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Coleção Terra de Toda Gente


  Um Presente
    para
 ADEOLA
  Origem: Nigéria



Patrícia Engel Secco
         Ilustrações

      Edu A. Engel
Coleção Terra de Toda Gente


               Projeto
     Coleção Terra de Toda Gente         Um Presente para
                                           Adeola
           Projeto Gráfico
              Lili Tedde


               Revisão


                                           Origem: Nigéria
         Trisco Comunicação


  Coordenação Gráfica e Editorial
Ler é Fundamental Produções e Projetos


             Realização
    Secco Assessoria Empresarial


             Concepção
         Patrícia Engel Secco


          20.000 exemplares
          Setembro de 2008                 Patrícia Engel Secco
       Editora Boa Companhia
       www.projetofeliz.com.br                         Ilustrações


            Fale conosco
                                                  Edu A. Engel
       projetofeliz@terra.com.br




                                                Conforme a nova ortografia
                                                  da língua portuguesa
Ramla e Zola eram tão amigas quanto duas
    meninas podiam ser. Todos os dias, assim que o sol se levantava,
    iam juntas até as margens do rio buscar água e voltavam, felizes,
    para ajudar suas famílias nos afazeres do dia-a-dia.
        Ramla e Zola eram filhas de pais caçadores, homens corajosos
    e honrados na comunidade. Suas mães, gentis e atenciosas, eram
    sábias e ensinaram a elas tudo o que conheciam.
        Quando chegaram à idade de frequentar a escola do vilarejo,
    as meninas iam juntas e, invariavelmente, sentavam-se na mesma
    carteira, aprendendo lado a lado o que lhes era ensinado, sobretudo
    o valor da amizade, da honestidade e do companheirismo.




2                                     3
O tempo passou e muita coisa aconteceu na pequena vila, mas
nada abalou a amizade das duas meninas, que, a cada dia, se torna-
vam mais e mais inseparáveis.
    Quando elas ficaram moças, prontas para casar e constituir fa-
mília, todos os rapazes do lugar se mostraram interessados, mas,
infelizmente, a amizade que as unia não permitia que seus corações
se abrissem para o amor.
    Um belo dia, o chefe da aldeia chamou as duas amigas para
uma conversa séria:
    − Ramla, Zola, vocês são as moças mais bem preparadas da
nossa comunidade. A amizade de vocês encanta a todos nós, mas
é chegada a hora da separação. Cada uma de vocês precisa formar
sua própria família!
    − Sabemos disso, chefe, e esperamos conhecer, em breve, nos-
sos futuros maridos − disse Ramla.
    − Entretanto, para que possamos ser felizes, precisamos nos
casar com dois homens filhos de mesmo pai e mesma mãe e que
aceitem morar na mesma casa − completou Zola.
    − Desde que nascemos somos amigas inseparáveis, e tudo que
uma teve na vida a outra também teve − disse Ramla.
    − Por esse motivo, chefe, esperamos ansiosas pelos irmãos que
queiram nos desposar − concluiu Zola.




                                4                                    5
A notícia se espalhou por todos os lados e logo apareceram dois   casa em que moravam era grande e arejada. Nela, as amigas pode-
homens, filhos de mesmo pai e mesma mãe, que moravam na mesma         riam fazer uma horta, plantar um pomar e até mesmo criar peque-
casa e estavam ambos à procura de uma esposa. Os jovens conhece-      nos animais, como galinhas, porcos e patos. E assim fizeram...
ram as duas amigas e o casamento foi marcado sem demora.                         Em alguns meses, a horta provia as novas famílias com
    Uma grande festa selou a união das duas amigas com os dois                 verduras frescas, as árvores do pomar floresciam e os ani-
irmãos. Convidados de todos os cantos compareceram,                               mais cresciam e se multiplicavam.
trazendo presentes muito bonitos, sempre iguais para                                       Mas a vida das amigas, sempre tão igual,
os dois casais.                                                                          começou a ficar diferente: Ramla engravidou e
    Os irmãos também eram caçadores e, como                                              deu à luz um belo menino, que foi chamado de
os pais das noivas, homens muito honrados. A                                            Makeba.




                                                                                                       7
Pela primeira vez a vida de Zola começou a se diferenciar da
vida da amiga, mas no fundo de seu coração ela sabia que aquela
situação não duraria muito e que, em pouco tempo, também teria
uma linda criança para cuidar.
    Entretanto, dias e meses se passaram sem que ela engravidas-
se. Julgando ser necessário presentear a deusa da fertilidade com
algo doce, plantou uma árvore de noz-de-cola em um belo vaso e
dela cuidou com todo o carinho possível.
    Certa de que a deusa visitava a pequena árvore durante as noi-
tes, Zola a regava abundantemente ao entardecer e esperava o sol
despontar no horizonte para beber um copo cheio da água que saía
do vaso.
    A árvore, agradecida pelos bons tratos, logo começou a crescer.
De seus galhos brotaram lindas folhas verdes, tão frescas e chei-
rosas que chamaram a atenção dos animais que as amigas criavam
em casa. Tão logo perceberam a iguaria, os bichos resolveram com
ela se deliciar. Não foi preciso mais de uma hora para que a planta
fosse transformada em um mero graveto sem graça e quase sem
vida, em nada semelhante à formosa arvorezinha de que Zola tanto
se orgulhava.




