1. espiral
boletim da associação FRATERNITAS MOVIMENTO
Nº 10 - Janeiro / Março de 2003
VER OS SINAIS
L embro-me muito bem da história tragico-cómica possa até fazer emergir capacidades minhas ainda
não descobertas, porventura muito ricas, que teriam
do ano passado, quando, no Encontro Nacional, vári-
as pessoas, muito amáveis e preocupadas, me aju- ficado inexploradas por nunca terem sido excitadas,
daram a procurar uma lente perdida, inspeccionan- Seriam talentos enterrados agora trazidos à luz do
do minuciosamente todos os recantos do quarto, dos dia para enriquecimento meu e da comunidade.
corredores e das salas onde nos reuníamos. Mas a A perspectiva de não haver solução imediata —a len-
lente não apareceu. E logo era a lente mais neces- te tinha de vir de fora— levou-me a repensar toda a
sária! programação dos dias imediatos. Muitas vezes são
Hoje tive outra vez uma grande aflição — voltei a per- estes acasos fortuitos que vão determinar alterações
der a lente. Desta vez foi diferente, mas não menos na nossa vida.
preocupante. Tinha ainda bem presentes na minha Temos ouvido na televisão testemunhos de pessoas
mente as quatro semanas de espera por uma lente que, por acidente, viram truncadas carreiras promis-
nova. soras, fazendo-as voltar à estaca zero e obrigando-
Entre os que usam lentes de contacto correm muitas as a reaprender tudo como se tivessem nascido na-
histórias de contornos mais ou menos semelhantes, (continua na pág. 2)
em que a lente vai depois aparecer no sítio mais in-
crível. Quando ouvia estas histórias dos casos pas-
sados com os outros, achava-lhes graça, até desen-
volvia alguma compreensão pela aflição do
interveniente, mas acabava por esquecer rapidamen- Sumário:
te o incidente.
Agora não. É que não ter a lente significava não ter Nota do Responsável 3
capacidade de visão. Ficaria incapacitado de traba- Um Ethos mundial 4
lhar e de conduzir até que a nova lente viesse de
fora. A sensação de impotência, de inevitabilidade e Vocações a menos... Erros a mais!... 5
de frustração não se amenizava com a perspectiva Novos Sócios do FRATERNITAS 6
de a nova lente poder chegar em breve. Parecia que Quotas 6
alguma coisa tinha acabado aqui.
Cartas 7
No entanto, eu sabia que a principal qualidade dum
ser vivo é a sua adaptabilidade às circunstâncias Encontro Reginal do FRATERNITAS 8
envolventes. É a necessidade que faz destravar, quer
no indivíduo quer na sociedade, as evoluções ne-
cessárias. Talvez esta necessidade de adaptação
2. 2 espiral
(continuação da pág. 1) entendem a juventude, os velhos consideram que ela
está perdida. Não se lembram de que eles próprios
quele momento. Algumas não conseguiram, outras já fizeram parte duma “juventude perdida” e que, nes-
sim. Estas descobriram em si mesmas capacidades sa altura, consideravam — e ainda hoje consideram
novas e conseguiram voltar a dar sentido à própria — que eram eles quem tinha razão. Faz lembrar a
vida. Conseguiram realizar-se, ser úteis, render e aju- forma como hoje em dia a matemática é ensinada
dar os outros. Uma afirmação do valor da vida. nas escolas. Os pais não sabem tirar dúvidas de
E matemática aos filhos, “porque eles não aprendem
m termos objectivos os padres que, casando, como nós aprendemos no nosso tempo”. É verdade
abandonaram o exercício do ministério, estão um que eles não aprendem a tabuada nem os proble-
pouco na linha destes ressuscitados. Votados ao ano- mas das torneiras. Mas, no fim, eles vão chegar aos
nimato por parte das instituições eclesiásticas, que mesmos resultados, só que o fazem seguindo uma
os consideraram como traidores, infiéis às promes- abordagem diferente, porventura mais rica e mais
sas feitas, folhas secas, seres falhados e aconselha- fácil.
dos a abandonarem os lugares onde eram conheci-
dos como padres, eles, quase sem se darem conta,
venceram essa fase difícil da transição duma carrei-
F oi há cerca de 40 anos que a Igreja começou a
sentir a saída de muitos dos seus padres. Estes, ten-
ra clerical para uma profissão normal, eclesialmente do saído pelas mais variadas razões, na sua grande
anónima. maioria acabariam por casar. No entanto, seria de-
Foi dessa base que tiveram de refazer a própria vida, masiado redutor e não verdadeiro dizer que os pa-
o que conseguiram com muito esforço e muita capa- dres saíram para casar.
