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FILIPA GUADALUPE FRAGATA
Business Judgment Rule:
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos
administradores nas sociedades comerciais
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
2010
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Business Judgment Rule:
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos
administradores nas sociedades comerciais
FILIPA GUADALUPE FRAGATA
Dissertação apresentada no âmbito do
2º Ciclo de Estudos em Direito da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra.
Secção de Ciências Jurídico-Empresariais
Área de Especialização de Direito das Empresas
Orientador: Professor Doutor João Calvão da Silva
Coimbra
Abril de 2010
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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ABREVIATURAS
A - Autor
Ac. - Acórdão
BJR - Business Judgment Rule
BMJ - Boletim do Ministério da Justiça
CC – Código Civil
CCi - Codigo Civile italiano
CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
CSC – Código das Sociedades Comerciais
OPA – Oferta Pública de Aquisição
STJ - Supremo Tribunal de Justiça
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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AGRADECIMENTOS
O trabalho que ora se apresenta constitui o culminar de um já
longo processo académico iniciado há anos atrás com um primeiro
grande desafio que foi, sem dúvida, o de tirar uma licenciatura naquela
que é hoje e sempre a Casa do Direito em Portugal.
Por razões iminentemente profissionais e muito impulsionada
pela pessoa com quem trabalho diariamente, há muito que aprendi a
olhar para o direito societário como uma área nobre, moderna, em
constante mutação e estimulante para todos os que nela embarcam.
Daí a escolha, sem qualquer hesitação pelo Direito Empresarial.
No entanto, e como em tudo na nossa vida, não existem trabalhos
integralmente individuais. Para que algo se faça é necessário, ainda que
de uma forma indirecta, a colaboração e a ajuda preciosa de todos
aqueles que diariamente connosco partilham o espaço e o tempo.
Em primeiro lugar, o meu agradecimento vai, como não podia
deixar de ser, para o meu Professor e Orientador Professor Doutor
Calvão da Silva. Não apenas pelo apoio incondicional e pelo tempo que
me proporcionou para a elaboração do presente trabalho, mas
principalmente por me ter ensinado, ao longo de dez anos de trabalho
diário, quase tudo o que hoje o direito significa para mim: uma ciência
de rigor, onde a ética e a justiça social jamais poderão ser preteridas por
impulsos de ocasião ou ‘tendências de estação’.
Em segundo lugar, um obrigado com enorme consideração, ao
Senhor Professor Pedro Pais de Vasconcelos, pela magnifica aula que
me proporcionou, essencial para reorganização de ideias e pontos de
vista.
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Em terceiro lugar, a todos os meus amigos que resistiram
estoicamente e nunca desistiram de me apoiar: à Alexandra por todas as
horas de estudo compulsivo e palavras incentivadoras; à Andreia pelo
apoio logístico insubstituível e jamais impagável, à D. Dulce por éter
estado sempre presente nos momentos mais cinzentos, e por fim à Xana
minha amiga de todas as horas, por tudo mas mesmo tudo!
Um agradecimento especial à minha amiga Matilde, pela
paciência e vontade que teve em rever este trabalho, pelo apoio
bibliográfico com que sempre me brindou e pela amizade diária e
incondicional que demonstrou.
Last but not the least, um agradecimento, especialíssimo, para o
Guilherme. A presença constante desde o primeiro dia deste 2.º ciclo de
estudos até ao último, a dedicação, a tolerância, o apoio e a entreajuda
com que sempre me presenteou constituíram, sem quaisquer dúvidas, a
alavanca necessária para aqui chegar.
A todos agradeço penhoradamente.
Coimbra, Abril de 2010
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Aos meus inesquecíveis Avós
À minha mãe
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Não tenhas a pretensão de ser inteiramente novo
no que pensares ou disseres. Quando nasceste já
tudo estava em movimento e o que te importa, para
seres novo, é embalares no andamento dos que
vinham detrás…
Vergílio Ferreira, Pensar
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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INTRODUÇÃO
i. O Problema
Desde sempre que um dos grandes desafios do direito societário
se centrou em conseguir traçar o perfil do que há muito se idealiza ser o
bom administrador. As características que deverão apresentar e os
pressupostos que deverão cumprir são apenas o inicio do exercício de
uma função cuja importância é inquestionável no contexto da economia
globalizada em que vivemos.
Os diferentes tipos de instituições societárias, as regras e as
práticas a elas inerentes estabelecem as restantes condições e os limites
aceitáveis ao desempenho do seu cargo.
Ora foi no universo das boas regras de governação societária, que
surgiram o que hoje denominamos por Deveres de Lealdade e Deveres
de Cuidado, cujas normas de conduta se encontram especificamente
direccionadas para os administradores que a elas se encontram adstritos
durante todo o tempo em que desempenham a sua actividade
empresarial, e muitas vezes até depois de a cessarem (o dever de não
concorrência para com a sociedade que representaram durante um
determinado período após a cessação de funções, é disso bom exemplo).
É, pois, dentro destes grandes Deveres de Cuidado que
encontramos uma pequena (grande) regra, cuja paternidade se atribui à
jurisprudência norte-americana do segundo quartel do Século XIX e à
qual se deu o nome de business judgment rule.
A BJR tem como máxima proteger o administrador da ‘mão
judicial’ evitando que o mérito de certas decisões seja julgado pelos
tribunais, criando, para isso, critérios de razoabilidade ou causas de
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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justificação para uma eventual ilicitude comportamental tida pelos
administradores.
Cumprindo cumulativamente determinados pressupostos
imperativos, o administrador fica isento de qualquer responsabilidade na
sequência do dano social que a sua decisão acarretou, passando somente
a ser responsabilizado quando a essa mesma decisão for considerada
irracional, incompreensível e sem qualquer explicação congruente.
O problema consiste, pois, em qualificar esta regra de ‘decisão
empresarial.
Estaremos perante um pressuposto de responsabilidade dos
administradores das sociedades comerciais, ou, antes, perante uma
cláusula de exclusão dessa mesma responsabilidade?
E optando por esta última, encontrar-nos-emos perante uma
cláusula de exclusão da ilicitude, da culpa ou de ambas?
Por fim, o que devemos esperar de uma regra como esta? Será
justa? Equilibrada? Realmente incitadora de uma cada vez maior
responsabilização dos administradores em prejuízo de uma
irresponsabilização?
É aqui que pretenderemos chegar, tendo sempre presente que na
moderna governação societária, cujos princípios basilares se
(con)fundem com os princípios subjacentes à sociedade contemporânea
(liberdade, racionalidade e progresso), o administrador deverá actuar
sempre livre de quaisquer interesses pessoais e com o cuidado
(diligence)1
, inerente às características próprias das funções que
desempenha em nome do progresso e do desenvolvimento da sociedade
e com ela do desenvolvimento da Sociedade em geral2
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Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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ii. O Plano para a sua solução
O percurso a que nos propomos com este trabalho é simples e
linear.
Dividido em três grandes capítulos, principiaremos a nossa
jornada com um capítulo introdutório ou biográfico, se assim lhe
pudermos chamar.
Neste Primeiro Capítulo faremos uma pequena introdução ao
problema, socorrendo-nos de um curto percurso pelas origens históricas
da BJR, a sua evolução jurisprudencial com diferentes entendimentos3
e
a sua difusão pelos diferentes ordenamentos jurídicos.
Avançamos até ao Segundo Capítulo, o qual dedicaremos
inteiramente ao ordenamento jurídico português.
Aqui pretenderemos, esmiuçar um pouco mais amiúde, os
grandes deveres gerais dos administradores das sociedades comerciais,
mediante uma análise genérica ao art.64.º do Código das Sociedades
Comerciais e uma análise particular ao art.72.º, da mesma codificação
legal.
Ali chegados, atribuiremos uma maior relevância ao seu n.º2,
pois é nele que reside a regra que pretendemos conhecer melhor.
Conteúdo, fundamentos, pressupostos de aplicação, a dupla função e a
sua articulação com o n.º1, do art.72.º,do CSC, são pontos a ter em linha
de conta no decorrer deste segundo capítulo.
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Por fim, um Terceiro e último Capítulo onde se procurará
‘descobrir’ se a business judgmente rule será, de facto um pressuposto
ou uma causa de exclusão da responsabilidade civil dos administradores
das sociedades comerciais. E sendo uma cláusula de exclusão da
responsabilidade, excluirá esta a ilicitude, a culpa ou ambas.
Para isto, socorrer-nos-emos não apenas do disposto na letra da
lei, mas também do que mais relevante é verbalizado pela doutrina e
jurisprudência contemporâneas.
Concluiremos procurando responder à questão axial: estaremos
nós perante uma regra de decisão empresarial potenciadora da
responsabilidade do administrador ou tão só uma regra de isenção dessa
mesma responsabilidade promovendo a contrario a sua
irresponsabilidade?
Não almejamos encontrar respostas para todas as nossas dúvidas,
no entanto, se conseguirmos arrematar com algumas certezas e outras
tantas incertezas, para que a divergência de opiniões nunca acabe, já
daremos, como bem empregue todo o tempo e empenho dedicado a esta
causa.
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CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
1.Noção
A business judgment rule é uma regra de decisão empresarial,
cujo objectivo principal se cifra na limitação da responsabilidade civil
dos administradores relativamente a eventuais acções intentadas pela
sociedade ou pelos seus sócios/accionistas, nos casos em que o resultado
da actuação dos primeiros se revele danoso, isentando-os, por força da
sua actuação, de um juízo de valoração do mérito da decisão por parte
dos tribunais.
Data de 1829 a primeira alusão feita a esta regra nos Estados
Unidos da América, país cujo sistema societário é tradicionalmente
conhecido por ser, essencialmente, um sistema de sociedades anónimas,
cujas acções se encontram extremamente dispersas, assumindo o
administrador um papel de suma importância na representação das
mesmas, e o instituto da responsabilidade civil, um dos mecanismos
essenciais para o controlo dessa mesma actividade4
.
Hoje, volvidos que estão quase dois séculos sobre o seu
nascimento, a business judgment rule é um dos princípios da
jurisprudência norte-americana, em paralelo com o dever de cuidado5
,
mais utilizado pelos tribunais em quase todos os Estados.
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Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Todavia a sua aplicação não se encontra circunscrita à violação
desse dever de cuidado. Há, inclusive, hoje quem defenda a ideia de
uma enhanced (reforçada) business judgment rule, cujo crescimento se
fica a dever em grande parte à introdução de novos pressupostos e
elementos de exclusão da responsabilidade dos administradores em
determinados contextos decisórios, designadamente operações de
controlo da sociedade e a medidas defensivas face a ofertas públicas de
aquisição dessa mesma sociedade6
, adoptadas pelos administradores das
sociedades visadas, as quais, muito embora constituam um verdadeiro
direito na defesa anti-OPA7
, requerem, necessariamente, um novo
enquadramento relativamente à BJR.
Nesse sentido, o tribunal de Delaware, acrescentou dois
requisitos extra, aos três existentes, que os administradores terão que
provar ter cumprido caso pretendam ver — neste contexto específico —
a sua conduta protegida pela BJR.
Assim, para além da informação adequada, do agir desprovido de
qualquer interesse próprio e no exclusivo interesse da sociedade, os
administradores terão, ainda que:
1) Ter fortes razões para considerar que a OPA em questão
constitui uma ameaça muito séria para a eficácia societária da empresa
visada e,
2) Que as medidas de defesa são proporcionais à ameaça que a
OPA implica8
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Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Por último, registe-se, que a BJR é uma regra comportamental
não sendo aplicada aos casos que envolvam uma apreciação mais
exaustiva do mérito da decisão, onde estejam em causa, por exemplo,
violações ao dever de lealdade, assim como todos os casos em que o
administrador não cumpriu os pressupostos comportamentais requeridos
ou actuou de uma forma totalmente irracional, incorrendo
consequentemente num comportamento de negligência grosseira.
2. Breve resenha histórica
2.1. Origem
A business judgment rule assenta numa génese jurisprudencial
surgindo, pela primeira vez, em pleno Século XIX, época em que o
‘medo’ de uma regulação comercial era transversal.
Como sabemos, o direito societário norte-americano não é
uniforme. Cada Estado tem o seu próprio regime, o que faz com que
cada um se dedique com maior ou menor afinco à produção legislativa,
de acordo com as necessidades que vão surgindo.
É esta a razão que justifica o papel preponderante que o direito
do Estado de Delaware assume no contexto societário americano,
designadamente através da jurisprudência oriunda dos seus tribunais.
De facto, e por estranho que possa parecer, Delaware é o Estado
norte-americano sede da maioria das ‘public companies’, ou sociedades
abertas, como são conhecidas entre nós. Para melhor ilustrar a
importância que Delaware assumia, em 1998, “(…) cerca de 40% das
sociedades cotadas na New York Stock Exchange e mais de 50% das
sociedades incluídas na lista da Fortune 500 tinham a sua sede no
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Estado de Delaware”9
. Por aqui se vê a enorme importância da
jurisprudência emitida pelo Supreme Court de Delaware e a sua
influência não apenas noutros Estados mas também um pouco por todo
o mundo, onde serve de fonte inspiradora.
Na verdade, os tribunais norte-americanos desempenharam um
papel fulcral no que à apreciação do dever de cuidado diz respeito,
designadamente, mediante a aplicação da chamada BJR à actuação dos
administradores nas sociedades comerciais.
Esta regra constitui um dos mais importantes conceitos do direito
societário norte-americano, persistindo contra todas as adversidades e
teses doutrinárias acerca da sua incorrecta interpretação.
De facto a principal divergência assenta em determinar se
estamos perante uma regra de limite à jurisdição dos tribunais
(abstention doctrine)10
ou antes uma regra-critério de licitude (standard
of liabiliy)11
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Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Pese embora, os tribunais tendam a adoptar a abstention
doctrine, a verdade é que, raras vezes é certo, ainda recorrem ao
standard of liability para formularem os seus juízos decisórios.
De uma ou de outra, sobressai a ideia que a BJR é “one of the
least understood concepts 12
. Mais de quarenta anos volvidos e parte da
doutrina americana continua a sustentar fidedignamente esta ideia.
Só nos últimos vinte e cinco anos, mais de dois terços dos
Estados Norte-Americanos consagraram, estatutariamente, regras acerca
do dever de cuidado.
Numa palavra breve podemos afirmar que a BJR é uma regra de
conduta utilizada pelos tribunais norte-americanos — do qual se destaca
o Supreme Court de Delaware — para apreciação do comportamento
tido pelos administradores e consequente violação ou não dos seus
deveres de cuidado (duty of care) e de lealdade (duty of loyalty).
Na prática, os administradores devem conduzir os destinos da
sociedade que administram de 1) modo desinteressado e independente,
2) munidos de informação adequada ao caso concreto e 3) com a certeza
que a sua decisão será a melhor que poderá ser tomada, tendo em conta
os interesses exclusivos da sociedade13
. Se assim o fizerem, estarão
isentos de qualquer tipo de responsabilidade.
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Ainda na senda da construção dos deveres dos administradores
das sociedades, levantou-se, durante um tempo, a hipótese de instituir
um terceiro dever fiduciário o duty of good faith14
, revelador de um
estado de espírito e da consciência da violação dos deveres fiduciários.
Esta hipótese não passou disso mesmo, pois entendeu, por larga
maioria, a doutrina norte-americana que este duty of good faith não é
mais que um dever genérico, parte integrante de todos os outros, não
sendo por isso autonomizável.
O duty of good faith acaba por se subsumir no duty of care, mas
sobretudo no duty of loyalty15
, ajudando a determinar a gravidade da
violação.
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2.2. Evolução Jurisprudencial, incorporação nos Principles of
Corporate Governance e propagação além fronteiras
A business judgment rule nasce, como já dissemos, da
jurisprudência norte-americana. Traçando um esquisso histórico,
constatamos que não lhe é conhecida uma definição una. Na noção
adoptada em Delaware, esta regra de decisão empresarial consagra a
“presunção que se ao tomar uma decisão de negócios, o administrador
da sociedade actuou informadamente, de boa fé e na honesta convicção
de que essa acção foi no melhor interesse da sociedade, então a
responsabilidade pelos resultados negativos advenientes da sua acção
está automaticamente afastada”16
.
A 13 de Maio de 1992, o American Law Institute adoptou e
promulgou os Principles of Corporate Governance.
Dentro do ordenamento jurídico norte-americano os Principles
resumem-se a uma tentativa de unificação do direito societário
americano enquanto modelo de regulamentação jurídica sobre as várias
problemáticas empresariais. Não são por isso uma lei, assumindo antes a
classificação de soft law, pois constituem tão-somente uma proposta de
regulamentação que pode, no entanto, ser acolhida pelos tribunais,
legisladores estaduais e sociedade civil17
.
É pois nos Principles18
, que a BJR assume a uma definição mais
precisa, caracterizando-se como um princípio a aplicar quando “um
administrador adopta determinada decisão de boa fé (duty of care) e em
conformidade com os seguintes pressupostos:
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(1) Não estar pessoalmente interessado no objecto da decisão;
(2) Encontrar-se devidamente informado sobre todo o
procedimento a adoptar para a tomada da decisão; e
(3) Acreditar ser aquela a melhor opção para a sociedade;”19
.
Da análise ao §4.01, dos Principles, resulta claramente que a
BJR é abordada sempre no contexto do dever de cuidado (duty of care).
Na óptica norte-americana, o duty of care, deriva da regra
subjacente a todo o law of negligence a qual impõe aos administradores
que desempenhem as suas funções diligentemente.
O duty of care é composto pelo
1) Duty to monitor20
, o qual impõe ao administrador um controlo
sobre toda a informação societária, criando para isso, um circuito interno
de informação (monitoring procedures), realce-se aqui, a especial
importância que assume o dever de vigilância aos administradores
executivos pelos administradores não executivos21
; pelo 2) Duty to
inquiry, através do qual o administrador fica impelido a intentar uma
investigação, sempre que tenha conhecimento de factos susceptíveis de
incutir danos na sociedade; Pela necessidade de adoptar22
3) reasonable
decision, mediante tomadas de decisão ponderadas e equilibradas, as
quais se deverão sustentar num processo de recolha de informação
específica para o processo em estudo, suficiente e razoável para o fim
pretendido. É o 4) reasonable decisionmaking process, ou seja, não
basta que racionalmente a decisão adoptada seja no melhor interesse da
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sociedade, é necessário que a nível procedimental o administrador tenha
actuado de forma razoável na recolha de informação.
Mesmo sem uma definição unitária no âmago do seu berço
jurisprudencial, o conceito cresceu e proliferou um pouco por todo o
mundo jurídico, influenciando o direito além fronteiras, tendo-lhe,
inclusive, sido em alguns ordenamentos conferida dignidade legal 23
.
Haverá alguma explicação, simples, lógica e plausível que
explique este percurso vitorioso?
A resposta é bem mais simples do que à primeira vista se possa
pensar.
A business judgment rule adopta o standard of judicial review24
,
um modelo objectivo de sindicação da responsabilidade, ou seja o
administrador é responsabilizado somente se a sua actuação for
totalmente irracional, na medida que o que aqui está em causa, são os
fundamentos e os procedimentos adoptados para a decisão encontrada e
não os resultados propriamente ditos.
É, pois, uma regra procedimental que evita que os
administradores venham a ser responsabilizados quando as decisões se
vieram a revelar más, uma vez que todo o procedimento adoptado para
lá chegar foi o mais apropriado25
.
Para aferir a responsabilidade civil dos administradores é, assim,
fundamental saber em que medida as suas acções ou omissões estão
sujeitas, quanto ao seu mérito, à jurisdição dos tribunais a quem caberá,
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em última instância, a apreciação da idoneidade dos actos de gestão
adoptados pelos administradores durante um determinado processo
decisório.
Ora se há omissões e acções comportamentais que são ab initio
identificadas e, por isso mesmo, encontram-se desde logo tipificadas na
lei, nos estatutos ou nos contratos, gerando o seu inadimplemento um
comportamento ilícito e eventualmente culposo, outros comportamentos
existem, sobre os quais não é possível, de todo, prever, tipificar e
sancionar.
