1) O documento descreve uma oficina realizada com técnicos da rede municipal de Birigui para discutir o diagnóstico do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente.
2) Foram apontados problemas como trabalho infantil, urbanização desordenada, pouca articulação entre serviços e necessidade de capacitação continuada dos profissionais.
3) Os técnicos destacaram a importância de melhorar a rede de proteção social e o atendimento às demandas da população, especialmente os adolescentes.
Relatório da oficina com técnicos da rede municipal de Birigui-SP
1. Projeto Conhecendo a Realidade
Diagnóstico do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente de Birigui
Relatório da oficina com técnicos da rede municipal, realizada em 07/3/2016.
2. “A realidade é uma criação compartilhada.
Em rede.”
Pierre Lévy
3. Conhecer a realidade onde habitamos nos faz
pensar sobre a cidade na qual queremos viver.
O Projeto Conhecendo a Realidade prevê a elaboração do
diagnóstico de violações de direitos envolvendo crianças e
adolescentes de Birigui, SP, de forma a desenvolver
capacidades na rede municipal.
Está sendo feito de forma participativa e nos âmbitos da
educação, saúde, sócio-cultural e políticas públicas
adjacentes, para orientar o desenho de ações estratégicas
transformadoras desta realidade.
O Projeto foi iniciado em outubro de 2015 e teve como pri-
meira etapa o levantamento de questões-guia, pela Comissão
do CMDCA, que está acompanhando e orientando o processo.
A segunda etapa consistiu de um extenso levantamento de
indicadores do muncípio, já disponível no Facebook. Uma
pesquisa direta sobre os jovens está sendo conduzida, para
complementar esses dados.
A terceira etapa, em andamento, se compõe de conversas
reflexivas e consultivas com técnicos, dirigentes e usuários da
rede.
A última etapa consistirá no planejamento do CMDCA, a
partir dos resultados das atividades anteriores.
Este relatório sintetiza o resultado da conversa entre os
técnicos da rede, realizada no dia 07/3/2016.
4. Os problemas que os dados apontam são vistos
como de todos os envolvidos na rede.
O Diagnóstico da
Criança e do
Adolescente de Birigui
formula perguntas e
procura caminhos e
respostas que levem ao
encontro da efetivação
do Sistema de
Garantias de Direitos
de Crianças e
Adolescentes
preconizado pelo ECA.
Os problemas que os
dados apontam não
são vistos como sendo
de um técnico, de um
especialista ou de uma
Secretaria. São de
todos os envolvidos na
Rede.
É encorajador refletir
conjuntamente sobre
situações cotidianas
vivenciadas por uma
criança, adolescente e
sua família. Esse é o
primeiro salto de
qualidade que o
diagnóstico ajuda a
dar.
Estar juntos, verifi-
cando informações, é
uma excelente opor-
tunidade para com-
bater processos buro-
cráticos e burocratizan-
tes, que acabam por
distanciar técnicos e
usuários.
Refletir em conjunto
cria oportunidades
para enxergar os
problemas para muito
além dos números.
Crianças na escola não
são uma massa de
alunos. A distância
entre a casa de um
adolescente e uma UBS
não se resume à
quilometragem.
Famílias em áreas de
risco, durante as
chuvas, não são um
gráfico ou uma pizza de
estatísticas.
A grande vitória contra
a burocracia vem do
envolvimento técnico e
afetivo com o usuário e
de sentir satisfação em
ajudá-lo.
5. As demandas precisam ser bem entendidas para
receberem respostas consistentes.
O trabalho em rede necessita fundamentalmente da adesão e entusiasmo
dos profissionais e parceiros envolvidos. O comprometimento de todos os
técnicos da rede pública e das entidades da sociedade civil, mais a
participação popular são o oxigênio para uma rede de qualidade.
Trabalhar em rede é uma transformação cultural profunda. Trata-se de uma
nova forma de se organizar, enxergar e agir. Os avanços da Rede de Birigui
são palpáveis. E estão se tornando irreversíveis.
Imbuídos deste espírito, a equipe Orion, juntamente com a Comissão do
Diagnóstico, organiza uma série de encontros para trazer à tona impressões
diretas sobre a situação das crianças e adolescentes de Birigui.
Ouvir os técnicos é fundamental, pois são eles os principais operadores do
SGDCA.
Foram apresentados a eles vários indicadores que possibilitam a elaboração
de um cenário sobre a cidade e sobre a qualidade de vida de crianças e
adolescentes nas áreas de educação, saúde, esporte, lazer, cultura, proteção
e violação de direitos. O objetivo é contribuir para a ampliação do debate
relacionado à infância e a adolescência e, ao mesmo tempo, construir um
documento validado, corrigido e aprofundado.
6. Birigui tem bons índices de desenvolvimento, mas
a população mantém-se pobre e vulnerável.
