% maior do que na popu-
                                                                                           populacional encontra-se inclu-
         Consequentemente, muitas co-               lação brasileira e 44,6% maior do que  ído entre os 4% mais pobres da
     munidades têm o acesso aos recur-              na população rural. A incidência de    sociedade brasileira. 21
     sos naturais dos seus territórios cer-         meninos e meninas com déficit de
     ceado pela ação de terceiros. Outras           peso nessas comunidades é de 8,1%        Tal desigualdade reflete-se tam-
     sofrem com os impactos ambien-                 — maior também do que entre as       bém no acesso à educação. O Rela-
     tais de empreendimentos vizinhos               crianças do semiárido brasileiro     tório do Fundo das Nações Unidas
     ou sobrepostos às suas terras, tais            (6,6%).                              para a Infância (Unicef)22 de 2009 in-
     como hidroelétricas,                                                                             clui os quilombolas entre
     madeireiras, minera-                            Desnutrição infantil                             os grupos que estão em
     doras e os grandes em-             (% de crianças até 5 anos com déficit de peso)                situação mais vulnerável
     preendimentos de mo-             8,1%                                                            quando se trata do ple-
     nocultura de eucalipto.                                                        6,6%              no exercício do direito
                                                      4,6%          5,6 %
     É importante destacar                                                                            de aprender, juntamen-
     que inexistem progra-                                                                            te com as meninas e os
     mas ou políticas gover-                                                                          meninos que vivem no
     namentais que visem                                                                              campo, os indígenas e as
                                  Quilombolas População         População        Semi-árido
     proteger os territórios                                                                          crianças e os adolescen-
     quilombolas e seus                           brasileira    rural
                                                                                                      tes com deficiência. O
     recursos naturais dos                                                                            Unicef avalia que a edu-
     impactos de grandes Fontes: Pesquisa de Orçamentos Familiares, Pesquisa Nacional so-             cação oferecida nas co-
                                 bre Demografia e Saúde e Chamada Nutricional Quilombola 200619
     projetos, das ameaças                                                                            munidades quilombolas




     17
        Estudo pioneiro do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome realizado junto a 60 comunidades quilombolas (3.000
     famílias) em 22 estados do país em 2006.
     18
        Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Chamada Nutricional Quilombola 2006 - Resumo Executivo, Brasília, maio de
     2007: 7
     19
        PNUD “Desnutrição é 76% maior entre quilombolas”, Brasília, 16/05/2007 www.pnud.org.br/raca/reportagens/index.
     php?id01=2684lay=rac
     20
        SILVA, Helena Oliveira et alli, “Diagnóstico das Condições de Vida nas Comunidades Incluídas na Chamada Nutricional Quilombola, In:
     Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Políticas Sociais e Chamada Nutricional Quilombola: estudos sobre condições
     de vida nas comunidades e situação nutricional das crianças, Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate. – N. 9, Brasília,
     2008:45	
     21
        Idem, ibidem: 42-43
     22
        Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender:
     Potencializar avanços e reduzir desigualdades, Brasília, 2009.
19
é, em geral, bastante precária:                   comunidades quilombolas situ-                 dessas comunidades em concluir
                                                  adas nos estados do Semiárido,                os estudos no campo. Apesar de
       As escolas frequentemente                  existem 846 escolas de Ensino                 concentrar a maioria dos estabele-
  estão distantes das casas dos alu-              Fundamental e apenas nove de                  cimentos de ensino quilombolas da
  nos, não apresentam infraestrutu-               Ensino Médio, segundo dados                   região (423), o Maranhão não tinha
  ra adequada ao seu funcionamen-                 do Censo Escolar 2007.24                      uma escola sequer que oferecesse o
  to e poucas conseguem oferecer                                                                Ensino Médio.26
  o Ensino Fundamental completo.                    Os dados sobre as escolas                       O Relatório informa que nos
  Além de serem poucos para aten-              quilombolas na Amazônia Legal                    últimos anos, os quilombolas tor-
  der a demanda, os professores, em            também revelam dificuldades: em                  naram-se foco de políticas públicas
  sua maioria, não têm a formação
                                               2007, apenas 15% dos 2.449 docen-                específicas e de ações desenvolvi-
  adequada para dar aulas.23
                                               tes tinham Ensino Superior e 73%                 das por diferentes organizações da
                                               haviam concluído o Ensino Médio,                 sociedade civil. Com isso, verifi-
       O documento afirma ainda que
                                               segundo o Censo Escolar (Inep/                   cou-se uma melhora nos indicado-
       [...] é comum nessas comuni-            MEC). Nas escolas não quilombo-                  res educacionais relativos a eles. O
  dades a presença de classes mul-             las da região esse índice foi de 54% e           Unicef pondera, contudo, que “ain-
  tisseriadas. Em geral, as crianças           45%, respectivamente.25                          da há enormes desafios a enfrentar
  fazem as séries iniciais e, depois,               Ainda segundo o Unicef, em                  para garantir a essas crianças e a es-
  precisam se deslocar longas dis-             2007, somente 148 alunos cursavam                ses adolescentes o acesso à escola
  tâncias para complementar os                 o Ensino Médio em escolas quilom-                e uma educação de qualidade, que
  estudos. No Ensino Médio, a                  bolas na Amazônia, o que revela a                efetivamente atenda às suas neces-
  oferta é ainda mais crítica: nas
                                               dificuldade dos meninos e meninas                sidades de aprendizagem”.27

2. Direito à terra e ao território - Marcos legais28
     Na América do Sul, três cons-
tituições reconhecem direitos de
comunidades quilombolas: as da
Colômbia, do Brasil e do Equador. A
Colômbia foi o primeiro país a tratar
em sua constituição do direito à ter-
ra dos afro-colombianos em 1991,
direito que foi regulamentado pela
Lei 70/1993 e Lei 397/1997.
     No Equador, a constituição de
1998 já reconhecia aos afro-equa-
torianos direitos coletivos às suas
terras. A nova constituição de 2008
reafirma tais direitos. O Equador
conta também com a Ley de los
Derechos Colectivos de los Pue-
blos Negros o Afroecuatorianos,
de 2006, que assegura os direitos
dos povos negros sobre as suas ter-
ras ancestrais.
     Na América Central, a constitui-
ção da Nicarágua, de 1987, garante
às “comunidades da costa atlântica”
as formas comunais de propriedade
das terras e o procedimento para
titulação dessas terras está regu-
lamentado pela Lei 445/2002. Em                pecifica que as mesmas devem ser                 estão assegurados na Constituição
Honduras a Ley de Propiedad de                 tituladas de forma coletiva.                     Federal e nas constituições dos Es-
2004 reconhece o direito dos afro-                  No Brasil, os direitos territo-             tados da Bahia, Goiás, Maranhão,
hondurenhos às suas terras e es-               riais das comunidades quilombolas                Mato Grosso e Pará. Seus direitos


  23
     Idem: 28
  24
     Idem: 69
  25
     Idem: 93.
  26
     Idem: 92.
  27
     Idem: 23.
  28
     Todos os marcos legais mencionados nesta parte podem ser encontrados em: http://www.cpisp.org.br/htm/leis/
20
     estão garantidos também na Con-                popular, mas não alcançou o nú-                 denamento fundiário.
     venção 169 da Organização Inter-               mero necessário de assinaturas para
     nacional do Trabalho, sobre Povos              permitir a sua tramitação. Em 20 de                Direitos à terra e ao ter-
     Indígenas e Tribais, instrumento               agosto de 1987 a proposta voltou a              ritório
     internacional ratificado pelo Brasil           ser apresentada, sendo formalizada                   Outros dois artigos da Cons-
     em 2003 e que, portanto, tem força             pelo Deputado Constituinte Carlos               tituição Brasileira também reco-
     de lei em nosso país.                          Alberto Caó (PDT-RJ).30 Foi apro-               nhecem direitos das comunidades
                                                    vada “no apagar das luzes” graças               quilombolas, ainda que não haja
        O Artigo 68 da Consti-                      às intensas negociações políticas               menção específica a elas: os artigos
     tuição Federal                                 conduzidas por representantes do                215 e 216 do Capítulo III, sobre
          O dispositivo constitucional29            movimento negro do Rio de Janeiro,              Educação, Cultura e Desporto.
     que garante aos quilombolas a pro-             dentre eles, o próprio Dep. Carlos                   O artigo 215 determina que o
     priedade de suas terras é fruto de             Alberto Caó e a Deputada Benedita               Estado proteja as manifestações
     uma articulação do movimento                   da Silva (PT/RJ).31                             culturais afro-brasileiras. Já o artigo
     negro, responsável também pela                      O fato de a Assembleia Cons-               216 considera os bens de natureza
     inclusão de dispositivo semelhante             tituinte ter coincidido com o pe-               material e imaterial dos diferentes
     em constituições estaduais.                    ríodo do Centenário da Abolição                 grupos formadores da sociedade
          O objetivo da iniciativa era re-          contribuiu para a conformação de                brasileira, entre os das comunida-
     parar a injustiça histórica cometida           um cenário favorável à aprovação                des negras – formas de expressão,
     pela sociedade escravocrata bra-               do Artigo 68. Outro fator que cons-             modos de criar, fazer e viver – como
     sileira contra o povo negro. Uma               pirou favoravelmente foi o desco-               patrimônio cultural brasileiro, a ser
     reparação que se concretizaria por             nhecimento sobre a realidade das                promovido e protegido pelo Poder
     meio do reconhecimento dos di-                 comunidades quilombolas e as im-                Público.
     reitos das comunidades de descen-              plicações do que estava sendo apro-                  Conforme explica a Procurado-
     dentes dos antigos escravos possibi-           vado. Os constituintes não tinham               ra Isabel Cristina Groba, em função
     litando-lhes, finalmente, o acesso à           ideia do impacto da aprovação do                dos artigos 215 e 216 da Constitui-
     propriedade de suas terras.                    artigo uma vez que se imaginava                 ção pode-se afirmar que a obrigação
          A proposta foi inicialmente               que beneficiaria um número muito                do Estado para com as comunida-
     apresentada à Assembleia Nacional              restrito de comunidades e não teria             des quilombolas não se restringe ao
     Constituinte na forma de emenda                maiores consequências sobre o or-               reconhecimento da propriedade:

                                                                                                            A norma do artigo 68 do
                                                                                                       ADCT deve ser vista sempre em
                                                                                                       cotejo com as normas de pre-
                                                                                                       servação cultural desses grupos
                                                                                                       na condição de formadores da
                                                                                                       sociedade nacional, assegurando-
                                                                                                       se-lhes a oportunidade de conti-
                                                                                                       nuarem a reproduzir-se de acordo
                                                                                                       com as suas tradições, sob pena
                                                                                                       de estarem feridos os princípios
                                                                                                       maiores fundadores de nossa Re-
                                                                                                       pública. Os seus modos de fazer
                                                                                                       e viver são os bens imateriais a
                                                                                                       que alude a Constituição de 1988,
                                                                                                       competindo destarte ao Poder
                                                                                                       Público, com a colaboração da co-
                                                                                                       munidade, proteger tal patrimô-
                                                                                                       nio por todos os meios e formas
                                                                                                       de acautelamento e preservação,
                                                                                                       assegurando a sua permanência
                                                                                                       contra todos os atos públicos e
                                                                                                       privados tendentes a descaracteri-
                                                                                                       zar-lhes o traço cultural ou atentar
                                                                                                       contra a sua forma de viver. 32

                                                                                                         Dessa forma, a Constituição per-

     29
        Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando
     suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
     30
        TRECCANI, Girolamo D. Terras de Quilombo - Caminhos e entraves do processo de titulação, Belém, Secretaria Executiva da Justiça/Pro-
     grama Raízes, 2006: 77.
