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        UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
           DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
                        COLEGIADO DE LETRAS




               DAISE GUIMARÃES ABREU




UM SER (TÃO) FILOSOFICAMENTE JAGUNÇO: UMA LEITURA DE
    GRANDE SERTÃO: VEREDAS SOB O OLHAR DA IDENTIDADE




                    Conceição do Coité
                          2009
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               DAISE GUIMARÃES ABREU




UM SER (TÃO) FILOSOFICAMENTE JAGUNÇO: UMA LEITURA DE
    GRANDE SERTÃO: VEREDAS SOB O OLHAR DA IDENTIDADE



                     Trabalho de conclusão de curso ao Departamento de
                     Educação da UNEB, Campus XIV, Conceição do
                     Coité, como requisito parcial para obtenção do grau
                     de Graduação em Licenciatura em Letras
                     Vernáculas.



                     Orientadora: Prof. Ms. Eugênia Mateus de Souza




                    Conceição do Coité
                          2009
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POEMA COM ABSORVÊNCIAS NO TOTALMENTE
PERPLEXAS DE GUIMARÃES ROSA

Ah, pois, no conforme miro e vejo, o por dentro de mim,
segundo o consentir dos desarrazoados meus pensares, é o
brabo cavalo em as ventas arfando se querendo ir.
Permanecido apenas no ajuste das leis do bem viver
comum, por causa de uma total garantia se faltando em
quem m‟as dê. Ad‟formas que em tréguas assisto e assino
e o todo exterior desta minha pessoa recomponho. Porém
chega o só sinal mais leve de que aquilo ou isso é
verdadeiro pra a reta eu alimpar com o meu brabo cavalo.
Ara! que eu não nasci pra permanência desta duvidação,
mas só pra o ser eu mesmo, o de todo mundo desigual,
afirmador e conseqüente, Riobaldo, o Tatarana. Ixi!

                                           Adélia Prado
4



                                    AGRADECIMENTOS


   Para nós, seres humanos, viver implica produzir a existência. Isso significa que
precisamos realizar inúmeras ações para atender às nossas necessidades, aspirações e
conveniências. Nesse sentido, qualquer ação é um trabalho. Como não vivemos sozinhos, a
produção da existência é feita por um conjunto de ações coletivas e interligadas.
   Ao me dedicar neste trabalho científico, muitas pessoas contribuíram para que se
concretizasse esta monografia. Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que, de alguma
forma, doaram um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível:


   A Deus que me iluminou com o seu Espírito Santo e me deu força para continuar.


   A minha orientadora professora mestra Eugênia Mateus que me orientou, auxiliou na
produção do texto, na organização das idéias, com a disponibilidade de tempo, materiais e
referências que utilizei, com o apoio e simpatia com que me tratava, mesmo com a
freqüências com que a solicitava.


   A meus pais, Domingos e Nailza que me incentivaram sempre a estudar, a sonhar, a
acreditar em mim mesma, a nunca desistir; Agradeço a eles que me ensinou a ser o que sou
hoje e me educou para tornar-me uma pessoa de bem e esforçada, pela paciência comigo, pelo
seu carinho e apoio e, principalmente, pelo seu amor incondicional.


   A meus amigos, que compreenderam a minha ausência nos últimos momentos da
produção da monografia, pela atenção, ajuda e paciência. Agradeço também por eles
existirem em minha vida, por estarem presentes nos momentos felizes e nos momentos
difíceis, por eles me aceitarem como sou e permitirem que eu os mantenha em meu coração
com carinho e amor.


   Aos colegas da Universidade que, com minhas dúvidas na construção do trabalho, me
auxiliavam também na construção deste trabalho científico. Não agradeço apenas a eles, por
estarem nesse momento da minha vida, mas também por eles, aos poucos, ocuparem um
grande espaço em meu coração, por conquistarem meu respeito, meu carinho e por
representarem pessoas especiais que jamais esquecerei.
5



                            TERMO DE APROVAÇÃO




                          DAISE GUIMARÃES ABREU




  UM SER (TÃO) FILOSOFICAMENTE JAGUNÇO: UMA LEITURA DE
          GRANDE SERTÃO: VEREDAS SOB O OLHAR DA IDENTIDADE




Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Letras
Vernáculas, Departamento de Educação (DEDC), campus XIV, Conceição do Coité,
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), pela seguinte Banca Examinadora:




Orientadora: Eugênia Mateus ________________________________
Professora da UNEB – campus XIV


Deijair Ferreira da Silva ____________________________________
Professor da UNEB – campus XIV


Jussimara Lopes ___________________________________________
Professora da UNEB – campus XIV


                         Conceição do Coité, 03 de abril de 2009.
6



                                          RESUMO



O presente trabalho propôs-se ao mapeamento da identidade cultural do jagunço, em Grande
Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Um ser jagunço – nacional por subtração –, construído e
representado nas fronteiras identitárias do sertão. Esta investigação visualiza a transcendência
da identidade individual à coletiva, da regional ao nacional e da nacional a universal, no
espaço não apenas o geográfico, mas interior: o eu e o outro, uno e filosófico, questionador de
sua existência. As linhas teóricas referentes à identidade na pós-modernidade, o sertão e da
identidade sertaneja deram o suporte aos estudos, com o intuito de realizar uma comparação
e/ou compreensão destes conceitos, sob o ponto de vista de Guimarães Rosa. O resultado
possibilita afirmar a inauguração de uma imagem jagunça na literatura brasileira: um jagunço
lírico, poeta do sertão, a partir de desconstruções, reconfigurando identidades pré-
estabelecidas desta identidade cultural no mosaico que forma e constitui, à revelia, a
identidade cultural brasileira.



PALAVRAS-CHAVES: Identidade cultural. Jagunço. Sertão
7



                                         ABSTRACT


The presente work, has proposed the map out of the cultural identity of “jagunço”, in Grande
Sertão: Veredas by Guimarães Rosa. A “jagunço” being – nacional for subtraction -, built and
represented in the frontier identities of “sertão”. This investigation visualizes exceeding from
individual to collective, from regional to national and from national to universal identity, in a
space not by merely geographic, but deep: myself and the other, sole and philosophic,
questioning their existence. The theoretical lines concerning on the identity in pos-modernity,
the “sertão” and from the “sertaneja” identity they gave the support to studies, with the sense
of achieving a comparison and/or understanding of these conceptions under the point of view
of Guimarães Rosa. The sequel allows to affirm the inauguration of “jagunça” image in
Brazilian literature: a lyric “jagunço”, poet of “sertão”, from desconstructions, reconfiguring
identities pre-established in this cultural identity into the mosaic that form and constitutes a
Brazilian cultural identity.


KEY- WORDS: Cultural Identity. Jagunço. Sertão.
8



                                                    SUMÁRIO



      INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09




1     CONSTRUÇÃO À REVELIA: A CRIAÇÃO DAS IDENTIDADES EM
      GRANDE SERTÃO: VEREDAS ...........................................................................                   12
1.1   O ser(tão) no jagunço: nacional por subtração ........................................................               12
1.2   Cultura e sertão: fronteiras identitárias ....................................................................       16
1.3   Nas veredas identitárias dos jagunços: ser cultural por construção .........................                         23




2     O EU E O OUTRO: RIOBALDO, UM JAGUNÇO FILOSÓFICO ................                                                     29
2.1   O viver perigoso: a travessia de Rio (Baldo) ou a travessia de si mesmo ...............                              30
2.2   “Mire e Veja”: Riobaldo, a identidade dialética .....................................................                33
2.3   Riobaldo: interrogando identidade .........................................................................          36


3     LIRISMO VS ROSA: UMA DIALÉTICA REVISÃO DO SER(TÃO) ............ 39
3.1   Literatura e cultura: interstícios inaugurais da imagem jagunça .............................                        39
3.2   A lírica e o anti-herói rosiano: a desconstrução do popular ....................................                     42




      CONCLUSÃO ........................................................................................................   50




      REFERÊNCIAS ....................................................................................................     52
9



INTRODUÇÃO


    A literatura tem-se utilizado de diversas abordagens para pensar e afirmar a nacionalidade
– tentativa de definir um retrato para o Brasil. Todas estas abordagens do Brasil, feitas pela
literatura, podem ser consideradas como leituras de uma questão complexa a que se tem
chamado “identidade cultural/nacional”. Os escritores de momentos e escolas literárias
tentaram estabelecer um conceito de identidade nacional/cultural 1, a partir de visões múltiplas
em relação ao mundo. Guimarães Rosa foi um desses escritores que construiu,
intencionalmente ou não, a identidade cultural brasileira.
    Um dos temas centrais das produções de Guimarães foi o sertão, o (ser)tão múltiplo,
diverso e o grande sertão interior e suas veredas. Em Grande Sertão: Veredas, Rosa narra
esses dois sertões: o físico e o abstrato: “[...] Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande
sertão! Não sei” (ROSA, 2001, p. 116). Neste sertão é criada uma identidade cultural: o
jagunço brasileiro. A temática desta monografia é justamente compreender a formação da
identidade cultural do jagunço, criada no sertão rosiano.
    Entre outros motivos, a escolha dessa temática está vinculada, principalmente, ao fato de
se acreditar que, ao construir a identidade cultural do jagunço, ele [Guimarães Rosa] cria um
retrato de Brasil e sua grande multiplicidade cultural. Importa compreender a real
possibilidade de realizar este processo de formação de identidade cultural. A análise de como
Guimarães transcende do individual ao coletivo, do regional ao nacional, do nacional ao
universal pelo viés do jagunço no sertão (não só no espaço físico), contribuiu, de forma
significativa, na realização do projeto de identidade cultural do Brasil. Essa identidade
cultural tem a possibilidade de analisar o universal? Não somente o particular específico?
    Este trabalho científico teve como objetivo principal, mapear a construção da identidade
cultural brasileira, através do sertão narrado e descrito por Guimarães em Grande Sertão:
Veredas, por meio, da análise da caracterização do sujeito sertanejo enquanto ser
nacional/cultural, marca da representação regional/nacional, individual/coletivo.
    A realização deste trabalho, iniciou-se com a leitura e a análise do romance Grande
Sertão: Veredas, bem como o estudo aprofundado de textos teóricos sobre identidade e sujeito
pós-moderno.