                                 8                                    9
Zola chorou muito ao ver a árvore destruída. Sua tristeza era
     tão grande e tão devastadora que Ramla decidiu deixar com ela o
     pequeno Makeba.
          − Tenho certeza de que ele vai animá-la, querida amiga, irmã.
     Tome conta de meu filho enquanto cuido da horta e alimento as
     galinhas... − disse Ramla, cheia de carinho.
          Entretanto, ocupar-se de Makeba não consolou Zola, que ju-
     rou não mais sorrir enquanto a árvore de noz-de-cola não brotasse
     novamente.
          A tristeza de Zola deixava todos na casa muito apreensivos, e
     era simplesmente impossível haver felicidade onde alguém era tão
     infeliz.
          Uma noite, enquanto fazia Makeba adormecer, Ramla trope-
     çou em seu vestido e, de maneira a não deixar o menino cair de
     seus braços, acabou por se sentar em uma mesa na qual havia um
     vaso com água do rio. Ramla e Makeba não se machucaram com o
     incidente, mas o vaso caiu no chão e acabou por perder o fundo.
          Ainda um pouco atordoada com o ocorrido, Ramla recolheu os
     cacos e, exatamente no momento em que ia jogá-los fora, deparou-
     se com a pequena árvore, seca e totalmente desfolhada. Foi quando
     teve uma ideia.
          − Zola, querida, olhe só como podemos recuperar a sua árvore!




10                                    11
− Como? − perguntou Zola.                                              − Você deveria vendê-las − disse um caçador, amigo do marido
    − Muito simples! Vou lhe emprestar o meu vaso de água, do          de Zola. − Conheço um excelente mercador que lhe dará um bom
qual tirei o fundo, e você vai colocá-lo em volta da pequena árvore.   dinheiro por elas.
Com isso os animais não conseguirão mais alcançar os brotos de             Dito e feito. As nozes foram vendidas e finalmente, depois de
suas folhas e ela poderá crescer forte. E você voltará a ser feliz.    muito tempo, Zola ficou feliz com alguma coisa em sua vida. A
    Zola ficou muito contente com a solução encontrada por Ramla       deusa da fertilidade não lhe dera um filho ainda, mas com o que
e não via a hora de continuar com suas oferendas à deusa da ferti-     ganhava com os frutos de sua árvore, cuidada com tanta dedicação,
lidade. Cuidar da árvore de noz-de-cola a deixava muito satisfeita,    podia ajudar um pouco o marido nas despesas. Novos objetos fo-
mas ela sabia que só seria feliz quando pudesse gerar uma criança.     ram comprados para a casa e até Makeba foi presenteado com uma
    Mais uma vez o tempo passou depressa e, no decorrer do ano         linda girafa feita de madeira, graças à árvore de Zola.
seguinte, a árvore cresceu forte e vigorosa, longe das bicadas das         No ano seguinte, a árvore deu ainda mais frutos, e, como a
galinhas, dando muitos e muitos frutos.                                fama de suas nozes tinha se espalhado rapidamente, Zola não pre-
    As nozes, muito bonitas e vistosas, logo começaram a chamar        cisou fazer nenhum esforço para vendê-las.
a atenção dos habitantes da aldeia.




                                   12
“Zola pode agora comprar tudo o que quiser, e eu não!”, pensou.
    − Desse jeito, querida, em pouco tempo não precisarei mais me        Cheia de ciúme e inveja, decidida a acabar com a alegria da
arriscar caçando na selva – disse o marido de Zola. – Poderemos      amiga, Ramla resolveu fazer-lhe um pedido:
viver apenas das suas nozes.                                             − Zola, você sabe muito bem quanto sua felicidade é importante
    Ramla, que mais uma vez estava grávida, ouviu a conversa do      para mim e que desde sempre procurei ajudá-la a atingi-la. Entretan-
casal e ficou muito preocupada, pois, de qualquer maneira, alguém    to, agora preciso que me retribua um favor que um dia lhe fiz...
na casa deveria continuar caçando, e, sem o irmão, seu marido cor-       − Claro, irmã! Você sabe que não há ninguém no mundo mais
reria perigo. Passou dias procurando uma solução para o problema,    importante do que você e meu marido, portanto, pode pedir − res-
mas foi somente quando Zola chegou em casa com um novo vesti-        pondeu Zola.
do amarelo – que a deixava simplesmente linda – que Ramla perce-         − Bem, o que eu quero é bastante simples: o meu vaso de água
beu o que de fato a incomodava.                                      sem fundo.