     31
        In: ARRUTI, Op. Cit: 67.
       VIEIRA, Isabel Cristina Groba, palestra reproduzida In: “ANDRADE, Lúcia M. M. de (org.) Desafios para o Reconhecimento das Terras
     Quilombolas, São Paulo, Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1997: 51-52.
21
mite interpretar que o direito dos
quilombolas à terra está associado
ao direito à preservação de sua cul-
tura e organização social específica,
legitimando, portanto, o conceito de
território, entendido como espaço de
reprodução física e social.
     O direito ao território está as-
segurado também pela Convenção
169 sobre Povos Indígenas e Tri-
bais da Organização Internacional
do Trabalho (OIT)33 que determi-
na que se reconheçam os direitos
de propriedade e de posse desses
povos sobre as terras que tradicio-
nalmente ocupam (artigo 14). O
tratado internacional estabelece,
ainda, que o termo “terras” deverá
“incluir o conceito de territórios, o
que abrange a totalidade do habitat
das regiões que os povos interessa-
dos ocupam ou utilizam de alguma
outra forma” (artigo 13).
     Consonante com as normas
superiores, o Decreto 4.887/ 2003,
que estabelece os procedimentos                  outubro de 1999 quando a 11ª ree-                  editou o Decreto nº 3.912 que, ao
para titulação das terras quilom-                dição da Medida Provisória 1.911                   regulamentar o procedimento para
bolas, também reconhece que são                  delegou ao Ministério da Cultura a                 titulação das terras de quilombo,
“terras ocupadas por remanescentes               competência para titular as terras                 restringiu o alcance do Artigo 68. O
das comunidades dos quilombos as                 quilombolas. A mudança de com-                     decreto estabeleceu que apenas as
utilizadas para a garantia de sua re-            petência refletia a decisão do gover-              “terras que eram ocupadas por qui-
produção física, social, econômica e             no Fernando Henrique Cardoso de                    lombos no ano de 1888” e as que es-
cultural” (artigo 2º, § 2º).                     não realizar desapropriações para                  tavam “ocupadas por remanescen-
                                                 assegurar a titulação das terras de                tes das comunidades dos quilombos
   Histórico da normatiza-                       quilombo. Em consonância com tal                   em 5 de outubro de 1988” poderiam
ção federal                                      orientação, em novembro de 2000, a                 ser contempladas pelo Artigo 68.
     O Artigo 68 é autoaplicável, ou             Fundação Cultural Palmares outor-                       Tal classificação temporal, que
seja, não necessita de norma que o               gou um “pacote de titulações” sem                  não encontrava qualquer respaldo
regulamente, produzindo efeitos por              a desapropriação ou anulação dos                   no texto constitucional, restringia
si só, independente de normatização              títulos de terceiros incidentes nas                enormemente os potenciais bene-
complementar.34 Portanto, as normas              terras quilombolas, nem tampouco                   ficiários do artigo 68. Os principais
inferiores não vêm para regulamen-               a retirada dos ocupantes não qui-                  atingidos pela medida foram os qui-
tá-lo, mas sim para orientar a ação do           lombolas. Dez das doze comunida-                   lombolas de áreas de conflito que na
Poder Executivo quantos aos proce-               des “beneficiadas” com esses títulos               data da promulgação da Constitui-
dimentos para identificar, delimitar e           sofrem até hoje com o conflito gera-               ção não se encontravam na posse
titular as terras quilombolas.                   do por essa medida e não têm livre                 de seus territórios, justamente em
     Data de novembro de 1995 a pri-             acesso aos recursos naturais de suas               decorrência das disputas.
meira iniciativa para normatização               terras. Na gestão do governo Lula,                      O resultado do Decreto
dos procedimentos de regularização               o Incra abriu novo processo para                   3.921/2001 foi a completa parali-
dessa categoria de terras: a Portaria            regularizar essas áreas, com vistas                sação das titulações das terras de
307 do Incra, que determinava que as             a proceder às devidas desapropria-                 quilombo por parte do governo
comunidades quilombolas tivessem                 ções e reassentamentos.                            federal. Nenhuma terra de quilom-
suas áreas demarcadas e tituladas.                    Em 10 de setembro de 2001,                    bo foi regularizada durante/sob a
     Tal regulamentação vigorou até              o presidente Fernando Henrique                     vigência desse decreto.

   33
      As comunidades quilombolas constituem grupos étnicos e, assim sendo, enquadram-se na definição de “povo tribal” do artigo 1.1.a. da C
   169 da OIT e são sujeitos dos direitos estabelecidos na Convenção. O governo brasileiro reconhece a aplicabilidade da C 169 às comunida-
   des, por exemplo, na Instrução Normativa Incra 57/2009 (artigo 2º). Decisões da Justiça Brasileira também referendam o entendimento de
   que as comunidades quilombolas são grupos específicos sobre os quais a Convenção 169 da OIT se aplica.
   34
      Sobre o tema, o jurista Dalmo Dallari afirma que “Essa norma, que define e garante direitos fundamentais, é auto-aplicável, por força do que
   dispõe o parágrafo 1 do artigo 5 da Constituição. E o referido artigo 68 não exige lei regulamentadora, sendo juridicamente perfeita a edição
   de decreto federal, estabelecendo regras administrativas visando dar àquela norma constitucional efetividade prática, possibilitando o gozo
   dos direitos” In: DALLARI, Dalmo de Abreu: “Direitos constitucionais dos quilombos” In; Gazeta Mercantil, Caderno A - Pág. 1023/3/2009.
22
                           Histórico de aprovação de normas federais sobre                                             Já as normas dos demais estados fo-
                           procedimentos para titulação das terras quilombolas                                         ram aprovadas entre 2002 e 2010.
                                                                                                                            De forma geral, as normas esta-
 Ano Norma                     Conteúdo                                                                                duais definem procedimentos mais
 1995 Portaria Incra n.º 307 Determinou que as comunidades quilombolas tivessem suas áreas                             céleres e eficazes para identificação,
                             demarcadas e tituladas.                                                                   delimitação e titulação das terras
 1999 11ª reedição da Me- Delegou ao Ministério da Cultura a competência para titular as                               quilombolas. E, por isso, têm se cons-
      dida Provisória 1.911 terras quilombolas.                                                                        tituído num importante instrumento
 2001 Decreto n.º 3.912      Regulamentou o procedimento para titulação das terras de quilom-                          de garantia de direitos. Dos 104 terri-
                             bo. Restringiu o alcance do Artigo 68 ao estabelecer que apenas                           tórios quilombolas regularizados até
                             as “terras que eram ocupadas por quilombos no ano de 1888” e as                           o momento, 75 foram titulados por
                             que estavam “ocupadas por remanescentes das comunidades dos                               governos estaduais, e somente 25
                             quilombos em 5 de outubro de 1988” poderiam ser contempladas                              pelo governo federal. Outras cinco
                             pelo Artigo 68.                                                                           terras foram regularizadas por meio
 2003 Decreto n.º 4.887      Regulamentou o procedimento para titulação das terras de                                  de títulos concedidos pelo governo
                             quilombo (revogou o decreto de 2001).                                                     federal e governos estaduais (cada
 2008 Instrução Normativa Gerou retrocessos na garantia de direitos por meio da introdução                             uma para uma porção do território).
      Incra nº 49            de empecilhos burocráticos nos procedimentos para identificação e
                             titulação das terras quilombolas.                                                              Políticas públicas
                             Criou as condições para a retomada das titulações: adotou uma                                  A luta dos quilombolas permitiu
                             conceituação adequada de comunidade e de terra de quilombo                                que programas e ações do governo
                             com a adoção do critério da autoidentificação; reconheceu a pos-                          federal e estadual fossem criados
                             sibilidade de desapropriação de propriedades incidentes em terras                         para assegurar políticas públicas
                             de quilombos e atribuiu a competência de condução do processo                             específicas, ampliando o reconheci-
                             ao Incra.                                                                                 mento de direitos para além da ga-
                                                                                                                       rantia territorial.
                           Normas federais atuais                         Os obstáculos foram acresci-                      Exemplo disso é o Programa
                           Atendendo à reivindicação dos              dos progressivamente por meio de                 Brasil Quilombola, que tem por fi-
                      quilombolas, o governo do presi-                sucessivas normativas: a Instrução               nalidade coordenar as ações gover-
                      dente Lula, em 20 de novembro de                Normativa Incra nº 16/2004; a Ins-               namentais que almejam garantir o
                      2003, editou nova regulamentação                trução Normativa Incra nº 20/2005,               direito à terra, à documentação bási-
                      sobre a matéria. O Decreto nº 4.887             a Portaria Fundação Cultural Palma-              ca, alimentação, saúde, esporte, lazer,
                      de 2003 criou as condições para a               res nº 98/2007 e, finalmente, a mais             moradia adequada, serviços de infra-
                      retomada das titulações, uma vez                polêmica delas, a Instrução Normati-             estrutura, previdência social, educa-
                      que adotou uma conceituação ade-                va Incra nº 49/2008, reeditada como              ção e cultura para as comunidades
                      quada de comunidade e de terra de               IN 57 em 2009, como explicaremos                 quilombolas. O Programa é coorde-
                      quilombo com a adoção do critério               adiante. Conforme analisaremos, tais             nado pela SEPPIR e agrega 23 órgãos
                      da autoidentificação; reconheceu a              mudanças consubstanciam o recuo                  da administração pública federal.36
                      possibilidade de desapropriação de              do governo federal.                                   Programas de apoio específicos
                      propriedades incidentes em terras de                                                             para as comunidades quilombolas
                      quilombos e atribuiu a competência                   Legislações estaduais                       também foram criados no âmbito
                      de condução do processo ao Incra.                   Atualmente, nove estados con-                estadual. O primeiro estado a ado-
                           Os avanços do Decreto                      tam com leis próprias disciplinando              tar uma iniciativa desse tipo foi o de
                      4.887/2003, no entanto, foram mi-               o processo para a regularização das              São Paulo, que em 1997 criou um
                      nados pelo próprio governo ao longo             terras de quilombo: Bahia, Espírito              Programa de Cooperação Técnica
                      dos anos e à medida que as pressões             Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Piauí,           e de Ação Conjunta que congrega
                      contrárias às titulações das terras             Rio Grande do Norte, Rio Grande do               atualmente a Procuradoria Geral do
                      quilombolas foram crescendo. Por                Sul e São Paulo.                                 Estado, a Secretaria da Justiça e da
                      meio de normas internas ao Incra                    É no Pará que se registra a mais             Defesa da Cidadania, a Secretaria
                      e a Fundação Cultural Palmares, o               antiga iniciativa de normatização: o             do Meio Ambiente, a Secretaria da
                      governo Lula acabou por introduzir              Decreto 663 de 20 de fevereiro de                Cultura, a Secretaria de Agricultura e
                      uma série de empecilhos burocráti-              1992, que já não está mais em vigor.             Abastecimento, a Secretaria da Edu-
                      cos nos procedimentos para a regu-              A mais recente iniciativa ocorreu no             cação, a Casa Civil e a Secretaria da
                      larização das terras quilombolas que            Maranhão, em abril de 2010 com a                 Habitação, e visa à regularização das
                      tornaram o processo mais moroso e               aprovação da Lei 9.169.35 As leis em             terras de quilombolas e à implanta-
                      custoso e, consequentemente, mais               vigor em São Paulo e no Pará datam,              ção de “medidas socioeconômicas,
                      difícil de ser concluído.                       respectivamente, de 1997 e de 1998.              ambientais e culturais”.