cidade, mas, naturalmente, também com êxito. Face às medidas de ostracismo e de anulação ecle-
Por falta de padres as dioceses recorrem a colabo- siástica de que foram/são alvo, eles sentiram neces-
radores leigos para o exercício de muitas funções sidade de se organizarem para se encontrarem e
paroquiais há bem pouco tempo da exclusiva res- apoiarem mutuamente. E, não menos importante,
ponsabilidade dos padres. Essa prática é de aplau- para fazerem em conjunto a análise da situação em
dir porque os leigos têm o seu lugar na Igreja Povo que se encontram. Reconheceram que não fizeram
de Deus. mal nenhum, antes pelo contrário, fizeram o que de-
Devemos dar graças a Deus por esta actual crise de via ser feito. E, partindo desta perspectiva, planear
padres, porque ela obriga a hierarquia a recorrer ao acções para o futuro.
serviço de membros da assembleia, entregando-lhes Começando pela afirmação da sua existência, da sua
responsabilidades e suscitando, assim, vocações ge- presença como cidadãos de pleno direito na comu-
nerosas e carismáticas que, noutras circunstâncias, nidade eclesial, com capacidades próprias para po-
nunca veriam a luz do dia. E isto independentemente der intervir em actividades eclesiais, assumindo que
de serem jovens ou adultos, casados ou solteiros, estão em condições de poderem preencher lacunas
novos ou velhos, homens ou mulheres. Para uma ministeriais, consideram que a sua situação face à
doação ao serviço eclesial a tempo inteiro é comunidade eclesial pode constituir um incentivo para
irrelevante se se é casado ou não, como a experiên- as necessárias mudanças no recrutamento dos agen-
cia abunadantemente documenta, p. ex., em termos tes pastorais ordenados.
de missões ad gentes: médicos, professores, enfer-
meiros, etc. O Espírito sopra onde quer. Mas o espí-
rito de doação é muito mais exercitado no seio duma
P or toda a parte os padres, que deixaram o minis-
tério, se organizaram. Começaram por aprofundar a
família do que no estado celibatário. história do celibato obrigatório para os padres. Nun-
O velho tem muito medo de experiências novas. É
por isso que uma sociedade gerontocrática anda
ca desvalorizaram o celibato assumido voluntaria-
mente como valor ao serviço de Deus e dos irmãos,
mas distinguiram muito bem duas coisas que são di-
sempre a reboque da evolução da sociedade. As ferentes: o celibato e vocação sacerdotal, porque uma
chefias da Igreja não se auto-reformam, são, por na- coisa não implica a outra. Assim como é contra os
tureza, imobilistas. Enquanto a hierarquia for uma direitos humanos proibir alguém de casar, também
gerontocracia, as reformas não avançam. Porque não ninguém é obrigado a casar.
3. espiral 3
Desenvolveram a consciência de que “o celibato não as celebrações familiares, bem na tradição da Igreja
é essencial para o sacerdócio” (João Paulo II). Sa- primitiva, os padres casados aderiram a essa inicia-
bem, por experiência própria, que a antiga tradição tiva dos leigos. Têm consciência de que os sacra-
de mil anos de sacerdócio casado é perfeitamente mentos ministrados pelos padres casados são váli-
válida hoje em dia e até mais consentânea com as dos, e também lícitos em caso de necessidade, em-
exigências da natureza humana. bora ilícitos nos casos correntes. No entanto, consi-
Não podendo ser integrados no exercício do minis- deram que, no momento em que os fiéis necessitem
tério, os padres casados foram reflectindo onde po- dum serviço paroquial e não haja padre disponível, o
deriam exercer a vocação que Deus lhes deu para o recurso aos padres casados é justificado como caso
serviço dos irmãos. Os seus olhares voltaram-se para de necessidade.
os pobres e os oprimidos, sendo naturalmente críti-
cos para com os opressores. A o definir os seus objectivos a nossa Fraternitas
U procurou evitar situações de afrontamento, ou de ten-
ma associação italiana de padres casados (a são, privilegiando a disponibilidade dos seus mem-
Vocatio) quando se fundou em 1984, focava as suas bros para colaborar na causa eclesial dentro dos
preocupações sobre a Igreja instituição. Pretendia domínios ou temas em que se sintam particularmen-
alargar a concepção de Igreja, que é mistério e co- te habilitados. Não reivindica a reintegração no exer-
munhão do Povo de Deus, face a uma Igreja fortale- cício do ministério, embora reconheça que os seus
za no alto do monte, autossuficiente e única detento- membros estariam em boas condições de poderem
ra da verdade. ser pastoralmente úteis, nomeadamente nos domí-
Após quinze anos de movimento, a Vocatio reflectiu nios da educação e da acção social.