1
   O uso do termo identidade nacional/cultural tenta representar o mesmo caos estabelecido mediante a
indefinição para uma afirmação de nacionalidade. Desde os românticos, houve uma busca pela cor local. O
termo identidade se define apenas no final do século XIX. Nesse momento, uma busca pela identidade nacional;
com os estudos multiculturalistas, na segunda metade do século XX, amplia-se o olhar, e a identidade constrói
sob a perspectiva cultural.
10



   O desenvolvimento do trabalho foi destrinçado em três capítulos. O primeiro, Construção
à revelia: a criação das identidades em Grande Sertão: Veredas, analisa o processo de
construção das identidades dos jagunços no romance; como ela é visualizada na nação
brasileira e: uma construção à revelia, marginalizada e estigmatizada. A identidade nacional
jagunça, parte que representa o todo do mosaico brasileiro, assume sua participação, neste
estudo, reconhecida como parte da nacionalidade brasileira.
   No primeiro tópico deste capítulo O ser(tão) no jagunço: nacional por subtração faz-se
um questionamento sobre o motivo pelo qual a identidade cultural do jagunço é considerada
uma identidade por subtração, já que parte, como as outras identidades, da multiplicidade da
identidade cultural brasileira. É possível eleger apenas um grupo cultural para representar o
nacional, já que somos múltiplos? E para dar suporte a esta análise foram utilizadas teorias de
Hall (2003), Pesavento (1998) e Vasconcellos (2007).
   Em Cultura e sertão: fronteiras identitárias discuti-se a formação identitária do jagunço,
a partir de dois pontos centrais que se (inter)relacionam: a cultura e o sertão. São
mencionados nesta análise os autores que tratam do conceito de cultura como Laraia (2002) e
Santos (1983); como também o que é, e o que foi considerado o sertão sob o ponto de vista de
Bolle (2004) e Amado (1995). Compara-se ainda a identidade do jagunço construída por
Euclides da Cunha em Os Sertões com a de Guimarães em Grande sertão: Veredas. É
construído nesta secção a conceito de sertão e de Guimarães através de contrapontos
realizados com outros conceitos de sertão, como o de Euclides da Cunha.
   Retoma-se a esta comparação em: Nas veredas identitárias dos jagunços: ser cultural por
construção, para visualizar o perfil traçado de um mesmo grupo cultural, de formas e olhares
diferentes; neste momento do trabalho, delineiam-se perfis de algumas identidades culturais
de jagunços presentes no romance, além de mostrar que embora haja exclusão e a estigma do
perfil jagunços, estes são seres culturais por construção à revelia das condições e/ou
convenções sociais.
   O Eu e o Outro: Riobaldo, um sujeito filosófico analisa o narrador-personagem Riobaldo.
O jagunço letrado, questionador, introspectivo e filosófico e a sua travessia do/pelo sertão: a
grande travessia do ser humano, a descoberta de si mesmo. Na secção O viver perigoso: a
travessia de Rio(baldo) ou a travessia de si mesmo, revigora-se a identidade deste sujeito: sua
insegurança, suas fragilidades e sua busca para afirmar-se e reconhecer-se como uma
identidade cultural segura e autônoma. Alguns teóricos como Roncari (2004), Castells (2006)
e Figueiredo e Noronha (2005) fundamentaram as idéias discutida acerca dessa travessia do
sujeito jagunça para a sua afirmação identitária presentes nestes tópicos.
11



   Na segunda, “Mire e Veja”: Riobaldo, a identidade dialética, a influência do “outro” na
formação da identidade cultural de Riobaldo configura-se como elemento construtor de sua
identidade. Este “outro”, um novo olhar, participa, ativamente, da construção do “eu” do
narrador-personagem de Grande Sertão: Veredas, um sujeito de discurso questionador, sagaz,
senão ilusório. Os estudos teóricos fundamentaram-se em Jacoby e Carlos (2005) para
descrever como o “outro” participa da formação do “eu”; Hoisel (2006) para citar quais
“outros” do romance atuaram sobre a identidade de Riobaldo; Giles (1979) para
complementar a idéia de identidade dialética; e Figueiredo/Noronha (2005) para auxiliar no
reconhecimento de qual à concepção de identidade cultural/nacional se aplicaria à identidade
estudada. Fecha-se o capítulo com Riobaldo: interrogando identidade, aqui destaca o
Riobaldo enquanto sujeito filosófico e introspectivo em busca de si mesmo em meio ao caos
em que se encontra a sua vida pós perda de sua amada.
   Lirismo x Rosa: uma dialética revisão do (ser)tão retrata-se como Guimarães Rosa
“quebra” a concepção pré-estabelecida do que é o jagunço e reconfigura uma identidade
cultural deste grupo brasileiro, estabelecendo assim, uma nova imagem, na literatura, para
este sujeito. São duas secções que analisam os subsídios do autor para esta construção lírico-
dialética do ser(tão): Literatura e cultura: interstícios inaugurais da imagem jagunço e A
lírica e o anti-herói rosiano: a desconstrução do popular. Na primeira, apresenta como
Guimarães inaugura uma identidade cultural do jagunço, na literatura brasileira. Na segunda,
analisa-se a prática rosiana de desconstrução do pensamento popular, a respeito desta
identidade cultural, com a criação da imagem de um jagunço lírico e que, poetiza o sertão e as
questões filosóficas sobre a vida. São teóricos como Rosenfeld (2002) – relevante quanto à
questão lírica –; Coutinho (2004) – na ênfase à idéia do herói rosiano –; bem como Backhtin
(2003) – com seu conceito de herói –, que confirmam e credibilizam as idéias discutidas neste
capítulo.
   Cogita-se, através do que foi discutido neste trabalho científico, a possibilidade de
visualizar a identidade cultural brasileira na identidade cultural do jagunço criado no sertão
ideal (irreal) de Guimarães em Grande Sertão: Veredas. Uma identidade que, após ser
desconstruída é reconfigurada, representa o mosaico que é o Brasil, a parte de um todo
múltiplo e diverso.
12



1 CONSTRUÇÃO À REVELIA: A CRIAÇÃO DAS IDENTIDADES EM GRANDE
SERTÃO: VEREDAS.




    A criação de identidades em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é um alvo de
análise que merece atenção, pois delineia principalmente a identidade do sertanejo. Grupo
este, que carrega em si, elementos que representam o nacional. Possibilitam a visualização do
retrato do Brasil. Estas identidades representam o sertão brasileiro, sua cultura, sua história,
valores e costumes de um povo rico em contos e causos, e Guimarães Rosa consegue captar a
essência dessas identidades e transmiti-la na escrita. Entretanto, um aspecto importante que
merece ser destacado é como se dá o processo de formação identitária, uma construção à
revelia, porque é uma identidade, muitas vezes marginalizada e estigmatizada por uma
sociedade dita “civilizada”.
    Um dos motivos pelo qual foi feita a escolha de se fazer o estudo da formação da
identidade do jagunço, de Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, foi justamente por
acreditar que é possível vislumbrar uma parte da identidade nacional neste grupo sertanejo.
    Diante disso, faz-se necessário o estudo mais aprofundado, do como Guimarães Rosa, ao
narrar de modo único, singular e inovador o sertão de Minas Gerais e seus jagunços, constrói
também uma representação de nação. Importa compreender se realmente é possível realizar
esse processo de formação identitária e quais os recursos e estratégias de que Rosa utilizou
nesse projeto e a maneira como contempla o jagunço.




1.1 O ser(tão) no jagunço: nacional por subtração




    Atualmente a questão da identidade é bastante discutida pelos vários teóricos
multiculturalistas1, bem como por pensadores de diversas áreas do conhecimento, inclusive a
literatura. Ela tem-se utilizado de diversas abordagens para pensar a identidade cultural do

1
  De acordo com Hall: “Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os
problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais
convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade
„original‟. Em contrapartida, o termo „multiculturalismo‟ é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas
adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades
multiculturais (HALL, 2003, p.52)”. Para saber mais sobre o multiculturalismo ver “Da Diáspora identidades e
mediações culturais”.
13



Brasil. Nos momentos cruciais da trajetória do país, as abordagens feitas nas produções
literárias em busca dessa identidade resultaram obras paradigmáticas que souberam tocar nos
lugares–chaves da trajetória de uma tradição.
   A literatura ao longo de anos procurou construir a idéia de nação, através de suas
produções desde, principalmente, o Romantismo até a atualidade. Os escritores brasileiros em
vários momentos da história e da literatura tentaram estabelecer um conceito de identidade
nacional a partir de visões múltiplas em relação ao mundo e de acordo com as necessidades de
cada época e sociedade.
   Mas o que seria identidade? Este trabalho não tem a intenção de dar respostas mas refletir
sobre as certezas e as dúvidas, de ser, por exemplo, um ser único e de acordo com Hall: “O
sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando
fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias e não resolvidas” (2003, p.12). Pode-se visualizar este tipo de identidade,
mencionada por Hall, na identidade nacional brasileira. O todo “Brasil” é formado por uma
grande diversidade de grupos sociais com identidades específicas e diferentes entre si. Então
surge a questão, como visualizar uma unidade? É possível? Quais grupos identitários
constituem a identidade nacional brasileira? É viável eleger apenas um pequeno grupo para
representar e construir o retrato do Brasil, pertencendo a uma nação múltipla e diversa?
   O que muitas vezes foi absorvido tanto das produções literárias quanto de teorias
preconceituosas ligadas à raça e ao meio, a partir do século XIX, é que havia grupos étnico-
culturais superiores a outros e que estes grupos que se encontravam na elite brasileira eram os
únicos que mereciam representar a identidade nacional:

                          Aceitar a multiplicidade e a diversidade de vozes e presenças no Brasil nunca foi
                          fácil para as elites do país. Os sentimentos ambivalentes de fascínio e repulsa,
                          preconceito e aceitação, envolvimento e distanciamento do “outro” em si mesmo
                          compõem a história da construção da identidade nacional (VASCONCELOS, 2007,
                          p. 38).


