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Carolina Carvalho
Um jeito de espiar o mundo: a análise das crônicas-
reportagens do livro A Vida que Ninguém Vê da
jornalista Eliane Brum
Monografia apresentada ao Curso de
Comunicação Social, da Faculdade de Artes
e Comunicação, da Universidade de Passo
Fundo, como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Comunicação Social –
Habilitação em Jornalismo, sob a orientação
da professora Ms. Roberta Scheibe.
Passo Fundo
2007
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus, através de Seu
Filho Jesus Cristo e de seus seguidores, por estar neste
mundo. Ao meu avô Onézimo e às minhas avós Hilire e
Áurea pelo carinho e pelo aconchego. Aos meus pais, José
Carlos e Leonilda Tereza, pelo otimismo, pela ajuda, pelo
amor incondicional dedicado a mim e pela oportunidade que
me concederam de chegar até aqui. Ao meu irmão Estevan
por compartilhar das minhas entusiasmadas explicações
sobre o tema de que vai tratar esta monografia. À minha
orientadora e amiga, a professora Ms. Roberta Scheibe por
ter me proporcionado a trabalhar com um tema tão belo e ao
mesmo tempo tão instigante. À jornalista Eliane Brum pela
obra de arte que escreveu e que com isso ajuda a
transformar o jornalismo em algo sublime. Por sua atenção
em responder as minhas perguntas e pelo interesse em ter
este trabalho em mãos. Ao membro da Academia Brasileira
de Letras, Moacyr Scliar, pela generosidade em conceder-
me entrevista. Ao professor Edvaldo Pereira Lima pela
gentileza em me esclarecer uma dúvida. Ao repórter Moisés
Mendes que contribuiu significativamente para a construção
deste trabalho. E a todas as pessoas que contribuíram com
mais um título conquistado por mim nesta universidade.
3
O repórter em campo, participando da cena, ouvindo seus
participantes, gastando alguns dias de investigação para ter
o controle absoluto do assunto e depois contá-lo no
capricho, investindo na subjetividade e na inteligência sutil...
Joaquim Ferreira dos Santos
RESUMO
O presente trabalho realiza um estudo dos textos escritos pela jornalista
Eliane Brum no livro A Vida que Ninguém Vê. Nesta monografia é evidenciada a
questão da crônica e da reportagem como gêneros passíveis de fusão. Além
disso, o estudo observa na obra da autora as características importadas da
literatura e do jornalismo, ratificando os entrelaçamentos da crônica com a
reportagem na obra da jornalista. Este trabalho é fundamentado nas teorias
propostas por Edvaldo Pereira Lima, Tom Wolfe, José Marques de Melo, Antonio
Candido, Luiz Beltrão, entre outros. A investigação utiliza o método analítico
comparativo que resulta no exame simultâneo entre o livro que constitui a obra
analisada e as teorias evidenciadas, que dizem respeito aos estilos dos dois
gêneros: a crônica e a reportagem. A análise aponta, no final, para os seguintes
sentidos: a hibridez de dois gêneros, a utilização do belo no jornalismo e um
criterioso parecer sobre uma nova variante de livro-reportagem.
Palavras-chave: Eliane Brum, crônica, reportagem, crônica-reportagem.
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ .....4
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 7
1. “DESSA POSIÇÃO DE IGUALDADE, PUDE ENXERGÁ-LO”: AS
CARACTERÍSTICAS DO JORNALISMO IMPORTADAS DA LITERATURA.......... 10
1.1 Da epopéia ao século XXI: uma questão de narrativa.......................................14
1.2 O hibridismo entre o real e a ficção.............................................................. ....24
1.3 As técnicas narrativas ...................................................................................... 30
1.4 O narrador e as personagens............................................................................34
1.5 O cotidiano transformado pelo olhar sensível ..................................................38
2. “CADA ZÉ É UM ULISSES. E CADA PEQUENA VIDA UMA ODISSÉIA”: A
CRÔNICA-REPORTAGEM....................................................................................... 43
2.1 Contando histórias: a crônica........................................................................... 43
2.2 “Repórter que vai pra a rua suja os sapatos”: a reportagem........................... ..51
2.3 A vida e a arte: a crônica-reportagem............................................................... 67
3. O JORNALISMO E OS HUMANOS ANÔNIMOS: A ANÁLISE DAS CRÔNICAS-
REPORTAGENS DO LIVRO A VIDA QUE NINGUÉM VÊ DA JORNALISTA ELIANE
BRUM.........................................................................................................................76
3.1 “Boa viagem pela vida”: o livro ......................................................................... 77
3.2 A moça da biblioteca: a jornalista Eliane Brum ................................................ 79
3.3 A vida que ninguém vê: a análise do livro ........................................................ 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 99
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 103
ANEXOS ................................................................................................................. 109
ANEXO A – Entrevista Eliane Brum ..................................................................... 110
ANEXO B – Entrevista Moacyr Scliar................................................................... 113
ANEXO C – Entrevista Moisés Mendes.................................................................114
ANEXO D – Entrevista Edvaldo Pereira Lima.......................................................’116
ANEXO E – O conde decaído............................................................................... 117
ANEXO F – O gaúcho do cavalo-de-pau..............................................................’121
ANEXO G – A voz..................................................................................................126
ANEXO H – O álbum............................................................................................ 130
ANEXO I – Depois da filha, Antonio sepultou a mulher........................................’138
INTRODUÇÃO
Significativamente, alcunha-se de crônica o texto leve que flui com facilidade
de estilo, e semblante indomável de arte, que forma o elo entre o passado e o
presente. Versátil e de natureza requintada, a crônica, enquanto gênero, não deve
ser vista apenas como um repertório de temáticas, mas como um campo estruturado
de conflitos simbólicos e imaginários, históricos e estéticos.
[...] um gênero que discute um núcleo problemático que uma sociedade
deseja ou precisa pensar mas o faz de uma forma específica que não se
encontra em outros campos da cultura. [...] Em outras palavras, diríamos
que se esboça, assim, uma relação específica entre normas e práticas que
definem o gênero da crônica: uma cultura das margens que se exprime com
a lei dos letrados [...]. (ANTELO, 1992, p. 155).
Já a reportagem deve ser entendida como a melhor versão da verdade
provável de obter-se. Logo, os repórteres estão condenados a unir versões da
verdade transmitidas pelos protagonistas, e organizá-las da melhor maneira possível
com o máximo de sentido. É como assegura o professor Pedro Celso Campos: “Para
fazer a boa reportagem o jornalista deve escapar dos limites da redação [...] porque
a grande notícia tem que ser buscada, checada, conferida ali onde o homem está,
no meio do povo, na rua, nas esquinas do mundo.” (2007).
Como a crônica transita tanto no campo da literatura quanto no campo do
jornalismo – pois é entendida como categoria nas duas linguagens –; e a reportagem
contém alguns elementos híbridos, como o uso de diálogos, técnicas narrativas,
personagens e a questão do narrador; este trabalho pretende evidenciar a
8
possibilidade de união dos dois gêneros – crônica e reportagem –, tornando-os um
gênero do jornalismo literário que se chama de crônica-reportagem.
Para tanto, este estudo vai se deter em cinco textos do livro A Vida que
Ninguém Vê, da jornalista Eliane Brum, que são examinados em duas óticas: crônica
e reportagem. A pesquisa tem o objetivo de analisar os textos da repórter,
previamente selecionados, verificando se o estilo adotado pela jornalista, utilizando a
crônica e a reportagem, é passível de hibridez.
A pesquisa de caráter bibliográfico e o método analítico-comparativo têm
como recursos metodológicos a fundamentação teórica baseada nos estudos de
Edvaldo Pereira Lima, Tom Wolfe, José Marques de Melo, Antonio Candido, Luiz
Beltrão, entre outros; e entrevistas de autores que têm relação estreita com o
assunto, como o membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar e o
jornalista Moisés Mendes. Logo, a relação que foi estabelecida entre a teoria, o
método e o objeto explica a estrutura dos capítulos.
Parte-se do princípio de que o jornalismo importa características da literatura
em seus textos. Neste sentido procura-se objetar como esses dois ramos foram se
encontrando com o desenvolvimento da imprensa no país e como a produção numa
área acaba por influenciar a outra. Por isso no primeiro capítulo, intitulado “‘Dessa
posição de igualdade, pude enxergá-lo’: as características do jornalismo importadas
da literatura”, se vai apresentar um panorama da questão narrativa, das relações
entre o real e a ficção, das técnicas narrativas, das personagens e do narrador e
também de um ponto pouco explorado que é a inserção do sublime no jornalismo.
O segundo capítulo, “‘Cada Zé é um Ulisses e cada pequena vida uma
Odisséia’: a crônica-reportagem”, destina-se à fundamentação das particularidades
da crônica e da reportagem. Contudo, propõe-se o mix entre estes dois gêneros que
ainda é pouco difundido teoricamente, mas que na prática é muito executado por
jornalistas e escritores e que recebe o nome de crônica-reportagem.
O último capítulo, cujo título é “O jornalismo e os humanos anônimos: a
análise das crônicas-reportagens do livro A Vida que Ninguém Vê da jornalista
Eliane Brum”, dedica-se à análise de cinco textos desta obra. Ao longo deste tópico
evidencia-se, pelo método analítico comparativo, que não existe fronteira entre a
literatura e o jornalismo. Os textos são comparados com as teorias explanadas ao
longo do trabalho. Em cada texto procura-se ratificar algumas das hipóteses
apresentadas nos dois primeiros capítulos e são destacadas, principalmente,
9
aquelas as quais dizem respeito aos estilos da crônica e da reportagem. A presente
análise volta-se para os seguintes aspectos: o hibridismo de dois gêneros; o
emprego do belo no jornalismo como fator artístico; e para uma ponderada sugestão
sobre uma nova variedade de livro-reportagem.
O tema desta monografia justifica-se pela lacuna bibliográfica existente sobre
a hibridez dos gêneros da crônica e da reportagem, bem como a inserção do belo ao
jornalismo.
10
1. “DESSA POSIÇÃO DE IGUALDADE, PUDE ENXERGÁ-LO”: AS
CARACTERÍSTICAS DO JORNALISMO IMPORTADAS DA LITERATURA
Produzir e ler jornal transformou-se, nos tempos de hoje, numa atividade pós-
moderna. E dos jornais e revistas espera-se algo mais: o comentário, a interpretação
do fato e a análise, e que estes auxiliem as pessoas na tomada de decisões e na
formação de opiniões. Segundo Manuel Carlos Chaparro “é em sua totalidade
interpretativa que o jornalismo se realiza como espaço e processo cultural.” (apud
Abreu, 2006).
Nessa conexão imprescindível entre informar e interpretar, a ajuda da
literatura pode ser de grande valor.
Para além da questão de estilos, a “palavra-revelação” é necessária tanto
ao escritor quanto ao jornalista para além das “carpintarias próprias” de um
ou outro segmento. Uma palavra que não se consubstancia numa fria
palavra analítico-descritiva, gramaticalizada em manuais de estilo, e sim na
palavra narrativa, sintético-reveladora. (MEDINA, 1990, p. 28).
Cabe ao jornalista buscar o termo fundamental do acontecimento, a
habilidade de simbolização mais completa e plausível da realidade, e tudo isso é
oferecido, em demasiado, pela literatura.
Quando um sistema novo surge, seu funcionamento é sensivelmente
delimitado pela conectividade quase que completamente dependente que formula
com um ou mais sistemas com os quais interage freqüentemente. “A conectividade
entre eles acontece por uma troca, na qual certas funções de um e de outro sistema
interagem.” (LIMA, 1995, p. 137). Nas palavras de Edvaldo Pereira Lima, “em termos
11
modernos, a literatura e o jornalismo são vasos comunicantes, são formas diferentes
de um mesmo processo.” (1995, p. 139).
Lima (1995, p. 138), declara que num primeiro momento, o jornalismo bebe
na fonte da literatura. Num segundo, é esta que encontra, no jornalismo, fonte para
reciclar sua técnica, enriquecendo-a com uma variante bifurcada em duas
probabilidades: a de reprodução do real efetivo, uma qualidade de reportagem –
com sabor literário – dos fatos sociais, e a inclusão da maneira de expressão escrita
que vai aos poucos distinguindo o jornalismo, com suas marcas de precisão, clareza
e simplicidade.
O jornalismo vai de encontro à literatura, são campos que provém de um
cruzamento e se inter-relacionam pelo texto e formas de linguagens.
À medida que o texto jornalístico evoluiu da notícia para a reportagem,
surgiu à necessidade de aperfeiçoar as técnicas no tratamento da
mensagem. Assim, os jornalistas se embrenharam na arte literária para
encontrar seus próprios caminhos e narrar o real. (LIMA, 1995, p. 135).
O autor acrescenta que o jornalismo absorve os subsídios do fazer literário,
mas altera-os e direciona-os para outro fim.
As características que o jornalismo importa da literatura, adaptando-as e
transformando-as, devem-se à necessidade de se reportar aos fatos e à
factualidade. A tarefa de sair do real para retratar os dados é o que
aproxima o jornalismo das formas de expressões oriundas da literatura.
(LIMA, 1995, p. 138).
Com base na opinião de Edvaldo Pereira Lima, de que o jornalismo pode
interagir com a literatura para que as técnicas textuais avancem e que o jornalismo
não se prenda à pirâmide invertida, é incorreto afirmar que exista uma barreira
intransponível entre o jornalismo e a literatura.
12
Ora, literatura e jornalismo estão tão próximos, tão ligados. O jornalismo
apropria-se das técnicas da literatura e vice-versa. O jornalismo tem dado
maior vivacidade à literatura moderna. Qualquer reportagem bem feita tem
elementos literários. O Graciliano Ramos é uma lição de boa literatura e
uma lição de jornalismo. Porque o literário não é apenas o ornamento.
Graciliano Ramos explorou o despojamento, esse descarnar da linguagem.
Memórias do Cárcere traz essa marca. Onde está o jornalismo? Onde está
a literatura? Fica muito difícil demarcar a fronteira. (1995, p. 139).
Ao se avaliar as afinidades entre o jornalismo e a literatura, é necessário
compreender o alicerce comum, da qual ambas as práticas se detém: a linguagem.
Por outro lado a linguagem determina alguns cuidados a fim de que se extraiam
elementos comuns a ambos os campos, e que, assim sendo, sirva de base para um
exame de relações admissíveis. Quanto a esta afirmação, é preciso uma observação
dos elementos comuns, pois acredita-se que haja uma identidade entre o jornalismo
e a literatura.
A linguagem é o substrato sobre o qual se pode construir uma
representação do mundo. Não sua reprodução. A equivalência é impossível.
Significante e referente, neste caso, jamais coincidirão. Portanto, quer na
literatura, quer no jornalismo, a reconstrução do real pode chegar, no
máximo, ao verossímil. Afirma-se isto e frisa-se em relação ao plano da
linguagem. Isto coloca o jornalismo e a literatura numa relação de
identidade a partir da materialidade da linguagem: a palavra. (DEMÉTRIO,
2007, p. 3).
O jornalismo é parte da modernidade e tem a suficiente flexibilidade para
consentir que outros discursos se infiltrem no seu “habitat”, mesmo os mais adversos
a ele, neste caso, a literatura, sem, no entanto, deteriorar sua especificidade.
Ambas têm suas especificidades sem, no entanto, deixarem de exercer o
seu estatuto básico de serem modalidades de comunicação. O tempo é a
medida da precariedade de qualquer coisa. Não seria diferente com o
jornalismo. Não seria diferente com a literatura. [...] O “tornar-se” literatura
fixa o terreno próprio do jornalismo quando este é pautado pela idéia de
uma articulação de fragmentos em busca de uma totalidade do tempo
presente, de sua leitura. Se a leitura do presente é a impossibilidade de seu
esgotamento, já que este regime de tempo é a superfície sobre a qual
emergem os acontecimentos, jornalismo e literatura vão se colocar como
horizontes na relação que guardam entre si. (DEMÉTRIO, 2007, p. 5).
13
Denota-se a partir de tais conceitos e de acordo com o que Roberta Scheibe
afirma, é de que existe a possibilidade de se escrever textos jornalísticos muito fiéis
à realidade, mesmo utilizando técnicas habitualmente propensas à literatura. “Para
que aconteça essa interação entre o jornalismo e a literatura, é necessário que haja
uma quebra de paradigmas, uma mudança estrutural e de linguagem no jornalismo.”
(2006, p. 35).
O jornalismo não pode acostumar-se sem a literatura. É necessário interagir a
expressividade com a inexpressividade no texto. Juremir Machado da Silva diz que
“em se tratando de literatura, o inexpressivo pode ser um estilo. Em jornalismo, ser
expressivo é mais do que uma exigência: um imperativo.” (apud CASTRO; GALENO,
2002, p. 51).
E essa relação entre jornalismo e literatura não aponta para uma divisão, mas
para uma hibridez. Sérgio Capparelli complementa: “os dois campos se juntam numa
perspectiva de unir o maior número de leitores e estruturar uma nova e diferente
linguagem no jornalismo.” (1996, p. 183).
É possível, portanto, desviar-se do padrão comum do texto jornalístico através
da literatura. Para tanto, o emprego da reportagem por meio de um caráter
interpretativo resultaria em um discurso enriquecedor para a imprensa: “a linguagem
expressiva se opõe ao padrão pela criação artística que envolve. O padrão não
desaparece – a clareza continua exigindo padrões gerais de neutrabilidade – mas a
criação acrescenta formas, especialmente sintáticas, mais flexíveis.” (MEDINA;
LEANDRO, 1973, p. 39).
Como diz Allan de Abreu no artigo “Da Literatura para o Jornalismo:”
A linguagem literária aplicada ao discurso jornalístico não é uma fuga,
como muitos pregam: ela pode ser o único caminho capaz de levar o
jornalismo à captação de uma sociedade complexa, com todas as suas
contradições. Se a arte literária é exímia em captar, através de sua
linguagem (a palavra-revelação) a essencialidade do ser humano, por que
não transplantar essa potencialidade para o jornalismo? Afinal, não é esse
também o objetivo último de toda prática jornalística? Será que o jargão
dos jornais de hoje, tão simples, dá conta de captar uma realidade
intrinsecamente complexa? (2006).
Nesta mesma perspectiva Marcos Faerman declara que:
14
O repórter está em busca da realidade. Com a sua sensibilidade. Ouvindo
histórias das vidas dos outros. Sugando dos outros, a única coisa que eles
têm, além dos próprios corpos, nus: uma história, a sua perplexidade, as
suas dúvidas, as mínimas certezas. (1979, p. 148).
Abreu coloca que o que se tem é, de um lado, uma realidade múltipla,
complexa e muitas vezes incoerente, que não se deixa abordar de forma simples. Do
outro, tem-se uma linguagem monolítica que estima que, pelo seu verbo triturado em
tantas edições sucessivas de jornais, conseguirá apreender a essência do fato com
objetividade e transmiti-lo sem preconceitos ao leitor. “A abrangência do leque de
possibilidades lingüísticas (e literárias) na reportagem permite uma maior
profundidade no plano dos conteúdos, dos significados, o que só auxilia o jornalismo
na transmissão de informações.” (2006). No dizer de Medina, “acima de tudo, a
literatura ajuda o jornalismo para que este se torne mais humano.” (1990, p. 29).
1.1 Da epopéia ao século XXI: uma questão de narrativa
Muitas são as narrativas do mundo. Existe uma abundância de gêneros que
são sustentados por uma linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou
móvel, ou ainda pela miscelânea destas.
A narrativa está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela,
na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pintura, no
vitral, no cinema, enfim, na conversação. Além disso, ela está presente em
todos os tempos, em todos os lugares e em todas as sociedades. A
narrativa começa com a própria humanidade; não há em parte alguma,
povo algum, sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm
suas narrativas. (BARTHES, 1973, p. 19).
A narrativa é infinitamente catalisável, ou seja, apta às transformações e
sabe-se que ela é a exposição de fatos. Nela, por sua vez, se configura um estilo de
narração. Carlos Reis diz que “os textos narrativos levam a cabo um processo de
exteriorização, porque neles procura-se descrever e caracterizar um universo
autônomo, integrado por personagens, espaços e ações.” (1999, p. 347). Entende-
15
se que esse universo é autônomo porque é representado pela presença do narrador.
Ele (o narrador) sabe o que acontece e por isso é colocado numa situação de
alteridade em relação aquilo de que fala. Tanto na narrativa literária quanto na
jornalística, a participação daquele que conta a história é indispensável, como se
verá adiante.
A literatura clássica teve início na Grécia e em Roma. A literatura grega
começa com dois épicos1
de Homero: Ilíada e Odisséia, por volta do século VIII
(a.C.). Ilíada descreve a guerra travada pelos gregos contra Tróia, com o pretexto de
trazer de volta Helena, esposa de Menelau. Helena havia sido seqüestrada por
Paris, filho de Príamo, rei de Tróia. Odisséia narra a jornada de Odisseu – conhecido
pelos romanos como Ulisses – ao retornar de Tróia para reaver sua esposa e seu
trono. Juntos, estes dois poemas estabeleceram a forma e os temas do gênero épico
ocidental. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais,
1995, p. 98).
Carlos Ceia afirma que “desde seu início, a literatura romana foi fortemente
influenciada pela grega, mas a primeira obra de real independência foram os Anais,
de Ênio (239-169 a.C.).” (2005). Um épico histórico do qual se conhece apenas
fragmentos. Os 1500 anos decorridos entre Homero e a Idade Média revelaram o
surgimento de quase todas as principais formas de prosa e poesia, além do próprio
conceito da literatura como arte.
Como consta na Enciclopédia Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos
Gerais, (1995, p. 130), as maiores glórias da literatura medieval estão em suas
narrativas: épicos, romances de cavalaria, e contos escritos em poesia e prosa para
recitação. Todos os aspectos da vida humana eram representados: das dificuldades
dos camponeses aos privilégios dos aristocratas, passando pelo comércio em
ascensão. As histórias variavam em assunto e técnica da obscenidade cômica à
1
Procurando distinguir os gêneros – épico, lírico e dramático –, Hegel (apud Leite, 1997, p. 9),
caracteriza o primeiro como eminentemente objetivo, o segundo como subjetivo, e o terceiro como
uma espécie de síntese dos outros dois, objetivo-subjetivo. Assim, a poesia épica seria aquela em
que, do conjunto dos homens e dos deuses, brotaria a dinâmica dos acontecimentos que o poeta
deixaria evoluir livremente, sem interferir. Trata-se de uma realidade exterior a ele, com a qual não se
identifica a ponto de se envolver com os sentimentos, pensamentos e ações dos caracteres em jogo.
Já a lírica teria por conteúdo subjetivo “a alma agitada pelos sentimentos”, e, em lugar da ação
externa ao sujeito, o que se expõe é o seu extravasar; é ele que se expressa diretamente, e
musicalmente, pela palavra que profere. O terceiro gênero – o dramático –, como síntese dos outros
dois, se constitui, ao mesmo tempo, de um desenrolar objetivo de acontecimentos e da expressão
vibrante da interioridade.
16
espirituosidade erudita, do romance puro à sátira pungente, da superstição popular à
elevada doutrina cristã.
