O documento discute a evolução histórica da responsabilidade civil do Estado no Brasil, desde a teoria absolutista de que "o rei não pode errar" até a responsabilidade objetiva contemporânea. Explica que o ônus da prova costumava recair sobre o cidadão, mas hoje o Estado assume o risco da prestação irregular de serviços públicos, devendo indenizar vítimas sem a necessidade de prova de culpa de agentes específicos.
Direito administrativo II RESPONSABILIDADE CÍVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
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Direito Administrativo
sextafeira, 28 de outubro de 2011
Responsabilidade civil da Administração Pública
Quem custeia o Estado? Nós. Povo, cidadão. Pois bem. E nós pudemos ver, no Direito
Administrativo I, um monte de princípios. Dois deles: indisponibilidade do interesse público e
supremacia de poder. O que tais princípios nos falam? Alguns confundem inclusive com
prerrogativa, jus imperii do Estado. Comportamento de império do Estado. Fica por isso mesmo?
O Estado não se responsabiliza pelos seus atos também? Pode gerar danos às pessoas quando leva
adiante sua vocação que é de prestar serviços públicos?
Também vimos a história, desde o início de nosso semestre, de como funciona a máquina
administrativa de nosso país, como se organiza, e falamos sobre a ilustração da balança, com o
Estado de um lado, e o cidadão de outro, que é desequilibrada, por conta da supremacia de poder
daquele.
Mas é claro que o Estado irá se responsabilizar. E é isso que vamos falar hoje: da responsabilidade
extracontratual do Estado. Vimos em Direito Administrativo I que, nas licitações e contratos, o
Estado, para levar a efeito a atividade estatal, tem que comprar serviços, adquirir e alienar bens e,
por conta disso, as coisas podem acontecer.
Conceito de responsabilidade extracontratual do Estado: “a obrigação que se lhe atribui
de recompor os danos causados a terceiros em razão do comportamento unilateral comissivo ou
omissivo, material ou jurídico, que lhe seja imputado.” – Diógenes Gasparini.
Porem, a própria função de administrar e prestar serviço à comunidade envolve o que chamamos
de risco. Mais precisamente, risco administrativo. Há outra circunstância também que vamos
ver na evolução do Estado no tocante à responsabilidade extracontratual. Uma hora ela estará com
o cidadão, outra estará com o Estado. O cidadão prejudicado necessita uma reparação do Estado. É
o ônus. Outra palavra que vamos seguir em nossa matéria de hoje.
Por que ônus? No primeiro momento, vamos ver quando é ônus do cidadão comprovar e, em outro
momento, invertese o ônus para o Estado, que passa a ter a responsabilidade de provar o alegado
pelo cidadão. Na responsabilidade civil, a ação antijurídica gera, por dolo ou culpa, um prejuízo ou
dano a outrem, criando daí a responsabilidade de reparar, que é uma responsabilidade
patrimonial. Ninguém irá para a cadeia por conta disso. Na seara cível a única possibilidade de
prisão é para o mau pagador de alimentos. Por causa da culpa e do dolo, a responsabilidade civil é
subjetiva. Isso porque envolve uma evolução em que, num primeiro momento, vemos o Estado não
se responsabilizando por nada, e agora, o Estado assume o risco pela prestação do serviço.
E aqui cabe fazer um passeio pela evolução histórica da responsabilidade do Estado. Tínhamos a
teoria absolutista, decorrente do pensamento dos séculos XVI e XVII: “the king can do no wrong.”
O Estado nunca erra. A partir desse pressuposto, temos um tremendo desequilíbrio entre o cidadão
(súdito) e o rei, absolutista, coisa que não existe mais em nosso sistema mundial. Dizem, pelo
menos. Celso Antônio Bandeira de Mello relata, em sua obra, que é um sistema superado em todo o
mundo.
As coisas foram andando e, no final do século XVIII e início do XIX, veio a teoria da bipartição de
poderes, capitaneada por John Locke, que viera um século antes, depois aperfeiçoada por
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Montesquieu em 1748 para a tripartição, com a grande obra Do Espírito das Leis.