sobre si mesma e passou de movimento de padres Além disso, a Fraternitas pretende trabalhar no sen-
casados para uma associação de cristãos respon- tido de que os seus membros se congreguem,
sáveis, que desafia descriminações, privilégios, entreajudem e actualizem, quer participando em cur-
hegemonia e poderes históricos dentro da Igreja ca- sos apropriados quer mantendo diálogo com outros
tólica. Constitui-se, assim, como factor de mudança movimentos. O objectivo é que tenham ânimo para
mediante a valorização das iniciativas individuais vencer as dificuldades de percurso e, possam, as-
resultantes das várias sensibilidades e experiências sim, encontrar a paz e a tranquilidade de quem se
de fé: “não há limites à pesquisa dentro da experiên- sente no bom caminho. Temos sempre presentes as
cia da fé, contanto que seja sempre séria e respon- palavras do Mestre: “quando dois ou três se reuni-
sável e que a comunicação aconteça no pleno res- rem em Meu nome, Eu estarei no meio deles”. Com
peito pela consciência do outro”(do site da Vocatio a ajuda d’Ele não há dificuldades insuperáveis. As
na Internet). soluções para os problemas acabam por surgir de
P forma inesperada.
or sua vez, uma associação nos EUA opta por A lente apareceu quando eu já tinha o telefone na
colocar os padres casados/casais a exercer o mi- mão para encomendar uma lente nova. H
nistério sacramental em reuniões familiares. Cons-
tatando que muitos católicos já não necessitam da Aveiro, 2002-12-19
Igreja institucional para viverem a sua fé e preferem João Simão
Nota da Redação: 3. Dada a irregularidade de saída dos últimos dois números,
1. O “nosso” boletim tem resultado mais da disponibilidade do julgamos ser preferível tentar dar maior estabilidade à
seu responsável que dos autores dos textos que nele vêem periodicidade do Espiral;
figurando; 4. Assim, decidimos atrasar a saída do presente número,
2. Também temos tido colaboração de membros do Fraternitas procurando fazer coincidir a sua publicação com o meio do
que nos enviam textos recolhidos noutras publicações e/ou período que julgamos deva, para já, ter — um trimestre;
espaços, com recomendação de “publica se entenderes”; 5. A saída do próximo número prevêmo-la para Maio de 2003.
4. 4 espiral
UM ETHOS MUNDIAL
tuam no domínio psíquico, interior. Eu
A propósito da abertura em Viena de uma exposição sobre “Religiões próprio nunca teria superado os graves
mundiais, Paz no mundo, Ethos mundial”, Isabella Kampbell-Wessig conflitos com as chefias da Igreja se não
entrevistou Hans Küng, Director do Instituto para a Investigação Ecuménica tivesse estado sempre enraizado na fé
da Universidade de Tübingen, acerca dos objectivos da Fundação Weltethos católica. É esta fé que sempre me tem
(ethos mundial). O texto que publicamos tem já algum tempo (Abril de 2001), feito ver de forma clara a que instância
mas a crise que hoje se vive no mundo confere-lhe uma gritante actualidade. é que eu, em última análise, estou obri-
É uma tradução da revista Kirche Intern, pp. 14-16, da autoria do João gado – não ao estado e à universidade,
Simão. A selecção do texto que publicamos é da nossa responsabilidade. também não à Igreja ou ao Papa, mas a
Deus.
KI - O Senhor Professor estabeleceu
Kirche Intern - Quais são os objecti- dio Oriente, na Índia ou no Sri Lanka. quatro directivas para os princípios
vos que a exposição “Religiões mun- Elas, não sendo muitas vezes a causa dum ethos mundial, entre outras, o
diais, Paz no mundo, Ethos mundi- directa dos conflitos, podem incendiá- compromisso por uma cultura da não-
al” persegue? -los, espicaçar os ódios e fornecer ain- -violência e do respeito pela vida, uma
KÜNG - Estabelecemos como objecti- da mais motivação para as hostilidades. cultura da igualdade de direitos entre
vo desta exposição colocar as religiões Por outro lado, – e este é o meu argu- homem e mulher – porém, exactamen-
mundiais em ligação com a paz no mun- mento contra Huntington – as religiões te nas igrejas, p.ex., na Igreja católi-
do e o ethos mundial. Trata-se, natural- também podem restabelecer a paz, con- ca, verificou-se ser extremamente difí-
mente, não só das outras religiões, mas tribuir para a pacificação e, circunstan- cil implementar estes princípios.