São comportamentos tidos pelos administradores dentro do que
comummente apelidamos por campo discricionário e autónomo de
actuação societária, os quais, reunidas determinadas condições, deverão
ser apreciados atendendo o procedimento adoptado e não o resultado
que originaram.
É, pois, neste campo de (aparente) liberdade e autonomia de
actuação que opera a business judgment rule.
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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CAPÍTULO II
A BUSINESS JUDGMENT RULE
NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS
3. Business Judgment Rule e o Direito Positivo
3.1.Deveres Gerais dos Administradores – o art.64.ºdo CSC
Como bem ensina, Castanheira Neves, na sua introdução ao
estudo do direito, a ordem jurídica não pode ficar circunscrita à
prescrição normativa de um princípio de acção. O direito impõe
sincronicamente “a validade fáctica” proporcionada pelo “critério da
sanção”26
.
A ordem jurídica e mais concretamente, o direito societário não
pode ficar indiferente a comportamentos ilícitos e actuações negligentes
praticados pelos administradores de uma sociedade comercial, pelo que
há que avançar, procurando identificá-los, preveni-los e proporcionar
mecanismos de resposta à sua violação.
A BJR é um desses exemplos, assumindo-se como uma regra de
decisão empresarial que exclui a responsabilidade dos administradores
desde que estes provem ter actuado em “termos informados, livres de
qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade
empresarial” – art.72.º, n.º2, do CSC.
Ora, assim sendo, o sentido e fim desta norma só se aprimora
diante os deveres dos administradores.
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Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Importa, pois, contextualizar o tema, apreciando criticamente o
ímpeto reformador do novo art.64.º, do Código das Sociedades
Comerciais:
Com uma nova epígrafe “Deveres Fundamentais” em
substituição da anterior “Deveres de Diligência”, reza como segue o
novo n.º1, do art.64.º,do Código das Sociedades Comerciais
“1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem
observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a
competência técnica e o conhecimento da actividade
adequados às suas funções e empregando nesse
âmbito a diligência de um gestor criterioso e
ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade,
atendendo aos interesses a longo prazo dos sócios e
ponderando os interesses dos outros sujeitos
relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais
como os seus trabalhadores, clientes e credores.
2. Os titulares dos órgãos sociais com funções de fiscalização
devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito
elevados padrões de diligência profissional e deveres de
lealdade, no interesse da sociedade.”
Em primeiro lugar, é facilmente constatável que, o dever de
diligência contemplado no texto original do art.64.º,do CSC27
, cuja
formulação inicial remonta ao critério do bonus pater familias adaptado
ao direito societário, enquanto gestor criterioso e ordenado ou agent,
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Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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gestor de interesses ou bens alheios, bipartiu-se em Deveres de Lealdade
e Deveres de Cuidado, muito por força e influência do direito anglo-
saxónico28
, como se sabe.
Em segundo lugar, o art.64.º, assume, no campo da
responsabilidade civil, uma dupla função, ou seja, por um lado exprime
deveres objectivos de comportamento em forma de cláusula geral, de
cuja materialização pode advir a ilicitude do comportamento, e por outro
lado, circunscreve o critério da culpa, sendo fundamento autónomo
dessa mesma responsabilidade.
Através dos critérios gerais de acção contidos no art.64.º, a
ilicitude, ou não, da conduta dos administradores passa a ser avaliada
mediante esta distinção, desempenhando sempre este artigo um ponto de
partida na concretização da responsabilidade civil dos mesmos:
“O art.64.º tem sido entendido, pela doutrina nacional, como
uma norma jurídica que fundamenta a existência de prosseguir o
‘interesse social’, na condução dos negócios societários,
interesse que não se esgota na mera recondução aos interesses
da sociedade, dos sócios e/ou dos trabalhadores”29
.
A relação estabelecida entre o administrador de uma sociedade
comercial e a própria sociedade é uma relação de natureza contratual30
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Na verdade, o administrador tem o dever de exercer
diligentemente as funções para as quais foi designado. Funções que se
encontram consagradas não apenas legal e contratualmente mas também
todas as outras que pela sua génese estejam em consonância com a boa
fé, com os usos e com os costumes.
Esta diligência requerida a um gestor criterioso, remonta ao
Aktiengesetz Alemão de 1937, designadamente o seu §84 que rezava
como segue:
“Os membros da direcção devem aplicar na condução da
sociedade, o cuidado de um gestor ordenado e consciencioso
(…)”.
No Aktiengesetz Alemão de 1965, a primeira parte do preceito
manteve-se inalterada.
Cremos que nos dias de hoje, o sentido da diligência do gestor
criterioso e ordenado, vai, em nosso entender um pouco mais além
relativamente ao sentido que é acolhido nas regras gerais da
responsabilidade civil31
.
O administrador é responsável e tem o dever de conhecer todos
os negócios ligados à sua actividade social, instituindo circuitos internos
e permanentes de obtenção de informações e, recorrendo a meios
externos se a importância da decisão em causa a isso impelir.
Ao administrador cabe a representação e a administração da
sociedade, sendo este o seu dever basilar: administrar a sociedade
exercendo as suas funções com maior ou menor autonomia em
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conformidade com os poderes que lhe foram atribuídos , de forma
rigorosa, totalmente desprovida de interesses pessoais mas sempre com
iniciativa (discricionariedade empresarial) e no exclusivo interesse da
sociedade32
sem descurar o respeito pelos restantes órgãos societários.
O administrador é, assim chamado a dirigir a sociedade, a geri-la
e a prosseguir o seu escopo social. Aqui não existe um simples dever de
cuidado mas sim um dever de ‘cuidar da sociedade’33
, dever de tomar
conta, de assumir o interesse social “promovendo o sucesso do
estabelecimento”34
.
Este é que é, efectivamente, o seu dever específico.
Admitimos, pois, que é esta a nuance que a língua inglesa
apelida de duty of care e duty to take care.
Assim através deste (novo) dever de cuidado a lei incita o
administrador a cumprir, fá-lo desempenhar as suas funções na
prossecução de uma boa administração, uma administração cuidada
adoptando um comportamento convergente com as melhores práticas do
moderno Corporate Governance.
Para isso, o administrador deve decidir informadamente e com a
convicção profunda que essa decisão é a que melhor vai ao encontro do
interesse social. Estar informado acarreta consigo um dever correlativo,
que é o dever de obter informação.
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O administrador deve agir em cada momento e diante de cada
negócio, com o zelo, a prudência e a diligência que comerciantes e
quaisquer outros representantes legais agiriam.
“Se o administrador presta um nível de diligência inferior, não
estará a efectuar a sua prestação da forma que lhe é exigida,
pelo que incorrerá em incumprimento da sua obrigação e,
consequentemente, em responsabilidade, assumindo em
definitivo o seu próprio risco”35
.
Do cotejo entre os deveres de cuidado e os padrões de diligência
a ter em atenção para o seu cumprimento, a doutrina diferencia ainda:
“Concepções sincréticas e concepções analíticas, sendo que são
nestas últimas que se insere o art.64.º, do CSC” 36
:
Os deveres de cuidado indicam deveres jurídicos autónomos,
enquanto a diligência indica o empenho empregue para o cumprimento
desses mesmos deveres, é o “dever-agir” do administrador37
.
Encarado por este ângulo o legislador incrementa uma distinção
entre o que releva da licitude da conduta e o que é relativo à culpa do
titular.
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Em síntese, o que a lei impõe é que os administradores actuem
em nome e em representação da sociedade com competência e
profissionalismo.
3.1.1.Dever de Lealdade
Contrariamente ao dever de cuidado, o dever de lealdade
remonta a um “experimentado conceito continental, com tradições
milenares”38
, o qual foi sofrendo aperfeiçoamentos, no campo das
sociedades, ao longo de todo o Século XX.
Este dever surgiu, em primeiro lugar, por via jurisprudencial,
numa derivação dos deveres do mandatário — cuja responsabilidade
inicial, vincadamente contratualista, culminou no Século XX com uma
matriz imperativa de origem legal39
—, aos quais acresceram a
administração de bens alheios e a boa fé.
Presentemente, este conceito encontra-se inserido no princípio da
boa fé, através da tutela da confiança.
Trata-se, pois, de um dever de comportamento, não confundível
com o dever de administrar correctamente, pois não olvidemos que um
bom administrador pode, pelo menos nalgum momento, não ser leal.
Contudo a relação de administração pressupõe um especial dever de
lealdade, uma vez que o administrador é como que um curador de
interesses de outrem, “representando a lealdade um efeito directo e
imediato da natureza dessa relação”40
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Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
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Dentro do direito das sociedades, a ideia de lealdade assume
várias configurações:
1) A dos accionistas entre si;
2) A dos accionistas para com a sociedade;
3) A dos administradores para com a sociedade.
Incidamos, a nossa atenção, apenas para esta última, uma vez
que é a que mais nos importa para o presente trabalho.
O interesse da sociedade não dispensa o administrador de
cumprir o seu dever de lealdade, não sendo este graduável, nem
susceptível de considerações de eficiência económica. A lealdade terá,
sempre, que existir ainda que o preço a pagar (por ela) seja elevado.
Recorrendo à boa doutrina anuímos com a ideia que “o dever de
lealdade é de aplicação severa, rígida (…)”, pois por ele (…) passa
muito a eticização ou moralização do direito societário”41
.
Na nova redacção do art.64.º do CSC, o legislador entendeu por
bem proceder a uma distinção entre os chamados Deveres de Lealdade
(al. a)) e os Deveres de Cuidado (al. b)).
Neste ‘novo’ conceito de dever de lealdade, é propósito do
legislador fazer com que os administradores não quebrem os laços
fiduciários ou de confiança estabelecidos, devendo para isso a sua
actuação ser sempre em conformidade (relação uberrima fidei).
O administrador deverá actuar sempre no interesse da sociedade,
nunca sobrepondo o seu interesse pessoal ao interesse social, tendo
presentes os interesses dos sócios e de todos os sujeitos relevantes para a
sustentabilidade da própria sociedade mas sem nunca esquecer que o seu
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dever de lealdade se estabelece entre si e a sociedade, não entre si e os
sócios ou entre si e os clientes da mesma42
.
Na prática toda esta questão se subsume à compatibilização entre
a discricionariedade empresarial e as restrições impostas pela própria
orgânica societária, dentro da qual o administrador é senhor de uma
lealdade qualificada43
.
O dever de lealdade do administrador perante a sociedade,
ultrapassa, pois, a medida de conduta genericamente reclamada em
nome da boa fé, no cumprimento dos direitos e obrigações – art.762.º,
n.º2, do Código Civil44
.
A regra da boa fé não é entendida sob o ponto de vista de
protecção de bem alheio mas sim, sob o ponto de vista de colocação dos
interesses da sociedade em primeiro e único plano.
De facto, nas sociedades comerciais o raciocínio muda. Aqui
temos uma relação de administração de interesses alheios, cabendo ao
administrador tudo fazer para que os mesmos não fiquem por
satisfazer45
.
O administrador age tendo em vista os interesses exclusivos da
sociedade, procurando satisfazê-los e abstendo-se, portanto, de
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A business judgment rule no quadro dos deveres gerais dos
administradores, Ob. cit, p.210.
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promover o seu próprio interesse ou o de terceiros, em prejuízo do
interesse social46
.
O dever de lealdade do administrador funda-se no estatuto ético-
jurídico da sua própria função, de que é elemento constitutivo, por isso o
qualificamos como um direito irrenunciável. É uma lealdade qualificada
perante a sociedade, não susceptível de graduação nem tão-pouco de
ponderações de rentabilidade económica, constituindo-se, pois, como
matriz de proscriação de actos de administração que envolvam
vantagens pessoais para o administrador mas que se mostrem
conflituantes com o interesse social47
.
É, ainda, possível a subdivisão deste dever em vários deveres. A
saber: 1) prossecução contínua do interesse social; 2) a proibição de
utilização do nome e de oportunidades de negócio da sociedade em
proveito próprio; 3) a obrigação de não actuação em caso de conflito de
interesses; 4) o dever de comunicação da ocupação de cargos em
sociedades concorrentes; 5) o dever de segredo, entre outros.
A sua violação conduz sempre a uma responsabilidade civil
perante terceiros. No entanto, cremos que se os exemplos,
quotidianamente, aceites sem discussão48
, estivessem positivados na
letra da lei, este dever de lealdade estaria muito mais protegido.
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3.1.2.Dever de Cuidado
O dever de diligência português plasmado no art.64.º do Código
das sociedades Comerciais, teve a sua influência no direito alemão
[AktG §93(1)]49
, o qual estabelece que:
“Os membros da direcção têm de empregar na sua gestão o
cuidado [ou diligência] de um gerente de negócios ordenado e
consciencioso” (Die Vorstandsmitglieder haben bei ihrer
Geschäftsführung die Sorgfalt eines ordentlichen und
gewissenhaften Geschäftsleiters anzuwenden50
.
Parte da doutrina refere-se a um dever de gestão, decorrente do
§76AktG, enquanto a outra parte se refere a um dever de diligência,
dentro do qual é aceite a existência de um dever de vigilância e de
intervenção, delimitado pelo interesse social e decorrente do §93AktG o
qual é interpretado como uma norma de previsão geral e de
concretização da ilicitude e da culpa.
A importância que o dever de cuidado assume no seio do direito
germânico é de tal forma relevante que há quem questione a sua
supremacia sobre o dever de lealdade.
Na Alemanha, em casos de negligência, o administrador fica
isento de responsabilidade, se demonstrar ter agido dentro da chamada
razoabilidade empresarial, ou seja, à esfera de gestor ordenado e
consciencioso acrescenta-se um outro campo de acção, dentro do qual
poderão ocorrer actuações desprovidas de ilicitude.
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Já se viajarmos até aos Estados Unidos, constatamos que a BJR é
uma regra de ‘limitação’ da responsabilidade dos administradores,
divergindo, no entanto, a doutrina, acerca da sua essência: estaremos
perante uma cláusula de exclusão da responsabilidade (posição
jurisprudencial) ou perante um pressuposto (de licitude) dessa mesma
responsabilidade?51
No direito inglês, o dever de cuidado encontra-se subjacente a
uma responsabilidade civil por negligência, ou seja, o sistema caminha
claramente para os deveres fiduciários52
, de tal forma que institui como
regra que todas as situações que originem uma probabilidade inerente de
violação do dever de actuação de boa fé são automaticamente apreciadas
como se a violação tivesse efectivamente ocorrido53
.
De certa forma esta obrigação de diligência plasmada na versão
actual do art.64.º, do CSC, traduz-se numa concretização do ‘Dever de
Cuidado’, enquanto obrigação/dever-agir (diligence) de prosseguir o
interesse social.
A função deste dever de cuidado (diligence) como complemento
ao dever de lealdade, consiste na faculdade dada aos administradores de
provarem a licitude do seu comportamento, mediante todo o
procedimento utilizado, mesmo que o património social seja afectado
pelo resultado por essa mesma actuação, salvo se as suas decisões
tiverem sido desajustadas, pouco cuidadas e parcas em informação
adequada.
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O Direito Anglo-Saxónico não separa a ilicitude da culpa. O
dever de cuidado exprime regras de conduta justificativas de uma não
censura à actuação dos administradores, afastando dessa forma uma
responsabilidade negligente54
.
Idêntica foi a maneira como pensaram os legisladores italianos e
espanhóis, quando aceitaram a existência de um dever geral de
diligência — dever de administrar com diligência55
.
O artigo 2392º do Codice Civile italiano determina que a
diligência deve atender a um critério objectivo — directamente
relacionado com a natureza da função — e a um critério subjectivo —
relacionado com a competência do administrador56
, encontrando-se
expressamente previsto no art.2381º/6, do CCi, o dever de agir
informado.
Igualmente na senda do defendido pela jurisprudência norte-
americana, também no direito italiano não existe uma apreciação
judicial do comportamento do administrador pelo mérito da causa, não
podendo o juiz sindicar com base em critérios de discricionariedade,
oportunidade e conveniência mas tão-somente com base no padrão de
diligência exigido57
.
Da mesma forma pensou o legislador espanhol. Através do
art.127.º espanhol sabemos que,
“1º. Los administradores desempeñarán su cargo con la
diligencia de un ordenado empresario y de un ordenado
empresario y de un representante leal; 2º Cada uno de los
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administradores deberá informarse diligentemente sobre la
marcha de la sociedad” 58
.
Estamos, pois, diante de um dever de comportamento a que os
administradores estão compelidos ante a sociedade e cuja característica
mor assenta na necessidade de actuação em conformidade com o padrão
de conduta intrínseco às suas próprias funções.
Esta indeterminação de um padrão comportamental uno explica-
se facilmente pelas próprias características da gestão societária.
Estabelecer ex ante todos os comportamentos que os
administradores devem seguir no desempenho das suas funções não só é
impraticável (dadas as especificidades de cada tipo societário) como
totalmente improcedente59
.
Este dever de cuidado parece inclinar-se para uma conduta
necessariamente orientada para a protecção do interesse social, o qual é
agora visto em termos mais amplos do que o considerado anteriormente
pelo art.64º, do CSC., abrangendo para além dos interesses dos sócios e
da sociedade, os interesses de terceiros.
O dever de cuidado é assim uma cláusula geral residual, a
funcionar como barreira ética que o administrador deverá ter sempre em
linha de conta — função preventiva do próprio dever — afastando desta
forma qualquer tipo de conflito de interesses (administrador/sociedade)
que possam vir a surgir no decurso da acção administrativa.
É sem dúvida uma aproximação clara às doutrinas da Common
Law de inspiração anglo-saxónica e norte americana.
Os deveres de cuidado dos administradores são reconhecidos à
luz do direito de Delaware, autonomamente. No entanto, é
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reconhecidamente consensual a influência que tiveram no contexto da
Business Judgment Rule60
.
Também os Princípios da OCDE autonomizam estes deveres, em
relação aos deveres de lealdade (Princípio VI.A).
Portugal conferiu-lhe especial dignidade legislativa, em 2006,
com a nova Reforma do Código das Sociedades Comerciais, onde se
encontram consagrados separadamente enquanto deveres gerais (art.64.º,
n.º1, als. a), e b), do CSC).
O Dever de cuidado, tem por escopo fazer com que os
administradores exerçam as suas funções mediante o recurso a padrões
de elevada diligência, conhecimentos e gestão adequados às atribuições
que lhes foram definidas, não descurando a prudência (racionalidade
empresarial) que o cargo acarreta61
.
Para que cumpram escrupulosamente este dever, os
administradores são compelidos a prepararem cautelosamente as suas
decisões, recorrendo a especialistas, quer dentro quer fora da sociedade,
e organizando todo o processo decisório de forma a que a decisão final
possa ser (pelo menos) procedimentalmente correcta.
Impõem-se em todas as vertentes da administração. Poder-se-á
mesmo dizer que são estes deveres que englobam “a universalidade dos
deveres de comportamento62
, de que a disponibilidade do administrador
é um exemplo recorrente.
Igualmente nesta diligência de um gestor ordenado e criterioso,
a influência anglo-saxónica está bem presente. Identicamente O Model
Business Corporation Act norte-americano, adoptou como critério para a
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apreciação da conduta dos administradores, a actuação que uma pessoa
‘normal’63
, colocada na mesma posição, adoptaria64
.
Em suma, não se pretende, aqui, impor aos administradores uma
qualquer obrigação de resultado, relativamente às consequências da
sua actuação, mas sim uma obrigação de meios, relacionada com o
modo como devem desempenhar as suas funções65
.
Saber se um administrador foi, efectivamente, cuidadoso em
determinadas situações mais periclitantes, pede que tenhamos em
atenção, o tipo de sociedade que se encontra em causa, o seu objecto,
dimensão, a importância e o tempo que o administrador dispõe para a
tomada da decisão, a especialidade e as próprias funções do
administrador, designadamente se é executivo ou não executivo66
.