                      35
                         Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo http://www.cpisp.org.br/htm/leis/index.html
                      36
                         In: SEPPIR, Comunidades Quilombolas Brasileiras - Regularização Fundiária e Políticas Públicas, Brasília, 2010: 6. Acessado em 12/07/2010
                      https://gestaoseppir.serpro.gov.br/.arquivos/relatorio_gestao_pbq2009
                      37
                         Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo, http://www.cpisp.org.br/htm/leis/legislacao_estadual.aspx
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Direitos quilombolas: Um estudo do impacto da cooperação ecumênica

  • 1.
  • 2. MARA VANESSA FONSECA DUTRA (Org.) DIREITOS QUILOMBOLAS: Um estudo do impacto da cooperação ecumênica Rio de Janeiro KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço 2011
  • 3.
  • 4.
  • 5. Esta publicação foi feita a partir do relatório final do estudo de impacto sobre o apoio das organizações da Aliança ACT no Brasil ao movimento e às comunidades quilombolas, encerrado em agosto de 2011. Pesquisa, texto e edição: Mara Vanessa Fonseca Dutra Texto histórico: Lúcia Andrade Revisão: Carla Borges, Lucyvanda Moura e Beatriz de Souza Lima Transcrição de gravações: Beatriz de Souza Lima Projeto gráfico e diagramação: Renato Palet Fotos: Duca Lessa (Comunidades do Rio Grande do Sul), Jota Santos (Maranhão), Marisol Soto Romero (Baixo Sul da Bahia e São Francisco do Paraguaçu), Zezzynho Andraddy (Marambaia). Algumas fotos da Parte III são do acervo de Koinonia, do acervo do CAPA, do acervo da CPP e de Mara Vanessa F. Dutra. Produção gráfica: Centro de Estudos Bíblicos - CEBI Organizações participantes: Coordenadoria Ecumênica de Serviço/CESE – Eliana Rolemberg (Diretora Executiva), Alonso Roberts, Augusto Santiago “Caju” Rosana Fer- , nandes (Assessores). KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço – Rafael Soares de Oliveira (Diretor Executivo) e Ana Gualberto (Assessora). Fundação Luterana de Diaconia/FLD – Carlos Gilberto Bock (Secretário Executivo), Dezir Garcia (Assessor Administrativo), Juliana Mazura- na (Assessora de Projetos), Susanne Buchweitz (Assessora de Comunicação). CAPA-Sul – Rita Surita (Coordenadora), Antonio Leonel Rodrigues Soares, Claudio Pinto Nunes, Daniel Roberto Soares, Daniela Silveira Lessa, Eduardo Medeiros de Medeiros, Islair Radtke (Equipe Técnica). Christian Aid: Mara Manzoni Luz (Representante no Brasil), Caroline Garcia (Assessora de Performance do Programa da América Latina e Caribe) e Aidan Timlin (Responsável pela Estratégia Corporativa & Performance). EED: Luciano Wolff (Responsável pelo Programa do Brasil) As equipes das entidades envolvidas criaram comissões, uma nacional e outra internacional, para coordenar o trabalho. Pessoas entrevistadas: São Francisco do Paraguaçu: Agnaldo Neves dos Santos, Alexandro dos Santos, Antonio Tiago Cruz de Carvalho, Rosimeire Gomes Garcia (Babi), José Lopes Conceição (Brama), Celcidinha, Crispim Antonio Carvalho, Crispim dos Santos (Rabicó), Dionice de Santana (D. Bibiu), Demevaldo dos Santos , Eugênio dos Santos Sena, Fábio Ferreira de Jesus, Maria Lúcia dos Santos Gomes, Onildo, Ozório Brito, Teodoro Brito, Railda de Santana, Vitória Gomes da Cruz, e outros membros da comunidade. Assessora da Comissão Pastoral da Pesca: Maria José Pacheco. Marambaia: Alessandra Saturnino, Bárbara Guerra, Beatriz Inocêncio (Biá), Cristina, Dionato de Lima Eugênio (Seu Naná), Guido Eugênio, Joeci Gomes do Nascimento Eugênio, Mara Elisabeth Machado Barbosa, Monique Alves, Nilton Carlos Alves, Sônia Maria Machado, Vânia Guer- ra e outras pessoas da comunidade. José Mauricio Arruti, antropólogo e professor da PUC-RJ. Daniel Sarmento, procurador do Ministério Público Federal. Advogadas da ONG Mariana Crioula: Aline Lopes e Ana Cláudia Diogo Tavares . Representante da Conaq: Ronaldo dos Santos. Baixo Sul da Bahia: Ana Célia dos Santos Pereira, Andrea Mendes do Rosário, Carla Damiana, Domingos da Hora (Domão), Jerônimo (Seu Caboclo), Joerlindo, José Ramos, Joseildo do Rosário, Maria Andrelice Silva dos Santos (Del), Maria da Hora, Marilene Silva dos Santos, Martinho, Reginaldo, Renilda Ramos de Souza, Seu Bonfim (Domingos), Silvia Regina Ramos de Souza, Virgínia Santos (Dona Moça) Comunidades do Rio Grande do Sul: Torrão: Alessandra, Arlete, Cleusa, Darci, Geneci, Graciano, José, Lurdes Helena, Mara, Márcia, Nil- za, Salvonei. Monjolo: Darci, Deleci, Erasmo, Ilaine, Jairo, Jerri, Jorge, Margarete, Noêmia, Rosangela, Rosaura, Valnei. Cerro das Velhas: Libânia de Matos e Roberto de Matos. Maçambique: Carmem, Dilma, Eliane, Juslaine, Jussara, Maria de Lurdes, Maria Jaci, Maria Joana, Maria, Olga, Sandra. Emater: Karin Peglow. MDA: Carla Rech. Maranhão: Centro de Cultura Negra (CCN): Raimundo Maurício Matos Paixão, Ivan Rodrigues Costa, Maria do Socorro Guterres, Ana Amélia Bandeira Barros. Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos: Luís Antônio Pedrosa. Ministério Público Federal: Alexandre Silva Soares. Conselho Estadual da Igualdade Etnicorracial: Luiz Alves Ferreira. Ex-Secretário Adjunto da Secretaria Extraordinária da Igualdade Racial (Gov. Jackson Lago): Silvio Bembém. Aconeruq: Ivo Fonseca Silva, Justo Evangelista, Maria de Jesus (D, Dijé), D. Nice (de Penalva). Soassim: Gilda. Santa Maria dos Pinheiros: Seu Tinoco e toda a comunidade. Santa Rosa dos Pretos: Anacleta e Libânio Pires. Filipa: D. Nielza.
  • 6. ÍNDICE Apresentação ........................................................................................................................... 9 Casos estudados ...................................................................................................................... 11 Parte I: HISTÓRICO E CONTEXTO DA QUESTÃO QUILOMBOLA NO BRASIL 1. As comunidades quilombolas no Brasil ....................................................................................................................... 16 2. Direito à terra e ao território - marcos legais .............................................................................................................. 19 3. Mobilização para a garantia de direitos ........................................................................................................................ 23 Parte II: ESTUDOS DE CASO: São Francisco do Paraguaçu ........................................................................................................................................................ 32 Marambaia .............................................................................................................................................................................................. 46 Baixo Sul da Bahia ............................................................................................................................................................................... 58 Comunidades do Rio Grande do Sul ...................................................................................................................................... 72 Maranhão ................................................................................................................................................................................................ 86 Parte III: REFLEXÕES SOBRE O CAMINHO PERCORRIDO, OS IMPACTOS E SUA SUSTENTABILIDADE 1. Algumas reflexões iniciais ..................................................................................................................................................... 102 2. Principais impactos ................................................................................................................................................................... 104 2.1. Afirmação da identidade e enfrentamento ao racismo .............................................................................. 102 2.2. Direito à terra e ao território - titulação e integridade territorial ........................................................... 107 2.3. Movimento e organização quilombola ................................................................................................................ 110 2.4. Incidência em/sobre políticas governamentais ............................................................................................ 115 2.5. Acesso a serviços e melhoria da qualidade de vida ....................................................................................... 117 3. Contribuição da cooperação ecumênica ..................................................................................................................... 120 Contribuição da Christian Aid e do EED .................................................................................................................... 121 Valor agregado da cooperação ecumênica ................................................................................................................. 122 Impactos das ações diretas das agências em relação às comunidades quilombolas .......................... 124 Sustentabilidade dos impactos e a contribuição da cooperação ecumênica ......................................... 124 A Aliança ACT no Brasil e o apoio aos quilombolas .......................................................126 As Organizações Brasileiras da Aliança ACT e o apoio às comunidades quilombolas ....126 Rsumo executivo ................................................................................................................... 127 Referências bibliográficas ......................................................................................................135 Páginas eletrônicas consultadas .........................................................................................136
  • 7. SIGLAS UTILIZADAS AATR Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia ABA Associação Brasileira de Antropologia ABEP Associação Brasileira de Estudos Populacionais ABIPEME Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado ACONERUQ Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão ACQUILERJ Associação de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade ALERJ Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro Amubs Associação dos Municípios do Baixo Sul da Bahia ARQIMAR Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia ARQMO Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento CADIM Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia CAPA Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor CCN Centro de Cultura Negra do Maranhão CEAP Centro de Articulação de Populações Marginalizadas CEDEFES Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva CEDENPA Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço CJP Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador CNACNRQ Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas COHRE Centro pelo Direito à Habitação e contra Despejos COMIN Conselho de Missão entre Índios Conaq Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPI-SP Comissão Pró Índio de São Paulo CPP Comissão Pastoral da Pesca CPT Comissão Pastoral da Terra CRQ Comunidade Remanescente de Quilombo DESC/FASE Projeto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional DFID Departamento de Desenvolvimento Internacional (sigla em inglês) DHESCA Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais DIS Programa de Desenvolvimento Integral Sustentável EED Serviço Evangélico de Desenvolvimento (sigla em alemão) EFA Escola Família Agrícola ELCA Igreja Evangélica Luterana na América (sigla em inglês) EMATER Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural FCP Fundação Cultural Palmares FE Brasil Fórum Ecumênico Brasil FETAEMA Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Maranhão FLD Fundação Luterana de Diaconia GDASI Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá
  • 8. GTF Fundo de Governança e Transparência (sigla em inglês) IDH Índice de Desenvolvimento Humano IDES Instituto de Desenvolvimento Sustentável, ligado à Fundação Odebrecht IECLB Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil IN Instrução Normativa Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INEP Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa INESC Instituto de Estudos Socioeconomicos ITERMA Instituto de Terras do Maranhão MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MDS Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome MEC Ministério da Educação MMA Ministério do Meio Ambiente MNU Movimento Negro Unificado MP Ministério Público MPF Ministério Público Federal MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra OAB Ordem dos Advogados do Brasil OIT Organização Internacional do Trabalho ONG Organização Não Governamental OQ Observatório Quilombola PAA Programa de Aquisição de Alimentos PAC Programa de Aceleração do Crescimento PAD Processo de Articulação e Diálogo PAMN Programa de Apoio ao Movimento Negro PDT Partido Democrático Trabalhista PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIDESC Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PPM Pão Para o Mundo PQRN Projeto Quilombo: Resistência Negra PT Partido dos Trabalhadores PVN Projeto Vida de Negro RENAP Rede Nacional de Advogados Populares REJU Rede Ecumênica da Juventude RTID Relatório Técnico de Identificação e Delimitação SASOP Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEDUC Secretaria de Estado de Educação SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SEPPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República SEPROMI Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia SFP São Francisco do Paraguaçu SMDDH Sociedade Maranhense de Defesa de Direitos Humanos STR Sindicato de Trabalhadores Rurais TI Terra Indígena UFMA Universidade Federal do Maranhão
  • 9.