   Durante o fim do século XIX é que, ao pensar em identidade nacional brasileira tem-se o
cuidado de identificar o Brasil-nação com uma identidade específica em detrimento de outra.
Não se pensa em aceitação de uma diversidade cultural, o que acontece é a supremacia de um
discurso dominador; neste momento surgem algumas questões:


                          Quais as estratégias utilizadas pelas elites brasileiras no processo de construção de
                          sua unidade nacional, visando concretizar um Brasil ideal, moderno e
                          independente? Como conviver com os migrantes nortistas maltrapilhos que foram
                          parar justamente na capital do Brasil, o Rio de Janeiro e num dos maiores centros
14


                        urbanos do país, São Paulo, denunciando que a febre de modernização do país não
                        passava de uma aspiração?
                        Provavelmente, o caminho possível para alguns intelectuais e políticos da época
                        resolverem esse conflito tenha sido o de inventar uma divisão regional que
                        viabilizasse uma distinção entre um Brasil “ideal” – moderno, rico, industrial,
                        formado por uma grande parcela de imigrantes europeus – e um Brasil “real” –
                        atrasado, pobre, rural, escurecido por uma população mestiça de índios e negros.
                        Neste momento, é a ênfase na diferença entre esses Brasis, ou melhor, é a escolha
                        de uma região para representar o nacional que indicará a resolução para o grande
                        drama da unidade nacional (VASCONCELOS, 2007, p. 41).


   Essa diferenciação entre o Brasil “ideal” e o Brasil “real” mencionada por Vasconcelos
(2007) é equivalente respectivamente à região do Sul e à região do norte/nordeste. E neste
momento, ao optar por um representante da identidade nacional, a região do Sul,
automaticamente exclui e marginaliza outra considerada “atrasada”, a região norte/nordeste.
   Este processo, embora tenha acontecido há muito tempo, ainda hoje, apesar das mudanças
ocorridas na sociedade e a maneira de se pensar a nação e sua identidade, é possível perceber
o distanciamento da região nordestina da identidade nacional, dita oficialmente, brasileira.
   E onde se encontra o sertanejo? Encontra-se muitas vezes, nesses grupos excluídos do
chamado processo de formação da identidade nacional brasileira. O sertanejo do ser(tão)
jagunço, às vezes esquecido na história e na origem do retrato do Brasil.
   O sertanejo é uma parte do todo que forma o Brasil este múltiplo e cultural e, de acordo
com Hall:


                        [...] se sentirmos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a
                        morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma
                        confortadora „narrativa do eu‟. A identidade plenamente unificada, completa, segura
                        e coerente é uma fantasia (2003, p. 13).


   É necessário compreender que uma identidade nacional não se dá apenas pela formação de
uma única identidade – a detentora do poder -, mas que os diversos grupos sociais e culturais
formam a nação. E a identidade sertaneja é uma dessas identidades que, apesar de ser
diferente ao olhar de um “outro” elitizado e preconceituoso, possui uma essência
culturalmente rica. Formular uma identidade nacional, desenhar o perfil de um povo, envolve
práticas de reconhecimento da diversidade cultural e é esta diversidade que compõe a nação-
Brasil:


                        Se a construção imaginária de uma identidade implica uma atribuição de sentido,
                        este encadeamento de sentido, no caso brasileiro, seria dado não apenas na
                        articulação espaço e tempo, que resgataria as dimensões da natureza/meio e da
                        história, mas pela possibilidade de compatibilização da diversidade na unidade.
                        Nação-continente, a identidade brasileira seria dada pela integração do múltiplo,
15


                        pela capacidade ou não da absorção dos elementos díspares e aparentemente
                        caóticos numa nova totalidade de referência (PESAVENTO, 1998, p. 23).


   Fala-se sempre que a literatura, em alguns momentos de sua história e formação de
identidade nacional, copiou e seguiu um modelo europeu, entretanto Schwarz (2001) enfatiza
que o problema não se concentra só na cópia, mas também no fato de que há a exclusão de um
grupo que não se assemelha ou se parece com o modelo europeu de civilização e/ou nação,
como é o que acontece com o jagunço sertanejo que, por não se “enquadrar” nos princípios
europeizados, é marginalizado no processo de formação de identidade nacional, todavia são
capazes, como os demais, de representar o Brasil enquanto país e um ser(tão) nação, apesar de
ser o jagunço um ser nacional por subtração.
   Entretanto, já que o jagunço também forma e caracteriza o Brasil, porque ele é excluído
muitas vezes do que se chama identidade nacional? É uma questão que traz inquietações
várias, despertando o interesse de análise. A representação de jagunço que será analisado
neste trabalho será aquele traçado pelo narrador de Guimarães Rosa em Grande Sertão:
Veredas.
   Guimarães em suas produções abre espaço à épica, combinando aspectos como o mítico, o
misterioso, as dúvidas, os mitos que circundam principalmente o sertão e o sertanejo. O autor
constrói várias identidades daqueles sertanejos do romance, mas embora haja multiplicidade,
cada um possui as suas particularidades: “porque jagunço não é muito de conversa continuada
nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é
um jeito por si” (ROSA, 2001, p. 44).
   O autor vem construindo a imagem do jagunço, ao longo do romance, com várias
afirmações sobre o que seria o jagunço, desmistificando concepções, criando outras:


                        E os outros, companheiros, que é que os outros pensavam? Sei? De certo nadas e
                        noves – iam como o costume – sertanejos tão sofridos. Jagunço é homem já meio
                        desistido de si... a calamidade de quente! E o esbraseado, o estufo, a dor do calor de
                        todos os corpos a gente tem (ROSA, 2001, p. 67).


   Jagunços, homens sofredores, que possuem um destino imprevisto e até eles mesmos
duvidam de si, talvez pela influência do olhar do “outro” sobre a formação de sua própria
identidade; influência esta, excludente e preconceituosa. Entretanto as dúvidas dos seus
destinos não os abalavam; para o narrador de Grande Sertão: Veredas, o que importava era a
“travessia”, a vida, boa ou ruim, sem certezas:
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                         Digo que fui, digo que gostei. À passeata forte, pronta comida, bons repousos,
                         companheiragem. O teor da gente se distraía bem. Eu avistava as novas estradas,
                         diversidade de terras. Se amanhecia num lugar, se ia à norte noutro, tudo o que
                         podia ser ranço ou discórdia consigo restava para trás (ROSA, 2001, p. 148).


   E Rosa prossegue com as características dos jagunços sertanejos. Homens valentes e
corajosos que sobrevivem e superam as dificuldades que o grande sertão apresenta, sem
reclamar, sem se lamentar, como se percebe no trecho seguinte:


                         Esbandalhados nós estávamos, escatimados naquela esfregada. Esmorecidos é que
                         não. Nenhum se lastimava, filhos do dia, acho mesmo que ninguém se dizia de dar
                         por assim. Jagunço é isso. Jagunço não se escabreia com perda nem derrota – quase
                         que tudo para ele é o igual. Nunca vi. Pra ele a vida já está assentada: comer, beber,
                         apreciar mulher, brigar, e o fim final (ROSA, 2001, p. 72).


   Como é possível perceber, Guimarães vem construindo, aos poucos a identidade do
jagunço no romance e ao longo deste trabalho será feita uma tentativa de mapear como se dá
essa formação e o que ela significa para a identidade nacional brasileira, porque a identidade
do jagunço, embora sendo e representando o Brasil, possa ser excluída da identidade cultural
e nacional brasileira. Por toda essa marginalização para com a identidade sertaneja pode-se
pensar que esta seja uma identidade subtraída do projeto de nacionalidade, chamado nacional.
   Um fator que será também um suporte importante para se alcançar o objetivo deste
trabalho será as fronteiras existentes na construção da identidade do jagunço, a cultura e o
sertão. Ambos os conceitos e concepções solidificam e participam desta construção identitária
e, conseqüentemente, de uma identidade maior, a nacional. Este ponto será um dos focos
analisados no próximo item detalhadamente.




1.2 Cultura e sertão: fronteiras identitárias




   A identidade do jagunço é formada a partir de dois pontos centrais e significativos que
(inter)relacionam e são intrínsecos: cultura e sertão.
   A representação cultural no sertão é evidente em Grande Sertão: Veredas e; cultura é um
aspecto discutido por vários teóricos durante momentos diversos na história da humanidade.
Por muito tempo o conceito de cultura foi motivo de inquietação, e o que se pensava a
respeito de uma pessoa dita com cultura, “culta”, era aquela que possuía apenas um
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conhecimento específico dito intelectual ou acadêmico. Entretanto o conceito de cultura nesta
sociedade moderna extrapola este campo da sapiência e se direciona ao que um determinado
povo produz em termos de histórias, tradições, costumes, crenças como também os seus
valores étnicos e morais. Acredita-se que cultura também sejam características humanas de
um determinado grupo, o qual preserva ou aprimora-se por meio da comunicação entre
indivíduos em uma dada sociedade e suas manifestações próprias. No entanto, existem ainda
concepções preconceituosas no que diz respeito a certos grupos culturais, como os sertanejos
brasileiros e como diz Laraia:


                        São velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a
                        “raças” ou a outros grupos humanos. Muita gente ainda acredita que os nórdicos
                        são mais inteligentes do que os negros; que os alemães têm mais habilidade para a
                        mecânica; que os judeus são avarentos e negociantes; que os norte-americanos são
                        empreendedores e interesseiros; que os portugueses são muito trabalhadores e
                        pouco inteligentes; que os japoneses são trabalhadores, traiçoeiros e cruéis; que os
                        ciganos são nômades por instinto, e, finalmente, que os brasileiros herdaram a
                        preguiça dos negros, a imprevidência dos índios e a luxúria dos portugueses.
                        Os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não
                        são determinantes das diferenças culturais (2002, p. 17).


   Todavia as teorias modernas vêm tentando mudar essas concepções (pré)formadas que as
pessoas têm da cultura do “outro”. As discussões intensificam-se cada vez mais na medida
que aumentam também os contatos entre as nações e povos diversos. Conceituar cultura é
uma tarefa difícil por sua complexidade:


                        As várias maneiras de entender o que é cultura derivam de um conjunto comum de
                        preocupações que podemos localizar em duas concepções básicas.
                        A primeira dessas concepções preocupa-se com todos os aspectos de uma realidade
                        social. Assim, cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência social
                        de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade. [...] vamos
                        à segunda. Neste caso, quando falamos em cultura estamos nos referindo mais
                        especificamente ao conhecimento, às idéias e crenças, assim às maneiras como eles
                        existem na vida social. [...] O que ocorre é que há uma ênfase especial no
                        conhecimento e dimensões associadas. Entendemos neste caso que a cultura diz
                        respeito a uma esfera, a um domínio, da vida social (SANTOS, 1983, p. 22 e 24).