                                  14                                                                   15
Zola sacudiu a cabeça sem acreditar no que estava                    − Pode deixar que disso cuido eu! Agora, por favor, me entre-
sendo pedido pela amiga e, ao chegar perto de sua esti-              gue o vaso.
mada árvore de cola, percebeu que não poderia atender ao dese-           Incrédula, Zola olhou para a amiga, e nem mesmo o pequeno
jo de Ramla.                                                         Makeba a seus pés ou o novo bebê em sua barriga a fizeram parecer
    − Mas, amiga, como poderei lhe devolver o vaso? Há anos ele      uma pessoa melhor. Tudo o que Zola conseguia ver naquele mo-
            está aqui em torno do caule da minha árvore, e a úni-    mento era uma mulher cheia de ciúme e de inveja.
               ca maneira de tirá-lo é transformá-lo em cacos... É       − Ramla, não faça isso comigo! Você não está vendo que para
                isso que você quer? − perguntou Zola.                lhe devolver o vaso eu serei obrigada a cortar a árvore? E o que será
                      − Não, de maneira nenhuma. Quero o vaso        de mim sem as maravilhosas nozes-de-cola que esta gentil arvo-
                  como o emprestei, faltando apenas o fundo.                       rezinha tem oferecido? Ramla, você tem Makeba para
                       − E o que você vai fazer com ele? Para o                      lhe ocupar e logo virá o novo bebê. Não há como
                    que vai lhe servir um vaso sem fundo?                              reconsiderar o pedido, pois eu só tenho a minha
                                                                                         árvore?




                               16                                                                      17
Sem pestanejar, Ramla respondeu que precisava do vaso, e com            O chefe percebeu claramente que Ramla estava com ciúme de
urgência. Caso Zola não devolvesse o que era dela até o dia seguin-     toda a riqueza que os frutos da pequena árvore haviam trazido para
te, iriam conversar com o chefe da aldeia. E assim aconteceu: as        Zola, mas, depois de muito pensar, viu que não podia fazer nada
duas foram ter com o mais sábio dos homens.                             além de solicitar que o objeto fosse devolvido a sua dona.
    − Chefe, cabe ao senhor a decisão sobre como eu devo agir:              Conforme prometido, Zola acatou a decisão do mais sábio dos
Ramla quer que eu corte minha preciosa árvore para conseguir ter        homens e, no dia seguinte, cortou o caule de sua tão amada árvore
de volta um vaso quebrado e sem fundo que me emprestou há al-           para entregar o vaso sem fundo a Ramla.
guns anos... − começou Zola.
    − Não, eu não estou pedindo que corte a árvore! Apenas quero
o meu vaso de volta! Se conseguir tirá-lo de onde está, inteiro e sem
rachaduras, ficarei satisfeita.




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Sem a árvore para ocupar seu tempo, Zola resolveu mostrar             − Mas que colar lindo, Zola! Não posso aceitá-lo de jeito ne-
que ainda continuava amando a amiga e, a partir daquele dia, cui-     nhum, pois nunca poderei lhe retribuir o presente. Como você sabe,
dou de Makeba como quem cuida do próprio filho. O que foi óti-        não temos muitos recursos − disse Ramla, encabulada.
mo, pois, uma semana após receber de volta seu vaso sem fundo,            − Então, que não seja por isso! Tome-o como um empréstimo,
Ramla deu à luz uma linda menina, que foi chamada de Adeola.          mas deixe a menina usar o ornamento. O ouro só fará realçar sua
    Adeola era só sorrisos e, logo em seus primeiros dias de vida,    beleza e sua graça. Ah! E não se preocupe: o colar é uma peça in-
conquistou a todos em sua casa e em sua comunidade. Não havia         teiriça, ou seja, nunca vai machucar a pequena Adeola.
quem não gostasse da menina. Ela recebeu muitos presentes de boas-        Certa de que sua filha não teria outra oportunidade na vida
vindas, entre eles um lindo colar de ouro maciço ofertado por Zola.   de usar um colar de ouro tão lindo, Ramla aceitou de bom grado o
Ele havia sido feito pelos melhores artesãos do continente, sem ne-   empréstimo.
nhuma emenda, nenhuma solda.




                                20                                                                    21
Passaram-se dias, semanas, meses, anos e, durante esse tempo,        − Não tenho bens, não tenho posses. Não sei como presentear
as amigas viveram como em seu tempo de meninas. Como não ti-         minha doce Adeola... − disse pensativa.
nha filhos, Zola ajudava Ramla com os pequenos e era tratada por         − Pois eu sei bem o que vou dar a ela − falou Zola, segura de
eles como uma segunda mãe.                                           si. − Há anos espero por este momento.
    Com o tempo, Adeola cresceu e se tornou uma linda menina,            Certa de que a amiga ofereceria à filha o colar de ouro que ha-
ainda mais sorridente e mais adorada pela aldeia inteira. Quando     via tanto tempo a menina trazia ao pescoço, Ramla abriu o maior
ela completou dez anos, a comunidade se juntou e decidiu oferecer-   dos sorrisos do mundo.
lhe uma festa, a mais bonita de todos os tempos.                         − E qual seria esse presente, querida amiga?
    Feliz e sem caber em si de contentamento, Ramla foi conversar        − Vou mandar fazer para Adeola uma linda coroa, mas para
com Zola sobre qual presente dar à filha.                            isso preciso do colar, que servirá de base.