  • 10. Apresentação E ste estudo tem por ob- jetivo avaliar o impacto do apoio das organiza- ções da Aliança ACT no Brasil ao movimento e às comunidades quilombolas desde 1996 até 2009. Considera-se como impacto a mudança que permanece e que faz diferença. A identificação des- se impacto deve colaborar para um aprofundamento da compre- ensão de como as organizações que compõem a Aliança ACT po- dem contribuir para a superação da situação de injustiça social e de pobreza e para a reflexão sobre de que forma essa contribuição pode ser aperfeiçoada. O estudo contou com o apoio da Christian Aid e do EED, mem- bros europeus da Aliança ACT e foi realizado a partir do trabalho do Comitê Nacional do Estudo de Impacto, formado por represen- tantes das três organizações parti- cipantes da Aliança ACT no Brasil: Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, CESE – Coordenado- uma boa aproximação da situa- e o valor agregado da contribuição ria Ecumênica de Serviço e FLD ção quilombola no Brasil a partir das agências ecumênicas. – Fundação Luterana de Diaconia, do trabalho das três organizações A metodologia para identificar e pela representante do escritório mencionadas. os impactos foi adaptada do mé- da Christian Aid no Brasil. A proposta metodológica todo da Christian Aid “Fazendo a A realidade quilombola é tra- consistiu em ouvir as pessoas Diferença”, baseado nas percepções balhada pelas três instituições. Por nas comunidades e observar as dos beneficiários e de outros atores isso, e por sua importância históri- mudanças significativas em suas envolvidos sobre as mudanças e, ca e simbólica na luta pela justiça vidas, especialmente no que se re- sempre que possível, identifican- social no Brasil, foi escolhida como fere ao direito territorial, com um do a percepção dos entrevistados tema deste estudo de impacto, com olhar atento às questões de gênero sobre as causas e as formas como foco no direito territorial. A abor- e à juventude e com vistas a tra- essas ocorreram, com um cuidado dagem se dá a partir do conceito de çar um olhar comparativo entre especial em relação à contribuição desenvolvimento transformador, a situação antes e depois da inter- das organizações da Aliança ACT. que orienta a ação da Aliança ACT, venção. Também buscou captar Para tal utilizou-se entrevistas e no marco dos Direitos Humanos, em que medida as comunidades semiestruturadas com grupos fo- Econômicos, Sociais, Culturais e relacionam/atribuem essas mu- cais (uma adaptação da proposta Ambientais/DHESCA. danças à atuação das organizações de mini-oficinas, da metodologia A metodologia utilizada foram de apoio. Foram ouvidas, ainda, as citada da Christian Aid); entrevis- os estudos de caso. Foram selecio- equipes técnicas das organizações tas individuais, complementando nadas cinco situações distintas, de apoio direto e da Aliança ACT informações com participantes tanto em relação à localização no Brasil (KOINONIA, CESE, dos grupos focais ou entrevistan- geográfica quanto à natureza do FLD, CAPA - Centro de Apoio do outros atores; e a observação problema vivido e da intervenção ao Pequeno Agricultor e CCN em campo: visitas às comunida- realizada: São Francisco do Para- – Centro de Cultura Negra do des, participação em reuniões e guaçu (Bahia); Marambaia (Rio de Maranhão); e as coordenações ou outros eventos. Considerou-se Janeiro); Baixo Sul (Bahia); Mara- diretorias das três organizações apropriado trabalhar de maneira nhão/Centro de Cultura Negra; brasileiras analisadas e também informal, devido ao fato de nem e comunidades quilombolas do da Christian Aid e do EED. Tais sempre ser possível reunir todas Território Sul do Rio Grande do entrevistas abordaram a contri- as pessoas em uma única oficina Sul. Embora esses cinco casos não buição da cooperação internacio- e por priorizar uma ferramen- esgotem o panorama, oferecem nal ao tema quilombola no Brasil ta com caráter mais etnográfico,
  • 11. 10 A FLD possui um recorte claro, com definição geográfica e terri- torial devido à sua forma e local de atuação e, por isso, decidiu-se estu- dar o trabalho do CAPA-Sul, cujo foco é o desenvolvimento susten- tável com base na agricultura fami- liar desenvolvida por comunidades quilombolas daquela região. Koi- nonia tem notável incidência em âmbito nacional e internacional, com destaque para o Observatório Quilombola, apresentando possi- bilidades de aprofundamento em comunidades no Rio de Janeiro e na Bahia. A CESE apoia muitas co- munidades e organizações quilom- bolas em todo o país por meio do Programa de Pequenos Projetos, além de sua atuação estratégica de advocacy e de comunicação. A partir desse crivo, procurou- se identificar os casos que trouxes- sem mais elementos para a com- preensão das diversas situações vivenciadas pelas comunidades quilombolas hoje no Brasil. Duas situações foram definidas como emblemáticas pela reconhecida re- sistência das comunidades e pelo ta- manho da desigualdade do enfren- valorizando os momentos infor- Este documento está estru- tamento pela garantia dos direitos mais, a observação, as conversas, turado em três partes: a primeira territoriais: Marambaia, no Rio de o não programado. O foco, nesse refere-se à contextualização da Janeiro (Koinonia) e São Francisco momento, era captar a percepção questão quilombola no Brasil hoje, do Paraguaçu, na Bahia (CESE). dos sujeitos envolvidos, que subsi- traçando um rápido histórico e O Maranhão tem relevante diaria a análise qualitativa. apontando os principais desafios importância histórica para a luta Os momentos com os grupos para a garantia dos direitos territo- e o movimento quilombola. A focais foram muito ricos e gera- riais dessas comunidades. A segun- decisão foi de não focalizar em ram intensos debates. Muitas ve- da é composta pelos cinco estudos uma comunidade específica, mas zes, o número de participantes, de caso mencionados; e a terceira no trabalho do parceiro institu- aos poucos, ia crescendo, incor- contém uma reflexão sobre os cional da CESE e da Christian porando outros interessados da principais aprendizados, desafios Aid, o Centro de Cultura Negra comunidade. As falas resultantes e recomendações à luz dos casos do Maranhão/CCN, com atuação das entrevistas individuais estão analisados de forma a contribuir em várias regiões do estado. Além identificadas ao longo do docu- para o avanço da garantia dos di- disso, considerou-se a realização mento. No caso das falas retiradas reitos quilombolas no Brasil como do Programa de Apoio ao Mo- dos grupos focais, são considera- parte da luta por superar a injustiça vimento Negro/PAMN (CESE/ das como coletivas e, portanto, social e a pobreza. EZE1), entre 1996 e 2002. sem identificação individual. Finalmente, o Baixo Sul da Para melhor compreensão dos Por que esses casos foram Bahia apresenta uma experiência casos estudados, foi feita também selecionados? singular: em relativamente pouco uma revisão de relatórios, publica- A decisão sobre quais situações tempo (desde 2007), um conjun- ções e outros materiais pertinen- destacar neste estudo considerou to de comunidades negras rurais tes. Outro cuidado foi fazer um alguns elementos. Como ponto de passa a assumir a identidade qui- registro fotográfico das comunida- partida, era necessário ter a atuação lombola – que estava sendo “im- des visitadas. Para isso, fotógrafos direta e recente das organizações posta” pelos governos municipais locais acompanharam as visitas. envolvidas: CESE, FLD e Koinonia. como forma de angariar recursos federais – e se organiza para ga- rantir seus direitos, tornando-se 1 EZE (Evangelische Zentralstelle fur Entwicklungshilfe eV – Associação Evangélica para rapidamente um novo ator políti- Cooperação em Desenvolvimento) foi um dos componentes que formaram o EED. co coletivo na região.