   Desta concepção de cultura precisa-se pensar a idéia de sertão, o seu significado cultural
para a identidade do jagunço e, conseqüentemente, para a identidade plural Brasil.
   A identidade do jagunço liga-se diretamente a sertão. Esta identidade é formada a partir do
que a cultura sertaneja representa e o seu espaço cultural, obviamente, entrelaçado ao grande
sertão. Entretanto, é importante notar que o olhar de Guimarães Rosa sobre o sertão, é um
olhar diferencial do que já se tinha visto na história e na literatura, um olhar que traz a
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representação da nação no sertão, um ponto de vista renovador, uma nação múltipla e
culturalmente diversificada, e Bolle (2004) afirma que no romance Grande Sertão: Veredas,
quando o narrador Riobaldo mantém uma conversa com um doutor, ele traz à tona esta
discussão, do nacional no sertão, a união das diferenças:


                        Ao estruturar o seu retrato do Brasil como uma conversa, diferentemente de todos
                        os demais livros do gênero, Guimarães Rosa coloca no centro do seu romance o
                        problema da heterogeneidade da chamada “cultura Brasileira”. Na conversa entre o
                        narrador sertanejo, o velho fazendeiro e ex-jagunço Riobaldo, e seu visitante, um
                        jovem doutor da cidade, são tematizados as diferenças, os conflitos e os choques
                        culturais, mas também as interações, os diálogos e o trabalho de mediação. O
                        narrador rosiano se mantém disponível num estado de transição entre as diferentes
                        mentalidades e linguagens: a sertaneja e a urbana, a coloquial e a erudita, a oral e a
                        escrita (BOLLE, 2004, p. 39-40).


   Embora atualmente se possa pensar o sertão também como representação de nação, o
sertão não foi visto sempre assim na história e na literatura. É importante partir da etimologia
da palavra e as implicações do seu significado:


                        A palavra já era usada na África e até mesmo em Portugal [...] nada tinha a ver com
                        a noção de deserto (aridez, secura, esterilidade) mas sim com a de “interior”, de
                        distante da costa: por isso, o sertão pode até ser formado por florestas, contando
                        que sejam afastados do mar [...] O vocábulo se escrevia mais freqüentemente com c
                        (certam e certão) [...] do que com s [G. Barroso] vai encontrar a etimologia correta
                        no Dicionário da língua Bunda de Angola, de frei Bernardo Maria de Carnecatim
                        (1804), onde o verbete muceltão, bem como sua corruptela certão, é dado como
                        lócus mediterraneus, isto é, um lugar que fica no centro ou no meio das terras.
                        Ainda mais, na língua original era sinônimo de “mato”, sentido corretamente usado
                        na África Portuguesa, só depois ampliando-se para “mato longe da costa”. Os
                        portugueses levaram-na para sua pátria e logo trouxeram-na para o Brasil, onde
                        teve longa vida, aplicação e destino literário (W. Galvão, 2001, p. 16 apud BOLLE,
                        Wille, 2004, p. 48).


   Este significado da palavra foi carregando em si e criando uma imagem preconceituosa e
pejorativa do que seria o sertão e as pessoas que vivem nesse espaço. Como o sertão se
encontrava distante, principalmente do litoral, foi havendo comparações entre o litoral e o
sertão. O segundo por estar longe do primeiro; eram regiões afastadas também da
“civilização”, pois o litoral por estar em maior contato com a influência da cultura européia,
sua religião, seus costumes acabava por ser considerada uma região de pessoas “civilizadas”
em detrimento às pessoas do sertão, vistas como selvagens. Esta visão se intensificou no
Brasil colonial:


                        Nesse sentido, “sertão” foi uma categoria construída primeiramente pelos
                        colonizadores portugueses, ao longo do processo de colonização. Uma categoria
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                         carregada de sentidos negativos, que absorveu o significado original, conhecido dos
                         lusitanos desde antes de sua chegada ao Brasil – espaços vastos, desconhecidos,
                         longínquos e pouco habitados -, acrescentando-lhe outros, semelhantes aos
                         primeiros e derivados destes, porém específicos, adequados a uma situação
                         histórica particular e única: a da conquista e consolidação da colônia brasileira [...]
                         (...) desde os primeiros anos da colônia, acentuando-se com o passar do tempo,
                         “litoral” e “sertão” representaram categorias ao mesmo tempo opostas e
                         complementares. Opostas, porque uma expressava o reverso da outra: litoral (ou
                         “costa”, palavra usada no século XVI) referia-se não somente á existência física da
                         faixa de terra junto ao mar, mas também a um espaço conhecido, delimitado,
                         colonizado ou em processo de colonização, habitado por outros povos (índios,
                         negros) mas dominado pelos brancos, um espaço da cristandade, da cultura e da
                         civilização (Freire, 1977; 1984). “Sertão” já se viu, designava não apenas os
                         espaços interiores da colônia, mas também aqueles espaços desconhecidos,
                         inacessíveis, isolados, perigosos, dominados pela natureza bruta, e habitados por
                         bárbaros, hereges, infiéis, onde não haviam chegado as benesses da religião, da
                         civilização e da cultura (AMADO, 1995, p. 6-7).


   Como é possível perceber, a diferenciação de locais e culturas era preconceituosamente
visível e injusta. O sertão em sua totalidade não significava nada que pudesse representar a
nação brasileira. Sua cultura não era “digna” de ser representada como parte de brasilidade. E
por muito tempo este conceito de sertão foi petrificado como verdadeiro.
   Nas produções literárias brasileiras o sertão foi apresentado de maneiras diversas, às vezes
apenas como paisagem ou cenário de enredos, às vezes como causador de sofrimentos e dor,
mas que no período em que foram escritas tiveram sua importância e foco específico. Todavia
vale ressaltar, que além de Grande Sertão: Veredas há outro que será utilizado de maneira
breve, como ponto específico para estabelecer algumas comparações sucintas, Os Sertões, de
Euclides da Cunha. Nesses dois romances são visualizados sertões distintos; um sertão criado
por um escritor influenciado por teorias científicas de raça e meio e outro sertão criado através
de um olhar mais moderno e menos preconceituoso. Os Sertões foi uma obra de grande
destaque na literatura nacional. Embora Euclides da Cunha tivesse narrado a guerra de
Canudos ele não deixa de apresentar uma visão panorâmica do sertão e da sertanidade. Mas
importa ressaltar que por conta das idéias científicas européias da época em que foi escrito o
romance, 1902, o autor não tinha como fugir de escrever sob tais influências, dificultando a
Euclides aceitar as peculiaridades do mundo caboclo.
   Os Sertões apresentam o Sertão e o sertanejo para as cenas urbanas. Embora o romance
aparente certa contradição a respeito da identidade do povo do sertão, pois apresenta o
positivo do povo, “o sertanejo é antes de tudo um forte” (CUNHA, 1998, p. 112), aquele ser
que suporta a dureza do sertão; ele deixa prevalecer em sua produção, com mais nitidez o seu
olhar de desprezo e vergonha para com aquele povo, enaltecendo a suposta inferioridade do
sertão/sertanejo que a sociedade e a ciência daquela época afirmavam como verdadeira.
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   Com um olhar diferente do de Euclides da Cunha que traça o perfil do sertanejo a partir de
visões de “fora” e um fora que concebe o indivíduo do sertão como pessoas deslocadas da
“civilização”, bárbaros que não poderiam formar o mosaico - Brasil, Guimarães traz à
literatura, um sertão diferenciador, um sertão que proporciona identidades múltiplas em que o
suposto “arcaico” e “atrasado” invade o espaço urbano e letrado representado pelo ouvinte de
Riobaldo em Grande Sertão: Veredas, o doutor que ouve as sagas desse ex-jagunço que
procura se conhecer nas memórias de uma vida e jagunçagem e produz uma interação entre
esses dois mundos diversos, mas que fazem parte de um só:


                        Por isso o escritor mineiro deveu escolher essa forma híbrida do falso diálogo para
                        contar a sua história: porque nela havia que se refletir, num tempo único, tempos
                        diferentes – para ser mais claro, o tempo acelerado da cidade e o tempo parado do
                        sertão, o avanço da civilização e o atraso de uma dimensão primitiva, a projeção da
                        cultura e a regressão da ignorância. Somente nessa solução que não (se) resolve, de
                        fato, a estrutura do livro podia refletir a estrutura da terra nele representada; só
                        assim a história partida, desarmônica e ao mesmo tempo “bem temperada”, do
                        Brasil podia encontrar a sua grande metáfora geográfica: num Grande Sertão em
                        que com efeito, convivem e se misturam o moderno e o arcaico, a exatidão da
                        ciência e a superstição da magia, o amor pela precisão e a paixão pelo indistinto.
                        Dimensão aérea e telúrica, habitada pela leveza e pela gravidade, pela rapidez e
                        pela lentidão [...] afinal, a narrativa urbana se junta à epópeia rural, o lógos da
                        cidade ao mythos do interior, gerando um epos romanesco em que a dicotomia,
                        tanto espacial quanto ideológica e social, finalmente se dá a ler, e se dá a ler nos
                        modos e nos ritmos do drama poético (mais uma definição que não se define!)
                        (FINAZZI-ÀGRO, 2001, p. 79).



   O romance vem apontando que o sertão é grande e nele caberia o mundo, o nacional e
vice-versa. O nacional é essa mistura da cultura suposta “civilizada”, a cidade e uma cultura
“atrasada”, primitiva do campo, do sertão. Este sertão que é conceituado em vários trechos do
romance, e já no início de Grande sertão: Veredas, Guimarães diz para o “doutor”:


                        O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja [grifo meu]: que situado
                        sertão é por os campos – gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras
                        altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os e Corinto e do Curvelo, então, o aqui
                        não é dito sertão? Ah que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
                        carecem de fechos; que um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de
                        morador; [...] culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda
                        virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim
                        cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O
                        sertão está em toda a parte (ROSA, 2001, p. 23-4).