A doutrina vai mais além com Coutinho de Abreu, a entender
que o elenco apresentado é manifestamente deficitário. Para este autor a
orgânica do dever de cuidado seria mais harmoniosa com a sua própria
génese (diligência) se o perspectivássemos enquanto 1) Dever de
controlo ou vigilância organizativo-funcional; 2) Dever de actuação
procedimentalmente correcta para a tomada de decisões; e 3) Dever de
tomar decisões, substancialmente, razoáveis67
.
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Corporate Governance-Responsabilidade civil
de administradores não executivos, da comissão de auditoria e do conselho
geral de supervisão, Ob. cit., p.52;
Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, Ob. cit.
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Já Calvão da Silva, entende muito clara e objectivamente que o
cuidado de um administrador deve ser sempre visto enquanto “dever
fiduciário de cuidado próprio de gestor razoável posto nas mesmas
funções e circunstâncias, tendo em conta os conhecimentos especiais e a
competência técnica razoavelmente esperáveis de um profissional
capaz, sensato, sagaz, avisado e zeloso em face do condicionalismo
próprio do caso concreto; no fundo o escalão objectivo e tipicizado do
“bonus pater famílias”da profissão em apreço, com a diligência a dever
apreciar-se em relação à natureza da actividade, traduzido pelo
padrão, de origem teutónica, do gestor consciencioso ou criterioso e
ordenado”.
Analisando sob uma perspectiva mais ‘socio-económica’
(chamemos-lhe assim), as normas de responsabilidade desempenham a
mesma função preventiva68
, que se aprecia individualmente na
responsabilidade em geral, mas, aqui, assumindo um papel
indispensável na orientação da conduta a adoptar para a prossecução do
cumprimento dos deveres de cuidado, ou se quisermos, “a resposta do
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legislador à separação entre propriedade e gestão”, que Berle e Means
abordaram pela primeira vez em 1932 69
.
Daqui se depreende que deveres de cuidado demasiado
restritivos podem provocar reacções indesejáveis, uma vez que os
gestores ao temerem uma acção de responsabilidade por uma decisão
errada, tendem a decidir pelo seguro, afastando-se da racionalidade
empresarial. E todos sabemos que decisões sem risco minimizam as
hipóteses de lucro, não beneficiando os interesses dos sócios.
Citando a jurisprudência de Delaware dizemos que:
“Shareholders don’t want or shouldn’t rationally want directors
to be risk averse. Shareholder’s investment interests, across the
full range of their diversifiable equity investments, will be
maximize if corporate directors and managers honestly assess
risk and remand and accept for the corporation the highest risk
adjusted returns available that are above the firm’s cost of
capital”70
.
Com a business judgment rule, os administradores não são
responsáveis pelas suas decisões, desde que demonstrem ter agido,
municiados de todos os elementos informativos disponíveis ao tempo,
dentro dos limites inerentes à sua própria função, e no exclusivo
interesse da sociedade.
O dever de cuidado (diligence), visto à luz da BJR nada mais
será que a vontade de cumprir uma obrigação com interesse e prontidão.
Na prática, a BJR é a antítese da culpa, da negligência ou sequer
da imprudência, por isso propendemos a vê-la como uma cláusula de
exclusão da ilicitude e não tanto como uma exclusão da culpa.
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A BJR tem uma dimensão positiva, na medida em que estabelece
uma obrigação de fazer71
, contrariamente ao dever de lealdade cujo
conteúdo é mais negativo.
Neste último, os administradores são, igualmente,
responsabilizados por omissão, e todos têm um dever geral de
vigilância72
.
O administrador tem o dever de agir de “boa fé”, no sentido de
desprovido de qualquer interesse próprio que prejudique directamente o
interesse social73
e com o cuidado e a prudência que lhe são expectáveis
pelo exercício das suas funções, designadamente reunindo toda a
informação que entenda suficiente para fundamentar a decisão a adoptar.
O que aqui se tem em consideração não é tanto a quantidade de
informação disponível mas sim a qualidade da mesma, até porque será
sempre impossível prever todos os caminhos possíveis74
.
Ao actuar desta forma, está a cumprir os três grandes requisitos
basilares subjacentes a esta regra procedimental. São eles:
Não estar pessoalmente interessado no assunto que se encontra
subjacente à tomada da decisão;
Ter-se informado previa e devidamente acerca da decisão que
pretende implementar acreditando ser, a melhor, atentas as
circunstâncias; e,
Racionalmente estar convencido que a sua decisão vai de
encontro aos melhores interesses da sociedade, mediante recurso a
princípios de racionalidade económica – obtenção de um determinado
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fim com o mínimo dispêndio de meios – ou o princípio do máximo
resultado – obtenção com determinados meios do máximo grau de
realização do fim.
Evidentemente que a BJR não contempla, todas aquelas acções
que culminem em fraudes, interesses próprios e/ou vantagens
patrimoniais pessoais do administrador em virtude da utilização
indevida dos bens corpóreos da empresa. Acções como estas já não
caem dentro do âmbito de aplicação ou de protecção da BJR,
prosseguindo nos carris normais do poder judicial.
Em conclusão, no âmbito da BJR não existe responsabilidade por
negligent substantive reasons. A responsabilidade restringe-se a
situações de gross negligence ou decisões irracionais75
.
3.2. Deveres específicos – art.72.º, n.º1, do CSC
Sem pretendermos entrar na já muito conhecida questiúncula
doutrinal que opõe desde sempre civilistas e comercialistas acerca da
controversa questão de saber se a verdadeira relação entre administrador
e sociedade se encontra alicerçada ou não no mandato76
, o certo é que à
luz do direito societário vigente, o n.º1, do art.71.º,do CSC consagra
uma clara manifestação de responsabilidade contratual, decorrente do
Responsabilidade civil dos administradores
perante os accionistas, Coimbra, 2001, p.25.
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contrato de sociedade e do contrato de gestão, cuja natureza varia entre a
violação dos vínculos provenientes do contrato do administrador77
e a
violação de obrigações inerentes à sua própria função78
.
Da letra da lei, extrai-se a ideia que os administradores
respondem perante a sociedade relativamente a danos causados a esta,
por factos próprios (actos ou omissões) violadores da lei ou dos
estatutos, em sintonia com o que as regras gerais do direito civil já
prevêem para esta matéria, mormente nos arts.798.º e 799.º, n.º1, do
Código Civil, salvo se provarem que agiram sem culpa79
.
No âmbito da responsabilidade civil contratual, a lei determina,
pois, a inversão do ónus da prova. Estamos perante uma presunção iuris
tantum (clara) de culpa a qual, é insusceptível de ser substituída por
qualquer outra interpretação tendente à desnecessidade de prova de
culpa. Se assim não entendêssemos estaríamos “a consagrar uma
responsabilidade objectiva dos administradores, contrária ao sistema
geral da responsabilidade civil portuguesa”80
.
A responsabilidade recairá, pois, sobre os titulares do órgão
administrativo e não sobre o órgão propriamente dito81
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Dentro deste preceituado legal, encontram-se contidos os
pressupostos gerais exigidos para a responsabilidade civil por factos
ilícitos, os quais, recordemos, são:
1) A ilicitude do comportamento praticado, ou simplesmente
omitido por um administrador (ressalve-se que dentro deste
âmbito a omissão também releva para efeitos de ilicitude82
.
“Todos os comportamentos (ou omissões) na actividade
societária que sejam reveladores de imprudência, esforço ou
atenção insuficientes por parte dos titulares do órgão de
administração ter-se-ão por ilícitos”83
.
2) A culpa presumida, diga-se, salvo se o administrador provar
ter agido sem culpa;
3) O dano infligido à sociedade na sequência do seu
comportamento;
4) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) ilícito
e culposo praticado pelo sujeito (administrador) e o dano
causado ao património social84
.
Pelo disposto no n.º1, do art.72.º, os administradores estão,
assim, compelidos a exercerem um conjunto variado de
comportamentos, muitos deles directamente impostos pela lei e os
restantes pelos estatutos ou pelo contrato, sob pena de incorrerem em
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responsabilidade civil apreciada nos termos gerais, sem lugar, a
qualquer regra de decisão empresarial para os justificar, nomeadamente
a plasmada no art.72.º, n.º2, do CSC.
Em casos de extrema gravidade, a incapacidade ou a inaptidão
do administrador para o desempenho normal das suas funções (art.257.º,
n.º6, e 403.º, n.º4, ambos do CSC) pode redundar, inclusive, em causa
de destituição com justa causa85
.
Desta primeira leitura conjugada do art.72.º, n.º1, com o n.º2 à
qual juntamos os princípios gerais da responsabilidade civil é plausível e
razoável considerar que o escopo da BJR no ordenamento jurídico
português pode perfeitamente consistir numa cláusula de exclusão da
culpa dos administradores86
. Mas será exactamente assim? Adiante
explanaremos.
3.3. O acolhimento da BJR pelo CSC
Não é fácil estabelecer a ligação dos deveres de cuidado (típicos
da Negligence Law) com o critério do gestor criterioso e ordenado
vigente no art.64.º, n.º1, do CSC, e a elisão de presunção de culpa
prevista no n.º1, do art.72.º, do CSC87
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Ainda assim, em 2006, o legislador português entendeu por bem,
ao abrigo dos deveres de cuidado, introduzir um novo n.º2 ao art.72.º, do
Código das Sociedades Comerciais,
“2. A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas
referidas no número anterior provar que actuou em termos
informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo
critérios de racionalidade empresarial”.
O qual naturalmente muito se justifica pela globalização dos
mercados financeiros, mormente o mercado de capitais, largamente
dominados pelos padrões anglo-americanos88
, designadamente pela lei
do Delaware, vulgo BJR.
No entanto as diferenças estruturais do sistema de “origem” e o
sistema de “acolhimento” levantaram várias dificuldades ao legislador
nacional.
Em primeiro lugar foi necessário apreender que no sistema de
Delaware onde a BJR surgiu não existe separação entre ilicitude e
culpa89
, o que num sistema jurídico como o Português (que dificilmente
trabalha sem esta distinção) dificulta, muitíssimo a sua mentalização e
interpretação.
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Na consulta pública lançada pela CMVM, a propósito da reforma
do CSC, e do novo n.º2, do art.72.º, é possível ler-se:
“Qualquer reforma legislativa actual sobre a posição jurídica do
administrador deve implicar uma tomada de posição sobre a
consagração da chamada business judgement rule, de inspiração norte-
americana. Como é sabido, estabelece-se aí uma presunção de licitude
da conduta em favor dos administradores, desde que reunidos certos
pressupostos (…). Visa-se assim potenciar (ou não restringir) o sentido
empresarial e empreendedor de actuação dos administradores” 90
.
Em segundo lugar procedeu-se a uma inversão do ónus da prova,
impondo ao administrador a demonstração que a sua conduta não foi
ilícita, pois cumpriu todos os pressupostos pré-determinados91
.
Por fim, em terceiro e último lugar, a business judgment rule
passou a ser aplicada indistintamente à responsabilização do
administrador perante a sociedade e também perante os sócios, credores
e stakeholders92
.
Acima de tudo, o mais importante é compreender que o direito
societário é um direito cada vez mais internacional, não apenas pelas
influências que absorve mas também por todo o sistema de mercado
único em vigor dentro do espaço da União Europeia (onde vigora o
sistema de Delaware) e ao qual não só não podemos fugir como temos
que actuar em conformidade.
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Com esta nova (arcaica noutros ordenamentos jurídicos) regra,
consagra-se legislativamente a exclusão da responsabilidade dos
administradores, desde que se prove que “a sua actuação foi feita em
termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo
critérios de racionalidade empresarial”93
.
Esta faculdade de exigir e de obter informação, assume uma
importância vital no contexto da BJR.
A BJR entende que existem determinadas circunstâncias que
“absolvem os administradores da responsabilidade, mesmo que a
administração exercida não tenha conduzido a resultados positivos e
possa mesmo ter-se revelado danosa para os interesses da sociedade”94
.
Antes da consagração legal em 2006, vária já era a doutrina que
defendia entusiasticamente a BJR, e alguma jurisprudência também já a
referia95
.
O ‘fervor’ com que é recebida pela doutrina e jurisprudência
advém da harmonia que estabelece entre as características próprias,
livres e discricionárias da actividade desenvolvida pelo administrador e,
a não subsunção completa, desta actuação ao Direito e a uma eventual
responsabilização.
Administrar não é uma tarefa fácil; pressupõe saber manter um
ténue equilíbrio entre a manutenção do património social e o seu próprio
crescimento. Isto implica, necessariamente, uma resposta pronta e rápida
aos impulsos que a vida societária impõe continuamente.
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Os riscos que um administrador enfrenta são parte integrante do
seu quotidiano, estando os mesmos dependentes de múltiplos factores,
não sendo, por isso mesmo, justo ter-se como regra para a assunção da
responsabilidade simplesmente o resultado da sua actuação.
A preservação do risco empresarial (a nosso ver, regulado) é o
segredo da Boa Governação societária, “L’esprit d’entreprise, c’est
aussi la prise de risque”96
, não devendo, jamais, ser ignorado.
O legislador nacional, sufraga a mesma opinião - art.64.º, n.º1,
al. a), do CSC, ‘aplicando’ ao administrador um dever de cuidado ao
qual se junta a disponibilidade pessoal, a competência técnica, o
conhecimento adequado da sociedade e ainda toda a diligência inerente
à condição própria de um gestor ordenado e criterioso.
Daí, dizer-se que “para a lei a má administração, a ilicitude da
conduta do administrador que não se conforma com as aludidas
exigências, não representa um ‘ilícito de resultado’ mas tão-só um
‘ilícito de comportamento’97
.
3.3.1. Conteúdo
A verdade é que a BJR cria uma protecção especial aos
administradores que agirem devidamente informados, livres de qualquer
interesse pessoal e dentro dos critérios de racionalidade empresarial,
pese embora, e por força da inversão do sentido original da norma no
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ordenamento jurídico português, caiba ao mesmo administrador elidir a
presunção de ilicitude e/ou de culpa que sobre si recaia98
.
Esta realidade em nada tem a ver com o não cumprimento das
obrigações gerais dos administradores no desempenho das suas
obrigações naturais, vulgo obrigações e deveres advenientes dos
estatutos, contrato de sociedade ou até mesmo da própria lei.
Implicitamente o escopo fundamental da BJR é estimular a
iniciativa — desde que devida e compreensivelmente informada —,
potenciar o sentido empresarial e empreendedor dos administradores na
direcção da sociedade, desenvolvendo um escudo protector à volta das
decisões adoptadas, ainda que posteriormente se venha a comprovar que
tais decisões não se revelaram as mais correctas do ponto de vista
económico da própria sociedade, frustrando o seu escopo principal, ou
seja, o lucro.
Os bons resultados são o móbil de qualquer administrador zeloso
e dedicado. No entanto, não são os resultados de per si, que definem
uma boa ou má administração. Na realidade o controlo que a ordem
jurídica exerce sobre o administrador incide, essencialmente, sobre o
modo como este administra, sobre a actividade em si mesma, numa
palavra, sobre o procedimento próprio subjacente à actividade.
Esta é a questão basilar da BJR. Recorrendo a esta norma, a
actividade do administrador torna-se insindicável, bastando para isso,
que determinados pressupostos sejam cumpridos.
No fundo estamos perante uma regra que acaba por delimitar um
espaço livre de responsabilidade.
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A BJR é, como já repetidamente dissemos, uma regra de decisão
empresarial. Queremos com isto dizer que o mérito de certas decisões
não é julgado pelos tribunais com base em critérios de razoabilidade,
mas antes de acordo com um critério de avaliação restritivo, o qual
assenta na racionalidade ou irracionalidade da decisão, ou quanto muito
na (i)razoabilidade de uma decisão racional, mas nunca sobre a
razoabilidade de uma decisão irracional99
.
3.3.2. Fundamentos
O administrador tem como corolário implícito o direito e o dever
de estar informado na linguagem civilística, falamos de uma obrigação
de resultado e não apenas uma obrigação de meios100
sobre os
negócios e sobre a actividade da sociedade, exigindo e recolhendo
informações. Neste campo não basta desenvolver os melhores esforços
para que tal aconteça, é realmente necessário que as informações
existam.
Esta consagração do dever de obter informações é tanto mais
importante se a tivermos em linha de conta com a BJR.
Na verdade as decisões empresariais informadas, e que cumpram
os restantes pressupostos do n.º2 do art.72.º do CSC, têm-se por
excluídas de responsabilidade civil, ainda que o resultado final originado
pelas mesmas não tenha sido o almejado.
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É entendimento generalizado entre a doutrina e a jurisprudência
adeptas desta cláusula que, mesmo os administradores mais dedicados
podem tomar decisões que caso venham a ser apreciadas a posteriori,
conduzem a interpretações díspares das que de facto aconteceram, o que
pode, eventualmente, conduzir a um caminho de responsabilidade civil
por negligência, o qual consideramos não ser o mais correcto. Senão
vejamos:
Na óptica da BJR os juízes não são gestores, não dispondo, regra
geral, do saber necessário em matéria empresarial para se fazerem
substituir aos administradores na avaliação póstuma das decisões
empresariais.
Por outro lado, a assunção de riscos é um critério umbilical à
própria função de administrador e à tomada de decisões empresariais.
Defendem, igualmente, os adeptos desta corrente de pensamento,
o nefasto que seria para as sociedades comerciais, as decisões dos
administradores estarem sempre a ser postas em causa pelos accionistas.
A verdade é que o poder conferido aos administradores não é um poder
dos accionistas, mas sim um poder próprio, inerente, intrínseco às
funções que desempenham.
De outra banda, não pode tão-pouco o administrador encontrar-
se em permanente temor reverencial sobre se determinada posição pode,
ou não, resvalar numa eventual acção de responsabilidade.
Se assim fosse, então não restariam grandes dúvidas que os
administradores deixariam de decidir com base num espírito empresarial
aguerrido, vocacionado para o lucro e para o crescimento empresarial,
uma vez que, comummente, estas são decisões que arrastam consigo
algum risco, risco esse sempre desprovido de qualquer garantia pessoal,
o que levaria a que, por questões de segurança, optassem por decisões
pouco ambiciosas mas cuja garantia pessoal se encontrasse desde o
início salvaguardada.
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Fazendo um pequeno exercício, será caso para questionarmos, se
de certa forma a obrigatoriedade de tomar decisões desprovidas de
qualquer interesse pessoal, não estaria, também neste caso, igualmente
posta em causa. Vejamos melhor:
Perante duas opções, ambas dentro do mesmo contexto
empresarial, muito embora uma bem mais arriscada que a outra, o
administrador (apesar de se encontrar munido de toda a informação
necessária para poder optar pela mais arriscada, cujo retorno redundava
em bons lucros empresariais), opta pela menos arriscada, pois entende
que devido ao risco empresarial existente, pode vir a ser prejudicado
pessoalmente, ‘preferindo’ prejudicar a sociedade que por dessa forma
perdeu uma excelente oportunidade de negócio.
Seria possível ao mundo societário, sobreviver muito tempo a
uma pressão desta natureza? Crêem os defensores da BJR que
obviamente, não!
3.3.3.Pressupostos de Aplicação
O legislador português previu e contemplou a BJR no n.º2, do
art.72.º, do CSC.
A BJR, não poderá ser aplicada nas situações subsumidas dentro
do Dever de Lealdade art.72.º, n.º1, do CSC , mas apenas e tão-só
quando estiverem em apreciação comportamentos tidos pelo
administrador dentro do contemplado pelo Dever de Cuidado, e desde
que se encontrem cumpridos os pressupostos consagrados no n.º2, do
mesmo preceito legal.