Percebe-se, como descreveu Reis, que os textos narrativos literários
consolidam um processo de representação eminentemente dinâmica, sobretudo pela
ação de mecanismos temporais. Ao mesmo tempo, a narrativa literária estrutura-se
em dois planos fundamentais: “o plano da história relatada e o plano do discurso que
a relata, articulados num ato de enunciação que é a instância da narração.” (1999, p.
345).
A literatura da Renascença teve seu início quando a humanidade começou a
se ocupar de sua própria consciência, afastando-se de assuntos religiosos. A
poesia, a prosa e o teatro da Idade Média têm caráter essencialmente religioso, já a
literatura da Renascença é predominantemente secular, incorporando o domínio da
atividade humana. A preocupação com a vida após a morte e com a salvação da
alma foi substituída por uma análise dos destinos de reinos, países, famílias e raças.
A literatura renascentista se tornou o espetáculo do homem tentando atingir seus
objetivos. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais,
1995, p. 146). Segundo Manuel Amaral (2007), Luís Vaz de Camões foi um dos
maiores escritores da literatura da Renascença com Os Lusíadas em 1572.
No Brasil, a literatura chega com o descobrimento. A partir deste marco
histórico já acontece a interação do jornalismo com a literatura. Para muitos autores,
a carta de Pero Vaz de Caminha em 1500, descrevendo as belezas do novo país, é
o marco inicial da literatura brasileira, mais especificamente da crônica, assim como
os relatos de vários cronistas portugueses que aqui estiveram, como Pero de
Magalhães de Gandavo e Gabriel Soares de Souza, e os poemas e sermões
escritos por jesuítas que tinham por objetivo a catequese dos índios. Os de maior
renome são os de autoria dos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Neste
período destacam-se dois movimentos: o Barroco e o Arcadismo. (ENCICLOPÉDIA
Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 444). Para outros
autores, como SÁ (1985, p. 5), a crônica, os poemas e as cartas trazem muito do
feitio jornalístico. O Barroco no Brasil tem estreita ligação com o jornalismo devido
ao surgimento de cidades e vilarejos em Minas Gerais por causa da exploração das
minas de metais preciosos. Logo, as manifestações literárias deste movimento
representavam a realidade do drama humano no garimpo. O que evidencia a
proximidade com as técnicas jornalísticas de informar (ARAÚJO, 2006).
17
Em razão desta proximidade com o jornalismo, e também para entender os
processos narrativos surgidos no Brasil, se fará um breve resgate dos movimentos
da Literatura Brasileira.
A linguagem barroca preocupa-se com a elegância, havendo o predomínio da
idéia abstrata e da valorização dos sentidos sobre o materialismo. A temática
barroca é a antítese entre a vida e a morte, valorizando a experiência humana e
todas as suas contradições. Seu início se dá com a publicação do poema épico
Prosopopéia, de Bento Teixeira, em 1601, que louvava o segundo donatário de
Pernambuco e celebrava a prosperidade desta então capitania hereditária.
(ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 444).
Com o crescimento do nacionalismo, há a necessidade de se adequar às
produções literárias ao gosto e às temáticas brasileiras. Ao mesmo tempo, a
popularização das obras faz com que os escritores busquem uma linguagem mais
simples e natural, além de idéias mais claras e facilmente compreendidas. Valoriza-
se mais a natureza e os gêneros bucólicos se difundem, representando a inocência
e a rusticidade sadia dos habitantes dos campos. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-
Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 444). No Brasil, o Arcadismo inicia-se
com a publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manoel da Costa em 1768, uma
poesia rica e elegante que revela o culto aos clássicos. (MIRANDA, 2004).
Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, as atividades culturais
são incentivadas e a afirmação da identidade nacional se intensifica, iniciando-se
uma nova etapa da literatura brasileira.
De acordo com a Enciclopédia Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos
Gerais, (1995, p. 444), o movimento romântico foi muito importante, coincidindo com
a época em que o país se definia em termos de nacionalidade, reconhecendo seu
passado histórico, origens, tradições e folclore. Há uma produção bastante grande
em termos de poesia, teatro e ficção. São pregados o subjetivismo, a
individualidade, a valorização da nossa paisagem física e social, as tradições e lutas
político-sociais do momento. Apesar de muito nacionalista, o Romantismo brasileiro
também se preocupa com as temáticas universais, sendo um movimento bastante
rico. Inicia-se em 1836, com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de
Domingos Gonçalves de Magalhães. No entanto, o primeiro grande romântico
brasileiro é Antônio Gonçalves Dias, cujos poemas de caráter nacionalista se
notabilizaram na Canção do Exílio. Outros romancistas que se destacaram foram
18
Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha) e José de Alencar (O Guarani e
Iracema).
Com todas as mudanças políticas e sociais que ocorreram no II Reinado, o
Romantismo entra em crise e o regionalismo vem à tona, com personagens que
ilustram o real – e não o idealizado romântico – e o crescente questionamento de
valores e dúvidas inerentes ao ser humano. Os movimentos do Realismo e do
Naturalismo se iniciaram oficialmente no país com Memórias Póstumas de Brás
Cubas de Machado de Assis em 1880, considerado um dos maiores escritores
brasileiros de todos os tempos. Aluísio Azevedo se consagrou como naturalista ao
exagerar certos aspectos da realidade em O Cortiço, de 1890. (ENCICLOPÉDIA
Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 445). Deve-se levar em
conta que o Realismo e o Naturalismo impulsionaram a forma de se narrar as
histórias jornalísticas.
O Parnasianismo enaltecia a poesia objetiva e o rebuscamento formal. Há a
preocupação com a correção métrica, o vocabulário raro e as rimas exóticas.
Considerado como primeiro livro parnasiano as Fanfarras de Teófilo Dias, em 1882.
O principal nome do período é Olavo Bilac, cujo volume Poesias de 1888 é o retrato
exato do pensamento parnasiano. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de
Conhecimentos Gerais, 1995, p. 445).
No ensaio “O Parnasianismo na Poesia Brasileira”, o professor Sânzio de
Azevedo, ressalta o fato de que o movimento no Brasil teve três correntes
preparatórias.
A poesia filosófico-científica; a poesia realista; e a poesia socialista. Os
poetas do primeiro grupo buscavam praticar uma poesia que demonstrasse
que conheciam, “os grandes princípios da filosofia geral e o espírito
renovador da ciência no século XIX”, sem, no entanto fazer uma poesia
didática. [...] A corrente da poesia realista basicamente lutava contra a
idealização romântica, e cultivava pormenores realistas nas descrições. [...]
Já a poesia socialista, em geral, atacava a monarquia e a igreja, defendia o
sufrágio universal, pregava a república, o comunismo, a paz, a igualdade
social e o amor total. (2004, p. 376).
Conforme Marina Cabral (2007) o Simbolismo caracteriza-se pela melancolia,
musicalidade, imagens ousadas e vocabulário vago, recorrendo muitas vezes a
neologismos. Inicia-se em 1893 com as obras Missal – poemas em prosa – e
19
Broquéis – versos –, de Cruz e Souza. O movimento reflete um momento histórico
extremamente complexo que marcaria a transição para o século XX e a definição de
um novo mundo, basta lembrar que as últimas manifestações simbolistas e as
primeiras produções modernistas são contemporâneas da Primeira Guerra Mundial e
da Revolução Russa.
No site Brasil Escola (2007), encontra-se que o Pré-Modernismo se destaca
com a consolidação da República e a expansão cultural. Em Triste Fim de Policarpo
Quaresma de 1915, de Lima Barreto, a vida urbana carioca é retratada com riqueza
de detalhes. Os Sertões de 1902, de Euclides da Cunha, narra a campanha contra
os seguidores de Antônio Conselheiro, no nordeste, sendo até hoje uma obra-prima
em termos de linguagem. O livro de Cunha também é considerado o marco inicial da
reportagem no Brasil, uma vez que foi publicado em 1898 no jornal O Estado de São
Paulo. O pré-modernismo também figura no corpo do jornal impresso, assim como
as características do Realismo e do Naturalismo.
O marco inicial do Modernismo é a Semana de Arte Moderna de 1922, que
difundiu os ideais europeus vanguardistas por todo o país. O principal é a busca da
nacionalidade, valorizando todos os aspectos da nossa cultura. Nesta primeira fase,
são expoentes Mario de Andrade, cuja obra-prima é Macunaíma de 1928, Oswald de
Andrade, cujas principais contribuições ao movimento foram os poemas Pau Brasil
em 1925 e a Revista Antropofágica, e Manuel Bandeira que traduziu
primorosamente as obras de Shakespeare. A partir de 1930, o movimento
modernista se consolida com nomes como o de Carlos Drummond de Andrade e
vários romancistas como Erico Verissimo, Jorge Amado e Rachel de Queiroz. Numa
linha mais intimista, surge Vinícius de Moraes, um dos maiores poetas do Brasil. A
chamada Geração de 45 volta a se preocupar com o apuro formal e busca temas
mais complexos, destacando-se João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e
Guimarães Rosa, cujo romance Grande Sertão Veredas de 1956, é um dos
melhores já produzidos pela literatura nacional. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-
Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 445).
A partir de então, a literatura brasileira oferece um panorama de narrativas
muito vasto, desde pesquisas regionalistas até narrativas fantásticas. O romance de
denúncia e o romance-reportagem assumem um importante papel, transformando a
literatura nacional em uma posição de destaque na América Latina.
20
Diante dessas afirmações reitera-se que a técnica literária serviu de berço ao
jornalismo. É inegável a influência da literatura no jornalismo. Há um processo
histórico de troca de elementos entre literatura e jornalismo, e o primeiro foi o
realismo social. Este estilo literário, segundo Fernando Torres, cooperou para o
surgimento da reportagem. “A literatura de então destacava a temática social, a
descrição detalhada de ambientes e personagens do cotidiano, contribuindo assim,
não apenas com os aspectos estéticos do texto jornalístico, mas também para a
captação e apuração dos dados.” (2007). Mais adiante, o New Journalism,
movimento literário, tomaria fôlego mediante a reportagem. A partir daí, a ficção
incorporou elementos informativos à sua narrativa e vice-versa. E mais: histórias
reais e grandes reportagens começaram a ser publicadas em livros.
Com alusão de que muitos dos escritores citados foram também jornalistas e
que exerceram o trabalho jornalístico de investigação e interpretação dos fatos,
surge na década de 60 o New Journalism. Lima diz que a chance que o jornalismo
poderia ter para se nivelar, em qualidade narrativa, à literatura, seria aperfeiçoando
meios sem, porém, perder suas características. Isto é, “teria de sofisticar seu
instrumental de expressão de um lado, e elevar seu potencial de captação do real de
outro. Esse caminho chegaria a bom termo com o New Journalism.” (1995, p. 146).
De acordo com Marco Aurélio Silva, o Novo Jornalismo busca na literatura
realista do século XIX, dados para a composição narrativa, em conseqüência disso,
uma forma mais aprazível de informar o mundo sobre vários assuntos estava
nascendo. “Tal trabalho pode ser encontrado no que se convencionou chamar de
romance-reportagem com destaque para Os Eleitos, de Tom Wolfe, e A Sangue
Frio, de Truman Capote.” (2007).
Neste contexto, Diego Junqueira Torres complementa que:
O Novo Jornalismo, febre norte-americana iniciada na década de 60,
priorizava o enfoque literário na construção dos fatos/narrativas,
indivíduos/personagens. Contudo, abriu espaço para a prática do
“jornalismo literário” – mais literatura, diriam uns, mas ainda informativo,
diriam outros. (2007).
Lima diz que no Brasil é possível presumir que o Novo Jornalismo tenha
entusiasmado dois veículos lançados em 1966 que se notabilizaram exatamente por
21
uma proposta estética renovadora: “a revista Realidade, considerada a nossa
grande escola da reportagem moderna, e o Jornal da Tarde.”
O novo modo de fazer jornalismo começou a ser adotado no Brasil através
do gênero interpretativo em meados do século XX, e na década de 1960
ocorreram então, bons exemplos de jornalismo voltado para a literatura sem
fugir do real, como foi o caso da revista Realidade e do Jornal da Tarde,
lançados em São Paulo, em 1966. Os dois veículos publicavam reportagens
que se aproximavam da literatura. Naquela época eles eram verdadeiras
escolas do gênero no Brasil e abrigavam uma geração de escritores que
combinavam o jornalismo e a literatura, o livro-reportagem, geração de
cronistas, etc., que não encontravam espaço para matérias do gênero
literário principalmente depois da extinção da revista Realidade na década
de 70. (1995, p. 146).
Conforme Rangel e Ribeiro (2006, p. 2), a inclusão deste protótipo de texto é
resultado de uma ansiedade constante, com a ambição de fazer um jornalismo que
permita a implantação de um mundo que conserva-se oculto ao que se depara em
noticiários, momento que começa a surgir o livro-reportagem. Neste contexto, “os
profissionais que passaram a produzir nessa corrente abriram uma porta de
possibilidades vastas, primeiro em publicações periódicas e depois no livro-
reportagem.” (LIMA, 1995, p. 146).
Na verdade, comenta Lima, a literatura e a imprensa confundem-se até os
primeiros anos do século XX. “Muitos dos jornais abrem espaço para a arte literária,
produzem seus folhetins, publicam suplementos literários. É como se o veículo
jornalístico se transformasse numa indústria periodizadora da literatura da época.”
(1995, p. 136).
Rangel e Ribeiro (2006, p. 2), declaram que os jornalistas do New Journalism
entenderam que deveriam se aprofundar e levar ao leitor detalhes minuciosos. Além
das narrativas habituais, era preciso criar textos com emoção e escrever relatos
mais humanizados. O mesmo aconteceu no Brasil, embora sem o título de Novo
Jornalismo e muito antes desse período, como, por exemplo, Euclides da Cunha,
que despachava ao jornal O Estado de São Paulo, em 1898, suas impressões da
guerra de Canudos. Posteriormente as descrições das batalhas feitas por Cunha
foram reunidas e se transformaram no livro Os Sertões, um clássico da literatura
brasileira, como exposto anteriormente. “Os Sertões é considerado um livro-
22
reportagem, e, paralelamente, Euclides da Cunha foi considerado um dos primeiros
jornalistas a executar uma reportagem digna do jornalismo científico.” (OLIVEIRA,
2002, p. 32).
Percebe-se, através dos subsídios teóricos apresentados neste trabalho, que
o Novo Jornalismo recupera a capacidade do texto de emocionar, possibilita
trabalhar com a arte, tanto o aspecto racionalista, dito objetivo, quanto o subjetivo da
realidade.
Partindo da premissa de que o Novo Jornalismo permite ao jornalista
encontrar meios diferentes para dizer o que, quem, como, onde, quando e o porquê,
explorando a criatividade, entende-se que o Novo Jornalismo exige uma abordagem
mais imaginativa da reportagem e consente que o escritor participe ativamente da
narrativa ou assuma o papel de observador imparcial. No site Irmandade Raoul Duke
encontra-se que:
O Novo Jornalismo, embora possa ser lido como ficção, não é ficção. É, ou
deveria ser tão verídico, como a mais exata das reportagens, buscando
embora uma verdade mais ampla que a possível através da mera
compilação de fatos comprováveis, o uso de citações, a adesão ao rígido
estilo mais antigo. (2007).
Edvaldo Pereira Lima, no artigo “New Journalism X Jornalismo Literário”, diz
que:
O New Journalism americano foi a manifestação de um momento do
Jornalismo Literário. Isso quer dizer que o Jornalismo Literário, enquanto
forma de narrativa, de captação do real, de expressão do real, já existia
antes e continua existindo após o New Journalism, que foi só uma versão
específica do Jornalismo Literário, mas uma versão radical quando
comparada à anterior, principalmente, no que se refere à capacidade do
narrador se envolver com o universo sobre o qual vai escrever. (2002).
O Jornalismo Literário, segundo Thomas Berner, não é menos verdadeiro do
que o jornalismo objetivo e pode, de fato, representar a realidade mais precisamente
do que as formas tradicionais de redação noticiosa (apud LIMA, 1995, p. 159).
23
Ricardo Noblat (2003, p. 37), diz que a missão de um jornalista é informar. Ou
melhor: contar histórias. Neste contexto, o jornalismo e a literatura estão muito
próximos. Evidencia-se, nesta perspectiva, que o Novo Jornalismo não se trata de
um gênero categoricamente inédito e sim parte da evolução da literatura que procura
se inspirar na literatura de realismo social, na literatura de relato e nas
manifestações literárias com caráter factual e informativo, ou seja, na literatura de
não-ficção, e, portanto, jornalístico, que se convencionou em chamar de Jornalismo
Literário, qualificado pela utilização das técnicas da literatura na captação, redação e
edição de reportagens. (SITE Irmandade Raoul Duke, 2007).
Oswaldo Coimbra cita que:
Uma das técnicas de construção da narrativa no texto do Novo Jornalismo
era a de apresentar cada cena para o leitor através dos olhos de uma
personagem, dando ao leitor a sensação de estar dentro do pensamento da
personagem e sentindo a realidade emocional da cena como ela a sentiria.
(1993, p. 76).
Numa concepção mais moderna, Alceu Amoroso Lima diz que “tudo é
literatura desde que no seu meio de expressão, a palavra, haja uma acentuação,
uma ênfase no meio de expressão, que é o seu valor de beleza.” E adiante conclui:
O jornalismo, por conseguinte, tem todos os elementos que lhe permitem a
entrada no campo da literatura, sempre que seja uma expressão verbal com
ênfase nos meios da expressão, e com todos os riscos e perigos, que possa
produzir nos outros gêneros seus companheiros, ou que os outros nele
possam produzir, quando desviados de sua natureza própria. (1958, p.
138).
O Novo Jornalismo traz ao brilho dos holofotes o mesmo tom comum de
mergulho completo, corpo e mente, na realidade, como acontecia em todas as
formas de expressão da contracultura, por exemplo. “À objetividade da captação
linear, lógica, somava-se a subjetividade impregnada de impressões do repórter,
imerso dos pés à cabeça no real.” (LIMA, 1995, p. 149). Ou seja, antes de se
escrever um texto eram realizadas extensas pesquisas sobre a linguagem, os tipos
24
humanos e os costumes das pessoas. Estas informações eram repassadas ao texto
junto com os efeitos que a realidade provocava e despertava no autor.
Portanto, conclui-se que o Novo Jornalismo permitiu explorar o estilo e a
narrativa aprimorando a linguagem jornalística, já que este remete à idéia de
liberdade da escrita analítica e como enfatiza Lima:
O principal legado do New Journalism – a de que a melhor reportagem, no
sentido de captação de campo e fidelidade para com o real, pode combinar-
se muito bem com a melhor técnica literária – encontrou sua mais refinada
expressão no livro-reportagem. (1995, p. 159).
Este por sua vez, alcançou respeitável nível de expressão ao transplantar
para seu campo específico, com sucesso, as técnicas da literatura.
1.2 O hibridismo entre o real e a ficção
A preservação do realismo já está segundo o produtor e roteirista de cinema e
televisão Pedro Eduardo Pereira Salomão, completamente desarticulada da idéia
purista do registro intocável. O termo realismo oculta em si um paradoxo. Ele causa
a sua própria contradição. A adesão da palavra real com o sufixo “ismo” concederia
ao realismo o atributo de representar o real.
A simultaneidade da presença do real com a experiência de vivê-lo, impede
o homem de fazer a sua sistematização. Como forma de se relacionar com
o real, ele recorre às representações. A primeira delas é a realidade,
considerada uma construção social do real. A compreensão direta do real é
impossível dada à intermediação da linguagem. O seu processo de
percepção passa de modo invariável pelo auxílio das representações,
sujeitas às seleções inerentes ao crivo da consciência. A realidade é parte
do real, embora o real não possa ser aprisionado esteticamente senão
filtrado pela representação da realidade. O objetivo maior do realismo é
atingir o status de real. (2007).
25
Neste contexto, entende-se que a ficção está a serviço da realidade. O
condicionamento do realismo a uma realidade externa é concernente às
manifestações modernas, quando acontecimento e ficção se unem. O real
impulsiona o ficcional e o ficcional estimula o real. Eneida Maria de Souza diz “que a
ambigüidade gerada pela relação entre realidade e ficção é fortalecida pela
utilização da narrativa em primeira pessoa, permitindo aos defensores do realismo
confundir autor e narrador, escritor e personagem.” (2002).
Christian Metz (1972, p. 19), observa que a impressão de realidade é sempre
um fenômeno de duas faces: pode-se procurar a explicação no aspecto do objeto
percebido ou no aspecto da percepção. Assim sendo, a fidelidade da cópia em
relação ao seu modelo depende da quantidade de indícios de realidade que ela
conserva.
Conforme Christiane Karydakis e Marillia Raeder Auar Oliveira, o mundo
desvendado pela arte é o mundo que ela mesma constrói. Um texto de ficção
proporciona uma fração do mundo real em que se vive, mas não acaba com essa
realidade, daí seu caráter ficcional. Um texto de ficção busca na própria realidade
artifícios para então instituir seu mundo especial, ficcional por excelência, mas
pincelado por informações reais que prosseguem desta maneira, reais, mesmo
fazendo parte de um universo idealizado.
Sabemos que a ficção se abastece de realidade e a transgride, alcançando
novos universos, particulares e próprios da criação artística, muitas vezes
mais verossímeis e confortáveis que esse mundo em que vivemos, dito
“real”. Também sabemos que a ficção oferece muito mais certezas que a
própria realidade. Ao lermos um texto, tomamos consciência de tudo o que
se passa nas relações entre os personagens; sabemos o que cada um
deles pensa, como agem, aquilo de que gostam, suas escolhas, seus
segredos – tudo isso oferecido por um narrador onisciente. (2007).
As autoras colocam que na nossa realidade, ao dialogarmos com uma
pessoa, não existe a possibilidade de saber se o que ela está dizendo é de fato
verdadeiro:
26
Não podemos saber o que esta pessoa está pensando – essas informações
não nos são oferecidas. Podemos questionar nosso interlocutor, ao invés de
fazermos projeções, mas não teremos certeza da informação que nos será
dada por esse interlocutor – ele pode estar mentindo. (KARYDAKIS;
OLIVEIRA, 2007).
De acordo com estas autoras, como saber a veracidade das palavras nas
relações interpessoais no mundo real? Não se sabe, apenas acredita-se na boa
vontade do outro em falar o que realmente é verdadeiro. No texto ficcional, no
entanto, se tem a noção de que tudo que está sendo narrado é produto da invenção
do autor do texto, mas no interior da ficção tudo é realidade.
Para Salomão essas relações e a conseqüente distinção entre arte e vida,
arte e realidade, é cíclico na história do pensamento humano.
O desenvolvimento do conceito de mímesis por Platão tenta, em geral, dar
conta dessa problemática e determinar racionalmente as fronteiras. Porém,
a mímesis para os filósofos da Antiguidade não se limita a um imitar da
realidade e se estende a tensão entre os conceitos de arte e de vida. Em
Platão, a mímesis abrange também a dimensão do jogo entre esquecimento
e reconciliação da aparência com a essência. Essa dimensão do conceito
original é resgatada no pensamento dos realismos contemporâneos. As
representações artísticas, em especial, tendem a tencionar o ficcional e o
factual. (2007).