   O narrador do romance já no início vem fazendo um contraponto com as “opiniães”
(ROSA, 2001, p. 24) alheias do que é o sertão: “uns querem que não seja” (ROSA, 2001, p.
23), que o sertão seja apenas uma pequena porção insignificante distante de tudo, mas
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Riobaldo afirma: “esses gerais são sem tamanho” (ROSA, 2001, p. 24), não dá para delimitar
o sertão, sua cultura, crenças, valores e histórias, pois “o sertão esta em toda parte” (ROSA,
2001, p. 24) o sertão é universal e as identidades – produtos deste sertão podem e devem ser o
nacional e esse nacional pode ser o sertão, não há limites.
   Guimarães tenta desconstruir a concepção dada ao sertão até então, mostrando que embora
seja tradicional é também moderno e isto é percebido, principalmente quando Guimarães
coloca um jagunço – Riobaldo – que representa toda a tradição sertaneja, crenças, valores
étnicos e idéias com características de um ser dito “civilizado”, o qual sabe ler, escrever e
conversar com maestria com um doutor. Guimarães mostra que sertão também é civilização;
mesmo possuindo uma cultura diferente, é nacional. O autor de Grande Sertão: Veredas traz
para o romance, a metáfora do Brasil - nação, esta multiplicidade e integração de diferenças.
   Mas antes de construir essa idéia de ser(tão) nação por meio dos jagunços, Guimarães
prepara o leitor do seu romance para a construção desta concepção, definindo o sertão e o que
ele pode representar: “aqui não se tem convívio que instruir. Sertão. Sabe o senhor: sertão é
onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito
perigoso...” (ROSA, p. 2001, p. 41).
   Nesta concepção, o sertão está voltado para o poder do pensar, do questionar; tudo se
constrói a partir do pensamento inclusive as identidades sertanejas e “sertão [são] estes
vazios” (ROSA, 2001, p. 47); vazios que existem nos seres humanos, o sertão ora provoca
estes vazios, quando o pensamento faz o homem se questionar, ora preenche estes vazios, pois
“no sertão tudo é festa” (ROSA, 2001, p. 74), embora o sofrimento e a perda que aquela
região pode trazer representem um “atraso”; é um povo lutando para sobreviver e viver feliz
com suas comemorações religiosas, suas canções, nas suas reuniões em volta das fogueiras
contando seus contos e causos e, segundo Guimarães, sertão é um mundo que parece distante
mas está muito próximo a todos os “outros mundos” isto porque “o sertão é do tamanho do
mundo” (ROSA, 2001, p. 89), possui diferenças, as misturas, é o Grande Sertão – que
consegue transcender ao universal.
   Só que não é apenas o positivo mostrado por Guimarães em Grande sertão: Veredas, ele
afirma que há também a violência: “Bolas, ora. Senhor vê, o senhor sabe. Sertão é o penal,
criminal” (ROSA, 2001, p. 126). Esta imagem criada e as pessoas que vivem essa
criminalidade, ora praticada ora sofrida, é o reflexo de uma sociedade com desigualdades
sociais, mal organizada. As pessoas que detém o poder são as que estimulam essa
criminalidade. É visível a hierarquia social, os fracos obedecem aos mais fortes e, por sua vez,
esses mais fortes obedecem outros mais ainda mais fortes, isto é o retrato do sertão, este não
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difere do Brasil e “sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quebrada” (ROSA,
2001, p. 126). É preciso aceitar que existe a violência, é preciso adaptar-se a ela; é o que
Guimarães diz em tenha “a dura nuca”, resista, seja forte e se defenda; esta é a
realidade/ficcional.
   O narrador Riobaldo prossegue reconstruindo o que é o sertão. Guimarães não dá certezas,
lança idéias que fazem o leitor refletir e questionar as supostas certezas sobre o ser, sobre o
sertão, sobre a existência do demônio ou de Deus, entre outros aspectos isto porque “sertão é
isto, o senhor sabe, tudo incerto, tudo certo” (ROSA, 2001, p. 172).
   E é logo após ser apresentada a idéia de que não há certezas, o narrador afirma que, o que
é julgado como “errado” pelas convenções sociais, no sertão pode ser o “certo”, as leis que
tentam estabelecer o equilíbrio são questionadas para dar lugar a outras, a dos jagunços: “ah,
mas no centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser razão mais certa e de mais juízo”
(ROSA, 2001, p. 301).
   Outro aspecto destacado pelo autor de Grande Sertão: Veredas é que, embora haja
pessoas que duvidem, o sertão está aí, perto de todos, dentro de todos. O sertão é o Brasil todo
e quando se pensa que não há semelhanças com o sertão: “... e muitas idas marchas; sertão
sempre. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor
dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo” (ROSA, 2001, p. 302).
   É possível perceber uma cronologia das definições dadas ao sertão por Riobaldo a partir
das suas experiências narradas. Todas as etapas e/ou concepções do sertão são para projetar
uma idéia maior que todos são “sertão” – “sertão-Brasil”. Sertão faz parte do “eu” e do “nós”,
é o pensamento e o vazio, é a alegria e a tristeza, é a violência, é o bem e o mal, é Deus e o
Diabo, é o errado e o certo e também o incerto, esta dentro de cada ser brasileiro: “Estive
nessas vilas, velhas, altas cidades... sertão é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu
sou muito do sertão? Sertão: é dentro da gente” (ROSA, 2001, p. 325).
   E é este sertão que forma a identidade do jagunço, do sertanejo e o Brasil. O ser(tão)
jagunço é construído aos poucos, não é de uma hora para outra, são com as histórias vividas
neste grande sertão, as vitórias, as perdas, as descobertas, as ilusões amorosas, as guerras, os
abandonos, a falta de família e a existência da família – jagunçagem, é o sertão que produz
estas identidades:


                        Rebulir com o sertão como dono? Mas o sertão era para, aos poucos e poucos, se ir
                        obedecendo a ele; não era à força se compor. Todos que malmontam no sertão só
                        alcançam de reger em rédea por uns trechos; que sorrateiro o sertão vai virando tigre
                        debaixo da sela. Eu saia, eu via (ROSA, 2001, p. 391).
23



   Destaca-se ainda o momento em que Riobaldo deseja que as diferenças sejam separadas,
uma visão maniqueísta da sociedade brasileira, mas o que se percebe é uma crítica de
Guimarães a esta atitude dos brasileiros, e do ser humano em geral, pois ao fim do trecho o
autor reconhece a impossibilidade de segregação, as diferenças existem, inclusive as
diferenças culturais, mas devem estar integradas, “misturadas”, isto é o sertão, isto é o Brasil:


                         Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja
                         o bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio
                         fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos os pastos
                         demarcados... como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si;
                         mas transtraz a esperança mesmo do meio do fez do desespero. Ao que, este mundo
                         é muito misturado [grifo meu] (ROSA, 2001, p. 237).


   E estas misturas promovem identidades também misturadas, múltiplas em uma unidade. A
partir dessas concepções de sertão de Guimarães Rosa, percebe-se que os jagunços podem ser
seres nacionais por construção. Esta idéia será discutida no próximo item.




1.3 Nas veredas identitárias dos jagunços: ser cultural por construção




   O sertão é um lugar sem fim, “do tamanho do mundo” (ROSA, 2001, p. 89) na concepção
de Guimarães. Um local sem fronteiras, onde extrapolam os limites geográficos e representa-
se o retrato do Brasil. Neste “locus” os jagunços são seres culturais por construção.
Guimarães repensa a idéia de nação no sertão e são os jagunços, narrados no romance Grande
Sertão: Veredas, que possibilitam também, entre os demais grupos culturais do país, a
formação do nacional no Brasil:


                         [...] se a construção imaginária de uma identidade implica uma atribuição de
                         sentido, este encadeamento e sentido, no caso brasileiro, seria dado não apenas na
                         articulação espaço e tempo, que regataria as dimensões da natureza/meio e da
                         história, mas pela possibilidade e compatibilização a diversidade na unidade.
                         Nação-continente, a identidade brasileira seria dada pela integração do múltiplo,
                         pela capacidade ou não de absorção dos elementos díspares e aparentemente
                         caóticos numa nova totalidade de referência (PESAVENTO, 1998, p. 23).


   Esta “possibilidade de compatibilização da diversidade na unidade” (PESAVENTO, 1998,
p. 23), promoverá a exemplificação do nacional do Brasil no sertão. Guimarães Rosa constrói
identidades de jagunços com características diferentes e marcantes, trazendo o Brasil para o
24



sertão, nos personagens do romance de Grande Sertão: Veredas. O bem e o mal, os fortes, os
corajosos, os traiçoeiros, os religiosos, os incrédulos entre outros, personalidades
contraditórias, mas, todavia dividem o mesmo espaço e a mesma representação de sertanejo.
   E para fixar melhor a representação do sertanejo, interessa retomar a comparação da visão
de Euclides da Cunha em Os Sertões sobre os povos do nordeste (antigo norte), com a visão
de Guimarães e através desta comparação, visualizar o perfil traçado do mesmo grupo de
formas e olhares diferentes. Em Os Sertões explicita-se a inferioridade dos sertanejos. A
identidade destes povos é formada por aspectos negativos provindos de uma raça vista como
“indigna” e “incivilizada”:


                       Qualquer, porém, que tenha sido o ramo africano para aqui transplantado trouxe
                       certo os atributos preponderantes do homo afer, filho das paragens adustas e
                       bárbaras, onde a seleção natural, mais que em qualquer outros, se faz pelo exercício
                       intensivo da ferocidade e da força (CUNHA, 1998, p 73).


   Para Euclides (1998), as “raças” que vivem no sertão são “subformações” (CUNHA,
1998, p. 74) e estas “subcategorias” dificultam a formação nacional brasileira, representa o
atraso. E como conviver e viver em uma sociedade civilizada com esta multiplicidade de raças
dita inferiores? O autor de Os Sertões mostra que mesmo que “desça sobre eles a sobrecarga
intelectual e moral e uma civilização o desequilíbrio é inevitável (CUNHA, 1998, p. 110)”.
Ou seja, o fato de o Brasil possuir em sua nação a mistura de raças e mesmo que essas raças
possuíssem um conhecimento e uma possível civilização, a situação não mudaria, pois estas
“raças” possuíam uma completa inferioridade imutável, para as teorias racistas do período em
que foi escrito o romance:


                        Aqui, distinguiam-se aqueles que acreditavam que a mistura de raças operada no
                        Brasil levaria à degeneração crescente e à impossibilidade de constituição de um
                        povo brasileiro habilitado à civilização e outros que eram mais „otimistas‟. Para
                        estes últimos, a „hibridação‟ no Brasil correspondia a um tipo de paragênese que
                        levaria ao desaparecimento progressivo dos negros e mestiços de pele escura,
                        considerados como inferiores, e ao embraquecimento paulatino do conjunto da
                        população (COSTA, 2006, p. 166).