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Assim para que a BJR possa ser aplicada, três condições formais
e cumulativas terão que se verificar. A saber:
1) Tem que haver uma acção por parte do administrador; a
decisão tem que existir e ser consciente; se nos ficarmos
apenas perante uma abstenção, omissão por simples
ignorância ou somente uma não actuação, este primeiro
requisito não se encontrará preenchido;
2) É necessário, diremos mais, é fulcral, que o administrador
cumpra as normas procedimentais, designadamente que se
encontre devida e correctamente informado, antes da tomada
de decisão. Esta acção tem que pressupor e estar subjacente
com as informações recolhidas para esse mesmo fim Um
administrador diligente deve estar sempre informado, criando
circuitos de informação interna permanentes, e
eventualmente recorrendo meios de informação externos,
sempre que esteja em causa uma decisão de maior relevo.
3) A decisão terá que ir, sempre, ao encontro do interesse social
da empresa, não podendo o administrador, nem pessoas
próximas a si, encontrarem-se em situação de conflito de
interesses com a sociedade relativamente ao objecto da
decisão101
.
Se estes três requisitos forem preenchidos, a regra diz-nos que o
mérito da decisão não será julgado de acordo com o padrão da
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oportunidade, sagacidade e adequação, mas segundo um modelo de
excepcionalmente limitado, registando-se violação do dever de cuidado
apenas se a actuação do administrador, ou melhor, se a acção do
administrador se revelar irracional.
Estes três requisitos constituem não apenas comandos a cumprir
por parte dos administradores mas também, comandos que o juiz deverá
ter em conta na apreciação das decisões e ponderação dos critérios de
ilicitude e de culpa perante uma acção de responsabilidade por violação
dos deveres de cuidado.
Queremos com isto dizer que, chegados a este ponto, apenas se
afastará a aplicação da BJR, no caso,
De algum ou todos os três requisitos não terem sido verificados,
e nesta circunstância a actuação do administrador passará a estar sujeita
a uma avaliação judicial, susceptível de um juízo de mérito, ou,
Se os resultados não se revelarem os mais adequados produzindo
danos e/ou a actuação do administrador se mostrar completamente
irracional, obstaculizando qualquer explicação lógica ou coerente102.
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3.4.A Business Judgment Rule e a sua articulação com o
art.72.º, n.º1, do CSC
Para que possamos, realmente, entender o verdadeiro sentido da
BJR no ordenamento jurídico português, é absolutamente necessário
articulá-la com o disposto no n.º1, do art.72.º, do CSC.
São várias as possíveis linhas de orientação para interpretar esta
articulação.
De um lado temos quem vê o n.º2, do art.72.º, do CSC, como
uma limitação à presunção de culpa existente no n.º1 do mesmo preceito
legal, enquadrando-o na matéria da culpa, acabando este por suavizar a
presunção iuris tantum prevista no n.º1.
De outro lado surgem-nos os que vêem o n.º2, do art.72.º, do
CSC, como uma causa de exclusão da responsabilidade,
circunscrevendo-o na matéria da ilicitude.
Diz-nos a letra do n.º1, que “os gerentes ou administradores
respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados, por
actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou
contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”.
Estamos desta forma no campo dos deveres gerais de cuidado e
de lealdade contemplados na lei, no contrato e/ou nos estatutos. No
fundo, estamos no campo dos comportamentos, acções e/ou omissões,
gerais e comuns a todo o universo societário.
Neste domínio, não há margem para aferir a licitude do
comportamento, pois a partir do momento em que o mesmo não foi
executado em conformidade é automaticamente ilícito, sobejando
apenas ao administrador a possibilidade de provar ter agido sem culpa.
Já no n.º2, do mesmo preceito legal, o espírito do legislador é
bem diferente.
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Consciente que o mundo societário é um mundo impossível de
tudo prever, o legislador concedeu uma margem de discricionariedade
ao administrador, onde este poderá exercer as suas funções licitamente e
sem receio de vir a ser responsabilizado.
No entanto, esta pequena liberdade concedida ao administrador
não é totalmente isenta de deveres. Mesmo num campo discricionário, o
legislador procurou definir regras e padrões de comportamento
uniformes. Foi por isso que determinou três pressupostos imperativos e
cumulativos sem os quais o administrador não pode fazer uso da BJR.
Provando o cumprimento desses três pressupostos, o
administrador está a excluir a ilicitude do seu comportamento, e
consequentemente a culpa, uma vez que não havendo ilicitude de
comportamento não haverá, necessariamente culpa.
Estamos assim perante uma cláusula de exclusão da ilicitude —
e/ou da culpa, consoante a doutrina —, contrariamente ao que acontece
no n.º1 do art.72.º em que se parte imediatamente de um comportamento
ilícito, restando somente averiguar a culpa ou não do administrador.
No n.º2, do art.72.º, do CSC, o comportamento do administrador
é lícito desde que este prove ter cumprido os pressupostos exigidos, ao
passo que no n.º1 do mesmo artigo, o comportamento é sempre ilícito
restando ao administrador provar ter agido sem culpa.
Encontrando-se a BJR directamente ligada a uma (boa)
administração, a uma administração livre de interesses pessoais e tão-
−somente no exclusivo interesse da sociedade, é natural que a sua
formulação faça referência, aqui e ali, ao dever de lealdade.
Todavia, na apreciação da BJR a lealdade apenas interessa
enquanto pressuposto para a insindicabilidade do mérito da decisão em
função do resultado lógico do interesse social.
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Na BJR o que está em causa é o controlo do mérito de certas
medidas da administração — controlo procedimental, portanto —,
mormente a inexistência de um interesse pessoal na escolha de
determinada decisão, e não a lealdade em si mesma.
E se a informação, alicerce da decisão tomada, for erradamente
transmitida?
Pese embora não tenhamos entre nós a doutrina anglo-saxónica
da reliance103
, há que pensar que os administradores possam confiar na
veracidade das informações que lhes são prestadas, salvo se tiverem tido
conhecimento que essas mesmas informações padeciam de alguma
espécie de vício.
No entanto, tal não exclui o dever de um exame minucioso e
critico a todas as informações recebidas.
A BJR não se aplica, pois, às situações subsumidas dentro do
dever de lealdade ou dos deveres específicos legais, estatutários ou
contratuais (art.72.º, n.º1, do CSC), uma vez que situações desta
natureza não nascem no seio da discricionariedade e do risco
empresarial que o administrador possui ao exercer a sua actividade.
Estas são, ao invés, decisões vinculadas, em que a sua actuação muito
embora seja, igualmente, realizada no interesse da sociedade, é no
entanto exercida com base no cumprimento dos deveres especificamente
contemplados na lei, nos estatutos ou no contrato.
É esta categoria de casos que explica muitas vezes a opção pela
aplicação do art.72.º, n.º1, em detrimento do seu n.º2.
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3.5. A Dupla função da Business Judgment Rule
Uma das especificidades da BJR é conseguir operar, em
simultâneo, em dois níveis distintos. Se por um lado evita que as
decisões tomadas, pelos administradores, sejam submetidas a uma
apreciação judicial, a qual seria sempre feita num momento ulterior e
(eventualmente) já na posse de dados não conhecidos no momento da
realização do facto concreto, por outro lado, protege os administradores
de um regime de responsabilidade pessoal adveniente dos danos que as
suas decisões podem originar.
Na sua primeira grande tarefa, a business judgment rule visa
evitar que as decisões empresariais, adoptadas num determinado
contexto e espaço temporal, sejam ‘reformuladas’, ou se quisermos,
submetidas a uma apreciação judicial póstuma, com vista à averiguação,
ou não, de uma possível infracção ao dever de cuidado.
O que se pretende é acautelar juízos de oportunidade, por parte
de quem se encontra incumbido de apreciar situações de hipotéticas
violações aos deveres de cuidado por parte dos administradores, vulgo o
juiz.
Na verdade, a primeira grande função da BJR é precisamente
evitar que os processos de aferição de infracções ao dever de cuidado,
dentro do âmbito tutelado pelo art.72.º, n.º2, do CSC, culminem numa
reformulação ou substituição material das decisões tomadas pelos
administradores, pelos juízes, os quais se pronunciarão, inevitavelmente,
num momento posterior ao da ocorrência dos factos e tenderão a ser
influenciados por dados impossíveis de conhecer ao tempo em que a
decisão foi tomada, designadamente o resultado dessa mesma decisão.
A segunda função da BJR tem por escopo estimular os
administradores a não temerem a aceitação do cargo. Na realidade, ao
contemplar um conjunto de pressupostos processuais a cumprir por parte
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do administrador durante o seu processo decisório, contribui para a
redução do risco dos administradores responderem por eventuais danos
causados ao património social em virtude de uma decisão falhada mas
cuja conduta procedimental foi totalmente de encontro aos deveres
inerentes a uma gestão ordenada e criteriosa.
Em suma, fazemos nossas as palavras de Samuel Arsht, quando
afirma que a BJR tem como última preocupação “(…) judicial concern
that persons of reason, intellect, and integrity would not serve as
directors, if the law exacted from them a degree of prescience not
possessed by people of ordinary knowledge”104
.
3.6. Critica
É ancestralmente popular a expressão “antes criticado que
ignorado”…pois bem, também aqui podemos, perfeitamente,
socorrermo-nos desta expressão a fim de ilustrar o muito que já se
escreveu acerca desta pequena regra procedimental mas cujos efeitos
podem revelar-se bastante consideráveis.
De facto a existência de uma regra especial exclusiva para os
administradores foi sempre um ponto de grande polémica.
De qualquer forma, tanto na doutrina e jurisprudência norte-
americana, como na restante jurisprudência e doutrina vigente em
diferentes ordenamentos jurídicos, onde impera esta regra, é consensual
a opinião que sem BJR correr-se-ia o, sério, risco de bons e eficientes
administradores não aceitarem o cargo por temerem serem vítimas de si
próprios.
Vítimas das decisões, que pese embora, tenham sido tomadas
com o cuidado que se lhes impunha, redundaram num desenlace
negativo, lesando o património social da sociedade, acabando por não
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preencher o objectivo basilar de qualquer sociedade comercial que é o
lucro.
Ora é precisamente o risco de negócio, o risco empresarial que a
BJR visa acautelar.
Este é o maior argumento em favor do surgimento e manutenção
de uma norma desta natureza.
Continua a jurisprudência norte-americana, defendendo que, ao
limitar-se, consideravelmente, o recurso aos tribunais por parte de sócios
que pretendem conseguir a anulação de decisões que só aos
administradores competia tomar, estamos, a proteger a distribuição das
competências próprias de cada um dos sujeitos societários, na estrutura
organizatória da empresa, afastando a ingerência dos sócios nas funções
próprias e exclusivas de quem tem por única tarefa bem administrar.
Uma vez mais, reiteramos a ideia que a ‘obrigação’ do
administrador não é assegurar o êxito económico da empresa, no sentido
literal que a expressão acarreta, pois se assim fosse transformá-los-ia em
responsáveis por todos os acontecimentos prejudiciais que excedessem a
diligência exigida, não sendo essa, de todo, a intenção do legislador.
O que se pretende, isso sim, é desenvolver critérios para o dever
de cuidado, que simultaneamente encorajem os administradores a
governar o melhor possível a sociedade, assumindo riscos calculados na
senda do progresso, aumentando a sua (dela, sociedade) rendibilidade e
eficiência sem receios de incorrerem em violação dos seus deveres
fundamentais os quais terminariam, necessariamente, em acções de
responsabilidade civil.
A ser assim, a business judgment rule, enquanto corolário do
direito anglo-saxónico, constitui um dos princípios fundamentais do
direito societário onde a gestão da sociedade é feita pelos e sob a
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direcção dos seus gestores e nunca pelos sócios105
, transformando-se
num ‘porto seguro’ para os administradores, protegendo-os “contra a
tendência intromissiva de accionistas poderosos, evitando tentativas de
domínio e de chantagem da administração, por parte deles e prevenindo
transferências ilegítimas do risco ligado à participação social através
da utilização desvirtuada ou abusiva das regras de responsabilidade do
administrador”106
.
Por último, opinam os grandes guardiães da BJR, que os juízes
não possuem conhecimentos empresariais satisfatórios para se fazerem
substituir aos administradores na avaliação póstuma das decisões
empresariais, acrescentando, ainda, que a reconstrução de uma decisão
empresarial anos mais tarde pelos tribunais reveste muitas dificuldades,
em virtude da multiplicidade de variáveis, muitas vezes impossíveis de
reconstituir fora do tempo em que aconteceram.
Finalizam, argumentando que os tribunais quando julgam uma
decisão de gestão, são sempre sugestionados pelos efeitos que essa
mesma decisão desencadeou, fazendo o tal juízo de mérito do resultado
que a BJR pretende ver afastado107
.
Este último argumento, tem sido alvo de inúmera controvérsia,
na medida em que são múltiplas as vezes em que os juízes decidem
sobre problemáticas do mundo da medicina ou da engenharia, por
exemplo, sem serem detentores, igualmente, de conhecimentos técnicos
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Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
__________________________________________________________________
satisfatórios. É para casos como estes, que se recorre, a técnicos
especializados e idóneos que suprimem as falhas apontadas108
.
Anuímos apenas em parte com o aludido pela crítica a este
último argumento favorável à BJR, designadamente, no que ao primeiro
dos argumentos diz respeito, pois entendemos que o eventual
afastamento do juízo decisório por parte dos tribunais jamais deverá ser
feito à custa de hipotéticas faltas de conhecimentos do juiz para julgar,
pois se assim fosse, todos os pleitos que exigissem uma interpretação
factual técnica e precisa deixariam de poder ser apreciados e julgados.
Realidade distinta será a reconstituição da situação empresarial
anos mais tarde e muito especialmente a apreciação da actuação dos
administradores através de um julgamento onde se aprecie o mérito do
resultado.
Aqui não temos dúvidas em afirmar, que a posição adoptada
pela BJR é a mais equilibrada, atentos os princípios gerais da boa
governação e do risco empresarial que se querem sempre protegidos e
salvaguardados de juízos de prognose menos sensibilizados com a
racionalidade empresarial que o moderno Corporate Governance
acarreta.
( % )*: EE
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
__________________________________________________________________
CAPÍTULO III
BUSINESS JUDGMENT RULE : PRESSUPOSTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
OU
CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE E/OU DA CULPA?
4. BJR como pressuposto da responsabilidade civil?
4.1.Generalidades
O fim de uma qualquer sociedade comercial sintetiza-se no
fortalecimento da sua capacidade lucrativa e na criatividade dos seus
administradores para gerar essa mesma riqueza109
. Numa palavra, na
conquista do almejado lucro110
, o qual passa pelo desenvolvimento da
actividade sobre a qual assenta o seu objecto social.
Como em qualquer aspecto da vida quotidiana, também a gestão
de uma sociedade envolve riscos — o risco empresarial —, riscos esses,
que algumas vezes não terminam como inicialmente se previram,
acabando por gerar graves prejuízos económicos para a saúde financeira
da própria sociedade.
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Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
__________________________________________________________________
E se, alguns desses prejuízos são perfeitamente suportáveis pelo
capital social, outros surgem, que em virtude da conjuntura temporal em
que são projectados e pelos contornos próprios que assumem, podem
conduzir a sociedade à insolvência e até mesmo à falência.
Muito embora todo o cenário aludido possa ser uma dura
realidade, a gestão de um bom administrador não pode aprisionar-se, tão-
só, no resultado adveniente das decisões adoptadas.
É necessário e da maior justiça elementar, determinar, apreciar e
determinar as circunstâncias em que tais decisões foram tomadas.
Terá o administrador agido de boa fé (cumprindo os deveres
gerais a que está impelido)?
Ter-se-á informado convenientemente (elemento objectivo)?
Terá a informação sido a mais acertada? Não podemos descurar a
circunstância de muitas vezes subsistir uma tensão entre a conveniência
da informação, e a rapidez com que a administração pretende obter essa
mesma informação para a tomada urgente de determinada decisão.
Qual a real pretensão do legislador ao exigir que o administrador
aja devidamente informado?
Onde se encontra a medida certa para o grau de informação
entendido como o ideal para o caso concreto? Uma vez mais, importa
não esquecer que muitas vezes informações desta natureza têm custos
elevados, sendo que o esforço para a sua obtenção não poderá, jamais,
transpor os limites ético-deontológicos.
Por último, terá o administrador agido no exclusivo interesse da
sociedade (elemento subjectivo)?
Se o sim for o vocábulo comum a todas estas questões, então não
subsistirão grandes dúvidas que estaremos perante um administrador
zeloso, diligente e senhor do cuidado que lhe é pedido, não podendo, nem
devendo, em contrapartida ser responsabilizado pelo resultado das suas
escolhas.
Business Judgment Rule
Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais
__________________________________________________________________
É imperativo apreender que a apreciação da administração de
uma sociedade não pode cingir-se apenas a uma responsabilização pelo
risco ou pelo resultado tout court.
Perpassa aqui uma singela visão positivista que caminha, e bem
(a nosso ver), para uma visão mais subjectivista e atenta ao caso concreto.
Há que aquilatar se perante as circunstâncias concretas em que a
sociedade se encontra, e perante as condições comerciais em apreço, o
risco empresarial assumido pelos administradores, terá, ou não, sido
equilibrado, após um estudo cuidado por parte dos mesmos de todos os
riscos inerentes a uma operação daquela natureza, assim como as vias
alternativas que poderiam ter sido utilizadas para minimizar esse mesmo
risco (dever de informação).
Em suma, o que se pretende é perceber se o administrador agiu
com o cuidado que lhe é pedido, uma vez que não se lhe pede que
responda pelo êxito da sua administração mas tão-somente pela sua
própria gestão, através do recurso a todos os meios possíveis para levar a
bom porto um determinado negócio111
.
Sob a tutela da BJR, os administradores assumem riscos
“calculados”, perfeitamente conscientes que os estão a assumir no total
interesse da sociedade — Dever de cuidado —, mas sem a pressão de
uma eventual acção de responsabilidade pessoal por má gestão,
determinada por um juízo judicial elaborado a posteriori.
A BJR fomenta, assim, o respeito pelo sector privado e pelas
suas decisões, potenciando o sentido empresarial e empreendedor dos
administradores, evitando, tanto quanto possível juízos de prognose
feitos, erradamente, sobre o mérito da decisão.
* ' * + K
% C#!
Tese final 29 Abril
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  • 1. FILIPA GUADALUPE FRAGATA Business Judgment Rule: Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 2010
  • 2. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Business Judgment Rule: Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais FILIPA GUADALUPE FRAGATA Dissertação apresentada no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Secção de Ciências Jurídico-Empresariais Área de Especialização de Direito das Empresas Orientador: Professor Doutor João Calvão da Silva Coimbra Abril de 2010
  • 3. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ ABREVIATURAS A - Autor Ac. - Acórdão BJR - Business Judgment Rule BMJ - Boletim do Ministério da Justiça CC – Código Civil CCi - Codigo Civile italiano CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários CSC – Código das Sociedades Comerciais OPA – Oferta Pública de Aquisição STJ - Supremo Tribunal de Justiça
  • 4. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ AGRADECIMENTOS O trabalho que ora se apresenta constitui o culminar de um já longo processo académico iniciado há anos atrás com um primeiro grande desafio que foi, sem dúvida, o de tirar uma licenciatura naquela que é hoje e sempre a Casa do Direito em Portugal. Por razões iminentemente profissionais e muito impulsionada pela pessoa com quem trabalho diariamente, há muito que aprendi a olhar para o direito societário como uma área nobre, moderna, em constante mutação e estimulante para todos os que nela embarcam. Daí a escolha, sem qualquer hesitação pelo Direito Empresarial. No entanto, e como em tudo na nossa vida, não existem trabalhos integralmente individuais. Para que algo se faça é necessário, ainda que de uma forma indirecta, a colaboração e a ajuda preciosa de todos aqueles que diariamente connosco partilham o espaço e o tempo. Em primeiro lugar, o meu agradecimento vai, como não podia deixar de ser, para o meu Professor e Orientador Professor Doutor Calvão da Silva. Não apenas pelo apoio incondicional e pelo tempo que me proporcionou para a elaboração do presente trabalho, mas principalmente por me ter ensinado, ao longo de dez anos de trabalho diário, quase tudo o que hoje o direito significa para mim: uma ciência de rigor, onde a ética e a justiça social jamais poderão ser preteridas por impulsos de ocasião ou ‘tendências de estação’. Em segundo lugar, um obrigado com enorme consideração, ao Senhor Professor Pedro Pais de Vasconcelos, pela magnifica aula que me proporcionou, essencial para reorganização de ideias e pontos de vista.