                                22                                                                     23
A princípio a reação de Ramla foi de pura felicidade, pois que
mais poderia querer sua linda criança além de uma bela e valiosa
coroa? Entretanto, alguns segundos mais tarde, Makeba e Adeola
entraram pela porta, e imediatamente Ramla viu a armadilha que
aquele presente significava.
    O colar que Adeola ganhara quando criança nunca mais havia
sido retirado de seu pescoço, e, com o passar dos anos, tornara-se
impossível removê-lo. A cabeça da menina tinha crescido e, para
devolver o colar à amiga, somente cortando a peça.
    − Amiga querida, mas que ideia! Adeola não precisa de uma
coroa, não se preocupe.
    − Eu me preocupo, sim, Ramla. Quero dar à menina o presen-
te que ela merece, e esse presente será uma coroa de ouro, montada
sobre o colar. Já marquei um encontro com os artesãos e preciso
levar para eles o colar, sem nenhum dano e totalmente preservado.
    Ramla não sabia o que dizer, muito menos o que fazer. Sentiu
o chão sumir debaixo de seus pés e desejou, mais do que nunca,
que tudo não passasse de um mal-entendido. Como poderia ela
devolver a Zola o colar de ouro sem cortar o pescoço de sua amada
filha?
    Ramla pediu que as crianças fossem brincar do lado de fora e,
assim que saíram, perguntou à amiga:
    − Zola, você não sabe que para devolver-lhe o colar precisarei
tirar a vida de Adeola? Você não a ama?




                                25
− Claro que amo Adeola, assim como amo Makeba e amo
você, querida amiga. Mas tenho de solicitar que me dê de volta o
colar. Afinal, ele lhe foi oferecido apenas como empréstimo. Aliás,
não estou lhe pedindo que corte o pescoço de sua filha, apenas que
me devolva o colar. Para isso, você pode fazer o que quiser...
    E Ramla viu como única saída de novo consultar o mais sábio
dos homens. Da última vez que haviam feito isso, o chefe da aldeia
tinha decidido em seu favor. Provavelmente faria o mesmo agora.
    − Chefe, cabe ao senhor a decisão sobre como eu devo agir:
Zola quer de volta o colar de ouro que Adeola usa. Mas para devol-
vê-lo precisarei sacrificar minha criança.
    O chefe ponderou por alguns minutos e, mais rápido do que se
poderia esperar, chegou a uma decisão sobre o impasse:
    − Ramla, há alguns anos você, por ciúme e inveja, tirou de
Zola uma pequena árvore que nos oferecia as melhores nozes-de-
-cola que existiam no mundo. Fez com que ela cortasse seu caule,
pois queria de volta um vaso quebrado e sem utilidade. Hoje, pre-
ciso decidir a favor de Zola e, por mais que eu preze sua querida
filha, não tenho como agir de maneira diferente. Você deverá de-
volver o colar.




                                 26                                   27
A decisão do chefe perecia injusta,           − Olho por olho, dente por dente. É assim que
  mas sem pensar duas vezes ele resolveu        se faz justiça − diziam outros.
  transformar o acontecido em uma lição             − Ri melhor quem ri por último − chegavam
  de vida, chamando a aldeia toda para          a falar uns poucos. A verdade, no entanto, é que
  presenciar a execução da menina.              todos assistiam horrorizados a uma cena total-
       Adeola e Makeba não se deram             mente impensável, pois Zola amava muito as
  conta do que estava acontecendo e, cha-       crianças de Ramla.
  mados pela mãe, entraram felizes e sorri-         Um carrasco segurava uma espada e es-
  dentes em uma praça lotada de pessoas.        tava pronto para executar a menina no ins-
      De um lado Ramla chorava compulsi-        tante em que o chefe ordenasse. E este as-
 vamente e, de outro, Zola sorria, vitoriosa.   sim o fez, na mesma hora em que Ramla
    − A vingança é um prato que se come         olhou dentro de seus olhos e disse:
frio − diziam algumas pessoas na multidão.          − Por favor, eu lhe suplico, chefe.




         28                                                                       29
Mas para o sábio a decisão estava tomada e, sem forças nem          aumentar a maldade e o desentendimento, não para acabar com
coragem para ver o que viria a acontecer, ele fechou os olhos e abai-   eles. Adeola, minha querida, eu lhe darei a mais linda das coroas
xou a cabeça.                                                           de ouro, pois é este o significado de seu nome: coroada. Mas que
    Foi justamente nesse momento que Zola levantou os braços e,         fique claro, desde já, que tanto a coroa como o colar são presentes
segurando a espada do carrasco, disse:                                  que lhe dou com todo o amor e carinho.
    − Não quero que a justiça seja feita dessa forma.                         A aldeia inteira pôs-se a aplaudir e todos que ali estavam
Um erro não justifica o outro, e não acho que o mal                        começaram a chorar e a se abraçar, inclusive Ramla e Zola, que,
deva ser punido com o mal. Se continuarmos a                                por sinal, vivem até hoje na mesma casa, casadas com filhos de
agir assim, estaremos unindo forças para                                     mesmo pai e de mesma mãe.