Karydakis e Oliveira (2007) se referem à mímesis – figura em que o orador
imita a voz ou os gestos de outrem – no discurso ficcional da literatura, registrando
que ela acaba escapando de um código primário, alimentando-se da realidade para
evidenciar sua própria mímesis como criação imagética. Essa mímesis rompe com o
real, criando novas alusões e novas possibilidades. Neste contexto observa-se o que
Shusterman afirma:
Mímesis é usualmente traduzido por “imitação”, mas de fato este significado
central está mais próximo de “realização”: objetos, eventos, ou ações que,
porque são divinos, passados ou canônicos, pertencem a um domínio mais
valioso da realidade do que nossa vida cotidiana, mas estão, por isso
mesmo, de alguma forma afastados de nós, impõem sobre nós a obrigação
de restaurar sua realidade. (apud KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007).
27
Tatiana da Silva Capaverde coloca que Aristóteles também entendia a arte
como imitação da realidade, contudo, “para ele, a obra possuía valor estético, e o
significado de imitação passa a ser o de possíveis interpretações do real.” (2007).
Salomão enfatiza que:
A imbricação entre arte e vida, real e ficcional, em todos os contextos
produz resultados inéditos, distanciados dos realismos antecedentes que
sugerem uma receosa proximidade com a realidade. Propostas que, na
verdade, apenas tomam a realidade como base para suas representações
específicas. (2007).
A arte emprega a linguagem para representar a realidade. Na literatura isso
se consagra através da busca de novas linguagens, e que estas, admitam a livre
expressão das diferentes maneiras de ver o mundo, tendo em vista a inclusão do
cotidiano e da arte popular nas temáticas cogitadas e a valorização em termos
artísticos do subconsciente e do inconsciente. Esse movimento e o procedimento de
transformação da arte, todavia, não significaram uma alienação diante da realidade,
pois as analogias entre a arte e os homens são de intenso conhecimento e
identidade, sendo compreendida agora numa configuração mais imbricada que
antes. (CAPAVERDE, 2007).
Como decorrência desse movimento, tem-se a utilização do conceito de
simulacro para indicar a nova relação entre a realidade e a ficção. O simulacro é o
conceito que se superpõe àquele que Platão criou. Neste caso, como avalia Rejane
Pivetta de Oliveira:
A imagem prescinde de referencialidade, pois é criada a partir de modelos
de simulação, que instituem a realidade por si mesmos. Elimina-se, assim, a
diferença entre o real e o ilusório, o verdadeiro e o falso, de modo que a
representação passa a viver sob o domínio do código, que pode ser
infinitamente reproduzido. (2003, p. 28).
Como uma aposta, a obra modifica-se numa paródia dos valores de
referência, de estrutura e de sentido, deslocando a seqüência entre o pensamento e
o mundo. Neste sentido, acompanhando o raciocínio de Oliveira, “o simulacro ao
28
contrário de mascarar a essência das coisas, desvela a fantasmagoria que sustenta
a verdade, mostrando que a máscara é a condição de existência de todas as coisas
e que a realidade é vivida como ficção.” (2003, p. 28).
Para Karydakis e Oliveira, a união entre ficção e realidade está firmada, uma
é indissociável da outra. “O que antes parecia difuso e nebuloso torna-se claro aos
olhos dos leitores mais atentos e comprometidos com suas leituras. A fusão da
realidade com a ficção já é um fingimento por si só, constituído de transgressões.”
(2007). De acordo com as autoras, viola-se a própria realidade sensível. O ato de
simular, segundo Wolfgang Iser (apud Karydakis e Oliveira, 2007), é, deste modo,
uma contravenção de limites.
Ainda conforme Iser:
O discurso ficcional da literatura se apropria das referencialidades, não para
defendê-las, mas para colocá-las em questão. Isto é feito através de
diferentes visões de mundo que se encontram em embate, em conflitos que
não se resolvem. O discurso ficcional reorganiza horizontalmente as normas
e os valores sociais. Daí a explicação do motivo por que não se faz sentido
a separação ficção versus realidade. (apud KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007).
Para Coimbra (1993, p. 17), o caráter ficcional e não ficcional dos textos cria
uma dificuldade de discernimento entre o real e o fictício. Percebe-se, assim, que se
existe uma fronteira entre a narrativa literária e a jornalística, ela não é demarcável.
“A ficção é simplesmente uma composição entre claros e escuros.”
(CAPAVERDE, 2007). Entende-se então que a noção de ficção e real se imbrica
para mostrar a incoerência de sua separação e a inter-relação que existe entre as
duas dimensões.
André Bazin (1992, p. 27) diz que sejam quais forem as objeções de nosso
espírito crítico, somos obrigados a crer na existência do objeto representado,
literalmente representado, quer dizer, tornado presente no tempo e no espaço.
Como aponta Anatol Rosenfeld, “a ficção é o único lugar em que os seres humanos
se tornam transparentes à nossa visão, porque o espaço do olhar é um espaço
relativo.” (apud KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007).
Sendo este espaço de olhar relativo, logo, cada ser pode transformá-lo em
imagens de acordo com suas percepções da realidade.
29
A materialidade do discurso faz com que ele passe a emergir enquanto
objeto articulador de imagens que são propostas no campo sintagmático do
texto literário, que provocam em nós, leitores, diversas e diferenciadas
reações de percepção diante do objeto literário que temos em mãos, pois
cada leitor pode reagir diferentemente a um mesmo texto, levando em
consideração os fatores realmente manifestos, extra teóricos, ou seja, sua
própria experiência de vida, a sua referencialidade, e ainda, sua inserção
em sociedade. Desta forma, o leitor está também sujeito aos efeitos
históricos, identificando-se ou identificando certos elementos no texto, para
que a experiência da alteridade resulte em um despertar de consciências
por parte dos leitores. (KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007).
A literatura de testemunho pode ser uma alternativa neste caso. Márcio
Seligmann-Silva diz que pensar a literatura brasileira a partir da chave do
testemunho implica ampliar a “caixa de ferramentas” do leitor. O testemunho deve
ser visto como um elemento da literatura que aparece de modo mais claro em certas
manifestações literárias do que em outras. O conceito de testemunho pode permitir
uma nova abordagem do fato literário que leva em conta a especificidade do real
que está na sua base e as modalidades de marca e rastro que esse real imprime na
escritura. A literatura não pode ser pensada como um campo desligado da nossa
vida cotidiana e sem efeito sobre ela. Nas palavras de Seligmann-Silva, “aquele que
testemunha se relaciona de um modo excepcional com a linguagem: ele desfaz os
lacres da linguagem que tentavam encobrir o ‘indizível’ que a sustenta.” (2003, p.
39). Portanto, o testemunho seria a narração da resistência à compreensão dos
fatos.
Segundo o autor, a questão não está na existência ou não da realidade, mas
na nossa capacidade de percebê-la e de simbolizá-la. Não existe a possibilidade de
se separar os fatos da interpretação. “A verdade é que o limite entre a ficção e a
realidade não pode ser delimitado e o testemunho justamente quer resgatar o ‘real’
para apresentá-lo. Mesmo que para isso ele precise da literatura.” (SELIGMANN-
SILVA, 2003, p. 379).
Daí a necessidade do registro ficcional para a apresentação dos eventos.
Aquilo que transcende a verossimilhança exige uma reformulação artística para a
sua transmissão. Mas a imaginação não deve ser confundida com a “imagem”: o que
conta é a capacidade de criar imagens, comparações e, sobretudo de evocar o que
não pode ser diretamente apresentado. “Não é invenção, mas narração – ou mesmo,
construção – do real.” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 386).
30
Conforme o autor, na literatura de testemunho não se trata mais de imitação
da realidade, mas sim de uma espécie de manifestação do real.
É evidente que não existe uma transposição imediata do “real” para a
literatura, mas a passagem para o literário, o trabalho do estilo e com a
delicada trama de som e sentido das palavras que constitui a literatura, é
marcada pelo “real” que resiste à simbolização. (SELIGMANN-SILVA, 2003,
p. 386).
Logo, o limite entre a ficção e a realidade é tão tênue que uma se deixa
atravessar pela outra (DUARTE, 2007). Para Georg Lukács “a literatura teria a
capacidade de dar a conhecer para mover, isto é, para levar o leitor – uma vez que
vislumbrou pela ficção uma realidade mais profunda – a desejar transformá-la.”
(apud Leite, 1997, p. 77). Confirma-se então a premissa de que a vida imita a arte e
a arte imita a vida, porque a vida real passa a ser mais interessante que a ficção e a
ficção, parece mais real que a realidade.
1.3 As técnicas narrativas
O texto, segundo Coimbra (1993, p. 11), pertence a uma de três matrizes de
gêneros: dissertativo, narrativo e descritivo.
A dissertação tem como finalidade principal expor ou explanar, explicar ou
interpretar idéias. A argumentação tende a convencer, persuadir ou influenciar o
leitor. Como na reportagem dissertativa a função de informar é inseparável do
esforço para convencer o leitor a aceitar a informação no contexto de um raciocínio
que se pretende correto, é obvia a presença nela de argumentação. “Assim, também
para nós, dissertação e argumentação são sinônimos.” (COIMBRA, 1993, p. 12).
Segundo Elisa Guimarães, o modelo de estrutura (ou de superestrutura) da
narração pode ser assim representado:
31
[...] um estado de equilíbrio inicial, que define uma situação estável – uma
ação transformadora que corresponde à intervenção de uma força
perturbadora acarretando um estado de desequilíbrio – uma ação
transformadora que corresponde à força da reação da qual decorre um
estado final de equilíbrio. (apud COIMBRA, 1993, p. 15).
Por isso, segundo a autora, dentro deste ponto de vista, três categorias tecem
o esquema narrativo: exposição, complicação e resolução. Podem, ainda, completar
o esquema uma avaliação e uma moral. O texto narrativo, segundo a autora, ostenta
uma dimensão temporal: os comportamentos que nele se processam têm relações
mútuas de anterioridade e de posterioridade. Sua especialidade fundamental, no
entanto, é sua referência primordial a ações de pessoas, as quais ficam
condicionadas às descrições de circunstâncias e de objetos. (GUIMARÃES, apud
COIMBRA, 1993, p. 15).
Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari definem a narração como:
A ordenação de fatos, de natureza diversa, externos ao relator (mesmo
quando o narrador é parte dos fatos, isto é, participa da ação que está
sendo narrada). No texto comunicativo, os acontecimentos (desde a mais
simples notícia até a grande-reportagem), situados no nível de uma
seqüência temporal, constituem uma narrativa. (1977, p. 77).
Para evidenciar a extensão do processo articulatório do texto descritivo,
Guimarães (apud Coimbra, 1993, p. 19), esclarece que toda descrição comporta as
seguintes categorias:
1. Um tema chave que enuncia a seqüência descritiva;
2. Uma série de subtemas;
3. Expansões predicativas (atribuições de qualidade, de ações, aos
subtemas).
Para Sodré e Ferrari, a descrição é entendida como a representação
particularizada de seres, objetos e ambientes. “A descrição imobiliza esse objeto ou
ser em certo instante do processo narrativo, fixa um momento, um lado, um aspecto
do ser que se move, retendo-o através da permanência de sua imagem imóvel.”
(1977, p. 105).
32
No jornalismo os tipos mais comuns de descrições são, de acordo com
Gaudêncio Torquato (1984, p. 119), a pictórica – que se faz pela soma dos detalhes,
o observador imóvel em relação ao que é observado; a topográfica – que concede
mais ênfase a certos aspectos do que é observado, normalmente massa e/ou
volume; e a cinematográfica – que destaca a luz e o jogo de luzes ou sombras sobre
o objeto observado.
Coimbra ainda destaca a descrição de pessoas: que é, principalmente,
através da comunicação face a face, possibilitada pelas entrevistas, que o jornalista
observa as pessoas que se tornarão personagens de seus textos.
Há, portanto, uma dualidade – pessoa/personagem – diante da qual está
permanentemente o jornalista, e com a qual é obrigado a conviver sempre,
correspondente à dupla dimensão do seu trabalho – a de repórter, captador
de informações do mundo real, e a de redator, estruturador de textos. Essa
dualidade se intercomunica, graças aos mesmos fatores pelos quais o texto,
como vimos, tem dupla face: uma voltada para o mundo real, outra para sua
organização interna. Se o que está fora do contexto verbal escrito é
transportável para dentro dele, podemos usar conceitos criados para
classificar elementos da comunicação face a face como elementos da
estruturação do texto descritivo de pessoa. (1993, p. 20).
Sodré e Ferrari (1977, p. 119) acrescentam às técnicas narrativas a exposição
e o diálogo. A exposição aplica-se à apresentação de um fato e suas circunstâncias,
com a análise das causas e efeitos, de maneira muito pessoal ou não. Já o diálogo é
realista e envolve o leitor mais completamente do que qualquer outro instrumento.
Também situa e define o personagem mais rápida e efetivamente do que qualquer
outro recurso.
Lima diz que “a narrativa jornalística é como um aparato ótico que penetra na
contemporaneidade para desnudá-la, mostrá-la ao leitor, como se fosse uma
extensão dos próprios olhos dele, naquela realidade.” (1995, p. 122). Para cumprir
tal tarefa, a narrativa tem de selecionar a perspectiva sob a qual será mostrado o
que se pretende.
Karydakis e Oliveira fazem menção à narrativa fantástica. Segundo as autoras
neste caso, a narrativa é baseada em referências anteriores, que se pautam com a
realidade sensível. “O autor do texto cria imagens, e estas imagens criam sua
33
própria realidade, elas se assumem como imagens de fato e bastam a si mesmas.
Aqui, as simulações pretendem inventar novas realidades.” (2007).
Além da técnica propriamente dita, o debate a respeito do tempo na literatura
passa pelas conexões entre o tempo e a linguagem.
Quando se pretende relacioná-los, a primeira premissa é a de que o
discurso sempre sofre uma defasagem com relação ao fato descrito, já que
aquilo que tentamos descrever agora, no momento seguinte já é passado.
Mas o paradoxo, está em que ao mesmo tempo em que a linguagem não
consegue acompanhar o acontecimento dos fatos, ela está mergulhada em
referenciais temporais. Através destes é que o discurso é construído e
passa a fazer sentido para o leitor, que pode, então, criar seqüências e
relações de causa e efeito. (CAPAVERDE, 2007).
A literatura criou mecanismos próprios em função desta inabilidade da
linguagem em historiar os fatos no momento em que eles acontecem. Como a
literatura não é capaz de dominar o tempo real, ela cria seu próprio tempo, dentro de
uma relação de verossimilhança com o mundo. Segundo Capaverde, é pela direção
progressiva do discurso que se tem a ilusão de acompanhá-lo, pela associação de
uma palavra à outra, aponta-se uma direção para a memória ou para o futuro. “A
escrita, portanto, é uma forma de romper os limites entre o espaço e o tempo.”
(2007).
O elemento tempo, por conseguinte, é presença imprescindível na essência
de qualquer categoria narrativa – antes, durante e depois; início, meio e fim –. O
tempo da narrativa emana da relação entre o tempo de narrar e o tempo narrado,
como um grupo do discurso. Deste encontro surge o tempo físico e o psicológico, o
tempo cronológico e o tempo histórico. Já o tempo de leitura, consuma-se através da
ação de ler e da temporalidade do leitor. “O próprio ato narrativo se desloca
temporalmente, uma vez que contar uma história leva tempo e toma tempo. É
atividade real que consome minutos ou horas do narrador ou do ouvinte/leitor.”
(CAPAVERDE, 2007).
A narrativa jornalística, por sua vez, se utiliza desses recursos para
apresentar melhor qualidade e praticar uma literatura da realidade. Logo, a
reportagem pode exercer o papel de reprodutora do real, assumindo alguns dos
nobres ideais de que esta pode revestir-se e sem dúvida, beirando a arte.
34
1.4 O narrador e as personagens
Histórias são narradas desde sempre. No início, com a Épica, foi no sentido
de uma narração de fatos, presenciados ou vividos por alguém que tinha a
autoridade para narrar, alguém que vinha de outros tempos ou de outras terras,
tendo por isso, experiência a comunicar e conselhos a dar a seus ouvintes atentos.
Assim, desde sempre, entre os episódios narrados e o público, se interpôs um
narrador. (LEITE, 1997, p. 5).
Para a autora, “quem narra, narra o que viu, o que viveu, o que testemunhou,
mas também o que imaginou, o que sonhou, o que desejou. Por isso, a narração e a
ficção praticamente nascem juntas.” (LEITE, 1997, p. 6).
Kayser trata da questão do narrador a partir da situação primitiva, onde um
narrador conta a um auditório alguma coisa que aconteceu. Depois o autor chama a
atenção para a variação substancial do narrador de romance: aqui o narrador fala
pessoalmente para um leitor também pessoal, individual, numa sociedade dividida. É
o fenômeno da particularização em personagens.
Na epopéia, o narrador tinha uma visão de conjunto e se colocava (e
colocava o seu público) à distância do mundo narrado. Já o narrador do
romance [...] perde a distância, torna-se íntimo, ou porque se dirige
diretamente ao leitor, ou porque nos aproxima intimamente das
personagens e dos fatos narrados. (apud LEITE, 1997, p. 11).
Para Reis, a pessoa do narrador só pode fazer parte da narrativa, como todo
o sujeito da enunciação no seu enunciado, na primeira pessoa. “Mesmo no relato
mais sóbrio há alguém que me fala, que me conta uma história, convida-me a ouvir
como ele a conta e este apelo – confiança ou pressão – constitui uma inegável
atitude de narração e, portanto de narrador.” (1999, p. 369).
Segundo Wayne Booth, o autor se disfarça constantemente, atrás de uma
personagem ou de uma voz narrativa que o representa. “A ele devemos a categoria
do autor implícito, extremamente útil para dar conta do eterno recuo do narrador e do
jogo de máscaras que se trava entre os vários níveis da narração.” (apud LEITE,
1997, p. 18).
35
Jean Pouillon indica três possibilidades na relação narrador-personagem: a
visão com, a visão por trás, e a visão de fora.
Na visão por trás, o narrador domina todo um saber sobre o seu destino. É
onisciente [...] uma espécie de Deus. Na visão com, o narrador limita-se ao
saber da própria personagem sobre si mesma e sobre os acontecimentos.
Renunciando à visão de um Deus que tudo sabe e tudo vê. Finalmente, a
visão de fora, em que se renuncia até mesmo ao saber que a personagem
tem, e o narrador limita-se a descrever os acontecimentos, falando do
exterior, sem que possamos nos adentrar nos pensamentos, emoções,
intenções ou interpretações das personagens. (apud LEITE, 1997, p. 19).
Norman Friedman (apud Leite, 1997, p. 26), propõe a distinção de narrador2
nas seguintes categorias:
1. Narrador onisciente intruso: esse tipo de narrador tem a liberdade de narrar
a bel-prazer, adotando um ponto de vista sublime, para além dos limites de tempo e
espaço. Como canais de informação, predominam suas próprias palavras,
pensamentos e percepções. Seu traço característico é a intrusão, ou seja, seus
comentários sobre a vida, os costumes, os caracteres, a moral, que podem ou não,
estar entrosados com a história. Segundo Leite, no século XVIII e no começo do
século XIX, o narrador onisciente intruso saiu de moda. “Com o predomínio da
neutralidade preferia-se narrar como se não houvesse um narrador conduzindo as
ações e as personagens, como se a história se narrasse a si mesma.” (1997, p. 29).
2. Narrador onisciente neutro: fala em terceira pessoa. As outras
características referentes às outras questões são as mesmas do narrador onisciente
intruso, do qual este se distingue apenas pela ausência de instruções e comentários
gerais ou mesmo sobre o comportamento das personagens.
3. Narrador testemunha: narra em primeira pessoa, mas é um “eu” já interno à
narrativa, que vive os acontecimentos descritos como personagem secundária que
pode observar de dentro os acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitor de modo
2
Além dos cinco mencionados, Leite (1997), na obra citada faz menção a outros três focos narrativos
descritos por Norman Friedman, que se deixou de considerar por não serem, segundo Coimbra
(1993), empregados no jornalismo. 1. Onisciência seletiva múltipla: não há propriamente narrador. A
história vem diretamente, através da mente das personagens, das impressões que fatos e pessoas
deixam nelas. 2. Onisciência seletiva: é uma categoria semelhante à anterior. Difere apenas por
tratar-se de uma só personagem. O ângulo é central, e os canais são limitados aos sentimentos,
pensamentos e percepções da personagem central, sendo mostrados diretamente. 3. Câmera:
significa o máximo da exclusão do autor. Esta categoria serve àquelas narrativas que tentam
transmitir flashes da realidade como se apanhados por uma câmera, arbitrária e mecanicamente.
36
mais direto, mais verossímil. Apela-se para o testemunho de alguém quando se está
em busca da verdade ou querendo fazer algo parecer como tal. No caso do “eu”
como testemunha, o ângulo de visão é mais limitado. Como personagem secundária,
ele narra da fronteira com os acontecimentos, não consegue saber o que se passa
na cabeça dos outros, apenas pode inferir, lançar hipóteses, servindo-se também de
informações, de coisas que viu ou ouviu, e, até mesmo, de cartas ou outros
documentos secretos que tenha adquirido. Esse narrador tanto sintetiza a narrativa,
quanto a apresenta em cenas.
4. Narrador-protagonista: desaparece a onisciência. O narrador, personagem
central, não tem acesso ao estado mental das demais personagens. Narra de um
centro fixo, limitado quase que unicamente às suas percepções, pensamentos e
sentimentos.
5. Modo dramático: eliminam-se os estados mentais e limita-se a informação
ao que as personagens falam ou fazem, como no teatro, com breves notações de
cena enlaçando os diálogos. Ao leitor cabe deduzir as significações a partir dos
movimentos e palavras das personagens. O texto geralmente é apresentado por
uma sucessão de cenas. Esta técnica funciona melhor em contos.
Categoria fundamental da narrativa, a personagem evidencia a sua relevância
em relatos de diversa inclusão sociocultural e de variados suportes narrativos. “Na
narrativa literária (da epopéia ao romance), como na narrativa cinematográfica, na
telenovela ou na banda desenhada, ela é normalmente o eixo em torno do qual gira
a ação e em função do qual se organiza o relato.” (REIS, 1999, p. 360).
A personagem não existe fora das palavras, diz Beth Brait. “Se quisermos
saber alguma coisa a respeito de personagens teremos de encarar frente a frente à
construção do texto, a maneira que o autor encontrou para dar forma às suas
criaturas e aí pinçar a vida desses seres.” (apud Coimbra, 1993, p. 71).
A densidade psicológica é um elemento importante para distinguir as
personagens quanto à sua composição. A terminologia utilizada para designar as
personagens foi criada por E.M. Forster, citado por Brait (apud Coimbra, 1993, p.
72).
1. Personagem plana: é a personagem construída em torno de uma única
idéia ou qualidade. Depois de caracterizada pela primeira vez, ela sempre reincide
nos mesmos gestos e comportamentos, repete-se em tiques verbais, diz as mesmas
coisas. Enfim, torna-se pouco densa, previsível. Geralmente, a personagem plana é
37
definida em poucas palavras e está imune à evolução no transcorrer da narrativa.