  • 5. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Em terceiro lugar, a todos os meus amigos que resistiram estoicamente e nunca desistiram de me apoiar: à Alexandra por todas as horas de estudo compulsivo e palavras incentivadoras; à Andreia pelo apoio logístico insubstituível e jamais impagável, à D. Dulce por éter estado sempre presente nos momentos mais cinzentos, e por fim à Xana minha amiga de todas as horas, por tudo mas mesmo tudo! Um agradecimento especial à minha amiga Matilde, pela paciência e vontade que teve em rever este trabalho, pelo apoio bibliográfico com que sempre me brindou e pela amizade diária e incondicional que demonstrou. Last but not the least, um agradecimento, especialíssimo, para o Guilherme. A presença constante desde o primeiro dia deste 2.º ciclo de estudos até ao último, a dedicação, a tolerância, o apoio e a entreajuda com que sempre me presenteou constituíram, sem quaisquer dúvidas, a alavanca necessária para aqui chegar. A todos agradeço penhoradamente. Coimbra, Abril de 2010
  • 6. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Aos meus inesquecíveis Avós À minha mãe
  • 7. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Não tenhas a pretensão de ser inteiramente novo no que pensares ou disseres. Quando nasceste já tudo estava em movimento e o que te importa, para seres novo, é embalares no andamento dos que vinham detrás… Vergílio Ferreira, Pensar
  • 8. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ INTRODUÇÃO i. O Problema Desde sempre que um dos grandes desafios do direito societário se centrou em conseguir traçar o perfil do que há muito se idealiza ser o bom administrador. As características que deverão apresentar e os pressupostos que deverão cumprir são apenas o inicio do exercício de uma função cuja importância é inquestionável no contexto da economia globalizada em que vivemos. Os diferentes tipos de instituições societárias, as regras e as práticas a elas inerentes estabelecem as restantes condições e os limites aceitáveis ao desempenho do seu cargo. Ora foi no universo das boas regras de governação societária, que surgiram o que hoje denominamos por Deveres de Lealdade e Deveres de Cuidado, cujas normas de conduta se encontram especificamente direccionadas para os administradores que a elas se encontram adstritos durante todo o tempo em que desempenham a sua actividade empresarial, e muitas vezes até depois de a cessarem (o dever de não concorrência para com a sociedade que representaram durante um determinado período após a cessação de funções, é disso bom exemplo). É, pois, dentro destes grandes Deveres de Cuidado que encontramos uma pequena (grande) regra, cuja paternidade se atribui à jurisprudência norte-americana do segundo quartel do Século XIX e à qual se deu o nome de business judgment rule. A BJR tem como máxima proteger o administrador da ‘mão judicial’ evitando que o mérito de certas decisões seja julgado pelos tribunais, criando, para isso, critérios de razoabilidade ou causas de
  • 9. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ justificação para uma eventual ilicitude comportamental tida pelos administradores. Cumprindo cumulativamente determinados pressupostos imperativos, o administrador fica isento de qualquer responsabilidade na sequência do dano social que a sua decisão acarretou, passando somente a ser responsabilizado quando a essa mesma decisão for considerada irracional, incompreensível e sem qualquer explicação congruente. O problema consiste, pois, em qualificar esta regra de ‘decisão empresarial. Estaremos perante um pressuposto de responsabilidade dos administradores das sociedades comerciais, ou, antes, perante uma cláusula de exclusão dessa mesma responsabilidade? E optando por esta última, encontrar-nos-emos perante uma cláusula de exclusão da ilicitude, da culpa ou de ambas? Por fim, o que devemos esperar de uma regra como esta? Será justa? Equilibrada? Realmente incitadora de uma cada vez maior responsabilização dos administradores em prejuízo de uma irresponsabilização? É aqui que pretenderemos chegar, tendo sempre presente que na moderna governação societária, cujos princípios basilares se (con)fundem com os princípios subjacentes à sociedade contemporânea (liberdade, racionalidade e progresso), o administrador deverá actuar sempre livre de quaisquer interesses pessoais e com o cuidado (diligence)1 , inerente às características próprias das funções que desempenha em nome do progresso e do desenvolvimento da sociedade e com ela do desenvolvimento da Sociedade em geral2 . ! "##$! %&
  • 10. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ ii. O Plano para a sua solução O percurso a que nos propomos com este trabalho é simples e linear. Dividido em três grandes capítulos, principiaremos a nossa jornada com um capítulo introdutório ou biográfico, se assim lhe pudermos chamar. Neste Primeiro Capítulo faremos uma pequena introdução ao problema, socorrendo-nos de um curto percurso pelas origens históricas da BJR, a sua evolução jurisprudencial com diferentes entendimentos3 e a sua difusão pelos diferentes ordenamentos jurídicos. Avançamos até ao Segundo Capítulo, o qual dedicaremos inteiramente ao ordenamento jurídico português. Aqui pretenderemos, esmiuçar um pouco mais amiúde, os grandes deveres gerais dos administradores das sociedades comerciais, mediante uma análise genérica ao art.64.º do Código das Sociedades Comerciais e uma análise particular ao art.72.º, da mesma codificação legal. Ali chegados, atribuiremos uma maior relevância ao seu n.º2, pois é nele que reside a regra que pretendemos conhecer melhor. Conteúdo, fundamentos, pressupostos de aplicação, a dupla função e a sua articulação com o n.º1, do art.72.º,do CSC, são pontos a ter em linha de conta no decorrer deste segundo capítulo. ' ()* + , !" # !" $ ! + , - . / 0 # !" !" % 121! 3%4! / , "##$! 44! 5 5 000
  • 11. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Por fim, um Terceiro e último Capítulo onde se procurará ‘descobrir’ se a business judgmente rule será, de facto um pressuposto ou uma causa de exclusão da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais. E sendo uma cláusula de exclusão da responsabilidade, excluirá esta a ilicitude, a culpa ou ambas. Para isto, socorrer-nos-emos não apenas do disposto na letra da lei, mas também do que mais relevante é verbalizado pela doutrina e jurisprudência contemporâneas. Concluiremos procurando responder à questão axial: estaremos nós perante uma regra de decisão empresarial potenciadora da responsabilidade do administrador ou tão só uma regra de isenção dessa mesma responsabilidade promovendo a contrario a sua irresponsabilidade? Não almejamos encontrar respostas para todas as nossas dúvidas, no entanto, se conseguirmos arrematar com algumas certezas e outras tantas incertezas, para que a divergência de opiniões nunca acabe, já daremos, como bem empregue todo o tempo e empenho dedicado a esta causa.
  • 12. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ CAPÍTULO I INTRODUÇÃO AO PROBLEMA 1.Noção A business judgment rule é uma regra de decisão empresarial, cujo objectivo principal se cifra na limitação da responsabilidade civil dos administradores relativamente a eventuais acções intentadas pela sociedade ou pelos seus sócios/accionistas, nos casos em que o resultado da actuação dos primeiros se revele danoso, isentando-os, por força da sua actuação, de um juízo de valoração do mérito da decisão por parte dos tribunais. Data de 1829 a primeira alusão feita a esta regra nos Estados Unidos da América, país cujo sistema societário é tradicionalmente conhecido por ser, essencialmente, um sistema de sociedades anónimas, cujas acções se encontram extremamente dispersas, assumindo o administrador um papel de suma importância na representação das mesmas, e o instituto da responsabilidade civil, um dos mecanismos essenciais para o controlo dessa mesma actividade4 . Hoje, volvidos que estão quase dois séculos sobre o seu nascimento, a business judgment rule é um dos princípios da jurisprudência norte-americana, em paralelo com o dever de cuidado5 , mais utilizado pelos tribunais em quase todos os Estados. & ! "##4! "# 6 ! ! ! 7 5 ' # ( )*+ ,-
  • 13. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Todavia a sua aplicação não se encontra circunscrita à violação desse dever de cuidado. Há, inclusive, hoje quem defenda a ideia de uma enhanced (reforçada) business judgment rule, cujo crescimento se fica a dever em grande parte à introdução de novos pressupostos e elementos de exclusão da responsabilidade dos administradores em determinados contextos decisórios, designadamente operações de controlo da sociedade e a medidas defensivas face a ofertas públicas de aquisição dessa mesma sociedade6 , adoptadas pelos administradores das sociedades visadas, as quais, muito embora constituam um verdadeiro direito na defesa anti-OPA7 , requerem, necessariamente, um novo enquadramento relativamente à BJR. Nesse sentido, o tribunal de Delaware, acrescentou dois requisitos extra, aos três existentes, que os administradores terão que provar ter cumprido caso pretendam ver — neste contexto específico — a sua conduta protegida pela BJR. Assim, para além da informação adequada, do agir desprovido de qualquer interesse próprio e no exclusivo interesse da sociedade, os administradores terão, ainda que: 1) Ter fortes razões para considerar que a OPA em questão constitui uma ameaça muito séria para a eficácia societária da empresa visada e, 2) Que as medidas de defesa são proporcionais à ameaça que a OPA implica8 . 88&#4 &#" % ( 9 ) 5 ! : ;! "##4! 4#4 ' . /!" 0 ( ( 1 2 ! "##&! <"
  • 14. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Por último, registe-se, que a BJR é uma regra comportamental não sendo aplicada aos casos que envolvam uma apreciação mais exaustiva do mérito da decisão, onde estejam em causa, por exemplo, violações ao dever de lealdade, assim como todos os casos em que o administrador não cumpriu os pressupostos comportamentais requeridos ou actuou de uma forma totalmente irracional, incorrendo consequentemente num comportamento de negligência grosseira. 2. Breve resenha histórica 2.1. Origem A business judgment rule assenta numa génese jurisprudencial surgindo, pela primeira vez, em pleno Século XIX, época em que o ‘medo’ de uma regulação comercial era transversal. Como sabemos, o direito societário norte-americano não é uniforme. Cada Estado tem o seu próprio regime, o que faz com que cada um se dedique com maior ou menor afinco à produção legislativa, de acordo com as necessidades que vão surgindo. É esta a razão que justifica o papel preponderante que o direito do Estado de Delaware assume no contexto societário americano, designadamente através da jurisprudência oriunda dos seus tribunais. De facto, e por estranho que possa parecer, Delaware é o Estado norte-americano sede da maioria das ‘public companies’, ou sociedades abertas, como são conhecidas entre nós. Para melhor ilustrar a importância que Delaware assumia, em 1998, “(…) cerca de 40% das sociedades cotadas na New York Stock Exchange e mais de 50% das sociedades incluídas na lista da Fortune 500 tinham a sua sede no
  • 15. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Estado de Delaware”9 . Por aqui se vê a enorme importância da jurisprudência emitida pelo Supreme Court de Delaware e a sua influência não apenas noutros Estados mas também um pouco por todo o mundo, onde serve de fonte inspiradora. Na verdade, os tribunais norte-americanos desempenharam um papel fulcral no que à apreciação do dever de cuidado diz respeito, designadamente, mediante a aplicação da chamada BJR à actuação dos administradores nas sociedades comerciais. Esta regra constitui um dos mais importantes conceitos do direito societário norte-americano, persistindo contra todas as adversidades e teses doutrinárias acerca da sua incorrecta interpretação. De facto a principal divergência assenta em determinar se estamos perante uma regra de limite à jurisdição dos tribunais (abstention doctrine)10 ou antes uma regra-critério de licitude (standard of liabiliy)11 . = ! 3 4 & 5 0 2 !" 1 6--7 8+ 9:8 > ? @ 1 ' ; < " = " A ! # ()* > ! ? ! ! ?! ? B > " " 3 ! C% ? ? @ A > !" @ B C D . A !" ))E @ !" !" !" /!" ' ; > !" % 1 > > F ' ; 34& '
  • 16. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Pese embora, os tribunais tendam a adoptar a abstention doctrine, a verdade é que, raras vezes é certo, ainda recorrem ao standard of liability para formularem os seus juízos decisórios. De uma ou de outra, sobressai a ideia que a BJR é “one of the least understood concepts 12 . Mais de quarenta anos volvidos e parte da doutrina americana continua a sustentar fidedignamente esta ideia. Só nos últimos vinte e cinco anos, mais de dois terços dos Estados Norte-Americanos consagraram, estatutariamente, regras acerca do dever de cuidado. Numa palavra breve podemos afirmar que a BJR é uma regra de conduta utilizada pelos tribunais norte-americanos — do qual se destaca o Supreme Court de Delaware — para apreciação do comportamento tido pelos administradores e consequente violação ou não dos seus deveres de cuidado (duty of care) e de lealdade (duty of loyalty). Na prática, os administradores devem conduzir os destinos da sociedade que administram de 1) modo desinteressado e independente, 2) munidos de informação adequada ao caso concreto e 3) com a certeza que a sua decisão será a melhor que poderá ser tomada, tendo em conta os interesses exclusivos da sociedade13 . Se assim o fizerem, estarão isentos de qualquer tipo de responsabilidade. D - ! 1 ()* > G 0H2 ()* D " " 3 = " !" > > > ( > B !" " ! B 34& B > > 3 ! CC > C# - ()* G I % @D 1 JKD ! E%2B F!4=&< "E= "<4 9 , - . 7 ! A
  • 17. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Ainda na senda da construção dos deveres dos administradores das sociedades, levantou-se, durante um tempo, a hipótese de instituir um terceiro dever fiduciário o duty of good faith14 , revelador de um estado de espírito e da consciência da violação dos deveres fiduciários. Esta hipótese não passou disso mesmo, pois entendeu, por larga maioria, a doutrina norte-americana que este duty of good faith não é mais que um dever genérico, parte integrante de todos os outros, não sendo por isso autonomizável. O duty of good faith acaba por se subsumir no duty of care, mas sobretudo no duty of loyalty15 , ajudando a determinar a gravidade da violação. 9 / 0 ! KD / ! ! A G / 0 ()* G !" > " !" # > " > I$ . ! 1 A 3 D . 0% 987+2JG 34& # !" > < !" L # B > > F /B #I 1 , - . 7 ! * ! 7 M 5 5 , > ! > , B - . 7 1 & ! 7 9 7 ?!
  • 18. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ 2.2. Evolução Jurisprudencial, incorporação nos Principles of Corporate Governance e propagação além fronteiras A business judgment rule nasce, como já dissemos, da jurisprudência norte-americana. Traçando um esquisso histórico, constatamos que não lhe é conhecida uma definição una. Na noção adoptada em Delaware, esta regra de decisão empresarial consagra a “presunção que se ao tomar uma decisão de negócios, o administrador da sociedade actuou informadamente, de boa fé e na honesta convicção de que essa acção foi no melhor interesse da sociedade, então a responsabilidade pelos resultados negativos advenientes da sua acção está automaticamente afastada”16 . A 13 de Maio de 1992, o American Law Institute adoptou e promulgou os Principles of Corporate Governance. Dentro do ordenamento jurídico norte-americano os Principles resumem-se a uma tentativa de unificação do direito societário americano enquanto modelo de regulamentação jurídica sobre as várias problemáticas empresariais. Não são por isso uma lei, assumindo antes a classificação de soft law, pois constituem tão-somente uma proposta de regulamentação que pode, no entanto, ser acolhida pelos tribunais, legisladores estaduais e sociedade civil17 . É pois nos Principles18 , que a BJR assume a uma definição mais precisa, caracterizando-se como um princípio a aplicar quando “um administrador adopta determinada decisão de boa fé (duty of care) e em conformidade com os seguintes pressupostos: 5 ! "! #$%" 4=$C! - / 0 ! "##&! "C 4$ & ! H B ! 2 D! DI 2D! 4==C
  • 19. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ (1) Não estar pessoalmente interessado no objecto da decisão; (2) Encontrar-se devidamente informado sobre todo o procedimento a adoptar para a tomada da decisão; e (3) Acreditar ser aquela a melhor opção para a sociedade;”19 . Da análise ao §4.01, dos Principles, resulta claramente que a BJR é abordada sempre no contexto do dever de cuidado (duty of care). Na óptica norte-americana, o duty of care, deriva da regra subjacente a todo o law of negligence a qual impõe aos administradores que desempenhem as suas funções diligentemente. O duty of care é composto pelo 1) Duty to monitor20 , o qual impõe ao administrador um controlo sobre toda a informação societária, criando para isso, um circuito interno de informação (monitoring procedures), realce-se aqui, a especial importância que assume o dever de vigilância aos administradores executivos pelos administradores não executivos21 ; pelo 2) Duty to inquiry, através do qual o administrador fica impelido a intentar uma investigação, sempre que tenha conhecimento de factos susceptíveis de incutir danos na sociedade; Pela necessidade de adoptar22 3) reasonable decision, mediante tomadas de decisão ponderadas e equilibradas, as quais se deverão sustentar num processo de recolha de informação específica para o processo em estudo, suficiente e razoável para o fim pretendido. É o 4) reasonable decisionmaking process, ou seja, não basta que racionalmente a decisão adoptada seja no melhor interesse da 4= 2 & ! 8C#4! J K ; > /!" " , ! - -5, % H % "4L F % C%4 F % C%"
  • 20. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ sociedade, é necessário que a nível procedimental o administrador tenha actuado de forma razoável na recolha de informação. Mesmo sem uma definição unitária no âmago do seu berço jurisprudencial, o conceito cresceu e proliferou um pouco por todo o mundo jurídico, influenciando o direito além fronteiras, tendo-lhe, inclusive, sido em alguns ordenamentos conferida dignidade legal 23 . Haverá alguma explicação, simples, lógica e plausível que explique este percurso vitorioso? A resposta é bem mais simples do que à primeira vista se possa pensar. A business judgment rule adopta o standard of judicial review24 , um modelo objectivo de sindicação da responsabilidade, ou seja o administrador é responsabilizado somente se a sua actuação for totalmente irracional, na medida que o que aqui está em causa, são os fundamentos e os procedimentos adoptados para a decisão encontrada e não os resultados propriamente ditos. É, pois, uma regra procedimental que evita que os administradores venham a ser responsabilizados quando as decisões se vieram a revelar más, uma vez que todo o procedimento adoptado para lá chegar foi o mais apropriado25 . Para aferir a responsabilidade civil dos administradores é, assim, fundamental saber em que medida as suas acções ou omissões estão sujeitas, quanto ao seu mérito, à jurisdição dos tribunais a quem caberá, ' ! 8=%D" BM H , ' ! @ 3 4 & 0G34&I2 D D 0H2I N C O3 4 & "##&! 000 , ! G D D D D O D N! @ 1 1 & D F0! &"
  • 21. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ em última instância, a apreciação da idoneidade dos actos de gestão adoptados pelos administradores durante um determinado processo decisório. Ora se há omissões e acções comportamentais que são ab initio identificadas e, por isso mesmo, encontram-se desde logo tipificadas na lei, nos estatutos ou nos contratos, gerando o seu inadimplemento um comportamento ilícito e eventualmente culposo, outros comportamentos existem, sobre os quais não é possível, de todo, prever, tipificar e sancionar. São comportamentos tidos pelos administradores dentro do que comummente apelidamos por campo discricionário e autónomo de actuação societária, os quais, reunidas determinadas condições, deverão ser apreciados atendendo o procedimento adoptado e não o resultado que originaram. É, pois, neste campo de (aparente) liberdade e autonomia de actuação que opera a business judgment rule.