também do cristianismo. Nesta medi- cialmente, mediar mesmo os conflitos. KÜNG - Os desafios, que o princípio
da, esta exposição pode voltar a mos- Temos bastantes exemplos de falhanços do ethos mundial coloca, também são
trar também aos cristãos quais são, no das religiões, como recentemente nos naturalmente válidos para as Igrejas, tal
fundo, as regras elementares da huma- Balcãs e no próximo oriente, mas temos como o axioma fundamental de que todo
nidade. também o exemplo do Conselho Sul- o ser humano deve ser tratado com hu-
Na primeira parte da exposição mos- -africano das Religiões, que foi essen- manidade. Muita gente tem hoje a im-
tram-se as seis grandes religiões – cialmente o responsável pelo desman- pressão de que o sistema instalado na
hinduísmo, religião chinesa, budismo, telamento do apartheid na África do Sul cúria romana contém feições desuma-
judaísmo, cristianismo, islão. Na segun- sem derramamento de sangue. Na Poló- nas, humilha as pessoas. Antes de tudo
da parte consideram-se os seis impera- nia e nos países de Leste foram essen- dever-se-ia observar a regra de ouro “faz
tivos da humanidade que são comuns a cialmente pessoas religiosamente mo- aos outros aquilo que queres que te fa-
todas as religiões e tradições éticas. tivadas que rejeitaram o sistema au- çam a ti”. Mas quando eu penso na for-
KI - Na ideia de ética mundial toritário e conduziram a sua revolução ma como certos bispos tratam as pes-
(Weltethos) o Senhor Professor aposta não com armas mas com velas. Efecti- soas do Movimento do Povo Cristão,
em valores, normas e critérios comuns vamente não temos de nos envergonhar. posso imaginar que esses bispos certa-
às religiões. No entanto, é conhecida a Isso é para mim a prova de que entrá- mente não gostariam de ser tratados do
tese de Samuel Huntington segundo a mos num período novo da história pós- mesmo modo.
qual, após o confronto Leste-Oeste, -moderna, em que as religiões já não Poder-se-iam citar ainda outras regras,
virá um combate de culturas. Como se tomam sempre aquela atitude de recu- p.ex., a de que é necessário respeitar a
poderá enfraquecer esta tese tão pes- sa liminar de tudo o que é moderno, que vida, mas, em questões como a contra-
simista, ou seja, não será a sua espe- lhes tem valido serem combatidas, ig- cepção e a eutanásia, não nos devemos
rança num ethos mundial demasiado noradas, oprimidas. Pelo contrário, hoje deixar empedernir de forma intransigen-
optimista? em dia as religiões exercem a sua força te em posições moralistas. Moralismo
KÜNG - Estou de acordo com o Prof. de múltiplas formas. Mencionemos, é o contrário de moral, o exagero da
Huntington quando ele diz que é preci- p.ex., a teologia da libertação na Amé- moral.
so tomar a sério religiões e culturas rica Latina e, aqui na Europa, todos Sobre uma outra regra a observar – a de
como dimensões profundas dos confli- quantos lutam por mais liberdade na agir com justiça e honestidade – mui-
tos actuais. As tradições étnicas e reli- Igreja, em cuja acção se integra o Mo- tos dos funcionários da Igreja teriam
giosas exercem grande influência em vimento do Povo Cristão. algo a dizer.
muitos lugares, seja nos Balcãs, no Mé- Por outro lado, as religiões também ac- (conclui na pág. 6)
5. espiral 5
OPINIÃO EM PRIMEIRA PESSOA
Em determinada freguesia rezou-se
muito pelas vocações sacerdotais, numa VOCACÕES A MENOS...
«Semana Vocacional». Talvez se tenham
esquecido as indispensáveis vocações dos
ERROS A MAIS!...
cristãos para o serviço da pastoral nas
famílias e nas comunidades. Mais do que para a salvaguarda e integridade da mensa- vivência do seu Reino no mundo, e só
chorar pela falta de vocações sacerdotais, é gem evangélica. Mas quem tem de cons- depois a petição do «pão de cada dia»
necessário interpretar e responder aos truir a Igreja são todos os que, pelo baptis- para que se possa viver num compromisso
desafios do nosso tempo. mo, participam no sacerdócio real de com os outros igual ao que desejamos para
É preciso continuar a desclericalizar a Cristo. Faltam sacerdotes? E o menos. A nós: «assim como nós perdoamos...». Deus
Igreja, para se corrigir a tendência do pas- falta de cristãos na pastoral é que é o mais e os homem num mesmo abraço!...