Essa espécie de personagem pode ser subdividida em: (a) tipo: a que alcança o
auge da peculiaridade, sem ser deformada pelo narrador; (b) caricatura: a que tem a
sua qualidade ou idéia única característica propositadamente distorcida pelo
narrador, com intenção de satirizá-la.
2. Personagem redonda: reveste-se de complexidade suficiente para
constituir uma personagem bem marcada. Um dos principais fatores de sua
configuração é a manifestação gradual de seus traumas, vacilações e obsessões. É
uma personagem dinâmica e multifacetada, constitui imagem total e ao mesmo
tempo muito particular do ser humano e permanece como elemento para a
averiguação da complexidade do ser humano. Este tipo de personagem corresponde
à entrevista aberta, aquela que mergulha no outro para compreender seus
conceitos, seus valores, comportamentos e histórico de vida.
3. Personagem referencial: é a que remete a um sentido pleno e fixo
imobilizado por uma cultura. Sua apreensão e seu reconhecimento dependem do
grau de participação do leitor nessa cultura.
4. Personagem anáfora: ao contrário da personagem referencial, só pode ser
completamente apreendida dentro do texto, ou, mais especificamente, na rede de
relações que os elementos do texto mantêm entre si.
5. Figurante: chamada às vezes de personagem com função decorativa,
ocupa um lugar claramente menor, distanciado e passivo em relação aos incidentes
narrados. Serve para ilustrar uma atmosfera, uma profissão, uma mentalidade, uma
atitude própria de certa cultura ou para constituir um traço de cor ou ainda para
constituir um número necessário à apresentação de uma cena em grupo.
De acordo com Sodré e Ferrari (apud Coimbra, 1993, p. 103), deve ser
chamado de perfil o texto que focaliza uma personagem, protagonista de uma
história – a de sua própria vida –. Quando a personagem é secundária e sua
descrição ocorre num breve momento de suspensão da ação narrada, o texto é
chamado de miniperfil. Por outro lado, quando existe uma única personagem e
determinada publicação dedica numa mesma edição, um conjunto de textos como
artigos, crônicas, poemas, entrevistas que, juntos, compõe uma espécie de grande
reportagem, ocorre, então o que denominam de multiperfil.
Leite (1997, p. 86), conclui que o narrador é um, entre os vários elementos
com os quais se articula uma obra.
38
Pode-se inferir, de acordo com os subsídios teóricos apresentados, que a
presença de um narrador e das personagens é essencial tanto para a literatura
quanto para o jornalismo porque é a partir de um narrador que as histórias vêm à
tona e são as personagens que tornam isso possível.
1.5 O cotidiano transformado pelo olhar sensível
Todas as qualidades censuráveis em literatura vêm de uma causa: a ânsia de
novidade. Assim um belo estilo, concepções sublimes e feliz fraseado contribuem
para uma composição eficaz. “Esses fatores são a base e a origem do sucesso.”
(LONGINUS, 1990, p. 88). De um modo geral, pode-se dizer que a sublimidade, em
toda a sua verdade e beleza, existe nas obras que agradam a todos os homens e
em todos os tempos.
Cinco são as fontes do sublime: a primeira é a capacidade de arquitetar
grandes concepções. O ideal seria visar à concepção de grandes idéias. “A
sublimidade é o eco de um nobre espírito, assim, uma simples idéia às vezes por si
mesma despertará admiração pelo simples motivo da grandeza espiritual que
expressa.” (LONGINUS, 1990, p. 92). Em segundo lugar, vem o estímulo da emoção
em suas formas mais extremas.
Em terceiro aparecem as figuras do pensamento e da fala. “Uma combinação
de figuras para um objetivo comum habitualmente tem um efeito muito estimulante,
quando duas ou três se unem em uma espécie de parceria para aumentar a força, o
poder de persuasão e a beleza.” (LONGINUS, 1990, p. 111). O uso de figuras é para
aumentar a animação e o impacto emocional do estilo e os efeitos emocionais
desempenham parte na produção do sublime. Depois surge a criação de uma
elocução nobre, o que, por sua vez, se resolve com a escolha do vocabulário, o uso
de imagens e a elaboração do estilo.
A escolha de palavras adequadas e sonoras comove e encanta uma
audiência, e salienta que tal escolha constitui o mais alto objetivo de todos
os oradores e escritores, pois imediatamente transmite ao estilo
grandiosidade, beleza, doçura, peso, força, poder e qualquer outra boa
39
qualidade que imaginemos, e apresenta os fatos como se fosse uma
realidade direta. (LONGINUS, 1990, p. 120).
Entende-se a partir disto que as palavras têm poder. Elas podem tornar
humilde o que é grandioso, e tornar grandioso o que, aparentemente, é humilde. A
quinta fonte é o efeito total resultante da dignidade e da elevação. A linguagem
amplificada, ou seja, pontos de argumentação que permitem o uso de frases de
efeito, proporciona grandiosidade ao assunto, evidentemente também pode ser
aplicada ao sublime e aos estilos emotivo e figurativo, uma vez que também
revestem a linguagem de um certo grau de grandiosidade (LONGINUS, 1990, p. 99).
Neste contexto, Fernando Pessoa diz que a finalidade da arte não é agradar, e sim
elevar. “A finalidade da arte é a elevação do homem por meio da beleza.” (1988, p.
44).
De acordo com Chklovski, arte é pensar por imagens. “Não existe arte sem
imagem. O objetivo da imagem é criar uma percepção particular do objeto, criar uma
visão.” (apud TOLEDO, 1973, p. 50). Segundo o autor, existem dois tipos de
imagens: a imagem como um meio de pensar, meio de agrupar os objetos e a
imagem poética, meio de reforçar a impressão.
A imagem poética é um dos meios de criar uma impressão máxima. Como
meio, na sua função, é igual aos outros procedimentos da língua poética, é
igual ao paralelismo simples e negativo, é igual à comparação, à repetição,
à simetria, à hipérbole, é igual a tudo o que se chama uma figura, é igual a
todos os meios próprios para reforçar a sensação produzida por um objeto
(numa obra, as palavras e mesmo os sons podem também ser os objetos).
A imagem poética é um dos meios da língua poética. Já a imagem prosaica
é um meio de abstração, é um pensamento (apud TOLEDO, 1973, p. 42).
Para Pessoa, a arte reúne utilidade, resumo experimental e invenção com
valor. O valor fundamental da arte está em ela ser o sinal da passagem do homem
no mundo, a síntese do seu experimento emotivo e, como é pela emoção e pelo
pensamento que o homem mais vive na terra, a sua verdadeira experiência. Nas
palavras do poeta português, deixa-se a arte escrita para guia da experiência. “É a
arte que é a mestra da vida.” (PESSOA, 1988, p. 25).
40
Segundo o autor, a arte tendo sempre por base uma abstração da realidade
tenta reaver essa realidade idealizando-a. “A obra de arte deve produzir uma
impressão, deve ter um sentido, seja sugestivo o processo, ou explícito.” (PESSOA,
1988, p. 30). O autor diz que a idéia original tem que ser sentida em todos os seus
detalhes. Uma obra de arte, portanto, é em essência, uma invenção com valor.
Por natureza, a inteligência, embora não crie constantemente se
transforma. Um longo uso da inteligência pela humanidade criou um instinto
nessa inteligência, e como a inteligência por natureza transforma, e o
instinto por natureza opera uma fusão dos dois, ou, por outras palavras, um
instinto intelectual será uma qualidade do espírito que transforme operando.
Mas a transformação reduzida a ato é precisamente a essência da
invenção, pois que a invenção é um ato, e um ato que transforma o que há.
A obra de arte, no que invenção de um valor, deriva, portanto do que com
propriedade se pode chamar um instinto intelectual. (PESSOA, 1988, p. 33).
A obra de arte, segundo Fernando Pessoa, deve provir do instinto. Porém
esse instinto como é intelectual, pode ser imitado nas suas operações pela
inteligência. A obra da inteligência não pode ter valor no gênero a que pertence,
porém pode simulá-lo. O fim da arte é imitar perfeitamente a Natureza. “Este
princípio elementar é justo, se não esquecermos que imitar a Natureza não quer
dizer copiá-la, mas sim imitar os seus processos. Assim a obra de arte deve conter
quanto seja preciso à expressão do que quer exprimir.” (1988, p. 40).
A arte moderna procura interpretar o que vê, sem deixar de ser uma forma de
crítica. O jornalismo, sendo também literatura, dirige-se, todavia ao homem e ao dia
que passa. Tem a força direta das artes, tem a força de ambiente das artes visuais,
tem a força mental da literatura, por de fato ser literatura. (PESSOA, 1988, p. 48).
A literatura de um povo, conforme o que Pessoa diz, é o que esse povo
pensou de si mesmo, e do universo, da sociedade, e do indivíduo, através de si
próprio. Por isso a história de uma literatura é, na realidade bem entendida, a história
da significação que tiveram as diferentes interpretações que esse povo deu a si
mesmo. “A história de uma literatura é a história da evolução de uma consciência
nacional.” (1988, p. 52). Neste contexto compreende-se que a arte tem em si a
criação de beleza.
41
Para Barthes (1973, p. 24), não é mais possível conceber a literatura como
uma arte que se desinteressa de toda relação com a linguagem, já que a arte utiliza-
se da linguagem como um instrumento para exprimir a idéia, a paixão ou a beleza.
Uma obra só é grande se fizer o espírito do leitor experimentar uma sensação
de grandiosidade ou lhe deixar na mente motivos para reflexões. (LONGINUS, 1990,
p. 90). O mesmo diz Pessoa: toda arte é o resultado da colaboração entre sentir e
pensar. “Ora o pensamento pode colaborar de três maneiras com o sentimento.
Pode ser a base desse sentimento; pode interpretá-lo; e pode combinar-se
diretamente com ele de forma a intensificá-lo pela complexidade.” (1988, p. 75).
A arte da narrativa, aplicada à construção de matérias que consigam
expressar em imagens a realidade, exerce um natural fascínio sobre o leitor. Estas
imagens podem ser visuais – pessoas ou objetos – ou ainda imagens que o leitor
imagina, de acordo com a narrativa que foi contada. Edvaldo Pereira Lima, no artigo
“Jornalismo de Transformação”, diz que é possível a partir de um olhar mais crítico,
revirar as entranhas da face estética para tentar descobrir por trás da beleza
externa, uma função que move a edificação da obra de arte, seja uma pintura, seja o
texto jornalístico. “A arte narrativa pode provocar a elaboração de um pensamento
produtivo – aquele que provoca uma catarse mental no leitor, ajudando-o a dar um
salto de qualidade na resignificação da realidade.” (2007).
Para o autor, uma boa narrativa jornalística deve ter uma postura pró-ativa e
destinar seu potencial de sensibilização a um nível elevado de compreensão da
realidade.
O jornalismo aberto a esses novos caminhos em que percebemos a
realidade não mais sob uma ótica reduzida, centrada apenas num patamar
excludentemente racionalista em excesso. Um jornalismo que não fica à
mercê do relato passivo dos acontecimentos, mas que percebe o eclodir de
tendências e probabilidades, que acompanha a gestação de visões
inovadoras, que sai do lugar comum. Que focaliza uma visão complexa,
buscando uma compreensão ampla, ajudando o ser humano a encontrar
novos significados, auxiliando-o a ampliar seu grau de consciência de si
mesmo, do outro, da existência. Um jornalismo baseado no presente, mas
voltado ao futuro, também capaz de mergulhar no passado para
compreender contextos, processos, dimensões tempo-espaciais reunidas
como numa dança quântica de átomos num certo momento iluminado de
compreensão. Um insight revelador. [...] Um jornalismo de transformação.
Que trabalha em prol da transformação individual e coletiva. [...] Busquei
sugerir esse caminho a partir do Jornalismo Literário. (LIMA, 2007).
42
John Hohenberg (apud Abreu, 2006) diz que em se tratando de níveis de
interpretação, a exatidão da linguagem torna mais clara a acepção dos fatos. Em um
texto pode-se utilizar da precisão e, ao mesmo tempo, valer-se da linguagem
literária, já que o encanto de uma linguagem artística e a precisão ao informar sobre
o objeto referido não são características excludentes, mas complementares. “A
aplicação da linguagem literária no texto jornalístico pode multiplicar a informação,
desde que se entenda que essa última também possui conteúdos significativos per
si.” (ABREU, 2006).
Isso acontece porque o uso de recursos literários abastece o texto com vários
níveis de interpretação, qualidade que os “arautos do bom jornalismo” negam,
expondo que o texto jornalístico não pode apresentar mais do que uma condição
interpretativa. Mas decodificar um fato é algo que incide em qualquer texto verbal,
seja ele literário; científico ou jornalístico. Atribuir à narrativa vários níveis
interpretativos talvez auxilie o leitor a achar aquele que mais o interesse, sem
permanecer “preso” a uma explicação que se pretende única, mas pode não ser
minimamente condizente com a complexa realidade que julga demonstrar (ABREU,
2006).
Nesse contexto, de acordo com o que Lima diz em seu artigo, a narrativa de
qualidade pode fazer algo mais.
Podemos trazer o amor – a aceitação das diferenças, a busca da
compreensão profunda do outro, a humildade de reconhecer que a
existência não só se constitui numa realidade complexa mas contém uma
certa porção de mistério que não conseguimos explicar, a capacidade de
nutrir uma cultura de paz, a alegria de ver e retratar a vida tão diversificada
e paradoxalmente tão unificada nas suas diferentes formas – de volta ao
texto jornalístico de profundidade. Podemos buscar equilibrar o
entendimento racional com o insight intuitivo. Podemos ousar. Devemos
tentar o novo. (2007).
Afinal, na arte tudo é forma e tudo inclui idéias. A arte da vista à imaginação.
É através dela que o mundo se aperfeiçoa. Como diz Fernando Pessoa, “a base de
toda arte é uma sinceridade traduzida.” (1988, p. 84). Para concluir, uma máxima de
Walter Benjamim: “A beleza é um valor socialmente construído. A beleza não está
na obra, está em quem observa a obra.” [s.d.].
43
2. “CADA ZÉ É UM ULISSES. E CADA PEQUENA VIDA UMA ODISSÉIA”: A
CRÔNICA-REPORTAGEM
A crônica que tem no cotidiano sua matéria-prima, também vai aproximar-se
ainda mais da realidade. Ao transformar-se em crônica-reportagem leva ao leitor
histórias curiosas, problemas sociais e situações interessantes da vida. A crônica
guarda e mantém um caráter de atualidade.
O jornal pretende informar, ser imparcial, mas a crônica nas miudezas, de
outro modo é espaço de orientação. Utilizando os critérios de observação direta dos
fatos e contato direto com as fontes para narrar os acontecimentos, recursos
atribuídos ao jornalismo, busca-se referendar tanto os relatos quanto os comentários
aos critérios de veracidade e atualidade.
É nesta hibridez de gêneros que a crônica-reportagem ultrapassa as
fronteiras do entreter e passa a informar e orientar seus leitores em relação ao
cotidiano da cidade, como se verá neste capítulo. Para tanto, particularidades e
especificidades da crônica e da reportagem serão evidenciadas neste capítulo.
2.1 Contando histórias: a crônica
Os primeiros textos históricos, segundo José Marques de Melo (2002, p. 140),
são as narrações de acontecimentos, feitas por ordem cronológica, desde Heródoto
e César a Zurara e Caminha. A atividade dos cronistas vai estabelecer a fronteira
entre a logografia – registro de fatos, mesclados com lendas e mitos – e a história
44
narrativa – descrição de ocorrências extraordinárias consolidadas nos princípios da
verificação e da fidelidade.
De acordo com dados obtidos da Enciclopédia Compacta Istoé-Guiness de
Conhecimentos Gerais (1995, p. 444), as primeiras manifestações literárias
ocorridas no Brasil foram um reflexo fiel do que ocorria em Portugal à época do
descobrimento: o gosto pela crônica histórica decorrente do entusiasmo com as
grandes navegações e descobertas, o teatro popular e a poesia lírica e épica de Luís
Vaz de Camões. Mas o marco inicial consta da carta escrita por Pero Vaz de
Caminha ao rei de Portugal para notificar o descobrimento da nova terra.
A crônica recebe total influência do jornalismo literário. Jorge de Sá (1985, p.
7) afirma que a Literatura Brasileira nasceu da crônica. Para Rangel e Ribeiro (2006,
p. 7), a crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser
perpetuado na imprensa, seja nas folhas de uma revista, seja nas de um jornal.
Coutinho (1971, p. 108) completa que foi no século XIX que a crônica apareceu nos
jornais, através de um texto que continha o resumo cronológico dos fatos aliado à
ficcionalidade. Eram histórias reais contadas com características literárias.
Quer dizer, ela é feita com uma intenção objetiva e pré-determinada: agradar
aos leitores dentro de um espaço sempre similar e com a mesma localização,
criando-se assim, no decurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o
escritor e aqueles que o lêem.
Apesar de seu florescimento no século passado e do seu cultivo por
jornalistas-escritores do porte de Machado de Assis e José de Alencar, a crônica
brasileira somente assumiria aquela feição de gênero tipicamente nacional, na
década de 30. Da história e da literatura, a crônica passa ao jornalismo, sendo um
gênero cultivado pelos escritores que ocupam as colunas da imprensa diária e
periódica para relatar os acontecimentos pessoais. Pode-se dizer que a crônica
situa-se entre o jornalismo e a literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta
dos acontecimentos do dia-a-dia.
Segundo Marques de Melo, a crônica consolidou-se como recriação do real e
o cronista começou uma busca interminável por alcançar a genialidade a cada texto.
Os autores escreviam os textos na tentativa de incutir no leitor a idéia-simulacro de
que todos fazem parte de uma grande reportagem da vida real. Deu-se, dessa
maneira, “a liberação da crônica como uma inspiração para o relato poético, a
descrição literária e a palpitação do jornalismo atual.” (2002, p. 154).
45
A crônica é descendente da literatura, da história e mais atualmente, do
jornalismo. De acordo com Vieira (apud Coutinho, 1971, p. 108) a crônica possui
dois significados: o primeiro deles é voltado à história, no sentido do tempo
cronológico. Com o avanço da palavra o seu significado passa a se vincular ao
jornalismo, isto porque é nos jornais que se contam os principais acontecimentos do
dia, e esta seria, segundo o autor, a função da crônica.
“Em sua origem jornalística a crônica é um texto informal. E sendo assim,
informal, de estilo livre, ela não perde o rigor da informação nem a qualidade lírica
e/ou irônica do seu texto.” (ANDRADE apud SCHEIBE, 2006, p. 19). As principais
alterações na técnica textual da crônica decorrem, em parte, da Semana da Arte
Moderna, de 1922, que estimulou um movimento de brasilidade, incentivando a
produção da literatura local, com assuntos e estilos referentes ao Brasil. “As
temáticas e a linguagem dos textos foram se aproximando da realidade nacional.”
(SCHEIBE, 2006, p. 17).
Na passagem do século XIX para o XX, paralelamente ao registro factual e,
também, informativo-jornalístico, a crônica adicionou a subjetividade do narrador. A
crônica seria de acordo com Margarida de Souza Neves uma espécie de “espírito do
tempo”, em razão de suas características de forma e conteúdo, fatos e
informalidade.
A crônica aparece como portadora por excelência do “espírito do tempo”,
por suas características formais como por seu conteúdo, pela relação que
nela se instaura necessariamente entre ficção e história, pelos aspectos
aparentemente casuais do cotidiano, que registra e reconstrói como pela
complexa trama de tensões e relações sociais que através delas é possível
perceber. Pela “cumplicidade lúdica”, enfim, que estabelece entre autor e
possível leitor no momento de sua escrita e que parece reproduzir-se entre
historiador e o tempo perdido em busca do qual arriscamos nossas
interpretações, ainda que sempre ancorados em nosso tempo vivido. (1992,
p. 82).
Marília Rothier Cardoso (1992, p. 138), define a crônica como um gênero que
se aproveita do habitual e da coloquialidade. A crônica não quer ser formal, pelo
contrário, almeja utilizar uma linguagem despretensiosa. De acordo com Telê Porto
Ancona Lopez, a conclusão a que se chega, considerando-se o sucesso da crônica,
um texto com assuntos do cotidiano, em formato informal, é a de que: “o leitor não
46
só gosta como precisa de quem converse com ele, dizendo-lhe os sentimentos
experimentados no dia-a-dia, frente aos fatos que todos conhecem de algum modo,
ou frente às ocorrências da vida pessoal de quem escreve.” (1992, p. 166).
Para Martin Vivaldi, a caracterização da crônica torna-se necessária para
diferenciá-la de outros gêneros: “o característico da verdadeira crônica é a valoração
do fato ao tempo em que se vai narrando. O cronista, ao relatar algo, nos dá sua
versão do acontecimento, põe em sua narração um toque pessoal.” (apud MELO
2002, p. 141).
A crônica adotou linguagem prática e coloquial, fazendo com que o texto e os
assuntos se aproximassem do leitor e da sua realidade. José Marques de Melo
escreve que a crônica brasileira apresenta duas fases bem distintas:
A crônica de costume – que se valia dos fatos cotidianos como fonte de
inspiração para um relatório poético ou uma descrição literária – e a crônica
moderna – que figura no corpo do jornal não como objeto estranho, mas
como matéria inteiramente ligada ao espírito da edição noticiosa. (2002, p.
149).
As características da crônica são a opinião, a leveza e a união de recursos
textuais literários e jornalísticos. Ela materializa-se em texto crítico, praticando a
interação entre o real e o irreal, a subjetividade do lirismo e a objetividade dos fatos.
Os assuntos abordados nas crônicas fazem parte da vida dos leitores. Além
disso, pode-se desfrutar de liberdades lingüísticas e estruturais, como a utilização do
foco narrativo em primeira ou terceira pessoa e a de estabelecer diálogos. Assim,
como diz Scheibe “a crônica, inserida no jornalismo como um gênero literário,
precisa ser arte.” (2006, p. 25).
Nesse mesmo sentido, referindo-se à crônica como um texto literário e
jornalístico, Lopez define o gênero como um texto escrito ao “correr da pena”:
A crônica pára no meio do caminho entre a literatura e o jornalismo, é
gênero híbrido. Quando escrita, não se imagina em livro, nem dispõe de
tempo necessário para melhor se preparar. É realmente escrita ao “correr
da pena”, a qual, muitas vezes, está sob pressão do aviso que o número do
jornal vai fechar e que restam poucas horas para pôr o texto no papel.
Dessa premência decorre a grande espontaneidade da crônica, sua
simplicidade na escolha das palavras – temas do dia-a-dia, do vocabulário
47
da população. A crônica, por força de seu discurso híbrido – objetividade do
jornalismo e subjetividade da criação literária -, une com eficácia código e
mensagem, o ético e o estético, calcando com nitidez as linhas mestras da
ideologia do autor. (1992, p. 166).
A crônica mistura informação, imaginação, poesia e sentimento. Na sua
narrativa, encontra-se um conjunto de conteúdos, reais e/ou fictícios, que aparecem
no texto sob forma de lembrança. Desse modo, o texto pode transformar-se em
crônica de jornal, que é a sua origem. “A crônica procura mostrar, ou indicar, o que
há por trás das aparências, o que o senso comum não vê (ou não quer ver).”
(MENEZES, 2002, p. 165).