                                 30                                                                      31
Aliás, é preciso que se conte aqui, Zola finalmente engravi-
dou e deu à luz um lindo menino chamado Abayomi. Desde então,
pode-se dizer que todos vivem felizes.




                                32                                 33

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  • 1. Coleção Terra de Toda Gente Um Presente para ADEOLA Origem: Nigéria Patrícia Engel Secco Ilustrações Edu A. Engel
  • 2. Coleção Terra de Toda Gente Projeto Coleção Terra de Toda Gente Um Presente para Adeola Projeto Gráfico Lili Tedde Revisão Origem: Nigéria Trisco Comunicação Coordenação Gráfica e Editorial Ler é Fundamental Produções e Projetos Realização Secco Assessoria Empresarial Concepção Patrícia Engel Secco 20.000 exemplares Setembro de 2008 Patrícia Engel Secco Editora Boa Companhia www.projetofeliz.com.br Ilustrações Fale conosco Edu A. Engel projetofeliz@terra.com.br Conforme a nova ortografia da língua portuguesa
  • 3. Ramla e Zola eram tão amigas quanto duas meninas podiam ser. Todos os dias, assim que o sol se levantava, iam juntas até as margens do rio buscar água e voltavam, felizes, para ajudar suas famílias nos afazeres do dia-a-dia. Ramla e Zola eram filhas de pais caçadores, homens corajosos e honrados na comunidade. Suas mães, gentis e atenciosas, eram sábias e ensinaram a elas tudo o que conheciam. Quando chegaram à idade de frequentar a escola do vilarejo, as meninas iam juntas e, invariavelmente, sentavam-se na mesma carteira, aprendendo lado a lado o que lhes era ensinado, sobretudo o valor da amizade, da honestidade e do companheirismo. 2 3
  • 4. O tempo passou e muita coisa aconteceu na pequena vila, mas nada abalou a amizade das duas meninas, que, a cada dia, se torna- vam mais e mais inseparáveis. Quando elas ficaram moças, prontas para casar e constituir fa- mília, todos os rapazes do lugar se mostraram interessados, mas, infelizmente, a amizade que as unia não permitia que seus corações se abrissem para o amor. Um belo dia, o chefe da aldeia chamou as duas amigas para uma conversa séria: − Ramla, Zola, vocês são as moças mais bem preparadas da nossa comunidade. A amizade de vocês encanta a todos nós, mas é chegada a hora da separação. Cada uma de vocês precisa formar sua própria família! − Sabemos disso, chefe, e esperamos conhecer, em breve, nos- sos futuros maridos − disse Ramla. − Entretanto, para que possamos ser felizes, precisamos nos casar com dois homens filhos de mesmo pai e mesma mãe e que aceitem morar na mesma casa − completou Zola. − Desde que nascemos somos amigas inseparáveis, e tudo que uma teve na vida a outra também teve − disse Ramla. − Por esse motivo, chefe, esperamos ansiosas pelos irmãos que queiram nos desposar − concluiu Zola. 4 5
  • 5. A notícia se espalhou por todos os lados e logo apareceram dois casa em que moravam era grande e arejada. Nela, as amigas pode- homens, filhos de mesmo pai e mesma mãe, que moravam na mesma riam fazer uma horta, plantar um pomar e até mesmo criar peque- casa e estavam ambos à procura de uma esposa. Os jovens conhece- nos animais, como galinhas, porcos e patos. E assim fizeram... ram as duas amigas e o casamento foi marcado sem demora. Em alguns meses, a horta provia as novas famílias com Uma grande festa selou a união das duas amigas com os dois verduras frescas, as árvores do pomar floresciam e os ani- irmãos. Convidados de todos os cantos compareceram, mais cresciam e se multiplicavam. trazendo presentes muito bonitos, sempre iguais para Mas a vida das amigas, sempre tão igual, os dois casais. começou a ficar diferente: Ramla engravidou e Os irmãos também eram caçadores e, como deu à luz um belo menino, que foi chamado de os pais das noivas, homens muito honrados. A Makeba. 7
  • 6. Pela primeira vez a vida de Zola começou a se diferenciar da vida da amiga, mas no fundo de seu coração ela sabia que aquela situação não duraria muito e que, em pouco tempo, também teria uma linda criança para cuidar. Entretanto, dias e meses se passaram sem que ela engravidas- se. Julgando ser necessário presentear a deusa da fertilidade com algo doce, plantou uma árvore de noz-de-cola em um belo vaso e dela cuidou com todo o carinho possível. Certa de que a deusa visitava a pequena árvore durante as noi- tes, Zola a regava abundantemente ao entardecer e esperava o sol despontar no horizonte para beber um copo cheio da água que saía do vaso. A árvore, agradecida pelos bons tratos, logo começou a crescer. De seus galhos brotaram lindas folhas verdes, tão frescas e chei- rosas que chamaram a atenção dos animais que as amigas criavam em casa. Tão logo perceberam a iguaria, os bichos resolveram com ela se deliciar. Não foi preciso mais de uma hora para que a planta fosse transformada em um mero graveto sem graça e quase sem vida, em nada semelhante à formosa arvorezinha de que Zola tanto se orgulhava. 8 9