  • 12. 11 SÃO FRANCISCO DO Marambaia é outro caso em- limitação (RTID) pelo Incra, PARAGUAÇU OU DO blemático, dessa vez da luta de em 2006. BOQUEIRÃO (BAHIA) uma comunidade quilombola São Francisco do Paraguaçu contra o aparato militar do Es- BAIXO SUL DA BAHIA tornou-se um caso emblemáti- tado, mais precisamente a Ma- Na região chamada de “Cos- co para o movimento quilom- rinha de Guerra. Marambaia ta do Dendê”, na Bahia, há um bola no Brasil ao ser alvo de funciona como uma espécie de conjunto de dezoito comu- polêmica gerada pela grande “teste” para o estado de direito nidades quilombolas com as mídia para criar opinião pú- no país: de um lado está a co- quais Koinonia trabalha des- blica contrária aos interesses munidade quilombola, dotada de 2007. Essas comunidades quilombolas. Uma reportagem de todos os referenciais neces- têm se organizado a partir da veiculada em maio de 2007 no sários para seu reconhecimento pressão dos governos munici- horário nobre da TV Globo, legal e a regularização de suas pais, que, no intuito de captar canal com maior audiência no terras; de outro, o interesse fun- recursos federais destinados país, acusava a comunidade e diário militar, representando o a comunidades quilombolas, seus aliados de forjarem um Estado. começaram a “estimular” seu “falso quilombo”. Essa reporta- A Marinha se utiliza do dis- reconhecimento legal sem que gem foi parte da onda violenta curso ambientalista para criar elas sequer soubessem do que de acusações desse tipo contra ou reforçar um argumento de se tratava. comunidades quilombolas em racismo ambiental, afirmando É relevante notar como o grupo todo o país e teve forte reper- que a comunidade quilombola de comunidades tem consegui- cussão negativa na opinião pú- “faveliza” a ilha. A comunidade do se articular, resistir à pressão blica nacional. foi alvo de campanha da mídia dos governos locais e tornar-se A CESE vem apoiando a comu- (Jornal O Globo) a partir desse um ator político com voz pró- nidade de São Francisco do Pa- falso argumento ambientalista. pria. No entanto, essa experiên- raguaçu por meio do Programa Também está presente neste cia também é representativa das de Pequenos Projetos, (apoios caso a estratégia de criminali- dificuldades e perigos da “corri- à Comissão Pastoral da Pesca/ zação: a Marinha utiliza instru- da” desenfreada dos municípios CPP, que atua diretamente na mentos coercitivos de caráter por recursos federais com base comunidade desde 2005, e à policial, como os inquéritos, a na declaração da existência de Associação dos Remanescentes fim de aterrorizar os ilhéus. comunidades quilombolas, que de Quilombo de São Francisco Koinonia vem atuando em Ma- consiste em um evidente mau do Paraguaçu – Boqueirão), e rambaia desde 2002, apoiando uso do instrumento de autoa- de ações de comunicação e de a organização e a luta dos qui- tribuição e gera sérios atrope- advocacy. lombolas e levando o caso para los no processo de apropriação Esse caso é representativo de instâncias nacionais e interna- dessa identidade. tantos outros que enfrentam cionais. A atuação no local foi O aspecto mais delicado desse desafios semelhantes e con- fundamental para a elaboração fenômeno reside na regulariza- grega elementos ilustrativos da da metodologia de interven- ção fundiária, já que os gover- situação quilombola. O coro- ção de Koinonia, assim como nos municipais acenam para as nelismo local, que reflete a per- para a criação do Observatório comunidades com as possíveis petuação da aristocracia agrária Quilombola (portal na Internet melhorias trazidas por projetos no poder no Brasil, o poder de com notícias e análises da situ- especiais quilombolas (água, influência política e jurídica dos ação quilombola no país)2. luz, casas etc.), mas não discu- fazendeiros envolvidos, que têm A resistência da comunidade, tem a titulação coletiva da ter- orquestrado uma situação de os ganhos jurídicos logrados, ra. Isso ocorre numa região em criminalização do movimento, que possibilitaram uma dimi- que a única forma de comuni- levando inclusive à morte de nuição da coerção da Marinha dades expulsas de seus territó- duas lideranças da comunida- e da expulsão dos ilhéus, são rios terem acesso à terra foram de, e o racismo ambiental – que alguns dos fatores que levam os assentamentos de reforma apresenta os quilombolas como os quilombolas da Marambaia agrária, ou em que o órgão depredadores do meio ambiente a persistirem na luta e a acredi- fundiário do estado titulou em e os fazendeiros como ambien- tarem na vitória final, mesmo lotes individuais parte de ou- talistas (ou preservacionistas) frente a adversário tão pode- tras comunidades e em que, ao – são exemplos de elementos roso. O caso da Marambaia foi mesmo tempo, a especulação presentes neste e em tantos ou- motivo de intervenção da Casa imobiliária provocada pelo tu- tros casos no país. Civil da Presidência da Repú- rismo começa a se intensificar. blica, originando a revogação MARAMBAIA (RIO DE da publicação do Relatório JANEIRO) Técnico de Identificação e De- 2 Ver: http://www.koinonia.org.br/oq/
  • 13. 12 COMUNIDADES QUI- área do CAPA-Sul: Cerro das tudos, realizou encontros de LOMBOLAS DO TER- Velhas, Torrão, Monjolo e Ma- comunidades negras rurais RITÓRIO SUL DO RIO çambique. com até três mil pessoas, orga- GRANDE DO SUL O trabalho político de tecer es- nizou e participou de mobili- Hoje existem 43 comunidades sas parcerias, bem como o pro- zações na longa trajetória de quilombolas reconhecidas pela cesso de autorreconhecimento luta quilombola em favor da Fundação Cultural Palmares e dessas comunidades, frente ao regularização de suas terras. com processos de regulariza- racismo existente no país e re- Em 1995, o CCN criou o Proje- ção fundiária abertos no Incra forçado pelo mito da não exis- to Quilombo: Resistência Ne- na região do Território da Ci- tência de populações negras na gra (PQRN), com o objetivo de dadania Sul do Rio Grande do região, representa um grande trabalhar o fortalecimento da Sul. A simples existência dessas avanço e um enorme desafio identidade quilombola a partir comunidades na região já causa para a atuação da própria IE- de ações educativas e político- um grande estranhamento para CLB, para o movimento negro culturais. O foco do trabalho muitos, acostumados a pensar e para o nascente movimento do PQRN são as escolas das em um sul sem negros. quilombola no Rio Grande do comunidades, formando pro- Essa tem sido a atuação do Sul. O maior desafio está na fessores e buscando incidir em CAPA-Sul, projeto da FLD, que questão fundiária, já que as co- suas práticas pedagógicas, mas começou a trabalhar com os munidades quilombolas hoje também atuando diretamente quilombolas desde 2002. Cria- ocupam áreas extremamente com crianças, jovens e mulhe- do para trabalhar inicialmente limitadas, cercadas em parte res, entendendo o processo com os agricultores luteranos, por fazendeiros, mas em gran- educativo como caminho de grande parte da minoria po- de parte por agricultores fami- fortalecimento da organização merana3, a FLD/CAPA foi aos liares da “colônia” pomerana, das comunidades. poucos ampliando seu público, que também são uma minoria O trabalho pioneiro no Mara- trabalhando com acampados e com um histórico de dif ícil nhão propiciou que, em 1997, assentados da reforma agrária, acesso à terra. fosse criada a primeira orga- com pescadores, com indíge- nização quilombola de nível nas, com quilombolas, cola- MARANHÃO/CENTRO estadual do país, a Associa- borando, assim, para uma re- DE CULTURA NEGRA ção das Comunidades Negras flexão interna promovida pela (CCN) Rurais Quilombolas do Ma- Igreja Evangélica de Confissão A primeira comunidade qui- ranhão (Aconeruq). Tanto o Luterana no Brasil – IECLB a lombola que recebeu algum CCN como a SMDDH consi- respeito de quem são os mais tipo de demarcação, ainda que deram a criação da Aconeruq marginalizados. não como tal, mas sim como como um impacto significa- O diferencial aqui é o foco no reserva extrativista, foi Frechal, tivo de sua intervenção. Ela desenvolvimento sustentável no Maranhão. Junto ao Pará, o foi parte da criação da atual – produção e comercialização Maranhão foi um dos estados Conaq (Comissão Nacional de de alimentos e de artesanato, onde o movimento quilombo- Articulação das Comunidades permitindo que os quilombo- la se iniciou. O Projeto Vida de Negras Rurais Quilombolas) e las passassem a fazer parte da Negro (PVN), desenvolvido é uma das quatro organizações rede organizada da agricultura pelo Centro de Cultura Negra quilombolas consideradas familiar na região (cooperati- (CCN) e pela Sociedade Mara- mais consolidadas, dentre as vas, centros de venda, feiras) e nhense de Defesa de Direitos vinte existentes no país. a acessar projetos de governo Humanos (SMDDH) desde Atualmente, o CCN tem atua- que favorecem o aumento da 1988 com o objetivo de mape- do mais diretamente no Médio renda dos agricultores. A par- ar as comunidades negras ru- Mearim e no Baixo Parnaíba, ticipação dos quilombolas em rais do Maranhão, é um marco regiões com alto grau de ten- espaços políticos (Fórum de histórico importante por seu são fundiária4 - com recorte Agricultura Familiar, Colegia- pioneirismo. Desenvolveu específico para o trabalho com do do Território) é um signifi- uma metodologia de mapea- as quebradeiras de coco de ba- cativo avanço em relação à situ- mento das comunidades que baçu. Continua trabalhando ação de total invisibilidade em gerou grande envolvimento em parceria com a CESE, seja que viviam essas comunidades. e mobilização da população por meio do Programa de Pe- Para este estudo, foram visi- quilombola no estado. O PVN quenos Projetos ou em espa- tadas quatro comunidades na produziu laudos, publicou es- ços comuns, como o Progra- ma Água, Terra e Território, 3 Os pomeranos formam uma etnia descendente de tribos eslavas e germânicas que vivem da ICCO. na região histórica da Pomerânia ao longo da costa do Mar Báltico. Para este estudo, três comuni- 4 Flaviano Pinto Neto, líder da comunidade quilombola do Charco, no estado do Maranhão, dades foram visitadas: Santa foi morto a tiros em 30 de outubro de 2010. A denúncia foi feita pela Anistia Internacional.
  • 14. 13 Maria dos Pinheiros, Filipa e níveis de identificação de im- enfrentam no caminho para Santa Rosa dos Pretos, todas no pactos – um, a partir das co- a titulação de suas terras, ao município de Itapecuru-Mirim. munidades mesmas, em rela- longo de um período em que Essas comunidades haviam ção ao trabalho do CCN; outro, o estado foi normatizando iniciado seus processos de ti- a partir do trabalho do CCN cada vez mais o processo, em tulação na época do PAMN5 e em relação à questão quilom- que mais legislação foi criada, contaram com a atuação tanto bola no estado e no país. Pro- em que projetos especiais de do PVN como do PQRN. Tam- curou-se observar como essas desenvolvimento quilombola bém foi feita uma revisão da in- comunidades veem o CCN e foram desenvolvidos pelo go- tervenção mais ampla do CCN, avaliam essa relação; e qual a verno federal, em que o tema considerando a situação geral reflexão que o CCN faz sobre quilombola se transformou das comunidades e do movi- a parceria com a CESE e com a numa questão nacional, mas mento quilombola no Mara- Christian Aid. em que, ao mesmo tempo, nhão, tomando como foco a Esse caso permite observar pouco se avançou na resolu- Aconeruq. as principais dificuldades que ção da situação fundiária das No caso do Maranhão, há dois as comunidades quilombolas comunidades em todo o país. 5 De 1996 a 2002, o CCN fez parte do Programa de Apoio ao Movimento Negro (PAMN), da CESE em parceria com a antiga EZE (depois EED). A sistematização dessa experi- ência gerou a publicação “Racismo no Brasil: por que um programa com quilombos?”. A partir do PAMN, o CCN desenvolveu uma parceria com a Christian Aid (ainda em vigência em 2010), para o apoio ao PQRN e para o desenvolvimento institucional do CCN.