O foco discursivo da crônica centra-se na primeira ou na terceira pessoa. Os
textos, assinados pelos cronistas, comunicam a visão que o autor tem do mundo,
seja de maneira cruel ou emotiva. Nilson Lage diz que, “enquanto na literatura a
forma é compreendida como portadora, em si, de informação estética, em jornalismo
a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informado.” (1993, p. 35). A
crônica relaciona-se aos registros de linguagem, ao processo de comunicação e aos
compromissos ideológicos.
Conforme Lage (1993, p. 36), o que orienta a linguagem jornalística e,
também, a crônica, são:
1. Registros de linguagem: a língua portuguesa é heterogênea e dentro dela
abrigam-se usos regionais, discursos especializados e dois registros específicos: o
formal; próprio da modalidade escrita, e o coloquial; linguagem natural que mostra a
realidade local e regional, evidenciando as formas de expressão utilizadas pela
população. Nesse sentido, a crônica tem por costume incorporar neologismos de
origem coloquial e de grande expressividade. Ela se utiliza de um discurso de duplo
juízo, com eufemismos (como suavizar uma situação), interdições (empregando
ironias) e metáforas da linguagem corrente.
2. Processo de comunicação: na crônica o autor desenvolve o foco narrativo
que deseja, e também pode utilizar-se de vários formatos e estilos de linguagem.
3. Compromissos ideológicos: assim como aparece no jornalismo e na
literatura, a ideologia também surge na crônica, através da história contada e da
opinião expressa no relato. Os cronistas revelam seus gostos e juízos através de
seus textos.
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Um jeito de espiar o mundo a análise das crônicas reportagens do livro a vida que ninguém vê da jornalista eliane brum

  • 1. Carolina Carvalho Um jeito de espiar o mundo: a análise das crônicas- reportagens do livro A Vida que Ninguém Vê da jornalista Eliane Brum Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social, da Faculdade de Artes e Comunicação, da Universidade de Passo Fundo, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, sob a orientação da professora Ms. Roberta Scheibe. Passo Fundo 2007
  • 2. AGRADECIMENTO Agradeço primeiramente a Deus, através de Seu Filho Jesus Cristo e de seus seguidores, por estar neste mundo. Ao meu avô Onézimo e às minhas avós Hilire e Áurea pelo carinho e pelo aconchego. Aos meus pais, José Carlos e Leonilda Tereza, pelo otimismo, pela ajuda, pelo amor incondicional dedicado a mim e pela oportunidade que me concederam de chegar até aqui. Ao meu irmão Estevan por compartilhar das minhas entusiasmadas explicações sobre o tema de que vai tratar esta monografia. À minha orientadora e amiga, a professora Ms. Roberta Scheibe por ter me proporcionado a trabalhar com um tema tão belo e ao mesmo tempo tão instigante. À jornalista Eliane Brum pela obra de arte que escreveu e que com isso ajuda a transformar o jornalismo em algo sublime. Por sua atenção em responder as minhas perguntas e pelo interesse em ter este trabalho em mãos. Ao membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar, pela generosidade em conceder- me entrevista. Ao professor Edvaldo Pereira Lima pela gentileza em me esclarecer uma dúvida. Ao repórter Moisés Mendes que contribuiu significativamente para a construção deste trabalho. E a todas as pessoas que contribuíram com mais um título conquistado por mim nesta universidade.
  • 3. 3 O repórter em campo, participando da cena, ouvindo seus participantes, gastando alguns dias de investigação para ter o controle absoluto do assunto e depois contá-lo no capricho, investindo na subjetividade e na inteligência sutil... Joaquim Ferreira dos Santos
  • 4. RESUMO O presente trabalho realiza um estudo dos textos escritos pela jornalista Eliane Brum no livro A Vida que Ninguém Vê. Nesta monografia é evidenciada a questão da crônica e da reportagem como gêneros passíveis de fusão. Além disso, o estudo observa na obra da autora as características importadas da literatura e do jornalismo, ratificando os entrelaçamentos da crônica com a reportagem na obra da jornalista. Este trabalho é fundamentado nas teorias propostas por Edvaldo Pereira Lima, Tom Wolfe, José Marques de Melo, Antonio Candido, Luiz Beltrão, entre outros. A investigação utiliza o método analítico comparativo que resulta no exame simultâneo entre o livro que constitui a obra analisada e as teorias evidenciadas, que dizem respeito aos estilos dos dois gêneros: a crônica e a reportagem. A análise aponta, no final, para os seguintes sentidos: a hibridez de dois gêneros, a utilização do belo no jornalismo e um criterioso parecer sobre uma nova variante de livro-reportagem. Palavras-chave: Eliane Brum, crônica, reportagem, crônica-reportagem.
  • 5. SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................ .....4 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 7 1. “DESSA POSIÇÃO DE IGUALDADE, PUDE ENXERGÁ-LO”: AS CARACTERÍSTICAS DO JORNALISMO IMPORTADAS DA LITERATURA.......... 10 1.1 Da epopéia ao século XXI: uma questão de narrativa.......................................14 1.2 O hibridismo entre o real e a ficção.............................................................. ....24 1.3 As técnicas narrativas ...................................................................................... 30 1.4 O narrador e as personagens............................................................................34 1.5 O cotidiano transformado pelo olhar sensível ..................................................38 2. “CADA ZÉ É UM ULISSES. E CADA PEQUENA VIDA UMA ODISSÉIA”: A CRÔNICA-REPORTAGEM....................................................................................... 43 2.1 Contando histórias: a crônica........................................................................... 43 2.2 “Repórter que vai pra a rua suja os sapatos”: a reportagem........................... ..51 2.3 A vida e a arte: a crônica-reportagem............................................................... 67 3. O JORNALISMO E OS HUMANOS ANÔNIMOS: A ANÁLISE DAS CRÔNICAS- REPORTAGENS DO LIVRO A VIDA QUE NINGUÉM VÊ DA JORNALISTA ELIANE BRUM.........................................................................................................................76 3.1 “Boa viagem pela vida”: o livro ......................................................................... 77 3.2 A moça da biblioteca: a jornalista Eliane Brum ................................................ 79 3.3 A vida que ninguém vê: a análise do livro ........................................................ 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 99
  • 6. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 103 ANEXOS ................................................................................................................. 109 ANEXO A – Entrevista Eliane Brum ..................................................................... 110 ANEXO B – Entrevista Moacyr Scliar................................................................... 113 ANEXO C – Entrevista Moisés Mendes.................................................................114 ANEXO D – Entrevista Edvaldo Pereira Lima.......................................................’116 ANEXO E – O conde decaído............................................................................... 117 ANEXO F – O gaúcho do cavalo-de-pau..............................................................’121 ANEXO G – A voz..................................................................................................126 ANEXO H – O álbum............................................................................................ 130 ANEXO I – Depois da filha, Antonio sepultou a mulher........................................’138
  • 7. INTRODUÇÃO Significativamente, alcunha-se de crônica o texto leve que flui com facilidade de estilo, e semblante indomável de arte, que forma o elo entre o passado e o presente. Versátil e de natureza requintada, a crônica, enquanto gênero, não deve ser vista apenas como um repertório de temáticas, mas como um campo estruturado de conflitos simbólicos e imaginários, históricos e estéticos. [...] um gênero que discute um núcleo problemático que uma sociedade deseja ou precisa pensar mas o faz de uma forma específica que não se encontra em outros campos da cultura. [...] Em outras palavras, diríamos que se esboça, assim, uma relação específica entre normas e práticas que definem o gênero da crônica: uma cultura das margens que se exprime com a lei dos letrados [...]. (ANTELO, 1992, p. 155). Já a reportagem deve ser entendida como a melhor versão da verdade provável de obter-se. Logo, os repórteres estão condenados a unir versões da verdade transmitidas pelos protagonistas, e organizá-las da melhor maneira possível com o máximo de sentido. É como assegura o professor Pedro Celso Campos: “Para fazer a boa reportagem o jornalista deve escapar dos limites da redação [...] porque a grande notícia tem que ser buscada, checada, conferida ali onde o homem está, no meio do povo, na rua, nas esquinas do mundo.” (2007). Como a crônica transita tanto no campo da literatura quanto no campo do jornalismo – pois é entendida como categoria nas duas linguagens –; e a reportagem contém alguns elementos híbridos, como o uso de diálogos, técnicas narrativas, personagens e a questão do narrador; este trabalho pretende evidenciar a
  • 8. 8 possibilidade de união dos dois gêneros – crônica e reportagem –, tornando-os um gênero do jornalismo literário que se chama de crônica-reportagem. Para tanto, este estudo vai se deter em cinco textos do livro A Vida que Ninguém Vê, da jornalista Eliane Brum, que são examinados em duas óticas: crônica e reportagem. A pesquisa tem o objetivo de analisar os textos da repórter, previamente selecionados, verificando se o estilo adotado pela jornalista, utilizando a crônica e a reportagem, é passível de hibridez. A pesquisa de caráter bibliográfico e o método analítico-comparativo têm como recursos metodológicos a fundamentação teórica baseada nos estudos de Edvaldo Pereira Lima, Tom Wolfe, José Marques de Melo, Antonio Candido, Luiz Beltrão, entre outros; e entrevistas de autores que têm relação estreita com o assunto, como o membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar e o jornalista Moisés Mendes. Logo, a relação que foi estabelecida entre a teoria, o método e o objeto explica a estrutura dos capítulos. Parte-se do princípio de que o jornalismo importa características da literatura em seus textos. Neste sentido procura-se objetar como esses dois ramos foram se encontrando com o desenvolvimento da imprensa no país e como a produção numa área acaba por influenciar a outra. Por isso no primeiro capítulo, intitulado “‘Dessa posição de igualdade, pude enxergá-lo’: as características do jornalismo importadas da literatura”, se vai apresentar um panorama da questão narrativa, das relações entre o real e a ficção, das técnicas narrativas, das personagens e do narrador e também de um ponto pouco explorado que é a inserção do sublime no jornalismo. O segundo capítulo, “‘Cada Zé é um Ulisses e cada pequena vida uma Odisséia’: a crônica-reportagem”, destina-se à fundamentação das particularidades da crônica e da reportagem. Contudo, propõe-se o mix entre estes dois gêneros que ainda é pouco difundido teoricamente, mas que na prática é muito executado por jornalistas e escritores e que recebe o nome de crônica-reportagem. O último capítulo, cujo título é “O jornalismo e os humanos anônimos: a análise das crônicas-reportagens do livro A Vida que Ninguém Vê da jornalista Eliane Brum”, dedica-se à análise de cinco textos desta obra. Ao longo deste tópico evidencia-se, pelo método analítico comparativo, que não existe fronteira entre a literatura e o jornalismo. Os textos são comparados com as teorias explanadas ao longo do trabalho. Em cada texto procura-se ratificar algumas das hipóteses apresentadas nos dois primeiros capítulos e são destacadas, principalmente,
  • 9. 9 aquelas as quais dizem respeito aos estilos da crônica e da reportagem. A presente análise volta-se para os seguintes aspectos: o hibridismo de dois gêneros; o emprego do belo no jornalismo como fator artístico; e para uma ponderada sugestão sobre uma nova variedade de livro-reportagem. O tema desta monografia justifica-se pela lacuna bibliográfica existente sobre a hibridez dos gêneros da crônica e da reportagem, bem como a inserção do belo ao jornalismo.
  • 10. 10 1. “DESSA POSIÇÃO DE IGUALDADE, PUDE ENXERGÁ-LO”: AS CARACTERÍSTICAS DO JORNALISMO IMPORTADAS DA LITERATURA Produzir e ler jornal transformou-se, nos tempos de hoje, numa atividade pós- moderna. E dos jornais e revistas espera-se algo mais: o comentário, a interpretação do fato e a análise, e que estes auxiliem as pessoas na tomada de decisões e na formação de opiniões. Segundo Manuel Carlos Chaparro “é em sua totalidade interpretativa que o jornalismo se realiza como espaço e processo cultural.” (apud Abreu, 2006). Nessa conexão imprescindível entre informar e interpretar, a ajuda da literatura pode ser de grande valor. Para além da questão de estilos, a “palavra-revelação” é necessária tanto ao escritor quanto ao jornalista para além das “carpintarias próprias” de um ou outro segmento. Uma palavra que não se consubstancia numa fria palavra analítico-descritiva, gramaticalizada em manuais de estilo, e sim na palavra narrativa, sintético-reveladora. (MEDINA, 1990, p. 28). Cabe ao jornalista buscar o termo fundamental do acontecimento, a habilidade de simbolização mais completa e plausível da realidade, e tudo isso é oferecido, em demasiado, pela literatura. Quando um sistema novo surge, seu funcionamento é sensivelmente delimitado pela conectividade quase que completamente dependente que formula com um ou mais sistemas com os quais interage freqüentemente. “A conectividade entre eles acontece por uma troca, na qual certas funções de um e de outro sistema interagem.” (LIMA, 1995, p. 137). Nas palavras de Edvaldo Pereira Lima, “em termos
  • 11. 11 modernos, a literatura e o jornalismo são vasos comunicantes, são formas diferentes de um mesmo processo.” (1995, p. 139). Lima (1995, p. 138), declara que num primeiro momento, o jornalismo bebe na fonte da literatura. Num segundo, é esta que encontra, no jornalismo, fonte para reciclar sua técnica, enriquecendo-a com uma variante bifurcada em duas probabilidades: a de reprodução do real efetivo, uma qualidade de reportagem – com sabor literário – dos fatos sociais, e a inclusão da maneira de expressão escrita que vai aos poucos distinguindo o jornalismo, com suas marcas de precisão, clareza e simplicidade. O jornalismo vai de encontro à literatura, são campos que provém de um cruzamento e se inter-relacionam pelo texto e formas de linguagens. À medida que o texto jornalístico evoluiu da notícia para a reportagem, surgiu à necessidade de aperfeiçoar as técnicas no tratamento da mensagem. Assim, os jornalistas se embrenharam na arte literária para encontrar seus próprios caminhos e narrar o real. (LIMA, 1995, p. 135). O autor acrescenta que o jornalismo absorve os subsídios do fazer literário, mas altera-os e direciona-os para outro fim. As características que o jornalismo importa da literatura, adaptando-as e transformando-as, devem-se à necessidade de se reportar aos fatos e à factualidade. A tarefa de sair do real para retratar os dados é o que aproxima o jornalismo das formas de expressões oriundas da literatura. (LIMA, 1995, p. 138). Com base na opinião de Edvaldo Pereira Lima, de que o jornalismo pode interagir com a literatura para que as técnicas textuais avancem e que o jornalismo não se prenda à pirâmide invertida, é incorreto afirmar que exista uma barreira intransponível entre o jornalismo e a literatura.
  • 12. 12 Ora, literatura e jornalismo estão tão próximos, tão ligados. O jornalismo apropria-se das técnicas da literatura e vice-versa. O jornalismo tem dado maior vivacidade à literatura moderna. Qualquer reportagem bem feita tem elementos literários. O Graciliano Ramos é uma lição de boa literatura e uma lição de jornalismo. Porque o literário não é apenas o ornamento. Graciliano Ramos explorou o despojamento, esse descarnar da linguagem. Memórias do Cárcere traz essa marca. Onde está o jornalismo? Onde está a literatura? Fica muito difícil demarcar a fronteira. (1995, p. 139). Ao se avaliar as afinidades entre o jornalismo e a literatura, é necessário compreender o alicerce comum, da qual ambas as práticas se detém: a linguagem. Por outro lado a linguagem determina alguns cuidados a fim de que se extraiam elementos comuns a ambos os campos, e que, assim sendo, sirva de base para um exame de relações admissíveis. Quanto a esta afirmação, é preciso uma observação dos elementos comuns, pois acredita-se que haja uma identidade entre o jornalismo e a literatura. A linguagem é o substrato sobre o qual se pode construir uma representação do mundo. Não sua reprodução. A equivalência é impossível. Significante e referente, neste caso, jamais coincidirão. Portanto, quer na literatura, quer no jornalismo, a reconstrução do real pode chegar, no máximo, ao verossímil. Afirma-se isto e frisa-se em relação ao plano da linguagem. Isto coloca o jornalismo e a literatura numa relação de identidade a partir da materialidade da linguagem: a palavra. (DEMÉTRIO, 2007, p. 3). O jornalismo é parte da modernidade e tem a suficiente flexibilidade para consentir que outros discursos se infiltrem no seu “habitat”, mesmo os mais adversos a ele, neste caso, a literatura, sem, no entanto, deteriorar sua especificidade. Ambas têm suas especificidades sem, no entanto, deixarem de exercer o seu estatuto básico de serem modalidades de comunicação. O tempo é a medida da precariedade de qualquer coisa. Não seria diferente com o jornalismo. Não seria diferente com a literatura. [...] O “tornar-se” literatura fixa o terreno próprio do jornalismo quando este é pautado pela idéia de uma articulação de fragmentos em busca de uma totalidade do tempo presente, de sua leitura. Se a leitura do presente é a impossibilidade de seu esgotamento, já que este regime de tempo é a superfície sobre a qual emergem os acontecimentos, jornalismo e literatura vão se colocar como horizontes na relação que guardam entre si. (DEMÉTRIO, 2007, p. 5).
  • 13. 13 Denota-se a partir de tais conceitos e de acordo com o que Roberta Scheibe afirma, é de que existe a possibilidade de se escrever textos jornalísticos muito fiéis à realidade, mesmo utilizando técnicas habitualmente propensas à literatura. “Para que aconteça essa interação entre o jornalismo e a literatura, é necessário que haja uma quebra de paradigmas, uma mudança estrutural e de linguagem no jornalismo.” (2006, p. 35). O jornalismo não pode acostumar-se sem a literatura. É necessário interagir a expressividade com a inexpressividade no texto. Juremir Machado da Silva diz que “em se tratando de literatura, o inexpressivo pode ser um estilo. Em jornalismo, ser expressivo é mais do que uma exigência: um imperativo.” (apud CASTRO; GALENO, 2002, p. 51). E essa relação entre jornalismo e literatura não aponta para uma divisão, mas para uma hibridez. Sérgio Capparelli complementa: “os dois campos se juntam numa perspectiva de unir o maior número de leitores e estruturar uma nova e diferente linguagem no jornalismo.” (1996, p. 183). É possível, portanto, desviar-se do padrão comum do texto jornalístico através da literatura. Para tanto, o emprego da reportagem por meio de um caráter interpretativo resultaria em um discurso enriquecedor para a imprensa: “a linguagem expressiva se opõe ao padrão pela criação artística que envolve. O padrão não desaparece – a clareza continua exigindo padrões gerais de neutrabilidade – mas a criação acrescenta formas, especialmente sintáticas, mais flexíveis.” (MEDINA; LEANDRO, 1973, p. 39). Como diz Allan de Abreu no artigo “Da Literatura para o Jornalismo:” A linguagem literária aplicada ao discurso jornalístico não é uma fuga, como muitos pregam: ela pode ser o único caminho capaz de levar o jornalismo à captação de uma sociedade complexa, com todas as suas contradições. Se a arte literária é exímia em captar, através de sua linguagem (a palavra-revelação) a essencialidade do ser humano, por que não transplantar essa potencialidade para o jornalismo? Afinal, não é esse também o objetivo último de toda prática jornalística? Será que o jargão dos jornais de hoje, tão simples, dá conta de captar uma realidade intrinsecamente complexa? (2006). Nesta mesma perspectiva Marcos Faerman declara que:
  • 14. 14 O repórter está em busca da realidade. Com a sua sensibilidade. Ouvindo histórias das vidas dos outros. Sugando dos outros, a única coisa que eles têm, além dos próprios corpos, nus: uma história, a sua perplexidade, as suas dúvidas, as mínimas certezas. (1979, p. 148). Abreu coloca que o que se tem é, de um lado, uma realidade múltipla, complexa e muitas vezes incoerente, que não se deixa abordar de forma simples. Do outro, tem-se uma linguagem monolítica que estima que, pelo seu verbo triturado em tantas edições sucessivas de jornais, conseguirá apreender a essência do fato com objetividade e transmiti-lo sem preconceitos ao leitor. “A abrangência do leque de possibilidades lingüísticas (e literárias) na reportagem permite uma maior profundidade no plano dos conteúdos, dos significados, o que só auxilia o jornalismo na transmissão de informações.” (2006). No dizer de Medina, “acima de tudo, a literatura ajuda o jornalismo para que este se torne mais humano.” (1990, p. 29). 1.1 Da epopéia ao século XXI: uma questão de narrativa Muitas são as narrativas do mundo. Existe uma abundância de gêneros que são sustentados por uma linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, ou ainda pela miscelânea destas. A narrativa está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pintura, no vitral, no cinema, enfim, na conversação. Além disso, ela está presente em todos os tempos, em todos os lugares e em todas as sociedades. A narrativa começa com a própria humanidade; não há em parte alguma, povo algum, sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm suas narrativas. (BARTHES, 1973, p. 19). A narrativa é infinitamente catalisável, ou seja, apta às transformações e sabe-se que ela é a exposição de fatos. Nela, por sua vez, se configura um estilo de narração. Carlos Reis diz que “os textos narrativos levam a cabo um processo de exteriorização, porque neles procura-se descrever e caracterizar um universo autônomo, integrado por personagens, espaços e ações.” (1999, p. 347). Entende-
  • 15. 15 se que esse universo é autônomo porque é representado pela presença do narrador. Ele (o narrador) sabe o que acontece e por isso é colocado numa situação de alteridade em relação aquilo de que fala. Tanto na narrativa literária quanto na jornalística, a participação daquele que conta a história é indispensável, como se verá adiante. A literatura clássica teve início na Grécia e em Roma. A literatura grega começa com dois épicos1 de Homero: Ilíada e Odisséia, por volta do século VIII (a.C.). Ilíada descreve a guerra travada pelos gregos contra Tróia, com o pretexto de trazer de volta Helena, esposa de Menelau. Helena havia sido seqüestrada por Paris, filho de Príamo, rei de Tróia. Odisséia narra a jornada de Odisseu – conhecido pelos romanos como Ulisses – ao retornar de Tróia para reaver sua esposa e seu trono. Juntos, estes dois poemas estabeleceram a forma e os temas do gênero épico ocidental. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 98). Carlos Ceia afirma que “desde seu início, a literatura romana foi fortemente influenciada pela grega, mas a primeira obra de real independência foram os Anais, de Ênio (239-169 a.C.).” (2005). Um épico histórico do qual se conhece apenas fragmentos. Os 1500 anos decorridos entre Homero e a Idade Média revelaram o surgimento de quase todas as principais formas de prosa e poesia, além do próprio conceito da literatura como arte. Como consta na Enciclopédia Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, (1995, p. 130), as maiores glórias da literatura medieval estão em suas narrativas: épicos, romances de cavalaria, e contos escritos em poesia e prosa para recitação. Todos os aspectos da vida humana eram representados: das dificuldades dos camponeses aos privilégios dos aristocratas, passando pelo comércio em ascensão. As histórias variavam em assunto e técnica da obscenidade cômica à 1 Procurando distinguir os gêneros – épico, lírico e dramático –, Hegel (apud Leite, 1997, p. 9), caracteriza o primeiro como eminentemente objetivo, o segundo como subjetivo, e o terceiro como uma espécie de síntese dos outros dois, objetivo-subjetivo. Assim, a poesia épica seria aquela em que, do conjunto dos homens e dos deuses, brotaria a dinâmica dos acontecimentos que o poeta deixaria evoluir livremente, sem interferir. Trata-se de uma realidade exterior a ele, com a qual não se identifica a ponto de se envolver com os sentimentos, pensamentos e ações dos caracteres em jogo. Já a lírica teria por conteúdo subjetivo “a alma agitada pelos sentimentos”, e, em lugar da ação externa ao sujeito, o que se expõe é o seu extravasar; é ele que se expressa diretamente, e musicalmente, pela palavra que profere. O terceiro gênero – o dramático –, como síntese dos outros dois, se constitui, ao mesmo tempo, de um desenrolar objetivo de acontecimentos e da expressão vibrante da interioridade.