  • 22. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ CAPÍTULO II A BUSINESS JUDGMENT RULE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS 3. Business Judgment Rule e o Direito Positivo 3.1.Deveres Gerais dos Administradores – o art.64.ºdo CSC Como bem ensina, Castanheira Neves, na sua introdução ao estudo do direito, a ordem jurídica não pode ficar circunscrita à prescrição normativa de um princípio de acção. O direito impõe sincronicamente “a validade fáctica” proporcionada pelo “critério da sanção”26 . A ordem jurídica e mais concretamente, o direito societário não pode ficar indiferente a comportamentos ilícitos e actuações negligentes praticados pelos administradores de uma sociedade comercial, pelo que há que avançar, procurando identificá-los, preveni-los e proporcionar mecanismos de resposta à sua violação. A BJR é um desses exemplos, assumindo-se como uma regra de decisão empresarial que exclui a responsabilidade dos administradores desde que estes provem ter actuado em “termos informados, livres de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial” – art.72.º, n.º2, do CSC. Ora, assim sendo, o sentido e fim desta norma só se aprimora diante os deveres dos administradores. ' A !" ! ! ""
  • 23. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Importa, pois, contextualizar o tema, apreciando criticamente o ímpeto reformador do novo art.64.º, do Código das Sociedades Comerciais: Com uma nova epígrafe “Deveres Fundamentais” em substituição da anterior “Deveres de Diligência”, reza como segue o novo n.º1, do art.64.º,do Código das Sociedades Comerciais “1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses a longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. 2. Os titulares dos órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.” Em primeiro lugar, é facilmente constatável que, o dever de diligência contemplado no texto original do art.64.º,do CSC27 , cuja formulação inicial remonta ao critério do bonus pater familias adaptado ao direito societário, enquanto gestor criterioso e ordenado ou agent, ' &C3 , OP ! F ! > N
  • 24. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ gestor de interesses ou bens alheios, bipartiu-se em Deveres de Lealdade e Deveres de Cuidado, muito por força e influência do direito anglo- saxónico28 , como se sabe. Em segundo lugar, o art.64.º, assume, no campo da responsabilidade civil, uma dupla função, ou seja, por um lado exprime deveres objectivos de comportamento em forma de cláusula geral, de cuja materialização pode advir a ilicitude do comportamento, e por outro lado, circunscreve o critério da culpa, sendo fundamento autónomo dessa mesma responsabilidade. Através dos critérios gerais de acção contidos no art.64.º, a ilicitude, ou não, da conduta dos administradores passa a ser avaliada mediante esta distinção, desempenhando sempre este artigo um ponto de partida na concretização da responsabilidade civil dos mesmos: “O art.64.º tem sido entendido, pela doutrina nacional, como uma norma jurídica que fundamenta a existência de prosseguir o ‘interesse social’, na condução dos negócios societários, interesse que não se esgota na mera recondução aos interesses da sociedade, dos sócios e/ou dos trabalhadores”29 . A relação estabelecida entre o administrador de uma sociedade comercial e a própria sociedade é uma relação de natureza contratual30 . / ! !" D J ! ! Q K J K ( J < ( > !" # > " > # = !" !" !" K ' & / A * ! 34! 1 "##=! 44 B G * F ! 3=<<Q#&"GRFA(F47"! 4&Q#<Q"##=! C%! 000 % EC
  • 25. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Na verdade, o administrador tem o dever de exercer diligentemente as funções para as quais foi designado. Funções que se encontram consagradas não apenas legal e contratualmente mas também todas as outras que pela sua génese estejam em consonância com a boa fé, com os usos e com os costumes. Esta diligência requerida a um gestor criterioso, remonta ao Aktiengesetz Alemão de 1937, designadamente o seu §84 que rezava como segue: “Os membros da direcção devem aplicar na condução da sociedade, o cuidado de um gestor ordenado e consciencioso (…)”. No Aktiengesetz Alemão de 1965, a primeira parte do preceito manteve-se inalterada. Cremos que nos dias de hoje, o sentido da diligência do gestor criterioso e ordenado, vai, em nosso entender um pouco mais além relativamente ao sentido que é acolhido nas regras gerais da responsabilidade civil31 . O administrador é responsável e tem o dever de conhecer todos os negócios ligados à sua actividade social, instituindo circuitos internos e permanentes de obtenção de informações e, recorrendo a meios externos se a importância da decisão em causa a isso impelir. Ao administrador cabe a representação e a administração da sociedade, sendo este o seu dever basilar: administrar a sociedade exercendo as suas funções com maior ou menor autonomia em ' S , J A K! ! "##&! &=L . ? ' % * B ! &&! "##&! CC$
  • 26. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ conformidade com os poderes que lhe foram atribuídos , de forma rigorosa, totalmente desprovida de interesses pessoais mas sempre com iniciativa (discricionariedade empresarial) e no exclusivo interesse da sociedade32 sem descurar o respeito pelos restantes órgãos societários. O administrador é, assim chamado a dirigir a sociedade, a geri-la e a prosseguir o seu escopo social. Aqui não existe um simples dever de cuidado mas sim um dever de ‘cuidar da sociedade’33 , dever de tomar conta, de assumir o interesse social “promovendo o sucesso do estabelecimento”34 . Este é que é, efectivamente, o seu dever específico. Admitimos, pois, que é esta a nuance que a língua inglesa apelida de duty of care e duty to take care. Assim através deste (novo) dever de cuidado a lei incita o administrador a cumprir, fá-lo desempenhar as suas funções na prossecução de uma boa administração, uma administração cuidada adoptando um comportamento convergente com as melhores práticas do moderno Corporate Governance. Para isso, o administrador deve decidir informadamente e com a convicção profunda que essa decisão é a que melhor vai ao encontro do interesse social. Estar informado acarreta consigo um dever correlativo, que é o dever de obter informação. ( ) & ( > ! ( 1 ? ) ! 34="! 4#4L & < F !" ( N B ! "##<! =" > ) A B ! 2 1 D S ! ! "##<! "#$ & ( 1 A &<! ! "##"! <<
  • 27. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ O administrador deve agir em cada momento e diante de cada negócio, com o zelo, a prudência e a diligência que comerciantes e quaisquer outros representantes legais agiriam. “Se o administrador presta um nível de diligência inferior, não estará a efectuar a sua prestação da forma que lhe é exigida, pelo que incorrerá em incumprimento da sua obrigação e, consequentemente, em responsabilidade, assumindo em definitivo o seu próprio risco”35 . Do cotejo entre os deveres de cuidado e os padrões de diligência a ter em atenção para o seu cumprimento, a doutrina diferencia ainda: “Concepções sincréticas e concepções analíticas, sendo que são nestas últimas que se insere o art.64.º, do CSC” 36 : Os deveres de cuidado indicam deveres jurídicos autónomos, enquanto a diligência indica o empenho empregue para o cumprimento desses mesmos deveres, é o “dever-agir” do administrador37 . Encarado por este ângulo o legislador incrementa uma distinção entre o que releva da licitude da conduta e o que é relativo à culpa do titular. * ' * + K ( >! "##E! C# , G% B I % 4<# . ? , B ? F F ! T ! . . > ! 3 4 & % "#E L 3 4 & +)P ( 1 / A * ! 3"! ! "##=! E<
  • 28. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Em síntese, o que a lei impõe é que os administradores actuem em nome e em representação da sociedade com competência e profissionalismo. 3.1.1.Dever de Lealdade Contrariamente ao dever de cuidado, o dever de lealdade remonta a um “experimentado conceito continental, com tradições milenares”38 , o qual foi sofrendo aperfeiçoamentos, no campo das sociedades, ao longo de todo o Século XX. Este dever surgiu, em primeiro lugar, por via jurisprudencial, numa derivação dos deveres do mandatário — cuja responsabilidade inicial, vincadamente contratualista, culminou no Século XX com uma matriz imperativa de origem legal39 —, aos quais acresceram a administração de bens alheios e a boa fé. Presentemente, este conceito encontra-se inserido no princípio da boa fé, através da tutela da confiança. Trata-se, pois, de um dever de comportamento, não confundível com o dever de administrar correctamente, pois não olvidemos que um bom administrador pode, pelo menos nalgum momento, não ser leal. Contudo a relação de administração pressupõe um especial dever de lealdade, uma vez que o administrador é como que um curador de interesses de outrem, “representando a lealdade um efeito directo e imediato da natureza dessa relação”40 . ' G% % ! C&= !" ! D/9G! ! "##$! <C 3 4 & % "4#
  • 29. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Dentro do direito das sociedades, a ideia de lealdade assume várias configurações: 1) A dos accionistas entre si; 2) A dos accionistas para com a sociedade; 3) A dos administradores para com a sociedade. Incidamos, a nossa atenção, apenas para esta última, uma vez que é a que mais nos importa para o presente trabalho. O interesse da sociedade não dispensa o administrador de cumprir o seu dever de lealdade, não sendo este graduável, nem susceptível de considerações de eficiência económica. A lealdade terá, sempre, que existir ainda que o preço a pagar (por ela) seja elevado. Recorrendo à boa doutrina anuímos com a ideia que “o dever de lealdade é de aplicação severa, rígida (…)”, pois por ele (…) passa muito a eticização ou moralização do direito societário”41 . Na nova redacção do art.64.º do CSC, o legislador entendeu por bem proceder a uma distinção entre os chamados Deveres de Lealdade (al. a)) e os Deveres de Cuidado (al. b)). Neste ‘novo’ conceito de dever de lealdade, é propósito do legislador fazer com que os administradores não quebrem os laços fiduciários ou de confiança estabelecidos, devendo para isso a sua actuação ser sempre em conformidade (relação uberrima fidei). O administrador deverá actuar sempre no interesse da sociedade, nunca sobrepondo o seu interesse pessoal ao interesse social, tendo presentes os interesses dos sócios e de todos os sujeitos relevantes para a sustentabilidade da própria sociedade mas sem nunca esquecer que o seu & " " " *F)4%&JA Q "##&K! E<
  • 30. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ dever de lealdade se estabelece entre si e a sociedade, não entre si e os sócios ou entre si e os clientes da mesma42 . Na prática toda esta questão se subsume à compatibilização entre a discricionariedade empresarial e as restrições impostas pela própria orgânica societária, dentro da qual o administrador é senhor de uma lealdade qualificada43 . O dever de lealdade do administrador perante a sociedade, ultrapassa, pois, a medida de conduta genericamente reclamada em nome da boa fé, no cumprimento dos direitos e obrigações – art.762.º, n.º2, do Código Civil44 . A regra da boa fé não é entendida sob o ponto de vista de protecção de bem alheio mas sim, sob o ponto de vista de colocação dos interesses da sociedade em primeiro e único plano. De facto, nas sociedades comerciais o raciocínio muda. Aqui temos uma relação de administração de interesses alheios, cabendo ao administrador tudo fazer para que os mesmos não fiquem por satisfazer45 . O administrador age tendo em vista os interesses exclusivos da sociedade, procurando satisfazê-los e abstendo-se, portanto, de & % 4$ !" # < " > F !" ( 0 2 < ' A business judgment rule no quadro dos deveres gerais dos administradores, Ob. cit, p.210. ! ! ' # 987) AQ6* &#& ! > # R B !" " > ( / I 3 4 & % "4#
  • 31. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ promover o seu próprio interesse ou o de terceiros, em prejuízo do interesse social46 . O dever de lealdade do administrador funda-se no estatuto ético- jurídico da sua própria função, de que é elemento constitutivo, por isso o qualificamos como um direito irrenunciável. É uma lealdade qualificada perante a sociedade, não susceptível de graduação nem tão-pouco de ponderações de rentabilidade económica, constituindo-se, pois, como matriz de proscriação de actos de administração que envolvam vantagens pessoais para o administrador mas que se mostrem conflituantes com o interesse social47 . É, ainda, possível a subdivisão deste dever em vários deveres. A saber: 1) prossecução contínua do interesse social; 2) a proibição de utilização do nome e de oportunidades de negócio da sociedade em proveito próprio; 3) a obrigação de não actuação em caso de conflito de interesses; 4) o dever de comunicação da ocupação de cargos em sociedades concorrentes; 5) o dever de segredo, entre outros. A sua violação conduz sempre a uma responsabilidade civil perante terceiros. No entanto, cremos que se os exemplos, quotidianamente, aceites sem discussão48 , estivessem positivados na letra da lei, este dever de lealdade estaria muito mais protegido. A ? ! ! C< S* ! H ! , ! * D . H ! "##&! %% A O4K L"K L%K 5 Q 5 LCK 7 EK -5,
  • 32. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ 3.1.2.Dever de Cuidado O dever de diligência português plasmado no art.64.º do Código das sociedades Comerciais, teve a sua influência no direito alemão [AktG §93(1)]49 , o qual estabelece que: “Os membros da direcção têm de empregar na sua gestão o cuidado [ou diligência] de um gerente de negócios ordenado e consciencioso” (Die Vorstandsmitglieder haben bei ihrer Geschäftsführung die Sorgfalt eines ordentlichen und gewissenhaften Geschäftsleiters anzuwenden50 . Parte da doutrina refere-se a um dever de gestão, decorrente do §76AktG, enquanto a outra parte se refere a um dever de diligência, dentro do qual é aceite a existência de um dever de vigilância e de intervenção, delimitado pelo interesse social e decorrente do §93AktG o qual é interpretado como uma norma de previsão geral e de concretização da ilicitude e da culpa. A importância que o dever de cuidado assume no seio do direito germânico é de tal forma relevante que há quem questione a sua supremacia sobre o dever de lealdade. Na Alemanha, em casos de negligência, o administrador fica isento de responsabilidade, se demonstrar ter agido dentro da chamada razoabilidade empresarial, ou seja, à esfera de gestor ordenado e consciencioso acrescenta-se um outro campo de acção, dentro do qual poderão ocorrer actuações desprovidas de ilicitude. Q8*092 ; G < " " I % ! * B! &&! "##&! F ! CE4 E# A 1 S > F! ! "##! %C %E
  • 33. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Já se viajarmos até aos Estados Unidos, constatamos que a BJR é uma regra de ‘limitação’ da responsabilidade dos administradores, divergindo, no entanto, a doutrina, acerca da sua essência: estaremos perante uma cláusula de exclusão da responsabilidade (posição jurisprudencial) ou perante um pressuposto (de licitude) dessa mesma responsabilidade?51 No direito inglês, o dever de cuidado encontra-se subjacente a uma responsabilidade civil por negligência, ou seja, o sistema caminha claramente para os deveres fiduciários52 , de tal forma que institui como regra que todas as situações que originem uma probabilidade inerente de violação do dever de actuação de boa fé são automaticamente apreciadas como se a violação tivesse efectivamente ocorrido53 . De certa forma esta obrigação de diligência plasmada na versão actual do art.64.º, do CSC, traduz-se numa concretização do ‘Dever de Cuidado’, enquanto obrigação/dever-agir (diligence) de prosseguir o interesse social. A função deste dever de cuidado (diligence) como complemento ao dever de lealdade, consiste na faculdade dada aos administradores de provarem a licitude do seu comportamento, mediante todo o procedimento utilizado, mesmo que o património social seja afectado pelo resultado por essa mesma actuação, salvo se as suas decisões tiverem sido desajustadas, pouco cuidadas e parcas em informação adequada. ! @ 3 4 & U 7E<2 F0 * 0! $%! "##C > OQQ> D D > @ / D D D I D - ! "##$Q"##=! CE< S , J A K! ! "##&! C<! &=
  • 34. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ O Direito Anglo-Saxónico não separa a ilicitude da culpa. O dever de cuidado exprime regras de conduta justificativas de uma não censura à actuação dos administradores, afastando dessa forma uma responsabilidade negligente54 . Idêntica foi a maneira como pensaram os legisladores italianos e espanhóis, quando aceitaram a existência de um dever geral de diligência — dever de administrar com diligência55 . O artigo 2392º do Codice Civile italiano determina que a diligência deve atender a um critério objectivo — directamente relacionado com a natureza da função — e a um critério subjectivo — relacionado com a competência do administrador56 , encontrando-se expressamente previsto no art.2381º/6, do CCi, o dever de agir informado. Igualmente na senda do defendido pela jurisprudência norte- americana, também no direito italiano não existe uma apreciação judicial do comportamento do administrador pelo mérito da causa, não podendo o juiz sindicar com base em critérios de discricionariedade, oportunidade e conveniência mas tão-somente com base no padrão de diligência exigido57 . Da mesma forma pensou o legislador espanhol. Através do art.127.º espanhol sabemos que, “1º. Los administradores desempeñarán su cargo con la diligencia de un ordenado empresario y de un ordenado empresario y de un representante leal; 2º Cada uno de los ' % % C<$ EE ! K = O 9/B1! 4==C E& ! B D A H V .! ! "##! C" & % =<
  • 35. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ administradores deberá informarse diligentemente sobre la marcha de la sociedad” 58 . Estamos, pois, diante de um dever de comportamento a que os administradores estão compelidos ante a sociedade e cuja característica mor assenta na necessidade de actuação em conformidade com o padrão de conduta intrínseco às suas próprias funções. Esta indeterminação de um padrão comportamental uno explica- se facilmente pelas próprias características da gestão societária. Estabelecer ex ante todos os comportamentos que os administradores devem seguir no desempenho das suas funções não só é impraticável (dadas as especificidades de cada tipo societário) como totalmente improcedente59 . Este dever de cuidado parece inclinar-se para uma conduta necessariamente orientada para a protecção do interesse social, o qual é agora visto em termos mais amplos do que o considerado anteriormente pelo art.64º, do CSC., abrangendo para além dos interesses dos sócios e da sociedade, os interesses de terceiros. O dever de cuidado é assim uma cláusula geral residual, a funcionar como barreira ética que o administrador deverá ter sempre em linha de conta — função preventiva do próprio dever — afastando desta forma qualquer tipo de conflito de interesses (administrador/sociedade) que possam vir a surgir no decurso da acção administrativa. É sem dúvida uma aproximação clara às doutrinas da Common Law de inspiração anglo-saxónica e norte americana. Os deveres de cuidado dos administradores são reconhecidos à luz do direito de Delaware, autonomamente. No entanto, é E$ F F G A B , ! B , ! "##C! 4%& E= . ! F ! G >! 2 ! "##E! "<
  • 36. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ reconhecidamente consensual a influência que tiveram no contexto da Business Judgment Rule60 . Também os Princípios da OCDE autonomizam estes deveres, em relação aos deveres de lealdade (Princípio VI.A). Portugal conferiu-lhe especial dignidade legislativa, em 2006, com a nova Reforma do Código das Sociedades Comerciais, onde se encontram consagrados separadamente enquanto deveres gerais (art.64.º, n.º1, als. a), e b), do CSC). O Dever de cuidado, tem por escopo fazer com que os administradores exerçam as suas funções mediante o recurso a padrões de elevada diligência, conhecimentos e gestão adequados às atribuições que lhes foram definidas, não descurando a prudência (racionalidade empresarial) que o cargo acarreta61 . Para que cumpram escrupulosamente este dever, os administradores são compelidos a prepararem cautelosamente as suas decisões, recorrendo a especialistas, quer dentro quer fora da sociedade, e organizando todo o processo decisório de forma a que a decisão final possa ser (pelo menos) procedimentalmente correcta. Impõem-se em todas as vertentes da administração. Poder-se-á mesmo dizer que são estes deveres que englobam “a universalidade dos deveres de comportamento62 , de que a disponibilidade do administrador é um exemplo recorrente. Igualmente nesta diligência de um gestor ordenado e criterioso, a influência anglo-saxónica está bem presente. Identicamente O Model Business Corporation Act norte-americano, adoptou como critério para a ' 8C#4 ! B F0 D % E" E% , % B ) A B ! 2 1 D S ! ! "##<! 4&$