sado em que todos os ministérios pastorais grave!... A Cruz é o sinal do cristão. E ela tem a
apenas se atribuíam aos sacerdotes. Não A Igreja é um Corpo, do qual todos os dimensão vertical que liga o homem a
era assim no tempo dos primeiros cristãos. baptizados são igualmente membros. E Deus, mas ficaria incompleta sem a dimen-
Às vezes a actuação da hierarquia parece cada um tem de colaborar na manutenção são horizontal que nos liga uns aos outros.
transformar a Igreja numa repartição públi- da vida desse Corpo. Sem qualquer destes braços não há Cruz,
ca, onde as pessoas, do lado de fora do Por outro lado é preciso conhecer o nem sinal do cristão...
balcão, esperam pelo «despacho» do funci- sentido e o alcance da oração. Pelo que A oração, mesmo feita individualmen-
onário, se e quando ele se dispuser a isso!... geralmente se observa, fica-se com a erra- te, nunca é um acto privado. Temos de ter
A falta de sacerdotes veio repor os fiéis da impressão de que Deus se mantém tão presentes todas as necessidades dos outros,
nos campos da pastoral, de onde nunca alheio aos nossos problemas, que é preciso porque nenhum de nós é ilha isolada no
deviam ter sido retirados. Foi um grande «sacudi-lO», para que Ele «acorde»!... Isto mundo. De outra maneira a oração não é
erro da história da Igreja! E o mesmo erro é um erro que não se compadece com a comunhão com Deus nem com os irmãos.
se repete quando não se aproveitam tantos misericórdia e solicitude de Deus! Ele Não há oração sem comunhão!
que sabem e podiam servir, mas que se sempre nos procura, mesmo que O esque- Se a oração se reduzisse a petições,
marginalizam com desajustadas leis!... çamos! Foi Santo Agostinho que confes- não passaríamos de pedintes. E Deus não
Se não me chamassem herege, eu diria sou: «Senhor, eu não Te teria encontrado nos quis fazer pedintes. Nem Ele é sádico,
que a falta de sacerdotes foi uma benção do se primeiro não me tivesses procurado». nem nós masoquistas!...
Espírito Santo!... Certamente um sinal da Então para que se reza?!... Olhai: um A oração é muito mais um diálogo-
Sua presença na Igreja, que todos deviam dia o P. Paulo Guerra escreveu, no seu belo comunhão com Deus, uma acção de graças
compreender!... livro «Celebrar a Festa», que «a nossa por tudo quanto d’Ele recebemos. Daí que
É verdade que Jesus disse: «A seara é oração não move o coração de Deus para nos choca quando alguém diz querer «sal-
grande, mas os trabalhadores são poucos. dar, mas dispõe o nosso para receber». O var a sua alma». Acho que salvaremos a
Pedi ao senhor da seara que mande traba- problema está aqui. O que é preciso é nossa só na medida em que ajudarmos os
lhadores para a sua vinha» (Mt 9,37-38). estarmos atentos e abertos ao Espírito de outros a salvar a sua... Se somos membros
Mas este apelo é dirigido a todos os seus Deus, e deixá-lO entrar na nossa vida... do Corpo Místico de Cristo, não podemos
discípulos, sejam ou não ordenados. Até A oração é para mover e sensibilizar, imaginar que um qualquer membro apenas
porque Cristo nunca ordenou nenhum sacer- mais a nós do que a Deus. É preciso acei- se ajude a si mesmo! A Natureza nos ensi-
dote!... tar os Seus convites e transformar os nos- na isso!...
Jesus visionava, no seu horizonte, toda sos comportamentos. Quando Cristo nos Se nas nossas comunidades se viver
a Igreja, todos os baptizados. O sacerdócio ensinou o «Pai Nosso», pôs em primeiro
ministerial é, ou deve ser, indispensável lugar o homem a louvar a Deus na (conclui na pág. 6)
6. 6 espiral
(conclusão da pág. 4) dade e a igualdade de direitos da mu- turalmente também um repto às Igre-
Um outro ponto seria que todo o homem lher como a Igreja católica. Desde a jas.
tem direito à verdade e à lealdade. Ora, questão da contracepção, passando pela KI - É frequente afirmar-se erradamen-
muitas vezes a hierarquia é acusada de questão do aborto até à questão do celi- te que o ethos mundial, que preconiza,
mentir. No que concerne à igualdade de bato e da ordenação das mulheres – por deveria substituir-se às religiões. Será
direitos e de participação, deve dizer- toda a parte as mulheres sofrem sob leis que um ethos desta natureza se pode
-se que, hoje em dia, nenhuma institui- rigoristas, moralizantes. Até nisto es- realmente compatibilizar com religiões
ção é acusada de menosprezar a digni- tas normas éticas gerais representam na- tão fundamentalmente diferentes como,
p.ex., islamismo e budismo?