  • 16. 16 espirituosidade erudita, do romance puro à sátira pungente, da superstição popular à elevada doutrina cristã. Percebe-se, como descreveu Reis, que os textos narrativos literários consolidam um processo de representação eminentemente dinâmica, sobretudo pela ação de mecanismos temporais. Ao mesmo tempo, a narrativa literária estrutura-se em dois planos fundamentais: “o plano da história relatada e o plano do discurso que a relata, articulados num ato de enunciação que é a instância da narração.” (1999, p. 345). A literatura da Renascença teve seu início quando a humanidade começou a se ocupar de sua própria consciência, afastando-se de assuntos religiosos. A poesia, a prosa e o teatro da Idade Média têm caráter essencialmente religioso, já a literatura da Renascença é predominantemente secular, incorporando o domínio da atividade humana. A preocupação com a vida após a morte e com a salvação da alma foi substituída por uma análise dos destinos de reinos, países, famílias e raças. A literatura renascentista se tornou o espetáculo do homem tentando atingir seus objetivos. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 146). Segundo Manuel Amaral (2007), Luís Vaz de Camões foi um dos maiores escritores da literatura da Renascença com Os Lusíadas em 1572. No Brasil, a literatura chega com o descobrimento. A partir deste marco histórico já acontece a interação do jornalismo com a literatura. Para muitos autores, a carta de Pero Vaz de Caminha em 1500, descrevendo as belezas do novo país, é o marco inicial da literatura brasileira, mais especificamente da crônica, assim como os relatos de vários cronistas portugueses que aqui estiveram, como Pero de Magalhães de Gandavo e Gabriel Soares de Souza, e os poemas e sermões escritos por jesuítas que tinham por objetivo a catequese dos índios. Os de maior renome são os de autoria dos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Neste período destacam-se dois movimentos: o Barroco e o Arcadismo. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 444). Para outros autores, como SÁ (1985, p. 5), a crônica, os poemas e as cartas trazem muito do feitio jornalístico. O Barroco no Brasil tem estreita ligação com o jornalismo devido ao surgimento de cidades e vilarejos em Minas Gerais por causa da exploração das minas de metais preciosos. Logo, as manifestações literárias deste movimento representavam a realidade do drama humano no garimpo. O que evidencia a proximidade com as técnicas jornalísticas de informar (ARAÚJO, 2006).
  • 17. 17 Em razão desta proximidade com o jornalismo, e também para entender os processos narrativos surgidos no Brasil, se fará um breve resgate dos movimentos da Literatura Brasileira. A linguagem barroca preocupa-se com a elegância, havendo o predomínio da idéia abstrata e da valorização dos sentidos sobre o materialismo. A temática barroca é a antítese entre a vida e a morte, valorizando a experiência humana e todas as suas contradições. Seu início se dá com a publicação do poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira, em 1601, que louvava o segundo donatário de Pernambuco e celebrava a prosperidade desta então capitania hereditária. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 444). Com o crescimento do nacionalismo, há a necessidade de se adequar às produções literárias ao gosto e às temáticas brasileiras. Ao mesmo tempo, a popularização das obras faz com que os escritores busquem uma linguagem mais simples e natural, além de idéias mais claras e facilmente compreendidas. Valoriza- se mais a natureza e os gêneros bucólicos se difundem, representando a inocência e a rusticidade sadia dos habitantes dos campos. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé- Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 444). No Brasil, o Arcadismo inicia-se com a publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manoel da Costa em 1768, uma poesia rica e elegante que revela o culto aos clássicos. (MIRANDA, 2004). Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, as atividades culturais são incentivadas e a afirmação da identidade nacional se intensifica, iniciando-se uma nova etapa da literatura brasileira. De acordo com a Enciclopédia Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, (1995, p. 444), o movimento romântico foi muito importante, coincidindo com a época em que o país se definia em termos de nacionalidade, reconhecendo seu passado histórico, origens, tradições e folclore. Há uma produção bastante grande em termos de poesia, teatro e ficção. São pregados o subjetivismo, a individualidade, a valorização da nossa paisagem física e social, as tradições e lutas político-sociais do momento. Apesar de muito nacionalista, o Romantismo brasileiro também se preocupa com as temáticas universais, sendo um movimento bastante rico. Inicia-se em 1836, com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Domingos Gonçalves de Magalhães. No entanto, o primeiro grande romântico brasileiro é Antônio Gonçalves Dias, cujos poemas de caráter nacionalista se notabilizaram na Canção do Exílio. Outros romancistas que se destacaram foram
  • 18. 18 Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha) e José de Alencar (O Guarani e Iracema). Com todas as mudanças políticas e sociais que ocorreram no II Reinado, o Romantismo entra em crise e o regionalismo vem à tona, com personagens que ilustram o real – e não o idealizado romântico – e o crescente questionamento de valores e dúvidas inerentes ao ser humano. Os movimentos do Realismo e do Naturalismo se iniciaram oficialmente no país com Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis em 1880, considerado um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Aluísio Azevedo se consagrou como naturalista ao exagerar certos aspectos da realidade em O Cortiço, de 1890. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 445). Deve-se levar em conta que o Realismo e o Naturalismo impulsionaram a forma de se narrar as histórias jornalísticas. O Parnasianismo enaltecia a poesia objetiva e o rebuscamento formal. Há a preocupação com a correção métrica, o vocabulário raro e as rimas exóticas. Considerado como primeiro livro parnasiano as Fanfarras de Teófilo Dias, em 1882. O principal nome do período é Olavo Bilac, cujo volume Poesias de 1888 é o retrato exato do pensamento parnasiano. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 445). No ensaio “O Parnasianismo na Poesia Brasileira”, o professor Sânzio de Azevedo, ressalta o fato de que o movimento no Brasil teve três correntes preparatórias. A poesia filosófico-científica; a poesia realista; e a poesia socialista. Os poetas do primeiro grupo buscavam praticar uma poesia que demonstrasse que conheciam, “os grandes princípios da filosofia geral e o espírito renovador da ciência no século XIX”, sem, no entanto fazer uma poesia didática. [...] A corrente da poesia realista basicamente lutava contra a idealização romântica, e cultivava pormenores realistas nas descrições. [...] Já a poesia socialista, em geral, atacava a monarquia e a igreja, defendia o sufrágio universal, pregava a república, o comunismo, a paz, a igualdade social e o amor total. (2004, p. 376). Conforme Marina Cabral (2007) o Simbolismo caracteriza-se pela melancolia, musicalidade, imagens ousadas e vocabulário vago, recorrendo muitas vezes a neologismos. Inicia-se em 1893 com as obras Missal – poemas em prosa – e
  • 19. 19 Broquéis – versos –, de Cruz e Souza. O movimento reflete um momento histórico extremamente complexo que marcaria a transição para o século XX e a definição de um novo mundo, basta lembrar que as últimas manifestações simbolistas e as primeiras produções modernistas são contemporâneas da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa. No site Brasil Escola (2007), encontra-se que o Pré-Modernismo se destaca com a consolidação da República e a expansão cultural. Em Triste Fim de Policarpo Quaresma de 1915, de Lima Barreto, a vida urbana carioca é retratada com riqueza de detalhes. Os Sertões de 1902, de Euclides da Cunha, narra a campanha contra os seguidores de Antônio Conselheiro, no nordeste, sendo até hoje uma obra-prima em termos de linguagem. O livro de Cunha também é considerado o marco inicial da reportagem no Brasil, uma vez que foi publicado em 1898 no jornal O Estado de São Paulo. O pré-modernismo também figura no corpo do jornal impresso, assim como as características do Realismo e do Naturalismo. O marco inicial do Modernismo é a Semana de Arte Moderna de 1922, que difundiu os ideais europeus vanguardistas por todo o país. O principal é a busca da nacionalidade, valorizando todos os aspectos da nossa cultura. Nesta primeira fase, são expoentes Mario de Andrade, cuja obra-prima é Macunaíma de 1928, Oswald de Andrade, cujas principais contribuições ao movimento foram os poemas Pau Brasil em 1925 e a Revista Antropofágica, e Manuel Bandeira que traduziu primorosamente as obras de Shakespeare. A partir de 1930, o movimento modernista se consolida com nomes como o de Carlos Drummond de Andrade e vários romancistas como Erico Verissimo, Jorge Amado e Rachel de Queiroz. Numa linha mais intimista, surge Vinícius de Moraes, um dos maiores poetas do Brasil. A chamada Geração de 45 volta a se preocupar com o apuro formal e busca temas mais complexos, destacando-se João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e Guimarães Rosa, cujo romance Grande Sertão Veredas de 1956, é um dos melhores já produzidos pela literatura nacional. (ENCICLOPÉDIA Compacta Istoé- Guiness de Conhecimentos Gerais, 1995, p. 445). A partir de então, a literatura brasileira oferece um panorama de narrativas muito vasto, desde pesquisas regionalistas até narrativas fantásticas. O romance de denúncia e o romance-reportagem assumem um importante papel, transformando a literatura nacional em uma posição de destaque na América Latina.
  • 20. 20 Diante dessas afirmações reitera-se que a técnica literária serviu de berço ao jornalismo. É inegável a influência da literatura no jornalismo. Há um processo histórico de troca de elementos entre literatura e jornalismo, e o primeiro foi o realismo social. Este estilo literário, segundo Fernando Torres, cooperou para o surgimento da reportagem. “A literatura de então destacava a temática social, a descrição detalhada de ambientes e personagens do cotidiano, contribuindo assim, não apenas com os aspectos estéticos do texto jornalístico, mas também para a captação e apuração dos dados.” (2007). Mais adiante, o New Journalism, movimento literário, tomaria fôlego mediante a reportagem. A partir daí, a ficção incorporou elementos informativos à sua narrativa e vice-versa. E mais: histórias reais e grandes reportagens começaram a ser publicadas em livros. Com alusão de que muitos dos escritores citados foram também jornalistas e que exerceram o trabalho jornalístico de investigação e interpretação dos fatos, surge na década de 60 o New Journalism. Lima diz que a chance que o jornalismo poderia ter para se nivelar, em qualidade narrativa, à literatura, seria aperfeiçoando meios sem, porém, perder suas características. Isto é, “teria de sofisticar seu instrumental de expressão de um lado, e elevar seu potencial de captação do real de outro. Esse caminho chegaria a bom termo com o New Journalism.” (1995, p. 146). De acordo com Marco Aurélio Silva, o Novo Jornalismo busca na literatura realista do século XIX, dados para a composição narrativa, em conseqüência disso, uma forma mais aprazível de informar o mundo sobre vários assuntos estava nascendo. “Tal trabalho pode ser encontrado no que se convencionou chamar de romance-reportagem com destaque para Os Eleitos, de Tom Wolfe, e A Sangue Frio, de Truman Capote.” (2007). Neste contexto, Diego Junqueira Torres complementa que: O Novo Jornalismo, febre norte-americana iniciada na década de 60, priorizava o enfoque literário na construção dos fatos/narrativas, indivíduos/personagens. Contudo, abriu espaço para a prática do “jornalismo literário” – mais literatura, diriam uns, mas ainda informativo, diriam outros. (2007). Lima diz que no Brasil é possível presumir que o Novo Jornalismo tenha entusiasmado dois veículos lançados em 1966 que se notabilizaram exatamente por
  • 21. 21 uma proposta estética renovadora: “a revista Realidade, considerada a nossa grande escola da reportagem moderna, e o Jornal da Tarde.” O novo modo de fazer jornalismo começou a ser adotado no Brasil através do gênero interpretativo em meados do século XX, e na década de 1960 ocorreram então, bons exemplos de jornalismo voltado para a literatura sem fugir do real, como foi o caso da revista Realidade e do Jornal da Tarde, lançados em São Paulo, em 1966. Os dois veículos publicavam reportagens que se aproximavam da literatura. Naquela época eles eram verdadeiras escolas do gênero no Brasil e abrigavam uma geração de escritores que combinavam o jornalismo e a literatura, o livro-reportagem, geração de cronistas, etc., que não encontravam espaço para matérias do gênero literário principalmente depois da extinção da revista Realidade na década de 70. (1995, p. 146). Conforme Rangel e Ribeiro (2006, p. 2), a inclusão deste protótipo de texto é resultado de uma ansiedade constante, com a ambição de fazer um jornalismo que permita a implantação de um mundo que conserva-se oculto ao que se depara em noticiários, momento que começa a surgir o livro-reportagem. Neste contexto, “os profissionais que passaram a produzir nessa corrente abriram uma porta de possibilidades vastas, primeiro em publicações periódicas e depois no livro- reportagem.” (LIMA, 1995, p. 146). Na verdade, comenta Lima, a literatura e a imprensa confundem-se até os primeiros anos do século XX. “Muitos dos jornais abrem espaço para a arte literária, produzem seus folhetins, publicam suplementos literários. É como se o veículo jornalístico se transformasse numa indústria periodizadora da literatura da época.” (1995, p. 136). Rangel e Ribeiro (2006, p. 2), declaram que os jornalistas do New Journalism entenderam que deveriam se aprofundar e levar ao leitor detalhes minuciosos. Além das narrativas habituais, era preciso criar textos com emoção e escrever relatos mais humanizados. O mesmo aconteceu no Brasil, embora sem o título de Novo Jornalismo e muito antes desse período, como, por exemplo, Euclides da Cunha, que despachava ao jornal O Estado de São Paulo, em 1898, suas impressões da guerra de Canudos. Posteriormente as descrições das batalhas feitas por Cunha foram reunidas e se transformaram no livro Os Sertões, um clássico da literatura brasileira, como exposto anteriormente. “Os Sertões é considerado um livro-
  • 22. 22 reportagem, e, paralelamente, Euclides da Cunha foi considerado um dos primeiros jornalistas a executar uma reportagem digna do jornalismo científico.” (OLIVEIRA, 2002, p. 32). Percebe-se, através dos subsídios teóricos apresentados neste trabalho, que o Novo Jornalismo recupera a capacidade do texto de emocionar, possibilita trabalhar com a arte, tanto o aspecto racionalista, dito objetivo, quanto o subjetivo da realidade. Partindo da premissa de que o Novo Jornalismo permite ao jornalista encontrar meios diferentes para dizer o que, quem, como, onde, quando e o porquê, explorando a criatividade, entende-se que o Novo Jornalismo exige uma abordagem mais imaginativa da reportagem e consente que o escritor participe ativamente da narrativa ou assuma o papel de observador imparcial. No site Irmandade Raoul Duke encontra-se que: O Novo Jornalismo, embora possa ser lido como ficção, não é ficção. É, ou deveria ser tão verídico, como a mais exata das reportagens, buscando embora uma verdade mais ampla que a possível através da mera compilação de fatos comprováveis, o uso de citações, a adesão ao rígido estilo mais antigo. (2007). Edvaldo Pereira Lima, no artigo “New Journalism X Jornalismo Literário”, diz que: O New Journalism americano foi a manifestação de um momento do Jornalismo Literário. Isso quer dizer que o Jornalismo Literário, enquanto forma de narrativa, de captação do real, de expressão do real, já existia antes e continua existindo após o New Journalism, que foi só uma versão específica do Jornalismo Literário, mas uma versão radical quando comparada à anterior, principalmente, no que se refere à capacidade do narrador se envolver com o universo sobre o qual vai escrever. (2002). O Jornalismo Literário, segundo Thomas Berner, não é menos verdadeiro do que o jornalismo objetivo e pode, de fato, representar a realidade mais precisamente do que as formas tradicionais de redação noticiosa (apud LIMA, 1995, p. 159).
  • 23. 23 Ricardo Noblat (2003, p. 37), diz que a missão de um jornalista é informar. Ou melhor: contar histórias. Neste contexto, o jornalismo e a literatura estão muito próximos. Evidencia-se, nesta perspectiva, que o Novo Jornalismo não se trata de um gênero categoricamente inédito e sim parte da evolução da literatura que procura se inspirar na literatura de realismo social, na literatura de relato e nas manifestações literárias com caráter factual e informativo, ou seja, na literatura de não-ficção, e, portanto, jornalístico, que se convencionou em chamar de Jornalismo Literário, qualificado pela utilização das técnicas da literatura na captação, redação e edição de reportagens. (SITE Irmandade Raoul Duke, 2007). Oswaldo Coimbra cita que: Uma das técnicas de construção da narrativa no texto do Novo Jornalismo era a de apresentar cada cena para o leitor através dos olhos de uma personagem, dando ao leitor a sensação de estar dentro do pensamento da personagem e sentindo a realidade emocional da cena como ela a sentiria. (1993, p. 76). Numa concepção mais moderna, Alceu Amoroso Lima diz que “tudo é literatura desde que no seu meio de expressão, a palavra, haja uma acentuação, uma ênfase no meio de expressão, que é o seu valor de beleza.” E adiante conclui: O jornalismo, por conseguinte, tem todos os elementos que lhe permitem a entrada no campo da literatura, sempre que seja uma expressão verbal com ênfase nos meios da expressão, e com todos os riscos e perigos, que possa produzir nos outros gêneros seus companheiros, ou que os outros nele possam produzir, quando desviados de sua natureza própria. (1958, p. 138). O Novo Jornalismo traz ao brilho dos holofotes o mesmo tom comum de mergulho completo, corpo e mente, na realidade, como acontecia em todas as formas de expressão da contracultura, por exemplo. “À objetividade da captação linear, lógica, somava-se a subjetividade impregnada de impressões do repórter, imerso dos pés à cabeça no real.” (LIMA, 1995, p. 149). Ou seja, antes de se escrever um texto eram realizadas extensas pesquisas sobre a linguagem, os tipos
  • 24. 24 humanos e os costumes das pessoas. Estas informações eram repassadas ao texto junto com os efeitos que a realidade provocava e despertava no autor. Portanto, conclui-se que o Novo Jornalismo permitiu explorar o estilo e a narrativa aprimorando a linguagem jornalística, já que este remete à idéia de liberdade da escrita analítica e como enfatiza Lima: O principal legado do New Journalism – a de que a melhor reportagem, no sentido de captação de campo e fidelidade para com o real, pode combinar- se muito bem com a melhor técnica literária – encontrou sua mais refinada expressão no livro-reportagem. (1995, p. 159). Este por sua vez, alcançou respeitável nível de expressão ao transplantar para seu campo específico, com sucesso, as técnicas da literatura. 1.2 O hibridismo entre o real e a ficção A preservação do realismo já está segundo o produtor e roteirista de cinema e televisão Pedro Eduardo Pereira Salomão, completamente desarticulada da idéia purista do registro intocável. O termo realismo oculta em si um paradoxo. Ele causa a sua própria contradição. A adesão da palavra real com o sufixo “ismo” concederia ao realismo o atributo de representar o real. A simultaneidade da presença do real com a experiência de vivê-lo, impede o homem de fazer a sua sistematização. Como forma de se relacionar com o real, ele recorre às representações. A primeira delas é a realidade, considerada uma construção social do real. A compreensão direta do real é impossível dada à intermediação da linguagem. O seu processo de percepção passa de modo invariável pelo auxílio das representações, sujeitas às seleções inerentes ao crivo da consciência. A realidade é parte do real, embora o real não possa ser aprisionado esteticamente senão filtrado pela representação da realidade. O objetivo maior do realismo é atingir o status de real. (2007).
  • 25. 25 Neste contexto, entende-se que a ficção está a serviço da realidade. O condicionamento do realismo a uma realidade externa é concernente às manifestações modernas, quando acontecimento e ficção se unem. O real impulsiona o ficcional e o ficcional estimula o real. Eneida Maria de Souza diz “que a ambigüidade gerada pela relação entre realidade e ficção é fortalecida pela utilização da narrativa em primeira pessoa, permitindo aos defensores do realismo confundir autor e narrador, escritor e personagem.” (2002). Christian Metz (1972, p. 19), observa que a impressão de realidade é sempre um fenômeno de duas faces: pode-se procurar a explicação no aspecto do objeto percebido ou no aspecto da percepção. Assim sendo, a fidelidade da cópia em relação ao seu modelo depende da quantidade de indícios de realidade que ela conserva. Conforme Christiane Karydakis e Marillia Raeder Auar Oliveira, o mundo desvendado pela arte é o mundo que ela mesma constrói. Um texto de ficção proporciona uma fração do mundo real em que se vive, mas não acaba com essa realidade, daí seu caráter ficcional. Um texto de ficção busca na própria realidade artifícios para então instituir seu mundo especial, ficcional por excelência, mas pincelado por informações reais que prosseguem desta maneira, reais, mesmo fazendo parte de um universo idealizado. Sabemos que a ficção se abastece de realidade e a transgride, alcançando novos universos, particulares e próprios da criação artística, muitas vezes mais verossímeis e confortáveis que esse mundo em que vivemos, dito “real”. Também sabemos que a ficção oferece muito mais certezas que a própria realidade. Ao lermos um texto, tomamos consciência de tudo o que se passa nas relações entre os personagens; sabemos o que cada um deles pensa, como agem, aquilo de que gostam, suas escolhas, seus segredos – tudo isso oferecido por um narrador onisciente. (2007). As autoras colocam que na nossa realidade, ao dialogarmos com uma pessoa, não existe a possibilidade de saber se o que ela está dizendo é de fato verdadeiro:
  • 26. 26 Não podemos saber o que esta pessoa está pensando – essas informações não nos são oferecidas. Podemos questionar nosso interlocutor, ao invés de fazermos projeções, mas não teremos certeza da informação que nos será dada por esse interlocutor – ele pode estar mentindo. (KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007). De acordo com estas autoras, como saber a veracidade das palavras nas relações interpessoais no mundo real? Não se sabe, apenas acredita-se na boa vontade do outro em falar o que realmente é verdadeiro. No texto ficcional, no entanto, se tem a noção de que tudo que está sendo narrado é produto da invenção do autor do texto, mas no interior da ficção tudo é realidade. Para Salomão essas relações e a conseqüente distinção entre arte e vida, arte e realidade, é cíclico na história do pensamento humano. O desenvolvimento do conceito de mímesis por Platão tenta, em geral, dar conta dessa problemática e determinar racionalmente as fronteiras. Porém, a mímesis para os filósofos da Antiguidade não se limita a um imitar da realidade e se estende a tensão entre os conceitos de arte e de vida. Em Platão, a mímesis abrange também a dimensão do jogo entre esquecimento e reconciliação da aparência com a essência. Essa dimensão do conceito original é resgatada no pensamento dos realismos contemporâneos. As representações artísticas, em especial, tendem a tencionar o ficcional e o factual. (2007). Karydakis e Oliveira (2007) se referem à mímesis – figura em que o orador imita a voz ou os gestos de outrem – no discurso ficcional da literatura, registrando que ela acaba escapando de um código primário, alimentando-se da realidade para evidenciar sua própria mímesis como criação imagética. Essa mímesis rompe com o real, criando novas alusões e novas possibilidades. Neste contexto observa-se o que Shusterman afirma: Mímesis é usualmente traduzido por “imitação”, mas de fato este significado central está mais próximo de “realização”: objetos, eventos, ou ações que, porque são divinos, passados ou canônicos, pertencem a um domínio mais valioso da realidade do que nossa vida cotidiana, mas estão, por isso mesmo, de alguma forma afastados de nós, impõem sobre nós a obrigação de restaurar sua realidade. (apud KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007).