  • 7. Zola chorou muito ao ver a árvore destruída. Sua tristeza era tão grande e tão devastadora que Ramla decidiu deixar com ela o pequeno Makeba. − Tenho certeza de que ele vai animá-la, querida amiga, irmã. Tome conta de meu filho enquanto cuido da horta e alimento as galinhas... − disse Ramla, cheia de carinho. Entretanto, ocupar-se de Makeba não consolou Zola, que ju- rou não mais sorrir enquanto a árvore de noz-de-cola não brotasse novamente. A tristeza de Zola deixava todos na casa muito apreensivos, e era simplesmente impossível haver felicidade onde alguém era tão infeliz. Uma noite, enquanto fazia Makeba adormecer, Ramla trope- çou em seu vestido e, de maneira a não deixar o menino cair de seus braços, acabou por se sentar em uma mesa na qual havia um vaso com água do rio. Ramla e Makeba não se machucaram com o incidente, mas o vaso caiu no chão e acabou por perder o fundo. Ainda um pouco atordoada com o ocorrido, Ramla recolheu os cacos e, exatamente no momento em que ia jogá-los fora, deparou- se com a pequena árvore, seca e totalmente desfolhada. Foi quando teve uma ideia. − Zola, querida, olhe só como podemos recuperar a sua árvore! 10 11
  • 8. − Como? − perguntou Zola. − Você deveria vendê-las − disse um caçador, amigo do marido − Muito simples! Vou lhe emprestar o meu vaso de água, do de Zola. − Conheço um excelente mercador que lhe dará um bom qual tirei o fundo, e você vai colocá-lo em volta da pequena árvore. dinheiro por elas. Com isso os animais não conseguirão mais alcançar os brotos de Dito e feito. As nozes foram vendidas e finalmente, depois de suas folhas e ela poderá crescer forte. E você voltará a ser feliz. muito tempo, Zola ficou feliz com alguma coisa em sua vida. A Zola ficou muito contente com a solução encontrada por Ramla deusa da fertilidade não lhe dera um filho ainda, mas com o que e não via a hora de continuar com suas oferendas à deusa da ferti- ganhava com os frutos de sua árvore, cuidada com tanta dedicação, lidade. Cuidar da árvore de noz-de-cola a deixava muito satisfeita, podia ajudar um pouco o marido nas despesas. Novos objetos fo- mas ela sabia que só seria feliz quando pudesse gerar uma criança. ram comprados para a casa e até Makeba foi presenteado com uma Mais uma vez o tempo passou depressa e, no decorrer do ano linda girafa feita de madeira, graças à árvore de Zola. seguinte, a árvore cresceu forte e vigorosa, longe das bicadas das No ano seguinte, a árvore deu ainda mais frutos, e, como a galinhas, dando muitos e muitos frutos. fama de suas nozes tinha se espalhado rapidamente, Zola não pre- As nozes, muito bonitas e vistosas, logo começaram a chamar cisou fazer nenhum esforço para vendê-las. a atenção dos habitantes da aldeia. 12
  • 9. “Zola pode agora comprar tudo o que quiser, e eu não!”, pensou. − Desse jeito, querida, em pouco tempo não precisarei mais me Cheia de ciúme e inveja, decidida a acabar com a alegria da arriscar caçando na selva – disse o marido de Zola. – Poderemos amiga, Ramla resolveu fazer-lhe um pedido: viver apenas das suas nozes. − Zola, você sabe muito bem quanto sua felicidade é importante Ramla, que mais uma vez estava grávida, ouviu a conversa do para mim e que desde sempre procurei ajudá-la a atingi-la. Entretan- casal e ficou muito preocupada, pois, de qualquer maneira, alguém to, agora preciso que me retribua um favor que um dia lhe fiz... na casa deveria continuar caçando, e, sem o irmão, seu marido cor- − Claro, irmã! Você sabe que não há ninguém no mundo mais reria perigo. Passou dias procurando uma solução para o problema, importante do que você e meu marido, portanto, pode pedir − res- mas foi somente quando Zola chegou em casa com um novo vesti- pondeu Zola. do amarelo – que a deixava simplesmente linda – que Ramla perce- − Bem, o que eu quero é bastante simples: o meu vaso de água beu o que de fato a incomodava. sem fundo. 14 15