Novos Sócios do FATERNITAS K - É sempre um pouco difícil impor-
-se à ignorância. Quem afirma que a
Admitidos na Reunião de Direcção de 14 de Dezembro de 2002 ideia do ethos mundial reduz a religião
ao ethos, ou que o ethos mundial ambi-
Nº 92 - AUGUSTO DE CAMPOS OLIVEIRA e MARIA EMÍLIA ALVES MOREIRA ciona ser uma religião de unidade, re-
DE CAMPOS
conhece-se simplesmente como igno-
Rua António Nobre, 229
4470-140 MAIA
rante. Deveria talvez começar por ler a
Declaração do Parlamento das Religi-
Nº 93 - MÁRIO AUGUSTO S AMPAIO NUNES FERREIRA e FERNANDA MARIA ões Mundiais, que também é a razão
MARTINS S ILVA de ser desta exposição. Sobre a ques-
Rua Estrada Velha, 910 - R/c Esqº Norte tão de se o ethos se compatibiliza com
4480-107 ÁRVORE (Vila do Conde) religiões diferentes, deve dizer-se que é
Nº 94 - MANUEL BAPTISTA DA S ILVA e ANA VAZ TEIXEIRA BAPTISTA DA um facto que também no canon budista
SILVA aparecem normas semelhantes às do
Rua do Barreiro, 329 Decálogo da Bíblia hebraica ou do Novo
4450-292 JUNQUEIRA (Vila do Conde) Testamento. Em todas as culturas estas
regras são muito pouco vividas, o que é
válido para o cristianismo tal como para
PAGAMENTO DE QUOTAS o espaço budista. Portanto, isso não é
Recordamos a todos os sócios do Fraternitas a necessidade (e argumento contra o ethos, pelo contrá-
rio, é um argumento a favor. Como se-
justiça!) do pagamento atempado das respectivas quotas.
ria o mundo se nós não tivéssemos os
Há despesas todos os meses que são apenas cobertas pelas dez mandamentos? Gostaríamos que
nosssa quotas, nosso contributo para o Movimento e suas desta exposição resultasse claro que
actividades. para cristãos e muçulmanos, para
Supérfluo se torna recordar que os casos especiais, como tal, croatas e sérvios, para crentes e não
são devidamente considerados pela Direcção e Tesouraria. crentes, para cristãos democratas e so-
cialistas, há algumas regras que lhes são
Mas, se o teu caso for apenas de esquecimento...
comuns, as quais também podem cons-
tituir uma base para a convivência. H
VOCACÕES A MENOS... ERROS A MAIS!... (conclusão da pág. 5)
uma fé operativa, com impacto construtivo e na comunidade, sem barreiras egoístas e Rezar, sim!... Não para «acordar»
na vida individual e colectiva, as famílias e individualistas. Isto para todas as voca- Deus, mas para abrir o nosso coração à luz
a sociedade se transformarão, abrindo-se ções!.. Mas a Igreja tem de aprender a do Espírito Santo e deixá-la entrar livre-
às inspirações do Espírito Santo que sem- falar de Deus ao mundo, e do mundo a mente. Porque a luz pode chegar aos luga-
pre sopra «como, quando e onde quer». O Deus! res mais escuros, mas nunca entra numa
que é preciso é que as preocupações disci- Deus não força ninguém, mas aponta casa com as portas e as janelas fechadas.
plinares, às vezes farisaicas, não impeçam os Seus caminhos e impele-nos suavemen- Então, que a Igreja abra todas as portas e
a acção do Espírito de Deus! te a segui-los. A nossa oração não pode ser todas as janelas e, sem ser do mundo, que
E então não hão-de faltar vocações a uma interesseira pedinchice de braços viva no mundo real, a cada momento!... H
todos os níveis. Sim, porque é precisa caídos, mas uma entrega de braços aber-
disponibilidade nos indivíduos, nas famílias tos para Deus e para os outros! Manuel Paiva
7. espiral 7
Cartas...
Embora com algum atraso, prendendo-se também com
alguma “falta de espaço”, não quisemos deixar de publicar
estas duas cartas de dois consócios que tanto prezamos.
As nossas desculpas aos autores e... aos leitores!