  • 15. 14
  • 16. 15 PARTE I HISTÓRICO E CONTEXTO DA QUESTÃO QUILOMBOLA NO BRASIL
  • 17. 16 1. As comunidades quilombolas no Brasil1 Origem de agentes da sociedade de seu cia de quilombos contemporâneos A origem dos quilombos rela- entorno (comerciantes, tavernei- no Brasil é relativamente recente. ciona-se com o processo de resis- ros, fazendeiros, escravos, negros Apenas em 1988, com a promulga- tência ao regime de escravidão ne- libertos).2 Tais relações eram parte ção da nova Constituição Federal, gra que vigorou no Brasil1 por 300 das estratégias engendradas pelos o Estado brasileiro reconheceu a anos. Tais grupos se constituíram a negros para escapar do jugo dos existência desse grupo social e lhes partir de uma grande diversidade senhores e garantir sua autonomia garantiu o direito à propriedade de de processos e estratégias de resis- econômica.3 suas terras. tência: as fugas com ocupação de A abolição da escravidão em Na luta mais recente para fazer terras livres; o recebimento de ter- 1888 não significou o fim de tais valer esse direito, homens e mulhe- ras por herança, doação ou como grupos sociais, que permaneceram res quilombolas vão, aos poucos, pagamento de serviços prestados e resistiram em suas terras, sendo superando a invisibilidade e eviden- ao Estado; a compra de terras; ou por muitas décadas ignorados pelo ciando mais uma face da diversida- ainda, a permanência nas áreas que Estado brasileiro e invisíveis à so- de sociocultural do Brasil. Como ocupavam e cultivavam no interior ciedade. Até hoje, tais comunida- coloca o antropólogo José Maurício de grandes propriedades. des constituem grupos étnicos que Arruti, trata-se de uma categoria so- Apesar do seu caráter de resis- compartilham de uma identidade cial relativamente recente: tência e contestação, os quilombos, que os singulariza e que constitui a base para a sua organização, mobili- representa uma força social mesmo no período da escravidão, zação e ação política, especialmente relevante no meio rural brasileiro, não eram física ou economicamen- dando nova tradução àquilo que te comunidades isoladas. No que no que se refere a seu relacionamen- era conhecido como comunida- tange à sua localização, era comum to com os demais grupos e com o des negras rurais (mais ao centro, que estivessem situados nas proxi- poder público.4 sul e sudeste do país) e terras de midades de centros urbanos ou de preto (mais ao norte e nordeste), fazendas. Os quilombolas manti- Invisibilidade e reconhe- que também começa a pene- nham também relações comerciais cimento trar o meio urbano, dando nova significativas com uma ampla gama O reconhecimento da existên- tradução a um leque variado de situações que vão desde antigas comunidades negras rurais atingi- das pela expansão dos perímetros urbanos até bairros no entorno de terreiros de candomblé.5 A existência de quilombos con- temporâneos é uma realidade lati- no-americana. Tais comunidades são encontradas em países como Colômbia, Equador, Suriname, Honduras, Belize e Nicarágua. Em diversos deles – como ocorre no Brasil – seu direito às terras tradicio- nais é assegurado por instrumentos legais. No Brasil, estimativas do movi- mento social apontam a existência de cerca de três mil comunidades quilombolas. Essa cifra é endossa- da pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR), 1 Este trecho foi redigido por uma especialista convidada, Lúcia Andrade, da Comissão Pró-Índio de São Paulo, e serviu como ponto de partida e de diálogo para a análise final. 2 REIS, João José GOMES, Flávio dos Santos “Introdução - Uma História da Liberdade”, In: Liberdade por Um Fio. História dos Quilom- bos no Brasil, Reis Gomes (Org.), Companhia das Letras, São Paulo, 1996: 9 - 25. 3 GOMES, Flávio dos Santos, “Quilombos do Rio de Janeiro no século XIX” In: Liberdade por Um Fio. História dos Quilombos no Brasil, Reis Gomes (Org.), Companhia das Letras, São Paulo, 1996: 282. 4 A identidade étnica de tais grupos pode estar baseada em diferentes fatores, tais como a auto classificação, uma ancestralidade comum, uma estrutura de organização política própria, um sistema de produção particular (incluem-se aí as formas específicas de relação com os seus territórios), em características raciais, em elementos linguísticos e religiosos, ou em símbolos específicos. 5 In: ARRUTI, José Maurício Mocambo, antropologia e história do processo de formação quilombola, Bauru, SP, EDUSC, 2006: 26.
  • 18. 17 que afirma que o número de comu- estão distribuídas por todas as re- lombolas regularizados, 25 foram 15 nidades quilombolas identificadas giões do país,13 ocupando biomas tramitados pelo governo federal, 75 chega a 3.5246, embora o Cadastro bastante diversos. Em sua maioria, por governos estaduais e outros por Geral de Remanescentes de Comu- encontram-se na zona rural, mas meio de títulos concedidos pelo go- nidades de Quilombos da Fundação existem também grupos localiza- verno federal e governos estaduais Cultural Palmares registre a apenas dos em área urbana. Dentre os es- (cada um para uma porção do terri- 1.527 grupos7. tados com grande concentração de tório), somando 971.376,0752 hec- Há de se ressaltar a grande lacu- comunidades quilombolas, pode- tares onde reside uma população na quanto às informações censitá- mos citar Maranhão, Minas Gerais, estimada em 11.491 famílias.16 rias (governamentais ou não) sobre Bahia e Pará. Quase metade dos territórios ti- as comunidades quilombolas. Os As comunidades quilombolas tulados está localizada no Pará. Em estudos disponíveis ainda são insu- se caracterizam pela prática do sis- segundo lugar, está o Maranhão, ficientes para nos fornecer um qua- tema de uso comum de terras, con- com 22% do total de territórios re- dro geral da situação das comunida- cebidas como um espaço coletivo e gularizados. Nas duas situações, o des quilombolas no Brasil, embora indivisível. O território é ocupado e número significativo de titulações apresentem alguns dados relevantes explorado por meio de regras con- advém da atuação dos governos es- sobre grupos ou regiões específicos. sensuais entre os diversos grupos fa- taduais acionados pelo movimento Contudo, ainda não se dispõe de le- miliares que compõem as comuni- quilombola daqueles estados. No vantamentos ou estimativas confiá- dades, cujas relações são orientadas Maranhão, todas as regularizações veis sobre sua população ou sobre a pela solidariedade e ajuda mútua.14 foram realizadas pelo Instituto de dimensão de seus territórios. Seus territórios étnicos consti- Terras do Maranhão e no caso do No esforço de suprir a lacuna tuem um dos pilares de sua existên- Pará, o Instituto de Terras do Pará de informações, há que se destacar cia enquanto grupo social. Portanto, foi responsável pela entrega de 50% a iniciativa pioneira do Projeto Vida assegurar aos quilombolas o direito dos títulos. de Negro (PVN), desenvolvido à propriedade de seus territórios é desde 1988 pelo Centro de Cultura garantir não somente a sua sobre- Estado Número de Territórios Negra (CCN)8 e a Sociedade Mara- vivência física, mas também a sua Amapá 3 nhense de Defesa dos Direitos Hu- cultura e modo de vida próprio. Bahia 5 manos (SMDDH)9 com o objetivo Tais características determinam Goiás 1 de mapear as comunidades negras que a titulação das terras quilom- Maranhão 23 rurais do Maranhão.10 bolas se diferencie da regulariza- A organização Koinonia Pre- ção fundiária mais habitual, que Mato Grosso 1 sença Ecumênica e Serviço figura costuma distribuir lotes individuais Mato Grosso do Sul 2 também entre as entidades que para cada família, padronizados de Minas Gerais 1 têm se preocupado em levantar, acordo com o tipo de exploração, Pará 49 sistematizar e disponibilizar infor- na maioria agrícola, e a localização Pernambuco 2 mações sobre as comunidades qui- do imóvel. Piauí 5 lombolas, divulgando reportagens, Embora o direito das comuni- Rio de Janeiro 2 ensaios acadêmicos e fotográficos dades quilombolas à propriedade Rio Grande do Sul 2 e artigos analíticos sobre o tema no das terras originárias/ocupadas Rondônia 1 Observatório Quilombola11, criado esteja assegurado na Constituição São Paulo 6 em 2005.12 desde 1988, apenas 185, uma ínfima parcela de 6% das 3.000 que se esti- Sergipe 1 Os Territórios ma existir, lograram regularizar seus TOTAL 104 As comunidades quilombolas territórios. Dos 104 territórios qui- Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo, agosto de 2010 6 In: SEPPIR, Comunidades Quilombolas Brasileiras - Regularização Fundiária e Políticas Públicas, Brasília, 2010: 8. Acessado em 12/07/2010 https://gestaoseppir.serpro.gov.br/.arquivos/relatorio_gestao_pbq2009 7 In: Fundação Cultural Palmares www.palmares.gov.br, consulta em 9/07/2010. 8 Ver: http://www.ccnma.org.br/ 9 Ver:HTTP://WWW.smdh.org.br/ 10 Segundo o CCN (Centro de Cultura Negra do Maranhão) e a SMDDH (Sociedade. Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos), “para o surgimento e implementação do PVN, foi decisiva a participação solidária de agências de cooperação internacional”, entre elas a CESE e a EZE (agora EED). In: CCN SMDDH, Vida de Negro no Maranhão: Uma experiência de luta, organização e resistência nos territórios quilombolas, São Luis, maio de 2005: 41. 11 Ver: HTTP://www.koinonia.org.br/oq/default.asp 12 No universo de ONGs podemos citar também os trabalhos do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) dedicados às comunidades quilombolas de Minas Gerais e o monitoramento da legislação, ações judiciais e processos administrativos de âmbito nacional desenvolvido pela Comissão Pró-Índio de São Paulo. 13 Somente nos estados do Acre e Roraima não se tem informação sobre a existência de comunidades quilombolas. 14 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, “Documento do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais”, Rio de Janeiro, 17/18 de outubro de 1994. 15 A diferença entre o número de comunidades (180) e terras (104) deve-se aos casos em que em um mesmo território titulado vivem mais de uma comunidade. 16 In: Comissão Pró-Índio de São Paulo www.cpisp.org.br/terras