  • 37. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ apreciação da conduta dos administradores, a actuação que uma pessoa ‘normal’63 , colocada na mesma posição, adoptaria64 . Em suma, não se pretende, aqui, impor aos administradores uma qualquer obrigação de resultado, relativamente às consequências da sua actuação, mas sim uma obrigação de meios, relacionada com o modo como devem desempenhar as suas funções65 . Saber se um administrador foi, efectivamente, cuidadoso em determinadas situações mais periclitantes, pede que tenhamos em atenção, o tipo de sociedade que se encontra em causa, o seu objecto, dimensão, a importância e o tempo que o administrador dispõe para a tomada da decisão, a especialidade e as próprias funções do administrador, designadamente se é executivo ou não executivo66 . A doutrina vai mais além com Coutinho de Abreu, a entender que o elenco apresentado é manifestamente deficitário. Para este autor a orgânica do dever de cuidado seria mais harmoniosa com a sua própria génese (diligência) se o perspectivássemos enquanto 1) Dever de controlo ou vigilância organizativo-funcional; 2) Dever de actuação procedimentalmente correcta para a tomada de decisões; e 3) Dever de tomar decisões, substancialmente, razoáveis67 . C$%3! . /) 4$& . /!" I ! "##&! C& Corporate Governance-Responsabilidade civil de administradores não executivos, da comissão de auditoria e do conselho geral de supervisão, Ob. cit., p.52; Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, Ob. cit. ' F / H W B ! 1 ! 4===! C%4 . ,7 ? B - ! J K! J > K , L ! % H % "=! . O4K T L"K L
  • 38. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Já Calvão da Silva, entende muito clara e objectivamente que o cuidado de um administrador deve ser sempre visto enquanto “dever fiduciário de cuidado próprio de gestor razoável posto nas mesmas funções e circunstâncias, tendo em conta os conhecimentos especiais e a competência técnica razoavelmente esperáveis de um profissional capaz, sensato, sagaz, avisado e zeloso em face do condicionalismo próprio do caso concreto; no fundo o escalão objectivo e tipicizado do “bonus pater famílias”da profissão em apreço, com a diligência a dever apreciar-se em relação à natureza da actividade, traduzido pelo padrão, de origem teutónica, do gestor consciencioso ou criterioso e ordenado”. Analisando sob uma perspectiva mais ‘socio-económica’ (chamemos-lhe assim), as normas de responsabilidade desempenham a mesma função preventiva68 , que se aprecia individualmente na responsabilidade em geral, mas, aqui, assumindo um papel indispensável na orientação da conduta a adoptar para a prossecução do cumprimento dos deveres de cuidado, ou se quisermos, “a resposta do %K LCK L EK , 9 ! ! O , + > B . , > 9 , 5 5 ? ' O ! ! ! ! 7 ! ! , - J ; K % J A !L B ! "##E! <# <4
  • 39. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ legislador à separação entre propriedade e gestão”, que Berle e Means abordaram pela primeira vez em 1932 69 . Daqui se depreende que deveres de cuidado demasiado restritivos podem provocar reacções indesejáveis, uma vez que os gestores ao temerem uma acção de responsabilidade por uma decisão errada, tendem a decidir pelo seguro, afastando-se da racionalidade empresarial. E todos sabemos que decisões sem risco minimizam as hipóteses de lucro, não beneficiando os interesses dos sócios. Citando a jurisprudência de Delaware dizemos que: “Shareholders don’t want or shouldn’t rationally want directors to be risk averse. Shareholder’s investment interests, across the full range of their diversifiable equity investments, will be maximize if corporate directors and managers honestly assess risk and remand and accept for the corporation the highest risk adjusted returns available that are above the firm’s cost of capital”70 . Com a business judgment rule, os administradores não são responsáveis pelas suas decisões, desde que demonstrem ter agido, municiados de todos os elementos informativos disponíveis ao tempo, dentro dos limites inerentes à sua própria função, e no exclusivo interesse da sociedade. O dever de cuidado (diligence), visto à luz da BJR nada mais será que a vontade de cumprir uma obrigação com interesse e prontidão. Na prática, a BJR é a antítese da culpa, da negligência ou sequer da imprudência, por isso propendemos a vê-la como uma cláusula de exclusão da ilicitude e não tanto como uma exclusão da culpa. K 3 4 & / ( < < "##4 D ! %#
  • 40. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ A BJR tem uma dimensão positiva, na medida em que estabelece uma obrigação de fazer71 , contrariamente ao dever de lealdade cujo conteúdo é mais negativo. Neste último, os administradores são, igualmente, responsabilizados por omissão, e todos têm um dever geral de vigilância72 . O administrador tem o dever de agir de “boa fé”, no sentido de desprovido de qualquer interesse próprio que prejudique directamente o interesse social73 e com o cuidado e a prudência que lhe são expectáveis pelo exercício das suas funções, designadamente reunindo toda a informação que entenda suficiente para fundamentar a decisão a adoptar. O que aqui se tem em consideração não é tanto a quantidade de informação disponível mas sim a qualidade da mesma, até porque será sempre impossível prever todos os caminhos possíveis74 . Ao actuar desta forma, está a cumprir os três grandes requisitos basilares subjacentes a esta regra procedimental. São eles: Não estar pessoalmente interessado no assunto que se encontra subjacente à tomada da decisão; Ter-se informado previa e devidamente acerca da decisão que pretende implementar acreditando ser, a melhor, atentas as circunstâncias; e, Racionalmente estar convencido que a sua decisão vai de encontro aos melhores interesses da sociedade, mediante recurso a princípios de racionalidade económica – obtenção de um determinado <4 BB 22! * A ! D/9G! ! B ! "##<! "" <" ! K / = / ' O) ! 4==" @ & ; B > ! "##<! 4E& @ & ; B > ! "##<! 4"#
  • 41. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ fim com o mínimo dispêndio de meios – ou o princípio do máximo resultado – obtenção com determinados meios do máximo grau de realização do fim. Evidentemente que a BJR não contempla, todas aquelas acções que culminem em fraudes, interesses próprios e/ou vantagens patrimoniais pessoais do administrador em virtude da utilização indevida dos bens corpóreos da empresa. Acções como estas já não caem dentro do âmbito de aplicação ou de protecção da BJR, prosseguindo nos carris normais do poder judicial. Em conclusão, no âmbito da BJR não existe responsabilidade por negligent substantive reasons. A responsabilidade restringe-se a situações de gross negligence ou decisões irracionais75 . 3.2. Deveres específicos – art.72.º, n.º1, do CSC Sem pretendermos entrar na já muito conhecida questiúncula doutrinal que opõe desde sempre civilistas e comercialistas acerca da controversa questão de saber se a verdadeira relação entre administrador e sociedade se encontra alicerçada ou não no mandato76 , o certo é que à luz do direito societário vigente, o n.º1, do art.71.º,do CSC consagra uma clara manifestação de responsabilidade contratual, decorrente do Responsabilidade civil dos administradores perante os accionistas, Coimbra, 2001, p.25. A ? ! L ! ? @ , B 5 ? ! 5 > 6 ,
  • 42. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ contrato de sociedade e do contrato de gestão, cuja natureza varia entre a violação dos vínculos provenientes do contrato do administrador77 e a violação de obrigações inerentes à sua própria função78 . Da letra da lei, extrai-se a ideia que os administradores respondem perante a sociedade relativamente a danos causados a esta, por factos próprios (actos ou omissões) violadores da lei ou dos estatutos, em sintonia com o que as regras gerais do direito civil já prevêem para esta matéria, mormente nos arts.798.º e 799.º, n.º1, do Código Civil, salvo se provarem que agiram sem culpa79 . No âmbito da responsabilidade civil contratual, a lei determina, pois, a inversão do ónus da prova. Estamos perante uma presunção iuris tantum (clara) de culpa a qual, é insusceptível de ser substituída por qualquer outra interpretação tendente à desnecessidade de prova de culpa. Se assim não entendêssemos estaríamos “a consagrar uma responsabilidade objectiva dos administradores, contrária ao sistema geral da responsabilidade civil portuguesa”80 . A responsabilidade recairá, pois, sobre os titulares do órgão administrativo e não sobre o órgão propriamente dito81 . ( ) & ( > A ( 1 ? ) :4="74=E;! 4"# ' F ! 4===! C=% 6 > " F " > < > # > # > F ! !L % E=C B . /!" 1 & % &$! 44< , G :6P P9 ( /!" 0H2I 1 D/9G! B ! "##%! <<! "##$K
  • 43. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Dentro deste preceituado legal, encontram-se contidos os pressupostos gerais exigidos para a responsabilidade civil por factos ilícitos, os quais, recordemos, são: 1) A ilicitude do comportamento praticado, ou simplesmente omitido por um administrador (ressalve-se que dentro deste âmbito a omissão também releva para efeitos de ilicitude82 . “Todos os comportamentos (ou omissões) na actividade societária que sejam reveladores de imprudência, esforço ou atenção insuficientes por parte dos titulares do órgão de administração ter-se-ão por ilícitos”83 . 2) A culpa presumida, diga-se, salvo se o administrador provar ter agido sem culpa; 3) O dano infligido à sociedade na sequência do seu comportamento; 4) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) ilícito e culposo praticado pelo sujeito (administrador) e o dano causado ao património social84 . Pelo disposto no n.º1, do art.72.º, os administradores estão, assim, compelidos a exercerem um conjunto variado de comportamentos, muitos deles directamente impostos pela lei e os restantes pelos estatutos ou pelo contrato, sob pena de incorrerem em 3"! <"3! A B > ! ! , ! ? T & ! B ! "##< , G% B I % 4&< + ! B ! 4===! EE / O 5 -5,
  • 44. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ responsabilidade civil apreciada nos termos gerais, sem lugar, a qualquer regra de decisão empresarial para os justificar, nomeadamente a plasmada no art.72.º, n.º2, do CSC. Em casos de extrema gravidade, a incapacidade ou a inaptidão do administrador para o desempenho normal das suas funções (art.257.º, n.º6, e 403.º, n.º4, ambos do CSC) pode redundar, inclusive, em causa de destituição com justa causa85 . Desta primeira leitura conjugada do art.72.º, n.º1, com o n.º2 à qual juntamos os princípios gerais da responsabilidade civil é plausível e razoável considerar que o escopo da BJR no ordenamento jurídico português pode perfeitamente consistir numa cláusula de exclusão da culpa dos administradores86 . Mas será exactamente assim? Adiante explanaremos. 3.3. O acolhimento da BJR pelo CSC Não é fácil estabelecer a ligação dos deveres de cuidado (típicos da Negligence Law) com o critério do gestor criterioso e ordenado vigente no art.64.º, n.º1, do CSC, e a elisão de presunção de culpa prevista no n.º1, do art.72.º, do CSC87 . * A ! ! "##<! %4 ' G I % B ()* ? +* A "##& ' ! > / ? > ! ! ! ! 7 + ? ! ! ! ? L ! 5> ! ! ! > > - ()*! ! !
  • 45. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Ainda assim, em 2006, o legislador português entendeu por bem, ao abrigo dos deveres de cuidado, introduzir um novo n.º2 ao art.72.º, do Código das Sociedades Comerciais, “2. A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial”. O qual naturalmente muito se justifica pela globalização dos mercados financeiros, mormente o mercado de capitais, largamente dominados pelos padrões anglo-americanos88 , designadamente pela lei do Delaware, vulgo BJR. No entanto as diferenças estruturais do sistema de “origem” e o sistema de “acolhimento” levantaram várias dificuldades ao legislador nacional. Em primeiro lugar foi necessário apreender que no sistema de Delaware onde a BJR surgiu não existe separação entre ilicitude e culpa89 , o que num sistema jurídico como o Português (que dificilmente trabalha sem esta distinção) dificulta, muitíssimo a sua mentalização e interpretação. P F N! 5 &C3 % H ! %< ! ! . 5 3 +)P ( 1 / A * ! 3"! "##=! E4 B / 0 , D JN0> > 0 ! > X > X - > X 0 > > N! 3 4 % E"
  • 46. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Na consulta pública lançada pela CMVM, a propósito da reforma do CSC, e do novo n.º2, do art.72.º, é possível ler-se: “Qualquer reforma legislativa actual sobre a posição jurídica do administrador deve implicar uma tomada de posição sobre a consagração da chamada business judgement rule, de inspiração norte- americana. Como é sabido, estabelece-se aí uma presunção de licitude da conduta em favor dos administradores, desde que reunidos certos pressupostos (…). Visa-se assim potenciar (ou não restringir) o sentido empresarial e empreendedor de actuação dos administradores” 90 . Em segundo lugar procedeu-se a uma inversão do ónus da prova, impondo ao administrador a demonstração que a sua conduta não foi ilícita, pois cumpriu todos os pressupostos pré-determinados91 . Por fim, em terceiro e último lugar, a business judgment rule passou a ser aplicada indistintamente à responsabilização do administrador perante a sociedade e também perante os sócios, credores e stakeholders92 . Acima de tudo, o mais importante é compreender que o direito societário é um direito cada vez mais internacional, não apenas pelas influências que absorve mas também por todo o sistema de mercado único em vigor dentro do espaço da União Europeia (onde vigora o sistema de Delaware) e ao qual não só não podemos fugir como temos que actuar em conformidade. & % "% 2 7 ! + * ! , + @ ! 121! - + ()*O G !" !" < B # ! ( # I 3 +)P ( 1 % C4
  • 47. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Com esta nova (arcaica noutros ordenamentos jurídicos) regra, consagra-se legislativamente a exclusão da responsabilidade dos administradores, desde que se prove que “a sua actuação foi feita em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial”93 . Esta faculdade de exigir e de obter informação, assume uma importância vital no contexto da BJR. A BJR entende que existem determinadas circunstâncias que “absolvem os administradores da responsabilidade, mesmo que a administração exercida não tenha conduzido a resultados positivos e possa mesmo ter-se revelado danosa para os interesses da sociedade”94 . Antes da consagração legal em 2006, vária já era a doutrina que defendia entusiasticamente a BJR, e alguma jurisprudência também já a referia95 . O ‘fervor’ com que é recebida pela doutrina e jurisprudência advém da harmonia que estabelece entre as características próprias, livres e discricionárias da actividade desenvolvida pelo administrador e, a não subsunção completa, desta actuação ao Direito e a uma eventual responsabilização. Administrar não é uma tarefa fácil; pressupõe saber manter um ténue equilíbrio entre a manutenção do património social e o seu próprio crescimento. Isto implica, necessariamente, uma resposta pronta e rápida aos impulsos que a vida societária impõe continuamente. PJYK 3" <"3 A ! 8=%QD! " BZH > > JYKN! ' / ! 4%$! "##&! DDD! CE# & J < * B ! E<! 4==<! &"C ' A %[ 2 5 F ! "<Q4#Q"##%! H ! "##&! =
  • 48. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Os riscos que um administrador enfrenta são parte integrante do seu quotidiano, estando os mesmos dependentes de múltiplos factores, não sendo, por isso mesmo, justo ter-se como regra para a assunção da responsabilidade simplesmente o resultado da sua actuação. A preservação do risco empresarial (a nosso ver, regulado) é o segredo da Boa Governação societária, “L’esprit d’entreprise, c’est aussi la prise de risque”96 , não devendo, jamais, ser ignorado. O legislador nacional, sufraga a mesma opinião - art.64.º, n.º1, al. a), do CSC, ‘aplicando’ ao administrador um dever de cuidado ao qual se junta a disponibilidade pessoal, a competência técnica, o conhecimento adequado da sociedade e ainda toda a diligência inerente à condição própria de um gestor ordenado e criterioso. Daí, dizer-se que “para a lei a má administração, a ilicitude da conduta do administrador que não se conforma com as aludidas exigências, não representa um ‘ilícito de resultado’ mas tão-só um ‘ilícito de comportamento’97 . 3.3.1. Conteúdo A verdade é que a BJR cria uma protecção especial aos administradores que agirem devidamente informados, livres de qualquer interesse pessoal e dentro dos critérios de racionalidade empresarial, pese embora, e por força da inversão do sentido original da norma no Z B U > ' K 3 4 & / ( < < "##4! 5 -5, ? L) 5 ! - 9 > % ""4
  • 49. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ ordenamento jurídico português, caiba ao mesmo administrador elidir a presunção de ilicitude e/ou de culpa que sobre si recaia98 . Esta realidade em nada tem a ver com o não cumprimento das obrigações gerais dos administradores no desempenho das suas obrigações naturais, vulgo obrigações e deveres advenientes dos estatutos, contrato de sociedade ou até mesmo da própria lei. Implicitamente o escopo fundamental da BJR é estimular a iniciativa — desde que devida e compreensivelmente informada —, potenciar o sentido empresarial e empreendedor dos administradores na direcção da sociedade, desenvolvendo um escudo protector à volta das decisões adoptadas, ainda que posteriormente se venha a comprovar que tais decisões não se revelaram as mais correctas do ponto de vista económico da própria sociedade, frustrando o seu escopo principal, ou seja, o lucro. Os bons resultados são o móbil de qualquer administrador zeloso e dedicado. No entanto, não são os resultados de per si, que definem uma boa ou má administração. Na realidade o controlo que a ordem jurídica exerce sobre o administrador incide, essencialmente, sobre o modo como este administra, sobre a actividade em si mesma, numa palavra, sobre o procedimento próprio subjacente à actividade. Esta é a questão basilar da BJR. Recorrendo a esta norma, a actividade do administrador torna-se insindicável, bastando para isso, que determinados pressupostos sejam cumpridos. No fundo estamos perante uma regra que acaba por delimitar um espaço livre de responsabilidade. G 3"! <"3! A ! , - + ! " & % "%
  • 50. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ A BJR é, como já repetidamente dissemos, uma regra de decisão empresarial. Queremos com isto dizer que o mérito de certas decisões não é julgado pelos tribunais com base em critérios de razoabilidade, mas antes de acordo com um critério de avaliação restritivo, o qual assenta na racionalidade ou irracionalidade da decisão, ou quanto muito na (i)razoabilidade de uma decisão racional, mas nunca sobre a razoabilidade de uma decisão irracional99 . 3.3.2. Fundamentos O administrador tem como corolário implícito o direito e o dever de estar informado na linguagem civilística, falamos de uma obrigação de resultado e não apenas uma obrigação de meios100 sobre os negócios e sobre a actividade da sociedade, exigindo e recolhendo informações. Neste campo não basta desenvolver os melhores esforços para que tal aconteça, é realmente necessário que as informações existam. Esta consagração do dever de obter informações é tanto mais importante se a tivermos em linha de conta com a BJR. Na verdade as decisões empresariais informadas, e que cumpram os restantes pressupostos do n.º2 do art.72.º do CSC, têm-se por excluídas de responsabilidade civil, ainda que o resultado final originado pelas mesmas não tenha sido o almejado. 7 5 ! Q , , ' & % CE & S + - 5 7 ! T O -! ! ! % E& % !L
  • 51. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ É entendimento generalizado entre a doutrina e a jurisprudência adeptas desta cláusula que, mesmo os administradores mais dedicados podem tomar decisões que caso venham a ser apreciadas a posteriori, conduzem a interpretações díspares das que de facto aconteceram, o que pode, eventualmente, conduzir a um caminho de responsabilidade civil por negligência, o qual consideramos não ser o mais correcto. Senão vejamos: Na óptica da BJR os juízes não são gestores, não dispondo, regra geral, do saber necessário em matéria empresarial para se fazerem substituir aos administradores na avaliação póstuma das decisões empresariais. Por outro lado, a assunção de riscos é um critério umbilical à própria função de administrador e à tomada de decisões empresariais. Defendem, igualmente, os adeptos desta corrente de pensamento, o nefasto que seria para as sociedades comerciais, as decisões dos administradores estarem sempre a ser postas em causa pelos accionistas. A verdade é que o poder conferido aos administradores não é um poder dos accionistas, mas sim um poder próprio, inerente, intrínseco às funções que desempenham. De outra banda, não pode tão-pouco o administrador encontrar- se em permanente temor reverencial sobre se determinada posição pode, ou não, resvalar numa eventual acção de responsabilidade. Se assim fosse, então não restariam grandes dúvidas que os administradores deixariam de decidir com base num espírito empresarial aguerrido, vocacionado para o lucro e para o crescimento empresarial, uma vez que, comummente, estas são decisões que arrastam consigo algum risco, risco esse sempre desprovido de qualquer garantia pessoal, o que levaria a que, por questões de segurança, optassem por decisões pouco ambiciosas mas cuja garantia pessoal se encontrasse desde o início salvaguardada.