  • 10. Zola sacudiu a cabeça sem acreditar no que estava − Pode deixar que disso cuido eu! Agora, por favor, me entre- sendo pedido pela amiga e, ao chegar perto de sua esti- gue o vaso. mada árvore de cola, percebeu que não poderia atender ao dese- Incrédula, Zola olhou para a amiga, e nem mesmo o pequeno jo de Ramla. Makeba a seus pés ou o novo bebê em sua barriga a fizeram parecer − Mas, amiga, como poderei lhe devolver o vaso? Há anos ele uma pessoa melhor. Tudo o que Zola conseguia ver naquele mo- está aqui em torno do caule da minha árvore, e a úni- mento era uma mulher cheia de ciúme e de inveja. ca maneira de tirá-lo é transformá-lo em cacos... É − Ramla, não faça isso comigo! Você não está vendo que para isso que você quer? − perguntou Zola. lhe devolver o vaso eu serei obrigada a cortar a árvore? E o que será − Não, de maneira nenhuma. Quero o vaso de mim sem as maravilhosas nozes-de-cola que esta gentil arvo- como o emprestei, faltando apenas o fundo. rezinha tem oferecido? Ramla, você tem Makeba para − E o que você vai fazer com ele? Para o lhe ocupar e logo virá o novo bebê. Não há como que vai lhe servir um vaso sem fundo? reconsiderar o pedido, pois eu só tenho a minha árvore? 16 17
  • 11. Sem pestanejar, Ramla respondeu que precisava do vaso, e com O chefe percebeu claramente que Ramla estava com ciúme de urgência. Caso Zola não devolvesse o que era dela até o dia seguin- toda a riqueza que os frutos da pequena árvore haviam trazido para te, iriam conversar com o chefe da aldeia. E assim aconteceu: as Zola, mas, depois de muito pensar, viu que não podia fazer nada duas foram ter com o mais sábio dos homens. além de solicitar que o objeto fosse devolvido a sua dona. − Chefe, cabe ao senhor a decisão sobre como eu devo agir: Conforme prometido, Zola acatou a decisão do mais sábio dos Ramla quer que eu corte minha preciosa árvore para conseguir ter homens e, no dia seguinte, cortou o caule de sua tão amada árvore de volta um vaso quebrado e sem fundo que me emprestou há al- para entregar o vaso sem fundo a Ramla. guns anos... − começou Zola. − Não, eu não estou pedindo que corte a árvore! Apenas quero o meu vaso de volta! Se conseguir tirá-lo de onde está, inteiro e sem rachaduras, ficarei satisfeita. 18 19
  • 12. Sem a árvore para ocupar seu tempo, Zola resolveu mostrar − Mas que colar lindo, Zola! Não posso aceitá-lo de jeito ne- que ainda continuava amando a amiga e, a partir daquele dia, cui- nhum, pois nunca poderei lhe retribuir o presente. Como você sabe, dou de Makeba como quem cuida do próprio filho. O que foi óti- não temos muitos recursos − disse Ramla, encabulada. mo, pois, uma semana após receber de volta seu vaso sem fundo, − Então, que não seja por isso! Tome-o como um empréstimo, Ramla deu à luz uma linda menina, que foi chamada de Adeola. mas deixe a menina usar o ornamento. O ouro só fará realçar sua Adeola era só sorrisos e, logo em seus primeiros dias de vida, beleza e sua graça. Ah! E não se preocupe: o colar é uma peça in- conquistou a todos em sua casa e em sua comunidade. Não havia teiriça, ou seja, nunca vai machucar a pequena Adeola. quem não gostasse da menina. Ela recebeu muitos presentes de boas- Certa de que sua filha não teria outra oportunidade na vida vindas, entre eles um lindo colar de ouro maciço ofertado por Zola. de usar um colar de ouro tão lindo, Ramla aceitou de bom grado o Ele havia sido feito pelos melhores artesãos do continente, sem ne- empréstimo. nhuma emenda, nenhuma solda. 20 21
  • 13. Passaram-se dias, semanas, meses, anos e, durante esse tempo, − Não tenho bens, não tenho posses. Não sei como presentear as amigas viveram como em seu tempo de meninas. Como não ti- minha doce Adeola... − disse pensativa. nha filhos, Zola ajudava Ramla com os pequenos e era tratada por − Pois eu sei bem o que vou dar a ela − falou Zola, segura de eles como uma segunda mãe. si. − Há anos espero por este momento. Com o tempo, Adeola cresceu e se tornou uma linda menina, Certa de que a amiga ofereceria à filha o colar de ouro que ha- ainda mais sorridente e mais adorada pela aldeia inteira. Quando via tanto tempo a menina trazia ao pescoço, Ramla abriu o maior ela completou dez anos, a comunidade se juntou e decidiu oferecer- dos sorrisos do mundo. lhe uma festa, a mais bonita de todos os tempos. − E qual seria esse presente, querida amiga? Feliz e sem caber em si de contentamento, Ramla foi conversar − Vou mandar fazer para Adeola uma linda coroa, mas para com Zola sobre qual presente dar à filha. isso preciso do colar, que servirá de base. 22 23