  • 19. 18 Direitos Humanos Eco- de invasões e tampouco das conse- Também são preocupantes os nômicos, Sociais, Culturais quências das mudanças climáticas. dados referentes a saneamento bá- e Ambientais A insegurança quanto à terra e sico, um elemento sintomático para As comunidades quilombolas à moradia dificulta o planejamen- a melhoria das taxas de desnutrição vivenciam uma situação de desigual- to e a adoção de medidas voltadas infantil. Apenas pouco mais de 30% dade socioeconômica e de violação para o desenvolvimento susten- das residências quilombolas en- de direitos humanos, econômicos, tado dos territórios quilombolas trevistadas estavam ligadas à rede sociais, culturais e ambientais. e afeta, entre outros, o direito à pública de água e esgoto ou dispu- A morosidade do governo na alimentação adequada. Os resul- nham de fossa séptica.20 efetivação das titulações coloca os tados da “Chamada Nutricional Um artigo que analisa os dados quilombolas em situação de vulne- Quilombola 2006”17 evidenciam a da “Chamada Nutricional Quilom- rabilidade, mais suscetíveis às cres- realidade de insegurança alimentar bola 2006” destaca a situação de desi- centes pressões do agronegócio, da vivenciada por essas populações. gualdade vivida pelos quilombolas: mineração, de empreendimentos Uma das conclusões do estudo é que “do ponto de vista da nutrição Conforme a classificação da de infraestrutura e dos programas de menores de cinco anos, fica es- Associação Brasileira de Insti- governamentais de “segurança na- tutos de Pesquisa de Mercado cional” Nas diversas regiões do país, . tabelecido que se constituem em (Abipeme) constata-se que 57% registram-se conflitos envolvendo grupo com altos riscos de desnu- das famílias quilombolas entre- territórios quilombolas, como os trição, igualando-se às crianças do vistadas encontram-se dentro da vividos pelas comunidades Maram- nordeste urbano de uma década classe E, o que significa crianças baia (Rio de Janeiro), São Francisco anterior à ‘Chamada’” (1996).18 de zero a cinco anos vivendo em do Paraguaçu (Bahia) e as localiza- A pesquisa do Ministério do residências desprovidas de insta- das no Baixo Parnaíba (Maranhão), Desenvolvimento Social e Combate lações e equipamentos mínimos. à Fome indica que a proporção de De acordo com a Associação objeto dos estudos de caso apre- crianças de até cinco anos desnutri- Brasileira de Estudos Populacio- sentados pela presente avaliação de nais – Abep (2003), esse grupo impacto. das é 76,1% maior do que na popu- populacional encontra-se inclu- Consequentemente, muitas co- lação brasileira e 44,6% maior do que ído entre os 4% mais pobres da munidades têm o acesso aos recur- na população rural. A incidência de sociedade brasileira. 21 sos naturais dos seus territórios cer- meninos e meninas com déficit de ceado pela ação de terceiros. Outras peso nessas comunidades é de 8,1% Tal desigualdade reflete-se tam- sofrem com os impactos ambien- — maior também do que entre as bém no acesso à educação. O Rela- tais de empreendimentos vizinhos crianças do semiárido brasileiro tório do Fundo das Nações Unidas ou sobrepostos às suas terras, tais (6,6%). para a Infância (Unicef)22 de 2009 in- como hidroelétricas, clui os quilombolas entre madeireiras, minera- Desnutrição infantil os grupos que estão em doras e os grandes em- (% de crianças até 5 anos com déficit de peso) situação mais vulnerável preendimentos de mo- 8,1% quando se trata do ple- nocultura de eucalipto. 6,6% no exercício do direito 4,6% 5,6 % É importante destacar de aprender, juntamen- que inexistem progra- te com as meninas e os mas ou políticas gover- meninos que vivem no namentais que visem campo, os indígenas e as Quilombolas População População Semi-árido proteger os territórios crianças e os adolescen- quilombolas e seus brasileira rural tes com deficiência. O recursos naturais dos Unicef avalia que a edu- impactos de grandes Fontes: Pesquisa de Orçamentos Familiares, Pesquisa Nacional so- cação oferecida nas co- bre Demografia e Saúde e Chamada Nutricional Quilombola 200619 projetos, das ameaças munidades quilombolas 17 Estudo pioneiro do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome realizado junto a 60 comunidades quilombolas (3.000 famílias) em 22 estados do país em 2006. 18 Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Chamada Nutricional Quilombola 2006 - Resumo Executivo, Brasília, maio de 2007: 7 19 PNUD “Desnutrição é 76% maior entre quilombolas”, Brasília, 16/05/2007 www.pnud.org.br/raca/reportagens/index. php?id01=2684lay=rac 20 SILVA, Helena Oliveira et alli, “Diagnóstico das Condições de Vida nas Comunidades Incluídas na Chamada Nutricional Quilombola, In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Políticas Sociais e Chamada Nutricional Quilombola: estudos sobre condições de vida nas comunidades e situação nutricional das crianças, Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate. – N. 9, Brasília, 2008:45 21 Idem, ibidem: 42-43 22 Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar avanços e reduzir desigualdades, Brasília, 2009.
  • 20. 19 é, em geral, bastante precária: comunidades quilombolas situ- dessas comunidades em concluir adas nos estados do Semiárido, os estudos no campo. Apesar de As escolas frequentemente existem 846 escolas de Ensino concentrar a maioria dos estabele- estão distantes das casas dos alu- Fundamental e apenas nove de cimentos de ensino quilombolas da nos, não apresentam infraestrutu- Ensino Médio, segundo dados região (423), o Maranhão não tinha ra adequada ao seu funcionamen- do Censo Escolar 2007.24 uma escola sequer que oferecesse o to e poucas conseguem oferecer Ensino Médio.26 o Ensino Fundamental completo. Os dados sobre as escolas O Relatório informa que nos Além de serem poucos para aten- quilombolas na Amazônia Legal últimos anos, os quilombolas tor- der a demanda, os professores, em também revelam dificuldades: em naram-se foco de políticas públicas sua maioria, não têm a formação 2007, apenas 15% dos 2.449 docen- específicas e de ações desenvolvi- adequada para dar aulas.23 tes tinham Ensino Superior e 73% das por diferentes organizações da haviam concluído o Ensino Médio, sociedade civil. Com isso, verifi- O documento afirma ainda que segundo o Censo Escolar (Inep/ cou-se uma melhora nos indicado- [...] é comum nessas comuni- MEC). Nas escolas não quilombo- res educacionais relativos a eles. O dades a presença de classes mul- las da região esse índice foi de 54% e Unicef pondera, contudo, que “ain- tisseriadas. Em geral, as crianças 45%, respectivamente.25 da há enormes desafios a enfrentar fazem as séries iniciais e, depois, Ainda segundo o Unicef, em para garantir a essas crianças e a es- precisam se deslocar longas dis- 2007, somente 148 alunos cursavam ses adolescentes o acesso à escola tâncias para complementar os o Ensino Médio em escolas quilom- e uma educação de qualidade, que estudos. No Ensino Médio, a bolas na Amazônia, o que revela a efetivamente atenda às suas neces- oferta é ainda mais crítica: nas dificuldade dos meninos e meninas sidades de aprendizagem”.27 2. Direito à terra e ao território - Marcos legais28 Na América do Sul, três cons- tituições reconhecem direitos de comunidades quilombolas: as da Colômbia, do Brasil e do Equador. A Colômbia foi o primeiro país a tratar em sua constituição do direito à ter- ra dos afro-colombianos em 1991, direito que foi regulamentado pela Lei 70/1993 e Lei 397/1997. No Equador, a constituição de 1998 já reconhecia aos afro-equa- torianos direitos coletivos às suas terras. A nova constituição de 2008 reafirma tais direitos. O Equador conta também com a Ley de los Derechos Colectivos de los Pue- blos Negros o Afroecuatorianos, de 2006, que assegura os direitos dos povos negros sobre as suas ter- ras ancestrais. Na América Central, a constitui- ção da Nicarágua, de 1987, garante às “comunidades da costa atlântica” as formas comunais de propriedade das terras e o procedimento para titulação dessas terras está regu- lamentado pela Lei 445/2002. Em pecifica que as mesmas devem ser estão assegurados na Constituição Honduras a Ley de Propiedad de tituladas de forma coletiva. Federal e nas constituições dos Es- 2004 reconhece o direito dos afro- No Brasil, os direitos territo- tados da Bahia, Goiás, Maranhão, hondurenhos às suas terras e es- riais das comunidades quilombolas Mato Grosso e Pará. Seus direitos 23 Idem: 28 24 Idem: 69 25 Idem: 93. 26 Idem: 92. 27 Idem: 23. 28 Todos os marcos legais mencionados nesta parte podem ser encontrados em: http://www.cpisp.org.br/htm/leis/
  • 21. 20 estão garantidos também na Con- popular, mas não alcançou o nú- denamento fundiário. venção 169 da Organização Inter- mero necessário de assinaturas para nacional do Trabalho, sobre Povos permitir a sua tramitação. Em 20 de Direitos à terra e ao ter- Indígenas e Tribais, instrumento agosto de 1987 a proposta voltou a ritório internacional ratificado pelo Brasil ser apresentada, sendo formalizada Outros dois artigos da Cons- em 2003 e que, portanto, tem força pelo Deputado Constituinte Carlos tituição Brasileira também reco- de lei em nosso país. Alberto Caó (PDT-RJ).30 Foi apro- nhecem direitos das comunidades vada “no apagar das luzes” graças quilombolas, ainda que não haja O Artigo 68 da Consti- às intensas negociações políticas menção específica a elas: os artigos tuição Federal conduzidas por representantes do 215 e 216 do Capítulo III, sobre O dispositivo constitucional29 movimento negro do Rio de Janeiro, Educação, Cultura e Desporto. que garante aos quilombolas a pro- dentre eles, o próprio Dep. Carlos O artigo 215 determina que o priedade de suas terras é fruto de Alberto Caó e a Deputada Benedita Estado proteja as manifestações uma articulação do movimento da Silva (PT/RJ).31 culturais afro-brasileiras. Já o artigo negro, responsável também pela O fato de a Assembleia Cons- 216 considera os bens de natureza inclusão de dispositivo semelhante tituinte ter coincidido com o pe- material e imaterial dos diferentes em constituições estaduais. ríodo do Centenário da Abolição grupos formadores da sociedade O objetivo da iniciativa era re- contribuiu para a conformação de brasileira, entre os das comunida- parar a injustiça histórica cometida um cenário favorável à aprovação des negras – formas de expressão, pela sociedade escravocrata bra- do Artigo 68. Outro fator que cons- modos de criar, fazer e viver – como sileira contra o povo negro. Uma pirou favoravelmente foi o desco- patrimônio cultural brasileiro, a ser reparação que se concretizaria por nhecimento sobre a realidade das promovido e protegido pelo Poder meio do reconhecimento dos di- comunidades quilombolas e as im- Público. reitos das comunidades de descen- plicações do que estava sendo apro- Conforme explica a Procurado- dentes dos antigos escravos possibi- vado. Os constituintes não tinham ra Isabel Cristina Groba, em função litando-lhes, finalmente, o acesso à ideia do impacto da aprovação do dos artigos 215 e 216 da Constitui- propriedade de suas terras. artigo uma vez que se imaginava ção pode-se afirmar que a obrigação A proposta foi inicialmente que beneficiaria um número muito do Estado para com as comunida- apresentada à Assembleia Nacional restrito de comunidades e não teria des quilombolas não se restringe ao Constituinte na forma de emenda maiores consequências sobre o or- reconhecimento da propriedade: A norma do artigo 68 do ADCT deve ser vista sempre em cotejo com as normas de pre- servação cultural desses grupos na condição de formadores da sociedade nacional, assegurando- se-lhes a oportunidade de conti- nuarem a reproduzir-se de acordo com as suas tradições, sob pena de estarem feridos os princípios maiores fundadores de nossa Re- pública. Os seus modos de fazer e viver são os bens imateriais a que alude a Constituição de 1988, competindo destarte ao Poder Público, com a colaboração da co- munidade, proteger tal patrimô- nio por todos os meios e formas de acautelamento e preservação, assegurando a sua permanência contra todos os atos públicos e privados tendentes a descaracteri- zar-lhes o traço cultural ou atentar contra a sua forma de viver. 32 Dessa forma, a Constituição per- 29 Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. 30 TRECCANI, Girolamo D. Terras de Quilombo - Caminhos e entraves do processo de titulação, Belém, Secretaria Executiva da Justiça/Pro- grama Raízes, 2006: 77. 31 In: ARRUTI, Op. Cit: 67. VIEIRA, Isabel Cristina Groba, palestra reproduzida In: “ANDRADE, Lúcia M. M. de (org.) Desafios para o Reconhecimento das Terras Quilombolas, São Paulo, Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1997: 51-52.