   Neste prisma, o sertanejo é definido como incivilizado, selvagem, rude, incapaz de tornar-
se um representante da identidade nacional e cultural do Brasil:


                        É que neste caso a raça forte não destrói a fraca pelas armas, esmaga-a pela
                        civilização.
                        Ora os nossos rudes patrícios dos sertões do Norte forraram-se a esta última. O
                        abandono em que jazeram teve fundação benéfica. Libertou-os da adaptação
25


                        penosíssima a um estádio social superior, e, simultaneamente, evitou que
                        descambassem para as aberrações e vícios dos meios adiantados.
                        [...] Este fato destaca fundamentalmente a mestiçagem dos sertões da do litoral. São
                        formações distintas, senão pelos elementos, pelas condições do meio. O contraste
                        entre ambas ressalta ao paralelo mais simples. O sertanejo tomando em larga escala,
                        do selvagem, a intimidade com o meio físico, que ao invés de deprimir enrija o seu
                        organismo potente, reflete, na índole e nos costumes, das outras raças formadoras
                        apenas aqueles atributos mais ajustáveis à sua fase social incipiente.
                        É um retrógrado; não é um degenerado. Por isto mesmo que as vicissitudes
                        históricas o libertam, na fase delicadíssima da sua formação, das exigências
                        desproporcionadas de uma cultura de empréstimo, prepararam-no para a conquistar
                        um dia (CUNHA, 1998, p. 110).

   Percebe-se que este sertanejo é um ser que não é, nem faz parte da nação brasileira,
porque como são grupos atrasados e “retrógrados”, levariam um tempo para alcançar a
civilização.
   Diferentemente do olhar de Euclides, Guimarães Rosa apresenta o sertanejo, com suas
características, boas ou más, justas ou injustas, certas ou erradas, constituintes da identidade
nacional brasileira.
   Ao longo do romance, constroem-se diferentes perfis de jagunços, revelando a existência
da diversidade identitária cultural, tanto no sertão como no Brasil-nação e que mesmo
possuidor de tal diversidade, convive ora em harmonia ora em conflitos.
   Um dos perfis expostos no romance: Medeiro Vaz - chefes da jagunçagem –, transmite
confiança e representa justiça “com mão leal, não variava nunca, não fraquejava” (ROSA,
2001, p. 52). Ele possuía propriedades de terras, gados e heranças de fazendas, entretanto
deixou tudo isso para trás para se tornar jagunço, ter a sua própria lei e “impor justiça”
(ROSA, 2001, p. 60), porque presenciava no sertão atos que o incomodavam e o afligiam: “foi
impossível qualquer sossego, dede em quando aquele imundo de loucura subiu as serras e se
espraiou nos gerais” (ROSA, 2001, p. 60). Estas “loucuras” são mais um dos retratos do
Brasil: as desigualdades, os conflitos; e Guimarães Rosa mostra um dos motivos de um
homem que possui riquezas deixar tudo e transformar-se em jagunço – fazer a justiça que falta
ao Brasil, mesmo que para isso se utilize de violência:


                        A palavra “jagunço” e a instituição da jagunçagem revestem-se, assim, de
                        importância estratégica para se compreender o fenômeno da violência e do crime no
                        Brasil. Ao retratar o país sob o ângulo da jagunçagem, Guimarães Rosa traz à tona
                        o componente da violência que está na origem de todo poder constituído. No
                        enfoque de considerar Grande Sertão: Veredas uma reescrita crítica d‟Os Sertões,
                        pode-se dizer, com uma formulação extrema, que esse romance, narrado por um
                        jagunço letrado, coloca em debate a maneira tendenciosa e arbitrária com que o
                        letrado Euclides da Cunha apresenta o jagunço (BOLLE, 2004, p. 91-2).
26



    Outro líder dos jagunços louvado no romance é Joca Ramiro, outra representação de
justiça e bondade:


                        Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra esperança maior: para ele
                        [Medeiro Vaz] Joca Ramiro era único homem, par-de-frança, capaz e tomar conta
                        deste sertão nosso, mandando por lei, de sobregovêrno. Também igualmente saía
                        por justiça e alta política, mas só em favor e amigos perseguidos; e sempre
                        conservava seus bons haveres (ROSA, 2001, p. 60).


    Joca Ramiro é a possibilidade de melhorias no sertão, um homem que é tão justo que cria
um julgamento no sertão, onde todos têm voz e vez, onde independente de sua classe, o seu
lugar na hierarquia social dos jagunços, todos têm a possibilidade de expressar seu pensar. É o
que acontece no julgamento de Zé Bebelo (ROSA, 2001, p. 270). Os líderes falam o que
pensam e os subalternos também, todos possuem direitos iguais: “Que por aí, no meio de
meus cabras valentes, se terá algum que queira falar por acusação ou para defesa de Zé
Bebelo, dar alguma palavra favor dele? Que pode abrir a boca sem vexame nenhum...”
(ROSA, 2001, p. 287).
    Infelizmente a esperança que Joca Ramiro representa para o sertão é tirada por
Hermógenes, um dos líderes do grupo dos jagunços, pois este o assassina e é esta traição
estimula o ódio e a vingança nos membros do grupo.
    Outra faceta de identidade mostrada no romance é o Zé Bebelo, homem sonhador que
embora jagunço, deseja acabar com a jagunçagem no sertão, ser deputado. Ele representa a
política:


                        Ah, cujo vou, siô Baldo, vou. Só eu que sou capaz de fazer e acontecer. Sendo
                        porque fui eu só que nasci para tanto! Dizendo que, depois, estável que abolisse o
                        jaguncismo, e deputado fosse, então reluzia perfeito o Norte, botando pontes,
                        baseando fábricas, remediando a saúde de todos, preenchendo a pobreza, estreando
                        mil escolas (ROSA, 2001, p. 147).


    É possível perceber como Guimarães apresenta através deste personagem, as tentativas
dos povos que vivem uma cultura diferente dos jagunços, (por exemplo, os políticos)
reconfigurar e modelar a vida dos sertanejos, possibilitando uma “civilização” àquele povo.
Entretanto como ele queria acabar com os jagunços, com a mesma prática de jagunçagem?
Acabar com o sistema jagunço com o sistema jagunço? Essa situação assemelha-se com a
guerra de Canudos. Os republicanos diziam que os moradores de Canudos eram seres
bárbaros, violentos e cruéis e que deveriam ser “exterminados” para que não atrapalhassem o
progresso na nação, entretanto para isso eles utilizaram as mesmas atitudes, ou ainda mais
27



violentas, ou seja, tentaram “consertar” aquele povo “bárbaro” com barbaridades. É uma
grande contradição visível no Brasil. Líderes e governantes falam mas agem de forma
diferente, são os paradoxos dos brasileiros, presentes também no projeto de construção da
identidade nacional brasileira. Procura-se uma representação própria para o Brasil, entretanto
negam as identidades marcadamente nacionais como os sertanejos, por exemplo, e se
inspiram em culturas fortemente influenciadas por uma civilização européia.
   Zé Bebelo transforma-se também em um dos lideres dos jagunços. E esta identidade
apresenta o desejo de obter conhecimento, jagunço também pensa, também quer aprender,
também é capaz de transformar:


                        Zé Bebelo – ah. Se o senhor não conheceu esse homem, deixou e certificar que
                        qualidade e cabeça e gente a natureza dá, raro de vez em quando. Aquele queria
                        saber tudo, dispor de tudo poder tudo, tudo alterar. [...] Senhor ouve e sabe? Zé
                        Bebelo era inteligente e valente (ROSA, 2001, p. 92).


   Há também em Grande Sertão: Veredas, a representação do mal, no jagunço Hermógenes,
já citado anteriormente. Homem que inspira desconfiança, maldade, “era positivo pactário”
(ROSA, 2001, p. 424), “era fel dormido” (ROSA, 2001, p. 186). Esta identidade representa o
mal pelo mal, sem uma “causa justa” para viver, “tem gente neste aborrecido mundo que
matam só pra ver alguém fazer careta” (ROSA, 2001, p. 28). É a injustiça, a maldade, a
vingança, a traição e é o causador das guerras e mortes no sertão: “Só o Hermógenes
arrenegado, senhoraço, destemido. Rúim, mas inteirado, legítimo, para toda certeza, a
maldade pura. Ele, de tudo tinha sido capaz, até de acabar com Joca Ramiro, em tantas
alturas” (ROSA, 2001, p. 425).
   Todas estas identidades marcadas e destacadas são exemplos de uma cultura sertaneja. E
esta representa uma história de tradição, poder, crenças, valores, honra, justiça, manifestações
folclóricas e míticas, envolve o imaginário, o sagrado, o mistério, o real e o ireal, identidade
que revela o oculto e o “indizível”, mas de uma maneira de ser mágica e envolvente que
cativa desde a criança ao adulto que já se acha cheio de certezas, desde o ignorante ao homem
da ciência que se pergunta: “Será”? Como esta identidade não se extingue e ainda sobrevive
no mundo moderno como o que é hoje? Não se extingue por que caracterizam a cultura de um
grupo forte, os jagunços, que “apesar de...” (sobre)vivem. E todas estas características fazem
parte também da identidade cultural do Brasil, pois não se deve chamar identidade cultural de
uma nação apenas um grupo ou comunidade cultural única, mas sim identidade multicultural,
aceitando as diversidades e promovendo o envolvimento dos vários grupos culturais que
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retratam o Brasil. Como foi possível visualizar, a identidade dos jagunços, embora a exclusão
e a o perfil estigmatizado, conseguem ser seres culturais por construção mesmo que para isso
seja de maneira rebelde, “jagunçada” e à revelia.
29



2 O EU E O OUTRO: RIOBALDO, UM JAGUNÇO FILOSÓFICO.




    Guimarães Rosa ao construir a identidade cultural do jagunço em Grande Sertão:
Veredas, quebra a concepção pré-formada do jagunço brasileiro. É possível visualizar essa
quebra no jagunço Riobaldo. Um jagunço inteligente, letrado, apaixonado e, principalmente,
questionador e filosófico.
    Ao longo do romance, o anti-herói2 rosiano tece um monólogo com um suposto doutor3,
sobre a vida no sertão, suas leis, sua cultura; entretanto, esses questionamentos e “conselhos”
sobre a vida não se restringem apenas ao ambiente sertanejo, são questionamentos universais
que transcendem ao espaço geográfico e não-geográfico do sertão.
    Riobaldo, ao narrar suas épicas da jagunçagem, retorna a um passado que vem delineando
sua origem, sua personalidade, sua identidade: é a grande travessia do ser humano, a
descoberta de si mesmo. E ao fazer esse movimento constante de transitar entre o passado, o
presente e o futuro, Riobaldo vai destrinchando as veredas do seu “eu” - formadas a partir,
principalmente, do olhar de um “outro” –, apresentando-se com uma identidade não fixa e, a
todo instante, questionando-se e em contínuo estado de metamorfose. Esta identidade
transforma-se, porque ela se questiona, interpela-se, é uma identidade introspectiva e
filosófica. Este capítulo analisa o itinerário escolhido pelo narrador do romance para se definir
enquanto identidade cultural, que viaja nas veredas do sertão exterior e interior do ser humano
e tal como o local influencia-se, na maioria das vezes, pelo olhar do outro na busca constante
do homem em descobrir-se enquanto ser individual e coletivo, ao mesmo tempo.