  • 52. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Fazendo um pequeno exercício, será caso para questionarmos, se de certa forma a obrigatoriedade de tomar decisões desprovidas de qualquer interesse pessoal, não estaria, também neste caso, igualmente posta em causa. Vejamos melhor: Perante duas opções, ambas dentro do mesmo contexto empresarial, muito embora uma bem mais arriscada que a outra, o administrador (apesar de se encontrar munido de toda a informação necessária para poder optar pela mais arriscada, cujo retorno redundava em bons lucros empresariais), opta pela menos arriscada, pois entende que devido ao risco empresarial existente, pode vir a ser prejudicado pessoalmente, ‘preferindo’ prejudicar a sociedade que por dessa forma perdeu uma excelente oportunidade de negócio. Seria possível ao mundo societário, sobreviver muito tempo a uma pressão desta natureza? Crêem os defensores da BJR que obviamente, não! 3.3.3.Pressupostos de Aplicação O legislador português previu e contemplou a BJR no n.º2, do art.72.º, do CSC. A BJR, não poderá ser aplicada nas situações subsumidas dentro do Dever de Lealdade art.72.º, n.º1, do CSC , mas apenas e tão-só quando estiverem em apreciação comportamentos tidos pelo administrador dentro do contemplado pelo Dever de Cuidado, e desde que se encontrem cumpridos os pressupostos consagrados no n.º2, do mesmo preceito legal.
  • 53. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Assim para que a BJR possa ser aplicada, três condições formais e cumulativas terão que se verificar. A saber: 1) Tem que haver uma acção por parte do administrador; a decisão tem que existir e ser consciente; se nos ficarmos apenas perante uma abstenção, omissão por simples ignorância ou somente uma não actuação, este primeiro requisito não se encontrará preenchido; 2) É necessário, diremos mais, é fulcral, que o administrador cumpra as normas procedimentais, designadamente que se encontre devida e correctamente informado, antes da tomada de decisão. Esta acção tem que pressupor e estar subjacente com as informações recolhidas para esse mesmo fim Um administrador diligente deve estar sempre informado, criando circuitos de informação interna permanentes, e eventualmente recorrendo meios de informação externos, sempre que esteja em causa uma decisão de maior relevo. 3) A decisão terá que ir, sempre, ao encontro do interesse social da empresa, não podendo o administrador, nem pessoas próximas a si, encontrarem-se em situação de conflito de interesses com a sociedade relativamente ao objecto da decisão101 . Se estes três requisitos forem preenchidos, a regra diz-nos que o mérito da decisão não será julgado de acordo com o padrão da 9 @ 7 ' ! 7 O4K? L"K ! ! - L%K 4K "K ! - B F0 D ! 2 D! 4<"74$&L ) @ 3 4 & .
  • 54. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ oportunidade, sagacidade e adequação, mas segundo um modelo de excepcionalmente limitado, registando-se violação do dever de cuidado apenas se a actuação do administrador, ou melhor, se a acção do administrador se revelar irracional. Estes três requisitos constituem não apenas comandos a cumprir por parte dos administradores mas também, comandos que o juiz deverá ter em conta na apreciação das decisões e ponderação dos critérios de ilicitude e de culpa perante uma acção de responsabilidade por violação dos deveres de cuidado. Queremos com isto dizer que, chegados a este ponto, apenas se afastará a aplicação da BJR, no caso, De algum ou todos os três requisitos não terem sido verificados, e nesta circunstância a actuação do administrador passará a estar sujeita a uma avaliação judicial, susceptível de um juízo de mérito, ou, Se os resultados não se revelarem os mais adequados produzindo danos e/ou a actuação do administrador se mostrar completamente irracional, obstaculizando qualquer explicação lógica ou coerente102. B ! - ! ! 5 - . 7 ! ()* ! ! ! ' 0 "! #12#%3# 4 "# ! 5! 6%! !7 3#%0 !8 !0 "! %6$% 11# ! ! P ! ! ! JYK . NL 0! 6 %3# 6# "8 4# !" ! 0 "! 3% 3# %0 95 #"" ! ! . ? ' ! 7 . > B ! ! . K ( 9 ! AB! $4
  • 55. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ 3.4.A Business Judgment Rule e a sua articulação com o art.72.º, n.º1, do CSC Para que possamos, realmente, entender o verdadeiro sentido da BJR no ordenamento jurídico português, é absolutamente necessário articulá-la com o disposto no n.º1, do art.72.º, do CSC. São várias as possíveis linhas de orientação para interpretar esta articulação. De um lado temos quem vê o n.º2, do art.72.º, do CSC, como uma limitação à presunção de culpa existente no n.º1 do mesmo preceito legal, enquadrando-o na matéria da culpa, acabando este por suavizar a presunção iuris tantum prevista no n.º1. De outro lado surgem-nos os que vêem o n.º2, do art.72.º, do CSC, como uma causa de exclusão da responsabilidade, circunscrevendo-o na matéria da ilicitude. Diz-nos a letra do n.º1, que “os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados, por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”. Estamos desta forma no campo dos deveres gerais de cuidado e de lealdade contemplados na lei, no contrato e/ou nos estatutos. No fundo, estamos no campo dos comportamentos, acções e/ou omissões, gerais e comuns a todo o universo societário. Neste domínio, não há margem para aferir a licitude do comportamento, pois a partir do momento em que o mesmo não foi executado em conformidade é automaticamente ilícito, sobejando apenas ao administrador a possibilidade de provar ter agido sem culpa. Já no n.º2, do mesmo preceito legal, o espírito do legislador é bem diferente.
  • 56. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Consciente que o mundo societário é um mundo impossível de tudo prever, o legislador concedeu uma margem de discricionariedade ao administrador, onde este poderá exercer as suas funções licitamente e sem receio de vir a ser responsabilizado. No entanto, esta pequena liberdade concedida ao administrador não é totalmente isenta de deveres. Mesmo num campo discricionário, o legislador procurou definir regras e padrões de comportamento uniformes. Foi por isso que determinou três pressupostos imperativos e cumulativos sem os quais o administrador não pode fazer uso da BJR. Provando o cumprimento desses três pressupostos, o administrador está a excluir a ilicitude do seu comportamento, e consequentemente a culpa, uma vez que não havendo ilicitude de comportamento não haverá, necessariamente culpa. Estamos assim perante uma cláusula de exclusão da ilicitude — e/ou da culpa, consoante a doutrina —, contrariamente ao que acontece no n.º1 do art.72.º em que se parte imediatamente de um comportamento ilícito, restando somente averiguar a culpa ou não do administrador. No n.º2, do art.72.º, do CSC, o comportamento do administrador é lícito desde que este prove ter cumprido os pressupostos exigidos, ao passo que no n.º1 do mesmo artigo, o comportamento é sempre ilícito restando ao administrador provar ter agido sem culpa. Encontrando-se a BJR directamente ligada a uma (boa) administração, a uma administração livre de interesses pessoais e tão- −somente no exclusivo interesse da sociedade, é natural que a sua formulação faça referência, aqui e ali, ao dever de lealdade. Todavia, na apreciação da BJR a lealdade apenas interessa enquanto pressuposto para a insindicabilidade do mérito da decisão em função do resultado lógico do interesse social.
  • 57. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ Na BJR o que está em causa é o controlo do mérito de certas medidas da administração — controlo procedimental, portanto —, mormente a inexistência de um interesse pessoal na escolha de determinada decisão, e não a lealdade em si mesma. E se a informação, alicerce da decisão tomada, for erradamente transmitida? Pese embora não tenhamos entre nós a doutrina anglo-saxónica da reliance103 , há que pensar que os administradores possam confiar na veracidade das informações que lhes são prestadas, salvo se tiverem tido conhecimento que essas mesmas informações padeciam de alguma espécie de vício. No entanto, tal não exclui o dever de um exame minucioso e critico a todas as informações recebidas. A BJR não se aplica, pois, às situações subsumidas dentro do dever de lealdade ou dos deveres específicos legais, estatutários ou contratuais (art.72.º, n.º1, do CSC), uma vez que situações desta natureza não nascem no seio da discricionariedade e do risco empresarial que o administrador possui ao exercer a sua actividade. Estas são, ao invés, decisões vinculadas, em que a sua actuação muito embora seja, igualmente, realizada no interesse da sociedade, é no entanto exercida com base no cumprimento dos deveres especificamente contemplados na lei, nos estatutos ou no contrato. É esta categoria de casos que explica muitas vezes a opção pela aplicação do art.72.º, n.º1, em detrimento do seu n.º2. /) ' 0 R M! "##%! 4!=" 4=%LB 7 8C#"!
  • 58. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ 3.5. A Dupla função da Business Judgment Rule Uma das especificidades da BJR é conseguir operar, em simultâneo, em dois níveis distintos. Se por um lado evita que as decisões tomadas, pelos administradores, sejam submetidas a uma apreciação judicial, a qual seria sempre feita num momento ulterior e (eventualmente) já na posse de dados não conhecidos no momento da realização do facto concreto, por outro lado, protege os administradores de um regime de responsabilidade pessoal adveniente dos danos que as suas decisões podem originar. Na sua primeira grande tarefa, a business judgment rule visa evitar que as decisões empresariais, adoptadas num determinado contexto e espaço temporal, sejam ‘reformuladas’, ou se quisermos, submetidas a uma apreciação judicial póstuma, com vista à averiguação, ou não, de uma possível infracção ao dever de cuidado. O que se pretende é acautelar juízos de oportunidade, por parte de quem se encontra incumbido de apreciar situações de hipotéticas violações aos deveres de cuidado por parte dos administradores, vulgo o juiz. Na verdade, a primeira grande função da BJR é precisamente evitar que os processos de aferição de infracções ao dever de cuidado, dentro do âmbito tutelado pelo art.72.º, n.º2, do CSC, culminem numa reformulação ou substituição material das decisões tomadas pelos administradores, pelos juízes, os quais se pronunciarão, inevitavelmente, num momento posterior ao da ocorrência dos factos e tenderão a ser influenciados por dados impossíveis de conhecer ao tempo em que a decisão foi tomada, designadamente o resultado dessa mesma decisão. A segunda função da BJR tem por escopo estimular os administradores a não temerem a aceitação do cargo. Na realidade, ao contemplar um conjunto de pressupostos processuais a cumprir por parte
  • 59. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ do administrador durante o seu processo decisório, contribui para a redução do risco dos administradores responderem por eventuais danos causados ao património social em virtude de uma decisão falhada mas cuja conduta procedimental foi totalmente de encontro aos deveres inerentes a uma gestão ordenada e criteriosa. Em suma, fazemos nossas as palavras de Samuel Arsht, quando afirma que a BJR tem como última preocupação “(…) judicial concern that persons of reason, intellect, and integrity would not serve as directors, if the law exacted from them a degree of prescience not possessed by people of ordinary knowledge”104 . 3.6. Critica É ancestralmente popular a expressão “antes criticado que ignorado”…pois bem, também aqui podemos, perfeitamente, socorrermo-nos desta expressão a fim de ilustrar o muito que já se escreveu acerca desta pequena regra procedimental mas cujos efeitos podem revelar-se bastante consideráveis. De facto a existência de uma regra especial exclusiva para os administradores foi sempre um ponto de grande polémica. De qualquer forma, tanto na doutrina e jurisprudência norte- americana, como na restante jurisprudência e doutrina vigente em diferentes ordenamentos jurídicos, onde impera esta regra, é consensual a opinião que sem BJR correr-se-ia o, sério, risco de bons e eficientes administradores não aceitarem o cargo por temerem serem vítimas de si próprios. Vítimas das decisões, que pese embora, tenham sido tomadas com o cuidado que se lhes impunha, redundaram num desenlace negativo, lesando o património social da sociedade, acabando por não . ' K ( % <E
  • 60. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ preencher o objectivo basilar de qualquer sociedade comercial que é o lucro. Ora é precisamente o risco de negócio, o risco empresarial que a BJR visa acautelar. Este é o maior argumento em favor do surgimento e manutenção de uma norma desta natureza. Continua a jurisprudência norte-americana, defendendo que, ao limitar-se, consideravelmente, o recurso aos tribunais por parte de sócios que pretendem conseguir a anulação de decisões que só aos administradores competia tomar, estamos, a proteger a distribuição das competências próprias de cada um dos sujeitos societários, na estrutura organizatória da empresa, afastando a ingerência dos sócios nas funções próprias e exclusivas de quem tem por única tarefa bem administrar. Uma vez mais, reiteramos a ideia que a ‘obrigação’ do administrador não é assegurar o êxito económico da empresa, no sentido literal que a expressão acarreta, pois se assim fosse transformá-los-ia em responsáveis por todos os acontecimentos prejudiciais que excedessem a diligência exigida, não sendo essa, de todo, a intenção do legislador. O que se pretende, isso sim, é desenvolver critérios para o dever de cuidado, que simultaneamente encorajem os administradores a governar o melhor possível a sociedade, assumindo riscos calculados na senda do progresso, aumentando a sua (dela, sociedade) rendibilidade e eficiência sem receios de incorrerem em violação dos seus deveres fundamentais os quais terminariam, necessariamente, em acções de responsabilidade civil. A ser assim, a business judgment rule, enquanto corolário do direito anglo-saxónico, constitui um dos princípios fundamentais do direito societário onde a gestão da sociedade é feita pelos e sob a
  • 61. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ direcção dos seus gestores e nunca pelos sócios105 , transformando-se num ‘porto seguro’ para os administradores, protegendo-os “contra a tendência intromissiva de accionistas poderosos, evitando tentativas de domínio e de chantagem da administração, por parte deles e prevenindo transferências ilegítimas do risco ligado à participação social através da utilização desvirtuada ou abusiva das regras de responsabilidade do administrador”106 . Por último, opinam os grandes guardiães da BJR, que os juízes não possuem conhecimentos empresariais satisfatórios para se fazerem substituir aos administradores na avaliação póstuma das decisões empresariais, acrescentando, ainda, que a reconstrução de uma decisão empresarial anos mais tarde pelos tribunais reveste muitas dificuldades, em virtude da multiplicidade de variáveis, muitas vezes impossíveis de reconstituir fora do tempo em que aconteceram. Finalizam, argumentando que os tribunais quando julgam uma decisão de gestão, são sempre sugestionados pelos efeitos que essa mesma decisão desencadeou, fazendo o tal juízo de mérito do resultado que a BJR pretende ver afastado107 . Este último argumento, tem sido alvo de inúmera controvérsia, na medida em que são múltiplas as vezes em que os juízes decidem sobre problemáticas do mundo da medicina ou da engenharia, por exemplo, sem serem detentores, igualmente, de conhecimentos técnicos # ! G> - ! ! E[ ! "##"! B F0W( > % ""4L % % 4$ ' B > ! ! -5,
  • 62. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ satisfatórios. É para casos como estes, que se recorre, a técnicos especializados e idóneos que suprimem as falhas apontadas108 . Anuímos apenas em parte com o aludido pela crítica a este último argumento favorável à BJR, designadamente, no que ao primeiro dos argumentos diz respeito, pois entendemos que o eventual afastamento do juízo decisório por parte dos tribunais jamais deverá ser feito à custa de hipotéticas faltas de conhecimentos do juiz para julgar, pois se assim fosse, todos os pleitos que exigissem uma interpretação factual técnica e precisa deixariam de poder ser apreciados e julgados. Realidade distinta será a reconstituição da situação empresarial anos mais tarde e muito especialmente a apreciação da actuação dos administradores através de um julgamento onde se aprecie o mérito do resultado. Aqui não temos dúvidas em afirmar, que a posição adoptada pela BJR é a mais equilibrada, atentos os princípios gerais da boa governação e do risco empresarial que se querem sempre protegidos e salvaguardados de juízos de prognose menos sensibilizados com a racionalidade empresarial que o moderno Corporate Governance acarreta. ( % )*: EE
  • 63. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ CAPÍTULO III BUSINESS JUDGMENT RULE : PRESSUPOSTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OU CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE E/OU DA CULPA? 4. BJR como pressuposto da responsabilidade civil? 4.1.Generalidades O fim de uma qualquer sociedade comercial sintetiza-se no fortalecimento da sua capacidade lucrativa e na criatividade dos seus administradores para gerar essa mesma riqueza109 . Numa palavra, na conquista do almejado lucro110 , o qual passa pelo desenvolvimento da actividade sobre a qual assenta o seu objecto social. Como em qualquer aspecto da vida quotidiana, também a gestão de uma sociedade envolve riscos — o risco empresarial —, riscos esses, que algumas vezes não terminam como inicialmente se previram, acabando por gerar graves prejuízos económicos para a saúde financeira da própria sociedade. 2 DDD! G D! C[ ! ! "##C! "C ? ! ! ! ! ? ! 34! &3! A / !" ! D/9G! ! "##$! C<"
  • 64. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ E se, alguns desses prejuízos são perfeitamente suportáveis pelo capital social, outros surgem, que em virtude da conjuntura temporal em que são projectados e pelos contornos próprios que assumem, podem conduzir a sociedade à insolvência e até mesmo à falência. Muito embora todo o cenário aludido possa ser uma dura realidade, a gestão de um bom administrador não pode aprisionar-se, tão- só, no resultado adveniente das decisões adoptadas. É necessário e da maior justiça elementar, determinar, apreciar e determinar as circunstâncias em que tais decisões foram tomadas. Terá o administrador agido de boa fé (cumprindo os deveres gerais a que está impelido)? Ter-se-á informado convenientemente (elemento objectivo)? Terá a informação sido a mais acertada? Não podemos descurar a circunstância de muitas vezes subsistir uma tensão entre a conveniência da informação, e a rapidez com que a administração pretende obter essa mesma informação para a tomada urgente de determinada decisão. Qual a real pretensão do legislador ao exigir que o administrador aja devidamente informado? Onde se encontra a medida certa para o grau de informação entendido como o ideal para o caso concreto? Uma vez mais, importa não esquecer que muitas vezes informações desta natureza têm custos elevados, sendo que o esforço para a sua obtenção não poderá, jamais, transpor os limites ético-deontológicos. Por último, terá o administrador agido no exclusivo interesse da sociedade (elemento subjectivo)? Se o sim for o vocábulo comum a todas estas questões, então não subsistirão grandes dúvidas que estaremos perante um administrador zeloso, diligente e senhor do cuidado que lhe é pedido, não podendo, nem devendo, em contrapartida ser responsabilizado pelo resultado das suas escolhas.
  • 65. Business Judgment Rule Uma cláusula de (ir)responsabilidade dos administradores nas sociedades comerciais __________________________________________________________________ É imperativo apreender que a apreciação da administração de uma sociedade não pode cingir-se apenas a uma responsabilização pelo risco ou pelo resultado tout court. Perpassa aqui uma singela visão positivista que caminha, e bem (a nosso ver), para uma visão mais subjectivista e atenta ao caso concreto. Há que aquilatar se perante as circunstâncias concretas em que a sociedade se encontra, e perante as condições comerciais em apreço, o risco empresarial assumido pelos administradores, terá, ou não, sido equilibrado, após um estudo cuidado por parte dos mesmos de todos os riscos inerentes a uma operação daquela natureza, assim como as vias alternativas que poderiam ter sido utilizadas para minimizar esse mesmo risco (dever de informação). Em suma, o que se pretende é perceber se o administrador agiu com o cuidado que lhe é pedido, uma vez que não se lhe pede que responda pelo êxito da sua administração mas tão-somente pela sua própria gestão, através do recurso a todos os meios possíveis para levar a bom porto um determinado negócio111 . Sob a tutela da BJR, os administradores assumem riscos “calculados”, perfeitamente conscientes que os estão a assumir no total interesse da sociedade — Dever de cuidado —, mas sem a pressão de uma eventual acção de responsabilidade pessoal por má gestão, determinada por um juízo judicial elaborado a posteriori. A BJR fomenta, assim, o respeito pelo sector privado e pelas suas decisões, potenciando o sentido empresarial e empreendedor dos administradores, evitando, tanto quanto possível juízos de prognose feitos, erradamente, sobre o mérito da decisão. * ' * + K % C#!