Caríssimos Amigos e Colegas no Sacerdócio e no Fra-
ternitas: Idem, a celebração das bodas de prata , “pratea-
das” pelos próprios filhos, familiares e vós todos, preci-
Em primeiro lugar, venho felicitar-vos. Pois foi com samente onde tinham celebrado o seu matrimónio, em
grande alegrai e admiração ver que o nosso boletim Fátima.
Espiral veio mais “crescido”, já com 8 páginas, muito “Caridade sobre Caridade” é como classifico o gesto
profundo, eclesial (de/da Igreja), muito bem orientado, cristão e altruísta da Direcção, e o agradecimento sem-
paginado e ilustrado com abundantes fotos a cores. Lá pre humano e cristão do Domingos Moreira e sua es-
reconheci alguns dos fundadores (entre eles o Simão, posa, Celeste, ao verem-se acarinhados, oportuna e
bom Presidente, e esposa, Tuna, Alípio, Serafim e justamente, quando a cruz lhes bateu à porta e os as-
Faustino, meus co-diocesanos), outros e, com muita sombrou.
alegria, muitas caras novas (e bonitas...), além de ou- Não posso, justamente, deixar de referir os 8 pon-
tros, dos primeiros, cujos nomes me não recordo de tos do Sr. Pe. Manuel Morujão, S.J., orientador do IX
momento. Encontro Nacional. Creio que fez a síntese do que dis-
Apreciei, especialmente, o sempre artigo de fundo se e foi ainda mais além, maravilhado com os testemu-
do Simão, Presidente: é frontal, directo e, ao mesmo nhos, sempre belíssimos e extraordinários que ouviu , e
tempo, diplomata. É interessantíssimo o jogo doutrinal sobre os quais reflectiu, a posteriori, deslumbrado!
que faz com a Joana, ainda criança alegre, e o nosso Nas “Conclusões” imperou o optimismo cristão e
Movimento Fraternitas. sacerdotal.
Igualmente apreciei muito o “Falemos Claro” do Zé Parabéns aos artigos e aos novos Corpos Gerentes.
Sampaio, que me parece mais radical, no bom sentido, Gostaria que estas minhas impressões fossem
positivo, sobretudo ao comparar, “mutatis mutandis”, publicadas no próximo número do Espiral, por dois mo-
os talibans muçulmanos com os talibans da “minha Igre- tivos: para vos dizer que estamos sempre convosco,
ja” — como diz. embora não com a presença física, devido ao
Idem, o “Partilhar com os Amigos” do Abílio Antu- “Alzheimer” de minha querida esposa; e para vos agra-
nes, sobretudo ao relembrar os briosos e destemidos decer os belos postais por vós carinhosamente assina-
Humanistas, defensores dos Direitos Humanos, como dos,
Dalai Lama, Gahdhi, Luther King e outros. Silva Pinto
O MEU RECONHECIMENTO queza espiritual contida no livro Sagrado — a Bíblia.
Recordo, neste momento estelar da minha vida, o
Cumpre à gratidão do peregrino não esquecer nun- salmista (in Sl 133 e 134):
ca a fonte que o dessedentou, a palmeira que lhe deu
«Vejam como é bom e agradável viverem unidos os que
frescura e sombra, o oásis que lhe rasgou um horizonte
se sentem irmãos!»
à esperança.
É como a unção perfumada na cabeça do sacerdote
Impedido por doença de estar presente no IV Curso
Aarão que escorre pela barba até às vestes;
Bíblico que o Movimento Fraternitas realizou em Fátima
é como o orvalho do monte Hermon que escorre sobre
de 7 a 10 de Junho de 2002, superiormente orientado
os montes de Sião.
pelo Dr. Artur Cunha de O1iveira, venho, muito sensi-
É ali que o Senhor dá a sua bênção de vida Eterna.
bilizado, agradecer a todos quantos naquele encontro
Vamos, servos do Senhor, todos bendizer o Senhor, vós
se lembraram de mim, recomendando-me nas suas ora-
todos que estais no Seu santuário.
ções.
Elevai as vossas mãos em oração e louvai o Senhor!...
Felicitando o Movimento Fraternitas, patenteio o meu
Ele que fez o céu e a terra!...”
reconhecimento, e, pelas informações que até mim che-
garam, saúdo Artur Cunha de Oliveira pela maneira
sábia e prática como abordou o tema, “Os Evangelhos Muito reconhecido,
da Infância de Jesus”, dando, assim facilidade a todos Henrique Mª dos Santos
os participantes de compreender mais uma vez, a ri- Évora,12 de Julho de 2002
8. ENCONTRO REGIONAL D O «FRATERNITAS»
NO LITORAL - NORTE
Dia 16 de Novembro de 2002. na mesma direcção.