  • 27. 27 Tatiana da Silva Capaverde coloca que Aristóteles também entendia a arte como imitação da realidade, contudo, “para ele, a obra possuía valor estético, e o significado de imitação passa a ser o de possíveis interpretações do real.” (2007). Salomão enfatiza que: A imbricação entre arte e vida, real e ficcional, em todos os contextos produz resultados inéditos, distanciados dos realismos antecedentes que sugerem uma receosa proximidade com a realidade. Propostas que, na verdade, apenas tomam a realidade como base para suas representações específicas. (2007). A arte emprega a linguagem para representar a realidade. Na literatura isso se consagra através da busca de novas linguagens, e que estas, admitam a livre expressão das diferentes maneiras de ver o mundo, tendo em vista a inclusão do cotidiano e da arte popular nas temáticas cogitadas e a valorização em termos artísticos do subconsciente e do inconsciente. Esse movimento e o procedimento de transformação da arte, todavia, não significaram uma alienação diante da realidade, pois as analogias entre a arte e os homens são de intenso conhecimento e identidade, sendo compreendida agora numa configuração mais imbricada que antes. (CAPAVERDE, 2007). Como decorrência desse movimento, tem-se a utilização do conceito de simulacro para indicar a nova relação entre a realidade e a ficção. O simulacro é o conceito que se superpõe àquele que Platão criou. Neste caso, como avalia Rejane Pivetta de Oliveira: A imagem prescinde de referencialidade, pois é criada a partir de modelos de simulação, que instituem a realidade por si mesmos. Elimina-se, assim, a diferença entre o real e o ilusório, o verdadeiro e o falso, de modo que a representação passa a viver sob o domínio do código, que pode ser infinitamente reproduzido. (2003, p. 28). Como uma aposta, a obra modifica-se numa paródia dos valores de referência, de estrutura e de sentido, deslocando a seqüência entre o pensamento e o mundo. Neste sentido, acompanhando o raciocínio de Oliveira, “o simulacro ao
  • 28. 28 contrário de mascarar a essência das coisas, desvela a fantasmagoria que sustenta a verdade, mostrando que a máscara é a condição de existência de todas as coisas e que a realidade é vivida como ficção.” (2003, p. 28). Para Karydakis e Oliveira, a união entre ficção e realidade está firmada, uma é indissociável da outra. “O que antes parecia difuso e nebuloso torna-se claro aos olhos dos leitores mais atentos e comprometidos com suas leituras. A fusão da realidade com a ficção já é um fingimento por si só, constituído de transgressões.” (2007). De acordo com as autoras, viola-se a própria realidade sensível. O ato de simular, segundo Wolfgang Iser (apud Karydakis e Oliveira, 2007), é, deste modo, uma contravenção de limites. Ainda conforme Iser: O discurso ficcional da literatura se apropria das referencialidades, não para defendê-las, mas para colocá-las em questão. Isto é feito através de diferentes visões de mundo que se encontram em embate, em conflitos que não se resolvem. O discurso ficcional reorganiza horizontalmente as normas e os valores sociais. Daí a explicação do motivo por que não se faz sentido a separação ficção versus realidade. (apud KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007). Para Coimbra (1993, p. 17), o caráter ficcional e não ficcional dos textos cria uma dificuldade de discernimento entre o real e o fictício. Percebe-se, assim, que se existe uma fronteira entre a narrativa literária e a jornalística, ela não é demarcável. “A ficção é simplesmente uma composição entre claros e escuros.” (CAPAVERDE, 2007). Entende-se então que a noção de ficção e real se imbrica para mostrar a incoerência de sua separação e a inter-relação que existe entre as duas dimensões. André Bazin (1992, p. 27) diz que sejam quais forem as objeções de nosso espírito crítico, somos obrigados a crer na existência do objeto representado, literalmente representado, quer dizer, tornado presente no tempo e no espaço. Como aponta Anatol Rosenfeld, “a ficção é o único lugar em que os seres humanos se tornam transparentes à nossa visão, porque o espaço do olhar é um espaço relativo.” (apud KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007). Sendo este espaço de olhar relativo, logo, cada ser pode transformá-lo em imagens de acordo com suas percepções da realidade.
  • 29. 29 A materialidade do discurso faz com que ele passe a emergir enquanto objeto articulador de imagens que são propostas no campo sintagmático do texto literário, que provocam em nós, leitores, diversas e diferenciadas reações de percepção diante do objeto literário que temos em mãos, pois cada leitor pode reagir diferentemente a um mesmo texto, levando em consideração os fatores realmente manifestos, extra teóricos, ou seja, sua própria experiência de vida, a sua referencialidade, e ainda, sua inserção em sociedade. Desta forma, o leitor está também sujeito aos efeitos históricos, identificando-se ou identificando certos elementos no texto, para que a experiência da alteridade resulte em um despertar de consciências por parte dos leitores. (KARYDAKIS; OLIVEIRA, 2007). A literatura de testemunho pode ser uma alternativa neste caso. Márcio Seligmann-Silva diz que pensar a literatura brasileira a partir da chave do testemunho implica ampliar a “caixa de ferramentas” do leitor. O testemunho deve ser visto como um elemento da literatura que aparece de modo mais claro em certas manifestações literárias do que em outras. O conceito de testemunho pode permitir uma nova abordagem do fato literário que leva em conta a especificidade do real que está na sua base e as modalidades de marca e rastro que esse real imprime na escritura. A literatura não pode ser pensada como um campo desligado da nossa vida cotidiana e sem efeito sobre ela. Nas palavras de Seligmann-Silva, “aquele que testemunha se relaciona de um modo excepcional com a linguagem: ele desfaz os lacres da linguagem que tentavam encobrir o ‘indizível’ que a sustenta.” (2003, p. 39). Portanto, o testemunho seria a narração da resistência à compreensão dos fatos. Segundo o autor, a questão não está na existência ou não da realidade, mas na nossa capacidade de percebê-la e de simbolizá-la. Não existe a possibilidade de se separar os fatos da interpretação. “A verdade é que o limite entre a ficção e a realidade não pode ser delimitado e o testemunho justamente quer resgatar o ‘real’ para apresentá-lo. Mesmo que para isso ele precise da literatura.” (SELIGMANN- SILVA, 2003, p. 379). Daí a necessidade do registro ficcional para a apresentação dos eventos. Aquilo que transcende a verossimilhança exige uma reformulação artística para a sua transmissão. Mas a imaginação não deve ser confundida com a “imagem”: o que conta é a capacidade de criar imagens, comparações e, sobretudo de evocar o que não pode ser diretamente apresentado. “Não é invenção, mas narração – ou mesmo, construção – do real.” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 386).
  • 30. 30 Conforme o autor, na literatura de testemunho não se trata mais de imitação da realidade, mas sim de uma espécie de manifestação do real. É evidente que não existe uma transposição imediata do “real” para a literatura, mas a passagem para o literário, o trabalho do estilo e com a delicada trama de som e sentido das palavras que constitui a literatura, é marcada pelo “real” que resiste à simbolização. (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 386). Logo, o limite entre a ficção e a realidade é tão tênue que uma se deixa atravessar pela outra (DUARTE, 2007). Para Georg Lukács “a literatura teria a capacidade de dar a conhecer para mover, isto é, para levar o leitor – uma vez que vislumbrou pela ficção uma realidade mais profunda – a desejar transformá-la.” (apud Leite, 1997, p. 77). Confirma-se então a premissa de que a vida imita a arte e a arte imita a vida, porque a vida real passa a ser mais interessante que a ficção e a ficção, parece mais real que a realidade. 1.3 As técnicas narrativas O texto, segundo Coimbra (1993, p. 11), pertence a uma de três matrizes de gêneros: dissertativo, narrativo e descritivo. A dissertação tem como finalidade principal expor ou explanar, explicar ou interpretar idéias. A argumentação tende a convencer, persuadir ou influenciar o leitor. Como na reportagem dissertativa a função de informar é inseparável do esforço para convencer o leitor a aceitar a informação no contexto de um raciocínio que se pretende correto, é obvia a presença nela de argumentação. “Assim, também para nós, dissertação e argumentação são sinônimos.” (COIMBRA, 1993, p. 12). Segundo Elisa Guimarães, o modelo de estrutura (ou de superestrutura) da narração pode ser assim representado:
  • 31. 31 [...] um estado de equilíbrio inicial, que define uma situação estável – uma ação transformadora que corresponde à intervenção de uma força perturbadora acarretando um estado de desequilíbrio – uma ação transformadora que corresponde à força da reação da qual decorre um estado final de equilíbrio. (apud COIMBRA, 1993, p. 15). Por isso, segundo a autora, dentro deste ponto de vista, três categorias tecem o esquema narrativo: exposição, complicação e resolução. Podem, ainda, completar o esquema uma avaliação e uma moral. O texto narrativo, segundo a autora, ostenta uma dimensão temporal: os comportamentos que nele se processam têm relações mútuas de anterioridade e de posterioridade. Sua especialidade fundamental, no entanto, é sua referência primordial a ações de pessoas, as quais ficam condicionadas às descrições de circunstâncias e de objetos. (GUIMARÃES, apud COIMBRA, 1993, p. 15). Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari definem a narração como: A ordenação de fatos, de natureza diversa, externos ao relator (mesmo quando o narrador é parte dos fatos, isto é, participa da ação que está sendo narrada). No texto comunicativo, os acontecimentos (desde a mais simples notícia até a grande-reportagem), situados no nível de uma seqüência temporal, constituem uma narrativa. (1977, p. 77). Para evidenciar a extensão do processo articulatório do texto descritivo, Guimarães (apud Coimbra, 1993, p. 19), esclarece que toda descrição comporta as seguintes categorias: 1. Um tema chave que enuncia a seqüência descritiva; 2. Uma série de subtemas; 3. Expansões predicativas (atribuições de qualidade, de ações, aos subtemas). Para Sodré e Ferrari, a descrição é entendida como a representação particularizada de seres, objetos e ambientes. “A descrição imobiliza esse objeto ou ser em certo instante do processo narrativo, fixa um momento, um lado, um aspecto do ser que se move, retendo-o através da permanência de sua imagem imóvel.” (1977, p. 105).
  • 32. 32 No jornalismo os tipos mais comuns de descrições são, de acordo com Gaudêncio Torquato (1984, p. 119), a pictórica – que se faz pela soma dos detalhes, o observador imóvel em relação ao que é observado; a topográfica – que concede mais ênfase a certos aspectos do que é observado, normalmente massa e/ou volume; e a cinematográfica – que destaca a luz e o jogo de luzes ou sombras sobre o objeto observado. Coimbra ainda destaca a descrição de pessoas: que é, principalmente, através da comunicação face a face, possibilitada pelas entrevistas, que o jornalista observa as pessoas que se tornarão personagens de seus textos. Há, portanto, uma dualidade – pessoa/personagem – diante da qual está permanentemente o jornalista, e com a qual é obrigado a conviver sempre, correspondente à dupla dimensão do seu trabalho – a de repórter, captador de informações do mundo real, e a de redator, estruturador de textos. Essa dualidade se intercomunica, graças aos mesmos fatores pelos quais o texto, como vimos, tem dupla face: uma voltada para o mundo real, outra para sua organização interna. Se o que está fora do contexto verbal escrito é transportável para dentro dele, podemos usar conceitos criados para classificar elementos da comunicação face a face como elementos da estruturação do texto descritivo de pessoa. (1993, p. 20). Sodré e Ferrari (1977, p. 119) acrescentam às técnicas narrativas a exposição e o diálogo. A exposição aplica-se à apresentação de um fato e suas circunstâncias, com a análise das causas e efeitos, de maneira muito pessoal ou não. Já o diálogo é realista e envolve o leitor mais completamente do que qualquer outro instrumento. Também situa e define o personagem mais rápida e efetivamente do que qualquer outro recurso. Lima diz que “a narrativa jornalística é como um aparato ótico que penetra na contemporaneidade para desnudá-la, mostrá-la ao leitor, como se fosse uma extensão dos próprios olhos dele, naquela realidade.” (1995, p. 122). Para cumprir tal tarefa, a narrativa tem de selecionar a perspectiva sob a qual será mostrado o que se pretende. Karydakis e Oliveira fazem menção à narrativa fantástica. Segundo as autoras neste caso, a narrativa é baseada em referências anteriores, que se pautam com a realidade sensível. “O autor do texto cria imagens, e estas imagens criam sua
  • 33. 33 própria realidade, elas se assumem como imagens de fato e bastam a si mesmas. Aqui, as simulações pretendem inventar novas realidades.” (2007). Além da técnica propriamente dita, o debate a respeito do tempo na literatura passa pelas conexões entre o tempo e a linguagem. Quando se pretende relacioná-los, a primeira premissa é a de que o discurso sempre sofre uma defasagem com relação ao fato descrito, já que aquilo que tentamos descrever agora, no momento seguinte já é passado. Mas o paradoxo, está em que ao mesmo tempo em que a linguagem não consegue acompanhar o acontecimento dos fatos, ela está mergulhada em referenciais temporais. Através destes é que o discurso é construído e passa a fazer sentido para o leitor, que pode, então, criar seqüências e relações de causa e efeito. (CAPAVERDE, 2007). A literatura criou mecanismos próprios em função desta inabilidade da linguagem em historiar os fatos no momento em que eles acontecem. Como a literatura não é capaz de dominar o tempo real, ela cria seu próprio tempo, dentro de uma relação de verossimilhança com o mundo. Segundo Capaverde, é pela direção progressiva do discurso que se tem a ilusão de acompanhá-lo, pela associação de uma palavra à outra, aponta-se uma direção para a memória ou para o futuro. “A escrita, portanto, é uma forma de romper os limites entre o espaço e o tempo.” (2007). O elemento tempo, por conseguinte, é presença imprescindível na essência de qualquer categoria narrativa – antes, durante e depois; início, meio e fim –. O tempo da narrativa emana da relação entre o tempo de narrar e o tempo narrado, como um grupo do discurso. Deste encontro surge o tempo físico e o psicológico, o tempo cronológico e o tempo histórico. Já o tempo de leitura, consuma-se através da ação de ler e da temporalidade do leitor. “O próprio ato narrativo se desloca temporalmente, uma vez que contar uma história leva tempo e toma tempo. É atividade real que consome minutos ou horas do narrador ou do ouvinte/leitor.” (CAPAVERDE, 2007). A narrativa jornalística, por sua vez, se utiliza desses recursos para apresentar melhor qualidade e praticar uma literatura da realidade. Logo, a reportagem pode exercer o papel de reprodutora do real, assumindo alguns dos nobres ideais de que esta pode revestir-se e sem dúvida, beirando a arte.
  • 34. 34 1.4 O narrador e as personagens Histórias são narradas desde sempre. No início, com a Épica, foi no sentido de uma narração de fatos, presenciados ou vividos por alguém que tinha a autoridade para narrar, alguém que vinha de outros tempos ou de outras terras, tendo por isso, experiência a comunicar e conselhos a dar a seus ouvintes atentos. Assim, desde sempre, entre os episódios narrados e o público, se interpôs um narrador. (LEITE, 1997, p. 5). Para a autora, “quem narra, narra o que viu, o que viveu, o que testemunhou, mas também o que imaginou, o que sonhou, o que desejou. Por isso, a narração e a ficção praticamente nascem juntas.” (LEITE, 1997, p. 6). Kayser trata da questão do narrador a partir da situação primitiva, onde um narrador conta a um auditório alguma coisa que aconteceu. Depois o autor chama a atenção para a variação substancial do narrador de romance: aqui o narrador fala pessoalmente para um leitor também pessoal, individual, numa sociedade dividida. É o fenômeno da particularização em personagens. Na epopéia, o narrador tinha uma visão de conjunto e se colocava (e colocava o seu público) à distância do mundo narrado. Já o narrador do romance [...] perde a distância, torna-se íntimo, ou porque se dirige diretamente ao leitor, ou porque nos aproxima intimamente das personagens e dos fatos narrados. (apud LEITE, 1997, p. 11). Para Reis, a pessoa do narrador só pode fazer parte da narrativa, como todo o sujeito da enunciação no seu enunciado, na primeira pessoa. “Mesmo no relato mais sóbrio há alguém que me fala, que me conta uma história, convida-me a ouvir como ele a conta e este apelo – confiança ou pressão – constitui uma inegável atitude de narração e, portanto de narrador.” (1999, p. 369). Segundo Wayne Booth, o autor se disfarça constantemente, atrás de uma personagem ou de uma voz narrativa que o representa. “A ele devemos a categoria do autor implícito, extremamente útil para dar conta do eterno recuo do narrador e do jogo de máscaras que se trava entre os vários níveis da narração.” (apud LEITE, 1997, p. 18).
  • 35. 35 Jean Pouillon indica três possibilidades na relação narrador-personagem: a visão com, a visão por trás, e a visão de fora. Na visão por trás, o narrador domina todo um saber sobre o seu destino. É onisciente [...] uma espécie de Deus. Na visão com, o narrador limita-se ao saber da própria personagem sobre si mesma e sobre os acontecimentos. Renunciando à visão de um Deus que tudo sabe e tudo vê. Finalmente, a visão de fora, em que se renuncia até mesmo ao saber que a personagem tem, e o narrador limita-se a descrever os acontecimentos, falando do exterior, sem que possamos nos adentrar nos pensamentos, emoções, intenções ou interpretações das personagens. (apud LEITE, 1997, p. 19). Norman Friedman (apud Leite, 1997, p. 26), propõe a distinção de narrador2 nas seguintes categorias: 1. Narrador onisciente intruso: esse tipo de narrador tem a liberdade de narrar a bel-prazer, adotando um ponto de vista sublime, para além dos limites de tempo e espaço. Como canais de informação, predominam suas próprias palavras, pensamentos e percepções. Seu traço característico é a intrusão, ou seja, seus comentários sobre a vida, os costumes, os caracteres, a moral, que podem ou não, estar entrosados com a história. Segundo Leite, no século XVIII e no começo do século XIX, o narrador onisciente intruso saiu de moda. “Com o predomínio da neutralidade preferia-se narrar como se não houvesse um narrador conduzindo as ações e as personagens, como se a história se narrasse a si mesma.” (1997, p. 29). 2. Narrador onisciente neutro: fala em terceira pessoa. As outras características referentes às outras questões são as mesmas do narrador onisciente intruso, do qual este se distingue apenas pela ausência de instruções e comentários gerais ou mesmo sobre o comportamento das personagens. 3. Narrador testemunha: narra em primeira pessoa, mas é um “eu” já interno à narrativa, que vive os acontecimentos descritos como personagem secundária que pode observar de dentro os acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitor de modo 2 Além dos cinco mencionados, Leite (1997), na obra citada faz menção a outros três focos narrativos descritos por Norman Friedman, que se deixou de considerar por não serem, segundo Coimbra (1993), empregados no jornalismo. 1. Onisciência seletiva múltipla: não há propriamente narrador. A história vem diretamente, através da mente das personagens, das impressões que fatos e pessoas deixam nelas. 2. Onisciência seletiva: é uma categoria semelhante à anterior. Difere apenas por tratar-se de uma só personagem. O ângulo é central, e os canais são limitados aos sentimentos, pensamentos e percepções da personagem central, sendo mostrados diretamente. 3. Câmera: significa o máximo da exclusão do autor. Esta categoria serve àquelas narrativas que tentam transmitir flashes da realidade como se apanhados por uma câmera, arbitrária e mecanicamente.
  • 36. 36 mais direto, mais verossímil. Apela-se para o testemunho de alguém quando se está em busca da verdade ou querendo fazer algo parecer como tal. No caso do “eu” como testemunha, o ângulo de visão é mais limitado. Como personagem secundária, ele narra da fronteira com os acontecimentos, não consegue saber o que se passa na cabeça dos outros, apenas pode inferir, lançar hipóteses, servindo-se também de informações, de coisas que viu ou ouviu, e, até mesmo, de cartas ou outros documentos secretos que tenha adquirido. Esse narrador tanto sintetiza a narrativa, quanto a apresenta em cenas. 4. Narrador-protagonista: desaparece a onisciência. O narrador, personagem central, não tem acesso ao estado mental das demais personagens. Narra de um centro fixo, limitado quase que unicamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos. 5. Modo dramático: eliminam-se os estados mentais e limita-se a informação ao que as personagens falam ou fazem, como no teatro, com breves notações de cena enlaçando os diálogos. Ao leitor cabe deduzir as significações a partir dos movimentos e palavras das personagens. O texto geralmente é apresentado por uma sucessão de cenas. Esta técnica funciona melhor em contos. Categoria fundamental da narrativa, a personagem evidencia a sua relevância em relatos de diversa inclusão sociocultural e de variados suportes narrativos. “Na narrativa literária (da epopéia ao romance), como na narrativa cinematográfica, na telenovela ou na banda desenhada, ela é normalmente o eixo em torno do qual gira a ação e em função do qual se organiza o relato.” (REIS, 1999, p. 360). A personagem não existe fora das palavras, diz Beth Brait. “Se quisermos saber alguma coisa a respeito de personagens teremos de encarar frente a frente à construção do texto, a maneira que o autor encontrou para dar forma às suas criaturas e aí pinçar a vida desses seres.” (apud Coimbra, 1993, p. 71). A densidade psicológica é um elemento importante para distinguir as personagens quanto à sua composição. A terminologia utilizada para designar as personagens foi criada por E.M. Forster, citado por Brait (apud Coimbra, 1993, p. 72). 1. Personagem plana: é a personagem construída em torno de uma única idéia ou qualidade. Depois de caracterizada pela primeira vez, ela sempre reincide nos mesmos gestos e comportamentos, repete-se em tiques verbais, diz as mesmas coisas. Enfim, torna-se pouco densa, previsível. Geralmente, a personagem plana é
  • 37. 37 definida em poucas palavras e está imune à evolução no transcorrer da narrativa. Essa espécie de personagem pode ser subdividida em: (a) tipo: a que alcança o auge da peculiaridade, sem ser deformada pelo narrador; (b) caricatura: a que tem a sua qualidade ou idéia única característica propositadamente distorcida pelo narrador, com intenção de satirizá-la. 2. Personagem redonda: reveste-se de complexidade suficiente para constituir uma personagem bem marcada. Um dos principais fatores de sua configuração é a manifestação gradual de seus traumas, vacilações e obsessões. É uma personagem dinâmica e multifacetada, constitui imagem total e ao mesmo tempo muito particular do ser humano e permanece como elemento para a averiguação da complexidade do ser humano. Este tipo de personagem corresponde à entrevista aberta, aquela que mergulha no outro para compreender seus conceitos, seus valores, comportamentos e histórico de vida. 3. Personagem referencial: é a que remete a um sentido pleno e fixo imobilizado por uma cultura. Sua apreensão e seu reconhecimento dependem do grau de participação do leitor nessa cultura. 4. Personagem anáfora: ao contrário da personagem referencial, só pode ser completamente apreendida dentro do texto, ou, mais especificamente, na rede de relações que os elementos do texto mantêm entre si. 5. Figurante: chamada às vezes de personagem com função decorativa, ocupa um lugar claramente menor, distanciado e passivo em relação aos incidentes narrados. Serve para ilustrar uma atmosfera, uma profissão, uma mentalidade, uma atitude própria de certa cultura ou para constituir um traço de cor ou ainda para constituir um número necessário à apresentação de uma cena em grupo. De acordo com Sodré e Ferrari (apud Coimbra, 1993, p. 103), deve ser chamado de perfil o texto que focaliza uma personagem, protagonista de uma história – a de sua própria vida –. Quando a personagem é secundária e sua descrição ocorre num breve momento de suspensão da ação narrada, o texto é chamado de miniperfil. Por outro lado, quando existe uma única personagem e determinada publicação dedica numa mesma edição, um conjunto de textos como artigos, crônicas, poemas, entrevistas que, juntos, compõe uma espécie de grande reportagem, ocorre, então o que denominam de multiperfil. Leite (1997, p. 86), conclui que o narrador é um, entre os vários elementos com os quais se articula uma obra.