Com o liberalismo, o Estado começa a se equilibrar aos direitos do cidadão. Agora ele pode até
indenizar, mas o ônus da prova é ainda do cidadão que alega o dano. Quando se fala em
responsabilidade subjetiva, o ônus é do cidadão, que tem que provar que aquele agente agiu por
dolo ou culpa. O que é mesmo dolo? Vontade e previsão do resultado dano. E culpa: agir em que
não se prevê o resultado danoso, com uma conduta involuntária, causada por negligência,
imperícia ou imprudência. Na imperícia a pessoa tem a expertise, mas agiu de maneira
inadequada. Imprudência é o descumprimento de norma. Negligência é omissão. Isso na seara da
responsabilidade subjetiva, que é a do nosso Código Civil.
Evoluiuse a tese e a balança caminha para se equilibrar em favor do cidadão face ao Estado. Agora,
temos responsabilidade objetiva, e o querer do Estado é o querer de seus agentes. Até então havia
a necessidade de comprovar que a culpa é daquele agente que praticou aquele serviço público de
maneira irregular.
Nesse momento temos a transição entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil
objetiva, que é a que vinga em nosso sistema constitucional. Aqui, retirase a figura do agente e
vem a tese da faute de service. Essa expressão francesa significa “falta do serviço”. A culpa é do
serviço. Ou não foi prestado, ou foi prestado de maneira irregular. Mas, mesmo assim, o ônus da
prova é de quem ainda? Do cidadão prejudicado, porque terá que provar que houve a culpa, não do
agente, mas do serviço. Normalmente isso acontece por omissão do Estado. Por quê? Se o Estado
está prestando serviço e este é irregular, ou houve a evidência daquela circunstância, em que o
agente não regularizou a situação, significa que houve a não prestação do serviço. Há localidades de
São Paulo em que as pessoas têm barcos e caiaques dentro de casa. Isso porque houve uma falta do
serviço e não adianta levantar a teoria da imprevisão, tendo em vista a continuidade, a
sazonalidade da situação dos alagamentos. Ou seja, todo ano tem, todo ano acontece a mesma
coisa. Os noticiários propalam essas notícias.
E os eletrodomésticos? Temos que ver se foi faute ou responsabilidade objetiva do Estado. Vamos
chegar lá! Mas adiantase que tudo converge para a culpa do Estado.
Essa matéria cai em concurso e outras provas.
Pois bem. A situação evoluiu mais ainda. O ônus é do cidadão de comprovar a falta do serviço. A
responsabilidade é subjetiva.
Há outra tese, que é a teoria do risco integral, que não é admitida em nosso Direito, com duas
exceções. Pela teoria do risco integral, não há excludentes do nexo de causalidade. Foolan O’Dee
Tow, talvez por causa de seu nome excêntrico, está aí chateado com a vida, e resolve se suicidar.
Aproveita que está ouvindo uma sirene e logo em seguida enxerga a viatura do Corpo de
Bombeiros, que está a caminho de atender uma ocorrência. Foolan sai correndo de encontro a essa
viatura. O veículo oblitera o cabôco. Sua família surge requerendo indenização do Estado. A viatura
estava a caminho de acudir uma situação de perigo. Houve atuação do Estado, no sentido de que
seus agentes estavam agindo, indo atender ao chamado. O Estado terá que pagar? Segundo essa
teoria, o Estado paga tudo. Mesmo com a culpa exclusiva da vítima.
Também vale para os surfistas de metrô. E se o esportista dos tetos virar toucinho frito ao tocar
num cabo de alta tensão? Existe o que se chama culpa in elegendo e culpa in vigilando. Se
avistamos um malabarista que escolheu os vagões para suas acrobacias, significa que o Estado
incorreu em culpa in vigilando, pois não observou quando o cidadão subia no trem. Quer excluir a
responsabilidade do Estado? Para isso, você deverá comprovar a conduta preponderante da vítima,
ou excluir o Estado dessa relação. Agora estamos na responsabilidade objetiva.