O olhar atento das técnicas aponta
uma cidade com bons índices de
desenvolvimento municipal (IDHM e
IFDM). Porém, ao se verificar os
indicadores de renda da população,
constata-se que a população continua
pobre e vulnerável, com salários
baixos e muitos empregos informais.
Com a crise econômica, o trabalho
informal tem crescido, impulsionado
pela indústria calçadista que fomenta
as chamadas “bancas” de trabalho
terceirizado, executado nas
residências principalmente por
mulheres, crianças e adolescentes que
recebem metas de produção e
utilizam produtos químicos
prejudiciais à saúde.
Houve diversos relatos de forte
presença de trabalho infantil na
cidade, em decorrência desta oferta
de trabalho por parte das empresas. A
situação se agrava pela baixa
notificação destes casos reconhecidos
nas escolas, nas entidades em
atividades de contra-turno escolar e
por uma fragilidade no SGDCA, no
qual os técnicos não se sentem
seguros o suficiente para denunciar,
pois não têm certeza que o problema
será resolvido.
Há alguns que não vêem essa
situação como irregular, uma vez que
as famílias são pobres e precisam
trabalhar para obter sua renda,
inclusive crianças e adolescentes.
Uma parte das crianças culpa seus
pais pela condição de pobreza em que
vivem: “Se tivessem um trabalho
melhor, não precisariam se sujeitar a
isso.”
7. A urbanização desordenada gera vulnerabilidade
social.
Os técnicos apontam grande
preocupação com o desenvol-
vimento urbano da cidade,
marcado por duas situações:
a) A crescente especulação
imobiliária, que
desponta com a criação
de condomínios e se
beneficia das melhorias
na infraestrutura (asfalto,
energia elétrica, rede de
água e esgoto) levadas
pelo poder público
municipal;
b) Os programas habita-
cionais são levados para
a periferia, ficando dis-
tantes do centro da cida-
de e desprovidos de
equipamentos que
ofertem boas condições
de proteção social
através de políticas
públicas fundamentais,
como saúde, educação e
transporte.
É identificado um forte movi-
mento migratório e há maior
preocupação com o cresci-
mento desordenado princi-
palmente nos bairros perifé-
ricos Portal da Pérola I e II e
Portal do Parque.
A influência dos empresários
da indústria calçadista na
cidade merece ser revisada:
há indústrias que oferecem
postos de trabalho para a
população, porém o modelo
de desenvolvimento parece
ser concentrador.
8. Os projetos existentes são insuficientes para
atender à demanda.
O número de crianças e adolescentes atendidos é baixo,
principalmente nas faixas etárias de 4 e 5 anos e 16 a 17 anos.
Nas lentes dos técnicos, os projetos existentes são
insuficientes para atender a demanda.
Outro aspecto abordado foi horário e o local das atividades. A
maioria dos equipamentos encontra-se na região central da
cidade. Como o transporte urbano é precário, o acesso fica
prejudicado para quem mora em bairros afastados, ou seja,
quem mais precisa.
Há necessidade de descentralização dos equipamentos
públicos e privados, além da melhoria no transporte.
Quanto ao horário, as entidades apresentam demanda
reprimida no período da tarde e sobram vagas no período da
manhã. Há necessidade de reorganização dos horários das
atividades das entidades de acordo com o horário da escola
regular para equilíbrio das vagas e maior interlocução entre a
escola regular e os serviços de convivência e fortalecimento de
vínculos.
9. A articulação da rede intersetorial é incipiente e
frágil e atinge direto os adolescentes.
Os técnicos apontam grande dificuldade de articulação na rede
intersetorial, principalmente no que se refere aos atendimen-
tos da saúde mental para crianças e, principalmente,
adolescentes.
Percebe-se muita fragilidade no acesso às informações, no
funcionamento dos fluxos de atendimento, na otimização da
referência e contrarreferência dos atendimentos e na
divulgação dos serviços, inclusive para a comunidade. A
comunicação é fundamental para o trabalho em rede.
A articulação entre a rede pública e a rede privada também foi
marcada como ponto de atenção. Existem dificuldades de
diálogo com o poder público, empecilhos para a construção
de parcerias e alto grau de exigência para repasse de recursos,
conforme relatos dos presentes na oficina.
No olhar das entidades, elas prestam um serviço que é da
competência do poder público. Portanto, merecem mais
espaço para dialogar e construir propostas de “mão dupla”,
para proporcionar atendimento de qualidade para a população
e, ao mesmo tempo, serem reconhecidas e financiadas.
Chama a atenção o fato da saúde mental ser vista de forma
preventiva, sugerindo a criação de mais programas para os
adolescentes e o investimento na qualidade dos serviços.
Destacou-se a necessidade de ouvir o que os adolescentes tem
a dizer e de pesquisar melhor o tema “saúde do adolescente”,
que deve ser visto como um todo e não em partes. O que essa
rede conhece de seus adolescentes? O que eles querem?