2
  Anti-herói é o termo que se emprega para alguém que protagoniza atitudes referentes às do herói clássico, mas
que não possuem vocação heróica ou que realizam as façanhas por motivos egoístas, de vaidade ou de quaisquer
gêneros que não sejam altruístas. São personagens não inerentemente maus e que, às vezes, até praticam atos
moralmente aprováveis. Contudo, algumas vezes é difícil traçar a linha que separa o anti-herói do vilão; no
entanto, note-se que o anti-herói, diferente do vilão, sempre obtém aprovação, seja através de seu carisma, seja
por meio de seus objetivos muitas vezes justos ou ao menos compreensíveis, o que jamais os torna lícitos.
Além dos que buscam satisfazer seus próprios interesses, há também os que sofrem desapontamentos em suas
vidas, mas persistem até alcançar o ato heróico. Ainda há o tipo de anti-herói que é bem próximo do herói, mas
segue a filosofia de que “o fim justifica os meios”.
3
  É relevante dizer que, embora haja duas pessoas envolvidas em um possível diálogo entre Riobaldo e o seu
interlocutor, o que de verdade realiza-se é um monólogo, no qual apenas o jagunço fala e julga-se inferior a seu
ouvinte, que é doutor da cidade: “Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado.
Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração” (ROSA, 2001, p. 30). O que
se percebe é que Guimarães inverte os papéis definidos na sociedade, e como afirma Bolle (2004) é o sertanejo
que é o dono absoluto da fala, e o doutor da cidade é reduzido a um simples ouvinte “a inversão dos papéis
costumeiros é uma estratagema de Guimarães Rosa para chamar atenção sobre o desequilíbrio de falas entre as
forças sociais” (BOLLE, 2004, p. 40).
30



2.1 O viver perigoso: a travessia de Rio (Baldo) ou a travessia de si mesmo.




   Riobaldo, personagem central de Grande Sertão: Veredas, um ser que procura encontrar-
se com uma identidade estável e formada; entretanto, em todo o enredo, percebe-se um sujeito
fragmentado, desorientado, em busca do reconhecimento de sua identidade.
   De acordo com Hall, “[...] as velhas identidades que, por tanto tempo estabilizaram o
mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (2006, p. 7). Uma identidade
não estável diante do caos do mundo pós-moderno: Riobaldo é um personagem que, ao
questionar e procurar respostas sobre a vida, envereda-se em um processo de formação
identitária, tanto para si mesmo como para o “outro” que participa, direta ou indiretamente,
deste processo.
   O romance de Rosa, Grande Sertão: Veredas, tem a travessia do rio São Francisco feita
por Riobaldo, ainda criança, com o “menino mocinho”, Diadorim como uma das primeiras
cenas marcantes:

                       Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro.
                       [...]
                       Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por
                       ninguém eu tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas
                       feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível.
                       [...]
                       Ele se sentou. Mas, sério naquela sua formosa simpatia, deu ordem ao canoeiro,
                       com uma palavra só, firme mas sem vexame: - Atravessa!
                       [...] Eu tinha o medo imediato.
                       [...]
                       Quieto, composto, confronte, o menino me via – “carece do ter coragem...” -ele me
                       disse.
                        [...]
                       O menino está molhando as mãos na água vermelha, esteve tempo pensando.
                       Dando fim, sem em encarar, declarou assim: “Sou diferente de todo o mundo. Meu
                       pai disse que careço de ser diferente, muito diferente...”. E eu não tenho medo mais.
                       Eu? O sério pontual é isto, o senhor escute, me escute mais do que estou dizendo; e
                       escuta desarmado. O sério é isto, da estória toda – por isto foi que a estória eu lhe
                       contei -; Eu não senti nada. Só uma transformação, pesável [grifo meu]. Muita
                       coisa importante falta nome (ROSA, 2001, p. 118-125).

   Essa travessia realizada por Diadorim e Riobaldo foi uma de suas primeiras. Principia
com a mudança que representará o início de uma travessia maior que a física para o narrador
de Grande Sertão: Veredas: a travessia que transcende o espaço do sertão, adentrando as
31



veredas interiores de Rio(Baldo), o rio que é baldo4, que falta, que carece, um ser que sente a
necessidade de algo que o complete e que o preencha para a grande travessia do homem, a
descoberta de si mesmo, atravessar os mares da dúvida, da insegurança, do medo de ser um
“eu” real e, como afirma Márcia Morais, “através das „más devassas no contar‟ de Riobaldo,
se pôde perscrutar (ainda que por breve amostragem friso) um sujeito, buscando encontrar-se
como um eu perdido e marcando-se como individualidade, ao atravessar seus fantasmas
míticos e primitivos” (2001, p. 170).
    Neste primeiro encontro de Riobaldo e Diadorim, o narrador do romance de Rosa percebe
a sua necessidade de fazer a travessia, evoluir de uma identidade ainda vazia e estéril a uma
identidade que se estabeleça enquanto um ser autônomo e mais “eu”, seguro e corajoso. Essa
evolução representa uma transição do estágio de uma identidade insegura, medrosa, instável e
que não reconhece seus desejos e objetivos de vida, como é o caso de Riobaldo; ele
desconhece a razão e o sentido para viver e se encontra no meio da jagunçagem
involuntariamente despercebido quanto ao significado da travessia do sertão interior e
exterior; esta travessia talvez o conduza ao estágio de uma identidade forte, determinada,
segura, apta ao delineamento de metas, firme quanto aos desejos próprios, resistente aos
moldes contínuos de outros; uma identidade cultural múltipla, mas que precisa ter suas
individualidades definidas, já que Riobaldo possui uma identidade fortemente influenciada
por esses “outros”.
    Em Diadorim, o menino moço, Riobaldo visualiza um ser, um molde a seguir de uma
identidade completa e formada:


                           Em todo o episódio Diadorim já era Diadorim, estava pronto, e a atração que
                           Riobaldo sentiu por ele não era tanto devida a sua ambigüidade, uma menina
                           vestida de menino, do que ele nem desconfiava, mas devido ao seu acabamento, por
                           ele ser tudo aquilo que ele não era e, talvez invejasse e gostasse de ser. Foi aí que
                           Riobaldo o elegeu como modelo a ser alcançado e Diadorim o adotou como alguém
                           carente, que precisava de cuidados e proteção (RONCARI, 2004, p. 68).


    Riobaldo ao narrar a sua saga de jagunço desde a sua primeira travessia até a vitória
contra os “hermógenes5”, vai tecendo o encontro e a descoberta de si mesmo. A sua travessia
por todo o sertão com a finalidade de vingar a morte de Joca Ramiro, pai de Diadorim;
representa também, um viagem de auto-conhecimento, esse “viver perigoso” mencionado

4
  Segundo Aurélio, baldo apresenta duas acepções: “barragem ou parede para represar as águas de um açude”;
“falso, falho, carecido, carente. Que, no carteado, não tem determinado naipe” (FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.
224.
5
  Palavra, aqui, escrita em minúsculas para seguir a estrutura do livro em análise.
32



pelo personagem de Grande Sertão: Veredas, diversas vezes no romance. O perigo de se
descobrir enquanto ser individual e, ao mesmo tempo, coletivo, ainda não formado, que
precisa de uma grande travessia do sertão interior, que há dentro de cada coração, cada
essência e identidade para se auto-firmar. Atravessar o sertão que há dentro de si e todas as
veredas da alma humana: seus medos, seus fantasmas, suas fragilidades. Riobaldo fala da
travessia do sertão, do rio, de Rio(baldo); ele é o próprio rio que atravessa as veredas do
sertão interior, o rio que transmite medo e ao mesmo tempo é guia, rio com águas baldias ora
escuras ora vermelhas, e só no fim, claras como os olhos de Diadorim, no momento de sua
morte, quando ele descobre a mulher em seu jagunço-amor. Este Rio(baldo) tenta desbravar
tanto um sertão indomável como o seu interior, investigado, analisado, questionado e
atravessado; um sertão em que poucos conhecem, a que poucos têm acesso e ao analisar
questões filosóficas sobre a vida, o medo, o amor, o crer/não crer, o homem, a vingança, de
forma introspectiva tentando descobrir o sertão que povoa sua alma, esse ser ainda em
formação. E o próprio Riobaldo reconhece diante do seu interlocutor, o doutor, que não está
apenas narrando um sertão visível a todos, ele reconhece em seu monólogo, que narra um
sertão visualizado por poucos que se arriscam a entrar ou enveredar-se pelos seus diversos
caminhos sem se perder ou perder de vista o ponto de chegada; é um sertão que transcende o
espaço físico e geográfico e concentra-se no interior de cada ser humano, este é o grande
desafio:


                       Eu queria decifrar as coisas que são importantes. Estou contando não é uma vida de
                       sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da
                       coragem, e da gã que empurra a gente para más ações estranhas, é que a gente está
                       pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe! [...]
                       Assim é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com
                       mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande
                       sertão! Não sei [grifo meu]. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas –
                       e só essas poucas veredas, veredazinhas (ROSA, 2001, p. 116).