Leiam o que diz o art. 37, § 6º da Constituição:
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§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Ou seja, o Estado ou seus representantes. Uma concessionária de serviço público é representante
do Estado, então responde objetivamente. O dispositivo não falou em “responsabilidade objetiva”,
mas disse que o Estado responde. O entendimento de que a responsabilidade é objetiva é
jurisprudencial e doutrinário. Da mesma forma com o que ocorreu com o princípio da isonomia,
com o caput do art. 5º, o processo de criação do entendimento foi o mesmo aqui. O fundamento
foram os anseios democráticos da população. Faltou a didática na redação do dispositivo
constitucional, e por conta disso gera confusões, mas agora nas cadeiras acadêmicas aprendemos
isso. Não precisa haver o termo “responsabilidade objetiva” no parágrafo, nós temos condições de
entender isso.
Essa é a ideia que ilustra a teoria da responsabilidade patrimonial objetiva do Estado.
Estamos agora nessa situação. O ônus da prova é do Estado. A grande diferença entre a
responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva é a inversão do ônus! Agora o Estado tem
que comprovar que não contribuiu para a ocorrência do dano.
Guilherme tem uma fazenda linda e maravilhosa e nela está, andando sob os coqueiros, quando um
coco cai em sua cabeça, quebrandolhe o coco. Guilherme simplesmente ajuíza uma ação contra o
Estado para haver uma reparação por esse infortúnio. Prosperará? Evidente que não. A fazenda é
dele, e a ele cabe a administração e conservação da propriedade.
Diferente é se ele estiver andando numa calçada e cair o lustre da iluminação pública em sua
cabeça. Há mais algo a comprovar? Não. O ônus da prova é do Estado, que mandará um agente lá
para ver se realmente existia a situação da falta de manutenção, além de procurar pelos cacos de
vidro, sangue, etc. Até que o agente conseguirá fazer seu relatório ou laudo e comprovará que o
Guilherme não estava andando naquela passagem porque sequer havia calçada e sequer havia
iluminação pública! O Estado, então, se eximiu da responsabilidade, do dever de indenizar. Mas o
ônus foi dele. Nesse passo, meus caros, podemos entender que o Estado se excluiu dessa
circunstância, então temos uma excludente de culpabilidade por parte do Estado. No caso do
surfista de trens, as medidas de segurança, quanto à altura das cercas, corrente elétrica nos cabos
de energia, acessibilidade às áreas de manutenção seguem inclusive normas técnicas. O Estado,
portanto, pode provar que observou todas as normas técnicas e sinalizou a proibição de acesso às
escadas traseiras dos vagões, bem como comprovou que a altura da grade de proteção do viaduto
do qual o aventureiro pulou sobre o vagão tinha altura relativamente suficiente para impedir
acidentes, e que, para superála, só escalando, coisa que só se pode fazer voluntariamente.
A partir dessa premissa, temos que o Estado tomou todas as precauções e se excluiu de sua
culpabilidade. Como, também, pode ter concorrido com a vítima, a partir do momento em que
comprove que ela agiu de forma errada.
Observação: ao comprovar a conduta preponderante da vítima, o Estado não está de isento da
responsabilidade. Ainda assume uma parte do prejuízo. Temos vítima, Estado e agente. Vítima teve
prejuízo, então dizemos que ela teve uma “fatia de prejuízo”. Com isso, ela aciona o Estado, e,
prosperando sua demanda, essa fatia de prejuízo é transferida ao Estado, que assumea. A fatia de
prejuízo assumida pelo Estado deve ser igual à fatia de prejuízo experimentado pela vítima do
ilícito. Ou haverá enriquecimento sem causa ou ilícito por parte do Estado ou da vítima.