Como eles vivem na cidade? Quais são suas expectativas?
São poucas as atividades para adolescentes e eles são os que
mais apresentam vulnerabilidade em função de seu momento
de vida que é de tantas mudanças e exige tantas escolhas.
Constatou-se, ainda, que a população entre 11 e 15 anos no
município é de 23.099 pessoas e apenas 679 são inseridos em
projetos, números que afirmam a dificuldade na rede.
10. Denúncias das violações de direitos foram
apresentadas como uma dificuldade da rede.
Segundo os técnicos, as
violações de direitos
não chegam aos
órgãos competentes,
como o Conselho
Tutelar.
Mesmo assim, destaca-
se o elevado número
de violências
notificadas contra o
gênero feminino na
faixa de 14-15 anos.
Outro ponto destacado
no tema violação de
direitos se refere às
notificações sobre o
trabalho infantil e o
trabalho adolescente
de forma desprotegida.
Muitos adolescentes
deixam de frequentar
a escola para
trabalhar. O trabalho
que executam ocorre
no fundo de quintal, às
vezes de sua casa ou
em outras casas.
Informam que toda a
cidade sabe disso, mas
ninguém denuncia.
As empresas da cidade
não oferecem opor-
tunidades para adoles-
centes, nem em pro-
gramas de aprendiza-
gem e nem através de
vagas como estagiários.
O Poder Público foi
apresentado como o
principal agente
violador de direitos,
uma vez que não
oferece políticas
públicas suficientes
para a garantia dos
direitos das crianças e
dos adolescentes.
A vigilância sócio-
assistencial também foi
apontada como frágil.
Sem dados suficientes,
com subnotificação das
situações de violência
por parte da rede e da
comunidade e sem um
sistema que junte
todas as informações
fica muito difícil
monitorar as violações
no município.
11. Existe um fosso entre a educação municipal e a
estadual que afeta as crianças e adolescentes.
Na Oficina, foi possível perceber que profissionais da
educação estadual reclamam que crianças chegam
analfabetas e que perdem todo o apoio da rede municipal
de saúde e assistência, por não terem programas voltados
para jovens e adolescentes.
Técnicas vinculadas à educação municipal, por sua vez,
dizem que educação estadual não participa de ações
voltadas para atender a família.
Algumas professoras comentaram que as escolas acabam
sofrendo uma pressão para atender todas as demandas da
localidade: saúde, segurança, etc.”.
12. A capacitação dos profissionais que atuam no
Sistema de Garantia precisa ser contínua.
Formar profissionais críticos, que se compreendam como
agentes de mudança e construtores de novas relações com o
conjunto da estrutura social em que atuam é fundamental
para a qualificação de suas intervenções e, consequente-
mente, das políticas públicas em que atuam.
Os técnicos presentes apontam a necessidade de implantação
de processos de educação permanente para formação e capa-
citação dos trabalhadores da rede e a realização de encontros
frequentes para discussão de casos, trocas de informações e o
estabelecimento de protocolos de atendimento.
É imprescindível repensar a constituição de equipes mínimas
nos serviços da assistência social, organizar o acolhimento e
treinamento de novos funcionários, instituir um plano de
carreira para servidores públicos e valorizar projetos que visem
“cuidar dos cuidadores”.
13. “Nosso produto é a Proteção Integral”.
Ao final da oficina com as técnicas do Sistema de Garantia de
Direitos construiu-se uma série de recomendações, a serem
consideradas pelos diversos entes que compõem a rede:
• Conhecer o Plano Diretor da Cidade;
• Participar do Conselho de Desenvolvimento Econômico;
• Implantar equipamentos sociais em bairros novos;
• Participar da elaboração do PPA;
• Informatizar os atendimentos da rede (Conselho Tutelar,
Educação, Saúde, Segurança Pública, etc);
• Alimentar o sistema eletrônico e compartilhar dados;
• Implantar a vigilância socioassistencial;
• Instituir a comissão intersetorial para fortalecimento da
rede;
• Melhorar o relacionamento entre entidades e poder
público;
• Descentralizar o serviço do centro e oferecer transporte
para que o usuário acesse os serviços
• Construir o núcleo de atendimento especializado para
crianças e adolescentes, englobando todas as políticas
públicas;
• Desenvolver e oferecer cartilha e fluxograma sobre os
serviços oferecidos as crianças e adolescentes;
• Capacitar os profissionais e os dirigentes da rede;
• Contratar profissionais especializados;
• Elaborar Plano de Carreira para os profissionais da rede;
• Levantar os motivos pelos quais não há adesão e projetos
para adolescentes;
• Buscar a compreensão integral do adolescente;
• Desenvolver protocolos de atendimento ;
• Desenvolver a Política de Saúde Mental do Município;
• Reduzir a jornada de trabalho para mulheres mães no
município.