  • 38. 38 Pode-se inferir, de acordo com os subsídios teóricos apresentados, que a presença de um narrador e das personagens é essencial tanto para a literatura quanto para o jornalismo porque é a partir de um narrador que as histórias vêm à tona e são as personagens que tornam isso possível. 1.5 O cotidiano transformado pelo olhar sensível Todas as qualidades censuráveis em literatura vêm de uma causa: a ânsia de novidade. Assim um belo estilo, concepções sublimes e feliz fraseado contribuem para uma composição eficaz. “Esses fatores são a base e a origem do sucesso.” (LONGINUS, 1990, p. 88). De um modo geral, pode-se dizer que a sublimidade, em toda a sua verdade e beleza, existe nas obras que agradam a todos os homens e em todos os tempos. Cinco são as fontes do sublime: a primeira é a capacidade de arquitetar grandes concepções. O ideal seria visar à concepção de grandes idéias. “A sublimidade é o eco de um nobre espírito, assim, uma simples idéia às vezes por si mesma despertará admiração pelo simples motivo da grandeza espiritual que expressa.” (LONGINUS, 1990, p. 92). Em segundo lugar, vem o estímulo da emoção em suas formas mais extremas. Em terceiro aparecem as figuras do pensamento e da fala. “Uma combinação de figuras para um objetivo comum habitualmente tem um efeito muito estimulante, quando duas ou três se unem em uma espécie de parceria para aumentar a força, o poder de persuasão e a beleza.” (LONGINUS, 1990, p. 111). O uso de figuras é para aumentar a animação e o impacto emocional do estilo e os efeitos emocionais desempenham parte na produção do sublime. Depois surge a criação de uma elocução nobre, o que, por sua vez, se resolve com a escolha do vocabulário, o uso de imagens e a elaboração do estilo. A escolha de palavras adequadas e sonoras comove e encanta uma audiência, e salienta que tal escolha constitui o mais alto objetivo de todos os oradores e escritores, pois imediatamente transmite ao estilo grandiosidade, beleza, doçura, peso, força, poder e qualquer outra boa
  • 39. 39 qualidade que imaginemos, e apresenta os fatos como se fosse uma realidade direta. (LONGINUS, 1990, p. 120). Entende-se a partir disto que as palavras têm poder. Elas podem tornar humilde o que é grandioso, e tornar grandioso o que, aparentemente, é humilde. A quinta fonte é o efeito total resultante da dignidade e da elevação. A linguagem amplificada, ou seja, pontos de argumentação que permitem o uso de frases de efeito, proporciona grandiosidade ao assunto, evidentemente também pode ser aplicada ao sublime e aos estilos emotivo e figurativo, uma vez que também revestem a linguagem de um certo grau de grandiosidade (LONGINUS, 1990, p. 99). Neste contexto, Fernando Pessoa diz que a finalidade da arte não é agradar, e sim elevar. “A finalidade da arte é a elevação do homem por meio da beleza.” (1988, p. 44). De acordo com Chklovski, arte é pensar por imagens. “Não existe arte sem imagem. O objetivo da imagem é criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão.” (apud TOLEDO, 1973, p. 50). Segundo o autor, existem dois tipos de imagens: a imagem como um meio de pensar, meio de agrupar os objetos e a imagem poética, meio de reforçar a impressão. A imagem poética é um dos meios de criar uma impressão máxima. Como meio, na sua função, é igual aos outros procedimentos da língua poética, é igual ao paralelismo simples e negativo, é igual à comparação, à repetição, à simetria, à hipérbole, é igual a tudo o que se chama uma figura, é igual a todos os meios próprios para reforçar a sensação produzida por um objeto (numa obra, as palavras e mesmo os sons podem também ser os objetos). A imagem poética é um dos meios da língua poética. Já a imagem prosaica é um meio de abstração, é um pensamento (apud TOLEDO, 1973, p. 42). Para Pessoa, a arte reúne utilidade, resumo experimental e invenção com valor. O valor fundamental da arte está em ela ser o sinal da passagem do homem no mundo, a síntese do seu experimento emotivo e, como é pela emoção e pelo pensamento que o homem mais vive na terra, a sua verdadeira experiência. Nas palavras do poeta português, deixa-se a arte escrita para guia da experiência. “É a arte que é a mestra da vida.” (PESSOA, 1988, p. 25).
  • 40. 40 Segundo o autor, a arte tendo sempre por base uma abstração da realidade tenta reaver essa realidade idealizando-a. “A obra de arte deve produzir uma impressão, deve ter um sentido, seja sugestivo o processo, ou explícito.” (PESSOA, 1988, p. 30). O autor diz que a idéia original tem que ser sentida em todos os seus detalhes. Uma obra de arte, portanto, é em essência, uma invenção com valor. Por natureza, a inteligência, embora não crie constantemente se transforma. Um longo uso da inteligência pela humanidade criou um instinto nessa inteligência, e como a inteligência por natureza transforma, e o instinto por natureza opera uma fusão dos dois, ou, por outras palavras, um instinto intelectual será uma qualidade do espírito que transforme operando. Mas a transformação reduzida a ato é precisamente a essência da invenção, pois que a invenção é um ato, e um ato que transforma o que há. A obra de arte, no que invenção de um valor, deriva, portanto do que com propriedade se pode chamar um instinto intelectual. (PESSOA, 1988, p. 33). A obra de arte, segundo Fernando Pessoa, deve provir do instinto. Porém esse instinto como é intelectual, pode ser imitado nas suas operações pela inteligência. A obra da inteligência não pode ter valor no gênero a que pertence, porém pode simulá-lo. O fim da arte é imitar perfeitamente a Natureza. “Este princípio elementar é justo, se não esquecermos que imitar a Natureza não quer dizer copiá-la, mas sim imitar os seus processos. Assim a obra de arte deve conter quanto seja preciso à expressão do que quer exprimir.” (1988, p. 40). A arte moderna procura interpretar o que vê, sem deixar de ser uma forma de crítica. O jornalismo, sendo também literatura, dirige-se, todavia ao homem e ao dia que passa. Tem a força direta das artes, tem a força de ambiente das artes visuais, tem a força mental da literatura, por de fato ser literatura. (PESSOA, 1988, p. 48). A literatura de um povo, conforme o que Pessoa diz, é o que esse povo pensou de si mesmo, e do universo, da sociedade, e do indivíduo, através de si próprio. Por isso a história de uma literatura é, na realidade bem entendida, a história da significação que tiveram as diferentes interpretações que esse povo deu a si mesmo. “A história de uma literatura é a história da evolução de uma consciência nacional.” (1988, p. 52). Neste contexto compreende-se que a arte tem em si a criação de beleza.
  • 41. 41 Para Barthes (1973, p. 24), não é mais possível conceber a literatura como uma arte que se desinteressa de toda relação com a linguagem, já que a arte utiliza- se da linguagem como um instrumento para exprimir a idéia, a paixão ou a beleza. Uma obra só é grande se fizer o espírito do leitor experimentar uma sensação de grandiosidade ou lhe deixar na mente motivos para reflexões. (LONGINUS, 1990, p. 90). O mesmo diz Pessoa: toda arte é o resultado da colaboração entre sentir e pensar. “Ora o pensamento pode colaborar de três maneiras com o sentimento. Pode ser a base desse sentimento; pode interpretá-lo; e pode combinar-se diretamente com ele de forma a intensificá-lo pela complexidade.” (1988, p. 75). A arte da narrativa, aplicada à construção de matérias que consigam expressar em imagens a realidade, exerce um natural fascínio sobre o leitor. Estas imagens podem ser visuais – pessoas ou objetos – ou ainda imagens que o leitor imagina, de acordo com a narrativa que foi contada. Edvaldo Pereira Lima, no artigo “Jornalismo de Transformação”, diz que é possível a partir de um olhar mais crítico, revirar as entranhas da face estética para tentar descobrir por trás da beleza externa, uma função que move a edificação da obra de arte, seja uma pintura, seja o texto jornalístico. “A arte narrativa pode provocar a elaboração de um pensamento produtivo – aquele que provoca uma catarse mental no leitor, ajudando-o a dar um salto de qualidade na resignificação da realidade.” (2007). Para o autor, uma boa narrativa jornalística deve ter uma postura pró-ativa e destinar seu potencial de sensibilização a um nível elevado de compreensão da realidade. O jornalismo aberto a esses novos caminhos em que percebemos a realidade não mais sob uma ótica reduzida, centrada apenas num patamar excludentemente racionalista em excesso. Um jornalismo que não fica à mercê do relato passivo dos acontecimentos, mas que percebe o eclodir de tendências e probabilidades, que acompanha a gestação de visões inovadoras, que sai do lugar comum. Que focaliza uma visão complexa, buscando uma compreensão ampla, ajudando o ser humano a encontrar novos significados, auxiliando-o a ampliar seu grau de consciência de si mesmo, do outro, da existência. Um jornalismo baseado no presente, mas voltado ao futuro, também capaz de mergulhar no passado para compreender contextos, processos, dimensões tempo-espaciais reunidas como numa dança quântica de átomos num certo momento iluminado de compreensão. Um insight revelador. [...] Um jornalismo de transformação. Que trabalha em prol da transformação individual e coletiva. [...] Busquei sugerir esse caminho a partir do Jornalismo Literário. (LIMA, 2007).
  • 42. 42 John Hohenberg (apud Abreu, 2006) diz que em se tratando de níveis de interpretação, a exatidão da linguagem torna mais clara a acepção dos fatos. Em um texto pode-se utilizar da precisão e, ao mesmo tempo, valer-se da linguagem literária, já que o encanto de uma linguagem artística e a precisão ao informar sobre o objeto referido não são características excludentes, mas complementares. “A aplicação da linguagem literária no texto jornalístico pode multiplicar a informação, desde que se entenda que essa última também possui conteúdos significativos per si.” (ABREU, 2006). Isso acontece porque o uso de recursos literários abastece o texto com vários níveis de interpretação, qualidade que os “arautos do bom jornalismo” negam, expondo que o texto jornalístico não pode apresentar mais do que uma condição interpretativa. Mas decodificar um fato é algo que incide em qualquer texto verbal, seja ele literário; científico ou jornalístico. Atribuir à narrativa vários níveis interpretativos talvez auxilie o leitor a achar aquele que mais o interesse, sem permanecer “preso” a uma explicação que se pretende única, mas pode não ser minimamente condizente com a complexa realidade que julga demonstrar (ABREU, 2006). Nesse contexto, de acordo com o que Lima diz em seu artigo, a narrativa de qualidade pode fazer algo mais. Podemos trazer o amor – a aceitação das diferenças, a busca da compreensão profunda do outro, a humildade de reconhecer que a existência não só se constitui numa realidade complexa mas contém uma certa porção de mistério que não conseguimos explicar, a capacidade de nutrir uma cultura de paz, a alegria de ver e retratar a vida tão diversificada e paradoxalmente tão unificada nas suas diferentes formas – de volta ao texto jornalístico de profundidade. Podemos buscar equilibrar o entendimento racional com o insight intuitivo. Podemos ousar. Devemos tentar o novo. (2007). Afinal, na arte tudo é forma e tudo inclui idéias. A arte da vista à imaginação. É através dela que o mundo se aperfeiçoa. Como diz Fernando Pessoa, “a base de toda arte é uma sinceridade traduzida.” (1988, p. 84). Para concluir, uma máxima de Walter Benjamim: “A beleza é um valor socialmente construído. A beleza não está na obra, está em quem observa a obra.” [s.d.].
  • 43. 43 2. “CADA ZÉ É UM ULISSES. E CADA PEQUENA VIDA UMA ODISSÉIA”: A CRÔNICA-REPORTAGEM A crônica que tem no cotidiano sua matéria-prima, também vai aproximar-se ainda mais da realidade. Ao transformar-se em crônica-reportagem leva ao leitor histórias curiosas, problemas sociais e situações interessantes da vida. A crônica guarda e mantém um caráter de atualidade. O jornal pretende informar, ser imparcial, mas a crônica nas miudezas, de outro modo é espaço de orientação. Utilizando os critérios de observação direta dos fatos e contato direto com as fontes para narrar os acontecimentos, recursos atribuídos ao jornalismo, busca-se referendar tanto os relatos quanto os comentários aos critérios de veracidade e atualidade. É nesta hibridez de gêneros que a crônica-reportagem ultrapassa as fronteiras do entreter e passa a informar e orientar seus leitores em relação ao cotidiano da cidade, como se verá neste capítulo. Para tanto, particularidades e especificidades da crônica e da reportagem serão evidenciadas neste capítulo. 2.1 Contando histórias: a crônica Os primeiros textos históricos, segundo José Marques de Melo (2002, p. 140), são as narrações de acontecimentos, feitas por ordem cronológica, desde Heródoto e César a Zurara e Caminha. A atividade dos cronistas vai estabelecer a fronteira entre a logografia – registro de fatos, mesclados com lendas e mitos – e a história
  • 44. 44 narrativa – descrição de ocorrências extraordinárias consolidadas nos princípios da verificação e da fidelidade. De acordo com dados obtidos da Enciclopédia Compacta Istoé-Guiness de Conhecimentos Gerais (1995, p. 444), as primeiras manifestações literárias ocorridas no Brasil foram um reflexo fiel do que ocorria em Portugal à época do descobrimento: o gosto pela crônica histórica decorrente do entusiasmo com as grandes navegações e descobertas, o teatro popular e a poesia lírica e épica de Luís Vaz de Camões. Mas o marco inicial consta da carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal para notificar o descobrimento da nova terra. A crônica recebe total influência do jornalismo literário. Jorge de Sá (1985, p. 7) afirma que a Literatura Brasileira nasceu da crônica. Para Rangel e Ribeiro (2006, p. 7), a crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser perpetuado na imprensa, seja nas folhas de uma revista, seja nas de um jornal. Coutinho (1971, p. 108) completa que foi no século XIX que a crônica apareceu nos jornais, através de um texto que continha o resumo cronológico dos fatos aliado à ficcionalidade. Eram histórias reais contadas com características literárias. Quer dizer, ela é feita com uma intenção objetiva e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre similar e com a mesma localização, criando-se assim, no decurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem. Apesar de seu florescimento no século passado e do seu cultivo por jornalistas-escritores do porte de Machado de Assis e José de Alencar, a crônica brasileira somente assumiria aquela feição de gênero tipicamente nacional, na década de 30. Da história e da literatura, a crônica passa ao jornalismo, sendo um gênero cultivado pelos escritores que ocupam as colunas da imprensa diária e periódica para relatar os acontecimentos pessoais. Pode-se dizer que a crônica situa-se entre o jornalismo e a literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia. Segundo Marques de Melo, a crônica consolidou-se como recriação do real e o cronista começou uma busca interminável por alcançar a genialidade a cada texto. Os autores escreviam os textos na tentativa de incutir no leitor a idéia-simulacro de que todos fazem parte de uma grande reportagem da vida real. Deu-se, dessa maneira, “a liberação da crônica como uma inspiração para o relato poético, a descrição literária e a palpitação do jornalismo atual.” (2002, p. 154).
  • 45. 45 A crônica é descendente da literatura, da história e mais atualmente, do jornalismo. De acordo com Vieira (apud Coutinho, 1971, p. 108) a crônica possui dois significados: o primeiro deles é voltado à história, no sentido do tempo cronológico. Com o avanço da palavra o seu significado passa a se vincular ao jornalismo, isto porque é nos jornais que se contam os principais acontecimentos do dia, e esta seria, segundo o autor, a função da crônica. “Em sua origem jornalística a crônica é um texto informal. E sendo assim, informal, de estilo livre, ela não perde o rigor da informação nem a qualidade lírica e/ou irônica do seu texto.” (ANDRADE apud SCHEIBE, 2006, p. 19). As principais alterações na técnica textual da crônica decorrem, em parte, da Semana da Arte Moderna, de 1922, que estimulou um movimento de brasilidade, incentivando a produção da literatura local, com assuntos e estilos referentes ao Brasil. “As temáticas e a linguagem dos textos foram se aproximando da realidade nacional.” (SCHEIBE, 2006, p. 17). Na passagem do século XIX para o XX, paralelamente ao registro factual e, também, informativo-jornalístico, a crônica adicionou a subjetividade do narrador. A crônica seria de acordo com Margarida de Souza Neves uma espécie de “espírito do tempo”, em razão de suas características de forma e conteúdo, fatos e informalidade. A crônica aparece como portadora por excelência do “espírito do tempo”, por suas características formais como por seu conteúdo, pela relação que nela se instaura necessariamente entre ficção e história, pelos aspectos aparentemente casuais do cotidiano, que registra e reconstrói como pela complexa trama de tensões e relações sociais que através delas é possível perceber. Pela “cumplicidade lúdica”, enfim, que estabelece entre autor e possível leitor no momento de sua escrita e que parece reproduzir-se entre historiador e o tempo perdido em busca do qual arriscamos nossas interpretações, ainda que sempre ancorados em nosso tempo vivido. (1992, p. 82). Marília Rothier Cardoso (1992, p. 138), define a crônica como um gênero que se aproveita do habitual e da coloquialidade. A crônica não quer ser formal, pelo contrário, almeja utilizar uma linguagem despretensiosa. De acordo com Telê Porto Ancona Lopez, a conclusão a que se chega, considerando-se o sucesso da crônica, um texto com assuntos do cotidiano, em formato informal, é a de que: “o leitor não
  • 46. 46 só gosta como precisa de quem converse com ele, dizendo-lhe os sentimentos experimentados no dia-a-dia, frente aos fatos que todos conhecem de algum modo, ou frente às ocorrências da vida pessoal de quem escreve.” (1992, p. 166). Para Martin Vivaldi, a caracterização da crônica torna-se necessária para diferenciá-la de outros gêneros: “o característico da verdadeira crônica é a valoração do fato ao tempo em que se vai narrando. O cronista, ao relatar algo, nos dá sua versão do acontecimento, põe em sua narração um toque pessoal.” (apud MELO 2002, p. 141). A crônica adotou linguagem prática e coloquial, fazendo com que o texto e os assuntos se aproximassem do leitor e da sua realidade. José Marques de Melo escreve que a crônica brasileira apresenta duas fases bem distintas: A crônica de costume – que se valia dos fatos cotidianos como fonte de inspiração para um relatório poético ou uma descrição literária – e a crônica moderna – que figura no corpo do jornal não como objeto estranho, mas como matéria inteiramente ligada ao espírito da edição noticiosa. (2002, p. 149). As características da crônica são a opinião, a leveza e a união de recursos textuais literários e jornalísticos. Ela materializa-se em texto crítico, praticando a interação entre o real e o irreal, a subjetividade do lirismo e a objetividade dos fatos. Os assuntos abordados nas crônicas fazem parte da vida dos leitores. Além disso, pode-se desfrutar de liberdades lingüísticas e estruturais, como a utilização do foco narrativo em primeira ou terceira pessoa e a de estabelecer diálogos. Assim, como diz Scheibe “a crônica, inserida no jornalismo como um gênero literário, precisa ser arte.” (2006, p. 25). Nesse mesmo sentido, referindo-se à crônica como um texto literário e jornalístico, Lopez define o gênero como um texto escrito ao “correr da pena”: A crônica pára no meio do caminho entre a literatura e o jornalismo, é gênero híbrido. Quando escrita, não se imagina em livro, nem dispõe de tempo necessário para melhor se preparar. É realmente escrita ao “correr da pena”, a qual, muitas vezes, está sob pressão do aviso que o número do jornal vai fechar e que restam poucas horas para pôr o texto no papel. Dessa premência decorre a grande espontaneidade da crônica, sua simplicidade na escolha das palavras – temas do dia-a-dia, do vocabulário
  • 47. 47 da população. A crônica, por força de seu discurso híbrido – objetividade do jornalismo e subjetividade da criação literária -, une com eficácia código e mensagem, o ético e o estético, calcando com nitidez as linhas mestras da ideologia do autor. (1992, p. 166). A crônica mistura informação, imaginação, poesia e sentimento. Na sua narrativa, encontra-se um conjunto de conteúdos, reais e/ou fictícios, que aparecem no texto sob forma de lembrança. Desse modo, o texto pode transformar-se em crônica de jornal, que é a sua origem. “A crônica procura mostrar, ou indicar, o que há por trás das aparências, o que o senso comum não vê (ou não quer ver).” (MENEZES, 2002, p. 165). O foco discursivo da crônica centra-se na primeira ou na terceira pessoa. Os textos, assinados pelos cronistas, comunicam a visão que o autor tem do mundo, seja de maneira cruel ou emotiva. Nilson Lage diz que, “enquanto na literatura a forma é compreendida como portadora, em si, de informação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informado.” (1993, p. 35). A crônica relaciona-se aos registros de linguagem, ao processo de comunicação e aos compromissos ideológicos. Conforme Lage (1993, p. 36), o que orienta a linguagem jornalística e, também, a crônica, são: 1. Registros de linguagem: a língua portuguesa é heterogênea e dentro dela abrigam-se usos regionais, discursos especializados e dois registros específicos: o formal; próprio da modalidade escrita, e o coloquial; linguagem natural que mostra a realidade local e regional, evidenciando as formas de expressão utilizadas pela população. Nesse sentido, a crônica tem por costume incorporar neologismos de origem coloquial e de grande expressividade. Ela se utiliza de um discurso de duplo juízo, com eufemismos (como suavizar uma situação), interdições (empregando ironias) e metáforas da linguagem corrente. 2. Processo de comunicação: na crônica o autor desenvolve o foco narrativo que deseja, e também pode utilizar-se de vários formatos e estilos de linguagem. 3. Compromissos ideológicos: assim como aparece no jornalismo e na literatura, a ideologia também surge na crônica, através da história contada e da opinião expressa no relato. Os cronistas revelam seus gostos e juízos através de seus textos.