Se, por outro lado, houver concorrência da vítima para o resultado danoso, ela simplesmente
causará a redução do valor indenizatório a ser pago pelo Estado. Exemplo: dois carros estão
parados na via, a Polícia para ali mesmo, transversalmente na pista para ver o que é, e um quarto
carro em alta velocidade chapuleta o carro da Polícia. Culpa concorrente! A polícia criou a situação
pela posição que estacionou a viatura, mas o Estado comprovou que, pelas marcas de frenagem, o
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carro que vinha atrás estava em alta velocidade. O Estado paga por não ter sinalizado com cones, e
o piloto responde por não ter obedecido ao limite de velocidade. Este teve prejuízo, mas não o
transferirá completamente para o Estado. Transferirá parte da responsabilidade para o Estado por
conta da conduta do agente de polícia que deixou o carro em posição desagradável para os demais
transeuntes.
Pelo visto, pela teoria da responsabilidade patrimonial objetiva do Estado, há exigência de se
comprovar o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a ocorrência do resultado dano. Note
que não se exige que se demonstre a culpa (responsabilidade subjetiva) do agente público, nem a
culpa do serviço.
O Estado também poderia se eximir baseado na teoria da imprevisão. Remete às ideias de caso
fortuito e força maior. Força maior é evento da Natureza, para nós administrativistas. Se a árvore,
cujo cuidado é de responsabilidade da prefeitura, e que estava com a raiz enfraquecida, cair sobre
um automóvel, o Estado deverá indenizar. Diferente é a situação em que, muito embora a árvore
estivesse bem saudável, uma forte e incomum rajada de vento soprasse sobre ela, causando aquele
estrago. Essa é a força maior, porque o evento foi causado pela Natureza e era inevitável. Caso
fortuito, por sua vez, é a briga entre estudantes e polícia, greve, invasões, situações imprevisíveis
criadas por ações humanas em geral, por isso, também inevitáveis. O Estado também pode se
eximir, dependendo da situação.
Na responsabilidade objetiva, o Estado pode se eximir da culpa comprovando que não houve nexo
de causalidade entre sua conduta ativa ou omissão e a ocorrência do resultado danoso.
Responsabilidade das empresas de energia: computador que estoura a fonte por causa do pico de
tensão elétrica: A companhia tem condições de saber quando houve “pico de luz”, e o ofendido irá
mostrar qual foi o tempo. Pode eximirse demonstrando a divergência na temporalidade.
Concessionária é representante do Estado, então tem responsabilidade objetiva. O cidadão que teve
o aparelho queimado argumentará que o fato ocorreu entre “22:05 e 22:30 do dia tal”. Se quiser
eximirse da responsabilidade de indenizar, a empresa de energia terá que demonstrar que,
naquele intervalo de tempo, não houve nenhuma elevação de potencial elétrico naquela região. Ela
tem registro das variações.
E quando se trata de omissão? O Superior Tribunal de Justiça decidiu que omissão do Estado é
caso de faute de service. Retroagese àquela circunstância da responsabilidade objetiva e subjetiva.
Quem é que custeia o Estado? Nós. Quem ganha indenização dá uma parcela de seu próprio
dinheiro para se autoindenizar.
Buracos na via pública que vêm a empenar sua roda aro 19”: tire fotos! Qualquer meio de prova é
admissível hoje em dia. Telefone celular serve, entre outras coisas, para fazer ligações, mas não é
mais a única utilidade. Antigamente ninguém andava com câmera fotográfica com filmes ópticos
que precisavam de revelação dentro do carro. Pessoas têm conseguido a indenização, mesmo que
com dor de cabeça.
No tocante ao Estado, você terá que comprovar a conduta dele. A resposta acolhida pelo Judiciário
poderá ser “mas não existe nem via pavimentada naquele lugar! É uma fazenda particular.” Aí o
Estado se exime da responsabilidade.
Reparação do dano
Pode ser feita pela via administrativa ou pela judicial. Na reparação administrativa a pessoa
comprova o nexo de causalidade e o Estado, analisando a situação, pode pagar
administrativamente e resolvese o problema. Ou ele mesmo paga, ou ele paga alguém para fazer o
serviço. Exemplo: uma patrulha da Polícia Militar segue alguém em alta velocidade, até que surge