  • 22. 21 mite interpretar que o direito dos quilombolas à terra está associado ao direito à preservação de sua cul- tura e organização social específica, legitimando, portanto, o conceito de território, entendido como espaço de reprodução física e social. O direito ao território está as- segurado também pela Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tri- bais da Organização Internacional do Trabalho (OIT)33 que determi- na que se reconheçam os direitos de propriedade e de posse desses povos sobre as terras que tradicio- nalmente ocupam (artigo 14). O tratado internacional estabelece, ainda, que o termo “terras” deverá “incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessa- dos ocupam ou utilizam de alguma outra forma” (artigo 13). Consonante com as normas superiores, o Decreto 4.887/ 2003, que estabelece os procedimentos outubro de 1999 quando a 11ª ree- editou o Decreto nº 3.912 que, ao para titulação das terras quilom- dição da Medida Provisória 1.911 regulamentar o procedimento para bolas, também reconhece que são delegou ao Ministério da Cultura a titulação das terras de quilombo, “terras ocupadas por remanescentes competência para titular as terras restringiu o alcance do Artigo 68. O das comunidades dos quilombos as quilombolas. A mudança de com- decreto estabeleceu que apenas as utilizadas para a garantia de sua re- petência refletia a decisão do gover- “terras que eram ocupadas por qui- produção física, social, econômica e no Fernando Henrique Cardoso de lombos no ano de 1888” e as que es- cultural” (artigo 2º, § 2º). não realizar desapropriações para tavam “ocupadas por remanescen- assegurar a titulação das terras de tes das comunidades dos quilombos Histórico da normatiza- quilombo. Em consonância com tal em 5 de outubro de 1988” poderiam ção federal orientação, em novembro de 2000, a ser contempladas pelo Artigo 68. O Artigo 68 é autoaplicável, ou Fundação Cultural Palmares outor- Tal classificação temporal, que seja, não necessita de norma que o gou um “pacote de titulações” sem não encontrava qualquer respaldo regulamente, produzindo efeitos por a desapropriação ou anulação dos no texto constitucional, restringia si só, independente de normatização títulos de terceiros incidentes nas enormemente os potenciais bene- complementar.34 Portanto, as normas terras quilombolas, nem tampouco ficiários do artigo 68. Os principais inferiores não vêm para regulamen- a retirada dos ocupantes não qui- atingidos pela medida foram os qui- tá-lo, mas sim para orientar a ação do lombolas. Dez das doze comunida- lombolas de áreas de conflito que na Poder Executivo quantos aos proce- des “beneficiadas” com esses títulos data da promulgação da Constitui- dimentos para identificar, delimitar e sofrem até hoje com o conflito gera- ção não se encontravam na posse titular as terras quilombolas. do por essa medida e não têm livre de seus territórios, justamente em Data de novembro de 1995 a pri- acesso aos recursos naturais de suas decorrência das disputas. meira iniciativa para normatização terras. Na gestão do governo Lula, O resultado do Decreto dos procedimentos de regularização o Incra abriu novo processo para 3.921/2001 foi a completa parali- dessa categoria de terras: a Portaria regularizar essas áreas, com vistas sação das titulações das terras de 307 do Incra, que determinava que as a proceder às devidas desapropria- quilombo por parte do governo comunidades quilombolas tivessem ções e reassentamentos. federal. Nenhuma terra de quilom- suas áreas demarcadas e tituladas. Em 10 de setembro de 2001, bo foi regularizada durante/sob a Tal regulamentação vigorou até o presidente Fernando Henrique vigência desse decreto. 33 As comunidades quilombolas constituem grupos étnicos e, assim sendo, enquadram-se na definição de “povo tribal” do artigo 1.1.a. da C 169 da OIT e são sujeitos dos direitos estabelecidos na Convenção. O governo brasileiro reconhece a aplicabilidade da C 169 às comunida- des, por exemplo, na Instrução Normativa Incra 57/2009 (artigo 2º). Decisões da Justiça Brasileira também referendam o entendimento de que as comunidades quilombolas são grupos específicos sobre os quais a Convenção 169 da OIT se aplica. 34 Sobre o tema, o jurista Dalmo Dallari afirma que “Essa norma, que define e garante direitos fundamentais, é auto-aplicável, por força do que dispõe o parágrafo 1 do artigo 5 da Constituição. E o referido artigo 68 não exige lei regulamentadora, sendo juridicamente perfeita a edição de decreto federal, estabelecendo regras administrativas visando dar àquela norma constitucional efetividade prática, possibilitando o gozo dos direitos” In: DALLARI, Dalmo de Abreu: “Direitos constitucionais dos quilombos” In; Gazeta Mercantil, Caderno A - Pág. 1023/3/2009.
  • 23. 22 Histórico de aprovação de normas federais sobre Já as normas dos demais estados fo- procedimentos para titulação das terras quilombolas ram aprovadas entre 2002 e 2010. De forma geral, as normas esta- Ano Norma Conteúdo duais definem procedimentos mais 1995 Portaria Incra n.º 307 Determinou que as comunidades quilombolas tivessem suas áreas céleres e eficazes para identificação, demarcadas e tituladas. delimitação e titulação das terras 1999 11ª reedição da Me- Delegou ao Ministério da Cultura a competência para titular as quilombolas. E, por isso, têm se cons- dida Provisória 1.911 terras quilombolas. tituído num importante instrumento 2001 Decreto n.º 3.912 Regulamentou o procedimento para titulação das terras de quilom- de garantia de direitos. Dos 104 terri- bo. Restringiu o alcance do Artigo 68 ao estabelecer que apenas tórios quilombolas regularizados até as “terras que eram ocupadas por quilombos no ano de 1888” e as o momento, 75 foram titulados por que estavam “ocupadas por remanescentes das comunidades dos governos estaduais, e somente 25 quilombos em 5 de outubro de 1988” poderiam ser contempladas pelo governo federal. Outras cinco pelo Artigo 68. terras foram regularizadas por meio 2003 Decreto n.º 4.887 Regulamentou o procedimento para titulação das terras de de títulos concedidos pelo governo quilombo (revogou o decreto de 2001). federal e governos estaduais (cada 2008 Instrução Normativa Gerou retrocessos na garantia de direitos por meio da introdução uma para uma porção do território). Incra nº 49 de empecilhos burocráticos nos procedimentos para identificação e titulação das terras quilombolas. Políticas públicas Criou as condições para a retomada das titulações: adotou uma A luta dos quilombolas permitiu conceituação adequada de comunidade e de terra de quilombo que programas e ações do governo com a adoção do critério da autoidentificação; reconheceu a pos- federal e estadual fossem criados sibilidade de desapropriação de propriedades incidentes em terras para assegurar políticas públicas de quilombos e atribuiu a competência de condução do processo específicas, ampliando o reconheci- ao Incra. mento de direitos para além da ga- rantia territorial. Normas federais atuais Os obstáculos foram acresci- Exemplo disso é o Programa Atendendo à reivindicação dos dos progressivamente por meio de Brasil Quilombola, que tem por fi- quilombolas, o governo do presi- sucessivas normativas: a Instrução nalidade coordenar as ações gover- dente Lula, em 20 de novembro de Normativa Incra nº 16/2004; a Ins- namentais que almejam garantir o 2003, editou nova regulamentação trução Normativa Incra nº 20/2005, direito à terra, à documentação bási- sobre a matéria. O Decreto nº 4.887 a Portaria Fundação Cultural Palma- ca, alimentação, saúde, esporte, lazer, de 2003 criou as condições para a res nº 98/2007 e, finalmente, a mais moradia adequada, serviços de infra- retomada das titulações, uma vez polêmica delas, a Instrução Normati- estrutura, previdência social, educa- que adotou uma conceituação ade- va Incra nº 49/2008, reeditada como ção e cultura para as comunidades quada de comunidade e de terra de IN 57 em 2009, como explicaremos quilombolas. O Programa é coorde- quilombo com a adoção do critério adiante. Conforme analisaremos, tais nado pela SEPPIR e agrega 23 órgãos da autoidentificação; reconheceu a mudanças consubstanciam o recuo da administração pública federal.36 possibilidade de desapropriação de do governo federal. Programas de apoio específicos propriedades incidentes em terras de para as comunidades quilombolas quilombos e atribuiu a competência Legislações estaduais também foram criados no âmbito de condução do processo ao Incra. Atualmente, nove estados con- estadual. O primeiro estado a ado- Os avanços do Decreto tam com leis próprias disciplinando tar uma iniciativa desse tipo foi o de 4.887/2003, no entanto, foram mi- o processo para a regularização das São Paulo, que em 1997 criou um nados pelo próprio governo ao longo terras de quilombo: Bahia, Espírito Programa de Cooperação Técnica dos anos e à medida que as pressões Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Piauí, e de Ação Conjunta que congrega contrárias às titulações das terras Rio Grande do Norte, Rio Grande do atualmente a Procuradoria Geral do quilombolas foram crescendo. Por Sul e São Paulo. Estado, a Secretaria da Justiça e da meio de normas internas ao Incra É no Pará que se registra a mais Defesa da Cidadania, a Secretaria e a Fundação Cultural Palmares, o antiga iniciativa de normatização: o do Meio Ambiente, a Secretaria da governo Lula acabou por introduzir Decreto 663 de 20 de fevereiro de Cultura, a Secretaria de Agricultura e uma série de empecilhos burocráti- 1992, que já não está mais em vigor. Abastecimento, a Secretaria da Edu- cos nos procedimentos para a regu- A mais recente iniciativa ocorreu no cação, a Casa Civil e a Secretaria da larização das terras quilombolas que Maranhão, em abril de 2010 com a Habitação, e visa à regularização das tornaram o processo mais moroso e aprovação da Lei 9.169.35 As leis em terras de quilombolas e à implanta- custoso e, consequentemente, mais vigor em São Paulo e no Pará datam, ção de “medidas socioeconômicas, difícil de ser concluído. respectivamente, de 1997 e de 1998. ambientais e culturais”. 35 Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo http://www.cpisp.org.br/htm/leis/index.html 36 In: SEPPIR, Comunidades Quilombolas Brasileiras - Regularização Fundiária e Políticas Públicas, Brasília, 2010: 6. Acessado em 12/07/2010 https://gestaoseppir.serpro.gov.br/.arquivos/relatorio_gestao_pbq2009 37 Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo, http://www.cpisp.org.br/htm/leis/legislacao_estadual.aspx