A chuva caía aos solavancos, mas impiedosamente. O Seguiram-se as ressonâncias ao testemunho do Salomão.
frio anestesiava a ponta do nariz! E a «Casa da Legião de Almas que se abriram ao carinho de todos, porque todos
Maria», da Apúlia, não aparecia diante de alguns que a de- eram a mesma família! Foram pedaços de vida fraternal-
mandavam! Não havia sinais dela! Nada na porta da entra- mente repartidos! E com o doce sabor de pão! Compreen-
da! Quem andou de canto em esquina à sua procura, encos- demos os homens porque descobrimos Deus!
tou o ouvido a uma porta, talvez dela, e ouviu, lá muito den- Só quem está dentro deste Movimento da «Fraternitas»
tro, francas gargalhadas e vozes a falar com entusiasmo. «É e tem a ventura de tomar parte nos encontros com os cole-
aqui! Tanta alegria só pode ser o sinal de membros da gas, é que pode sentir quanto amor, quanta doação e quanta
«Fraternitas» — pensou-se. entrega mútua se pode viver na terra à sombra de um mes-
E era! Os que andaram perdidos entraram, encolhidos mo ideal! Isto até explica porque é que um sócio, vindo de
de frio. Mas logo se aqueceram com a recepção tão típica longe, não quis faltar à reunião, mesmo de cadeira de ro-
que tiveram, com o aperto dos abraços e com a música dos das! Isto também explica porque é que, depois de cada reu-
beijos de uma fraternal e sincera amizade! O calor das al- nião, seja regional ou nacional, cada um de nós se sente tão
mas é sempre excepcional e contagiante entre os membros rejuvenescido e com uma visão tão diferente da vida!...
da «Fraternitas»! Às 13 horas foi o almoço-convívio. E que convívio!...
E veio a primeira reunião. Eram Padres casados e Espo- Alguns sócios até se levantavam da mesa para andar a dis-
sas, e por isso já habituados ao trabalho e à disciplina. Como tribuir sorrisos e entusiasmo pelas outras mesas!...
havia alguns novos membros entrados neste Movimento, Às 17:30 foi o remate num profundo e bem vivido mo-
cada um dos presentes fez a sua apresentação. mento de oração com a Eucaristia. Aqui foi a hora da con-
Depois foi a conversa sobre o tema «’Que fazeis vós de templação, que é amor que se vive, para que a nossa acção
extraordinário’ (Mt 5,47) — QUE FAZ A IGREJA QUE OS OU- seja amor que se dá. Lembro-me do aviso do poeta Auden:
TROS NÃO FAZEM?» O Salomão Morgado apresentou o seu «Nós temos de amar uns aos outros ou morrer».
testemunho pessoal, por ser avesso a exposições temáticas O presidente da assembleia era um sacerdote, já entra-
mais ou menos teóricas. do na idade, mas sempre com um sorriso a escapar-se-lhe
Ele fez-nos voar pelo seu passado, mergulhou-nos nas dos pequenos olhos pelas grossas lentes dos óculos! Tam-
frustrações e triunfos de quem procura viver um ideal, fez- bém ele foi envolvido por aquele ambiente de fraternal união
-nos viver os encontros e desencontros da sua vida de pere- e alegria que dominava toda a assembleia. E manifestou o
grino da felicidade. Tanto quanto é possível às contingênci- seu contentamento por ter podido viver esses momentos
as humanas, ele encontrou-a no Movimento «Fraternitas». junto de nós. Comungou vida connosco, e todos, nós e ele,
É aqui onde realmente se vive a fraternidade que une os com Cristo vivo! Ali se viveu o abraço sacerdotal em todas
peregrinos dos mesmos caminhos, abraçados na comunhão as suas dimensões, mesmo na dispensada do ministério e
que, um dia, Cristo veio ensinar aos homens de boa vonta- que, até hoje, ainda não foi justificada...
de. Se Saint-Exupéry pudesse hoje falar, diria que amar não Encontros destes precisam-se!... E aqueles, que ain-
consiste em olhar uns para os outros, mas caminhar unidos da não experimentaram, que se juntem a nós! E a vida
lhes sorrirá de outra forma!... «Oh!
espiral boletim da
associação fraternitas movimento
Como é bom estarmos aqui!...»
(Mc. 9,5) H
Rua Lourinha, 429 - Hab 2 = 4435-310 RIO TINTO
Responsável: Alberto Osório de Castro
e-mail: fraternitas@iol.pt
Nº 10 - Janº/Março de 2003 Manuel Paiva