  • 14. A princípio a reação de Ramla foi de pura felicidade, pois que mais poderia querer sua linda criança além de uma bela e valiosa coroa? Entretanto, alguns segundos mais tarde, Makeba e Adeola entraram pela porta, e imediatamente Ramla viu a armadilha que aquele presente significava. O colar que Adeola ganhara quando criança nunca mais havia sido retirado de seu pescoço, e, com o passar dos anos, tornara-se impossível removê-lo. A cabeça da menina tinha crescido e, para devolver o colar à amiga, somente cortando a peça. − Amiga querida, mas que ideia! Adeola não precisa de uma coroa, não se preocupe. − Eu me preocupo, sim, Ramla. Quero dar à menina o presen- te que ela merece, e esse presente será uma coroa de ouro, montada sobre o colar. Já marquei um encontro com os artesãos e preciso levar para eles o colar, sem nenhum dano e totalmente preservado. Ramla não sabia o que dizer, muito menos o que fazer. Sentiu o chão sumir debaixo de seus pés e desejou, mais do que nunca, que tudo não passasse de um mal-entendido. Como poderia ela devolver a Zola o colar de ouro sem cortar o pescoço de sua amada filha? Ramla pediu que as crianças fossem brincar do lado de fora e, assim que saíram, perguntou à amiga: − Zola, você não sabe que para devolver-lhe o colar precisarei tirar a vida de Adeola? Você não a ama? 25
  • 15. − Claro que amo Adeola, assim como amo Makeba e amo você, querida amiga. Mas tenho de solicitar que me dê de volta o colar. Afinal, ele lhe foi oferecido apenas como empréstimo. Aliás, não estou lhe pedindo que corte o pescoço de sua filha, apenas que me devolva o colar. Para isso, você pode fazer o que quiser... E Ramla viu como única saída de novo consultar o mais sábio dos homens. Da última vez que haviam feito isso, o chefe da aldeia tinha decidido em seu favor. Provavelmente faria o mesmo agora. − Chefe, cabe ao senhor a decisão sobre como eu devo agir: Zola quer de volta o colar de ouro que Adeola usa. Mas para devol- vê-lo precisarei sacrificar minha criança. O chefe ponderou por alguns minutos e, mais rápido do que se poderia esperar, chegou a uma decisão sobre o impasse: − Ramla, há alguns anos você, por ciúme e inveja, tirou de Zola uma pequena árvore que nos oferecia as melhores nozes-de- -cola que existiam no mundo. Fez com que ela cortasse seu caule, pois queria de volta um vaso quebrado e sem utilidade. Hoje, pre- ciso decidir a favor de Zola e, por mais que eu preze sua querida filha, não tenho como agir de maneira diferente. Você deverá de- volver o colar. 26 27
  • 16. A decisão do chefe perecia injusta, − Olho por olho, dente por dente. É assim que mas sem pensar duas vezes ele resolveu se faz justiça − diziam outros. transformar o acontecido em uma lição − Ri melhor quem ri por último − chegavam de vida, chamando a aldeia toda para a falar uns poucos. A verdade, no entanto, é que presenciar a execução da menina. todos assistiam horrorizados a uma cena total- Adeola e Makeba não se deram mente impensável, pois Zola amava muito as conta do que estava acontecendo e, cha- crianças de Ramla. mados pela mãe, entraram felizes e sorri- Um carrasco segurava uma espada e es- dentes em uma praça lotada de pessoas. tava pronto para executar a menina no ins- De um lado Ramla chorava compulsi- tante em que o chefe ordenasse. E este as- vamente e, de outro, Zola sorria, vitoriosa. sim o fez, na mesma hora em que Ramla − A vingança é um prato que se come olhou dentro de seus olhos e disse: frio − diziam algumas pessoas na multidão. − Por favor, eu lhe suplico, chefe. 28 29
  • 17. Mas para o sábio a decisão estava tomada e, sem forças nem aumentar a maldade e o desentendimento, não para acabar com coragem para ver o que viria a acontecer, ele fechou os olhos e abai- eles. Adeola, minha querida, eu lhe darei a mais linda das coroas xou a cabeça. de ouro, pois é este o significado de seu nome: coroada. Mas que Foi justamente nesse momento que Zola levantou os braços e, fique claro, desde já, que tanto a coroa como o colar são presentes segurando a espada do carrasco, disse: que lhe dou com todo o amor e carinho. − Não quero que a justiça seja feita dessa forma. A aldeia inteira pôs-se a aplaudir e todos que ali estavam Um erro não justifica o outro, e não acho que o mal começaram a chorar e a se abraçar, inclusive Ramla e Zola, que, deva ser punido com o mal. Se continuarmos a por sinal, vivem até hoje na mesma casa, casadas com filhos de agir assim, estaremos unindo forças para mesmo pai e de mesma mãe. 30 31
  • 18. Aliás, é preciso que se conte aqui, Zola finalmente engravi- dou e deu à luz um lindo menino chamado Abayomi. Desde então, pode-se dizer que todos vivem felizes. 32 33