   Nestes dois sertões, interior e exterior, constrói-se a identidade de Riobaldo, em seus
questionamentos, em suas teorias, em sua filosofia de vida. Identidade que se forma em
relação a um “outro” e a um meio que estimula um ser social que é produzido:


                       Não é fácil concordar com o fato de que, do ponto de vista sociológico, toda e
                       qualquer identidade é construída. A principal questão, na verdade, diz respeito a
                       como, a partir de quê, por quem, e para quê isso acontece. A construção de
                       identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia,
                       instituições produtivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos
                       aparatos de poder e revelações de cunho religioso (CASTELLS, 2006, p. 23).
33



   A identidade cultural deste jagunço é reflexo de tudo que ele narra, o seu passado,
presente e futuro no sertão, formando e modelando este ser cultural e o aspecto importante
destacado no romance por Guimarães Rosa, através de seu personagem, é a possibilidade
desta construção e/ou transformação identitária, tanto de “formar” ou “desformar” o “eu”: “O
senhor ... Mire e veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou
desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou” (ROSA, 2001, p. 39), como ele, que
ainda não está completo. Isto porque, entre outros motivos, a identidade cultural do sujeito
pós-moderno está em mutação constante, influenciado principalmente por elementos diversos
que constituem a multiplicidade do sujeito:


                        Como há em nós identidades contraditórias, nossas identificações estão sendo
                        continuamente deslocadas, em função de elementos nacionais, culturais, de gênero,
                        de classe social, de posição política e religiosa, enfim, das várias identificações que
                        formam o sujeito mosaico de nossa era (FIGUEIREDO; NORONHA, 2005, p. 191).


   E nesta travessia Riobaldo se (re)descobre e tenta formar uma identidade que o faça se
reconhecer. Entretanto, esta não é uma tarefa única do “eu” de Riobaldo. Para que consiga
realizar a travessia, ele sofre a influência de um fator decisivo nesta construção identitária: o
olhar do “outro”, e a essência desse “outro” participa diretamente da formação do “eu” do
jagunço rosiano.




2.2 “Mire e Veja”: Riobaldo, a identidade dialética.




   O jagunço Riobaldo narra toda a sua história a um interlocutor que não participa
diretamente do memorial de vida deste contador de sagas. É um “outro” que apenas ouve este
contar. Todavia, há “outros” narrados neste “prosear” que dialogam com a identidade de
Riobaldo, significando mais que ouvintes passivos ou meros indivíduos que passaram na
travessia de Riobaldo, são “outros” que marcaram e fizeram parte da formação identitária
deste jagunço.
   O olhar do “outro” em toda a história da humanidade representou e representa um fator
importantíssimo na formação do “eu” do ser humano. É um olhar que penetra intimidando-o a
não ser livre e autônomo em relação à própria identidade. É a presença do “outro” que muitas
34



vezes, determina e/ou atrapalha a ação do “eu” como um juiz e um revelador da formação do
“eu”:


                        No humanismo existencialista sartreano, a transcendência é a superação do Homem
                        dada por este movimento de projetar-se no Outro e de retorno a si mesmo. É
                        superação enquanto que constante construção do Eu, um constante vir a ser. Com
                        isto, o conceito de transcendência transcendida corresponde à própria existência do
                        Outro que confere à minha transcendência um atributo de estar fora de, externa ao
                        Eu. O Outro transcende a minha transcendência (JACOBY; CARLOS, 2005, p. 50).


   Riobaldo é um “eu” em formação que estabelece uma relação constante com o “outro”
para constituir-se enquanto identidade cultural no sertão brasileiro. “Riobaldo não é um
sujeito pronto” (RONCARI, 2004, p. 60), é uma identidade em construção que “[...] seguia
um modelo materno, feminino, guiados pelos afetos e vivia o vazio da falta do pai, o que o
obrigava a buscá-lo fora, entre os outros homens que cruzavam o seu caminho e que ele
admirava, respeitava ou odiava” [grifo meu] (RONCARI, 2004, p. 61). E a partir destes
“outros”, que apareciam em sua travessia pelos dois sertões, o interno e o externo, esta
identidade se projetava e se estabelecia, ora assimilando a sua identidade características que
ele percebia neste “outro”, ora as rejeitava, tentando assim, definir sua personalidade, o seu
próprio “eu”.
   Riobaldo demonstra no romance insegurança diante do que ele era e o que não era: “Antes
o que me atanazava, a mor – disso crio razoável lembrança – era o significado que eu não
achava lá, no meio onde eu estava obrigado, naquele grau de gente” (ROSA, 2001, p. 196).
Era um ser que por não saber quem era, frustrava-se por não se reconhecer em lugar nenhum,
não se encontrava, não sentia prazer em suas ações como os outros tinham:


                       [...] conheci que estava chocho, dado no mundo, vazio de cada banda que eu fosse, e
                       eram pessoas matando e morrendo, vivendo numa fúria firme, numa certeza, eu não
                       pertencia a razão nenhuma, não guardava fé e nem fazia parte (ROSA, 2001, p. 158).


   A sua insatisfação com a vida era devido, entre outros motivos, a sua identidade não
formada, em construção. E neste processo, a identidade do “outro” que o circundava,
dialogava com sua identidade, a qual influenciava sua formação. Identidades boas ou más,
frágeis ou fortes, corajosas ou sensíveis, todas elas faziam parte da formação desse “eu” em
sua travessia.
   Entre esses “outros” que participaram da formação identitária do jagunço Riobaldo, Joca
Ramiro e Medeiro Vaz foram dois chefes justos e corajosos que cruzaram o caminho do
narrador de Grande Sertão: Veredas:
35




                       Contracenando com a figura de Hermógenes, estão Joca Ramiro e Medeiro Vaz,
                       através dos quais se exibem os signos da justiça, da ordem, da autoridade, da
                       obediência, da glória, da amizade, da prudência, da bondade, da honra, do poder
                       benéfico (HOISEL, 2006, p. 150).


   Esses chefes influenciaram a formação identitária de Riobaldo, com seus códigos de honra
e justiça, jagunços que estimularam a admiração deste, respeito e obediência:


                        [...] Joca Ramiro era único homem, par-de-frança, capaz de tomar conta deste
                        sertão nosso [...]. Fato que Joca Ramiro também igualmente saia por justiça e alta
                        política, mas só em favor de amigos perseguidos; e sempre conservava seus bons
                        haveres. Mas Medeiro Vaz era duma raça de homem que o senhor mais não vê; eu
                        ainda vi (ROSA, 2001, p. 60-1).


   Havia também um “outro” que dialogava e fazia parte da constituição da identidade de
Riobaldo, um terceiro chefe: Zé Bebelo. Um jagunço sonhador que se interessava em questões
políticas. Entretanto Riobaldo tinha um “outro” que apesar de representar o mal, a crueldade e
a injustiça, também fazia parte da constituição da identidade do narrador, de Grande Sertão:
Veredas: “Em diversas passagens da fala de Riobaldo, ele pontua sua identidade com
Hermógenes, portanto, com as forças maléficas, com o mundo desgovernado dos jagunços”
(HOISEL, 2006, p. 152).
   Com esse mal, essa traição, esse crime e esse poder maléfico, representados por
Hermógenes, a identidade de Riobaldo também dialoga. Esta identidade cultural de Riobaldo,
destacado por Rosa em Grande Sertão: Veredas é uma identidade fragmentada e constituída
por diversos “outros” e “eus” que fizeram a travessia com Riobaldo, não só esses personagens
citados, mas todos aqueles que estabeleceram um diálogo e uma relação de troca com esse
“eu” que faz uma viagem ao narrar a sua própria história de vida de jagunço no sertão
inventado por Guimarães Rosa, como defende Evelina Hoisel:


                        No meio do turbilhão, das ondas, Riobaldo foi um Hermógenes, um Joca Ramiro, o
                        que atesta ainda essa ambivalência constitutiva do jagunço Riobaldo. [...] Como
                        chefe jagunço, Zé Bebelo não tem a dimensão que caracteriza os dois grandes
                        chefes Joca Ramiro e Medeiro Vaz. Entretanto, é através dele que Riobaldo
                        compreende o significado da guerra sem fim e perversa do sertão, pois Zé Bebelo
                        não tem interesses definidos, a não ser a própria guerra (2006, p. 153-4).


   Estes tipos de identidade, identidades dialéticas, que o personagem Riobaldo tenta
concluir a sua travessia. Dialéticas porque são contraditórias, mas que constitui o “eu” de
Riobaldo, são identidades diferentes e opostas que formam a unidade imaginada do narrador-
36



Riobaldo, oposições que se unem, se entrelaçam, se enveredam por um Rio(baldo) que
assimila as identidades outras que o circundam e o rodeiam, embora a diferença e oposições:
bem/mal, forte/fraco, Deus/Diabo, mulher/homem; “Pode-se afirmar que as identidades,
complexas e múltiplas, nascem de uma oposição a outras identidades, baseando-se em
formações discursivas imaginárias e não na razão” (FIGUEIREDO; NORONHA, 2005, p.
202). Riobaldo é o resultado das suas vivências com essas identidades dialéticas, oposições
que se resolvem em unidades provisórias:


                        A dialética é o princípio de todo o movimento e de toda a atividade que
                        encontramos na realidade. Tudo o que nos rodeia pode ser considerado como uma
                        instância da dialética. Sabemos que tudo o que existe como finito, em vez de ser
                        estável e último, é antes mutável e transitório. Essa dialética é manifesta no
                        movimento dos corpos celestes, nas revoluções políticas, desde a anarquia até o
                        despotismo, como também nas oscilações emocionais. Tudo o que existe envolve
                        aspectos opostos e contraditórios, pois a contradição é a força propulsora do
                        mundo.
                        [...]
                        Os termos comuns no método da dialética são: identidade, distinção, oposição,
                        contradição [grifo do autor]. O princípio de identidade é dinâmico, é uma força
                        ativa de identificação no Espírito.          A atividade identificadora se realiza
                        progressivamente, superando a desigualdade que se manifesta no decorrer do
                        processo dialético; ela é a autoconsciência que se realiza e reconhece através das
                        suas próprias determinações. A identidade contém dentro de si a diversidade e a
                        distinção: só o diverso e o distinto se verificam e identificam (GILES, 1979, p. 20-
                        1).

   São estas identidades dialéticas que o narrador-Riobaldo procura estabelecer em si
enquanto ser cultural autônomo. Todavia, para alcançar seu objetivo de descobrir a si mesmo,
pelas veredas do sertão, ao mesmo tempo em seu sentido restrito e amplo, Riobaldo questiona
e interroga a si mesmo a respeito desta identidade que se forma, questionadora, mas que o
impulsiona ao mundo tão dialético quanto ele mesmo.




2.3 Riobaldo: interrogando identidade




   Mas afinal quem é esse que questiona a identidade? Quem é esse ser filosófico que
discorre opiniões e conselhos sobre a vida do homem? Uma identidade que interroga sobre si
mesmo, sobre seus medos, suas angústias, o seu “eu”, seu amor, sua força e sua fé: “o jagunço
Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui. Não fui! – por quê? Não sou eu, não quero ser” (ROSA,
2001, p. 232). Riobaldo é aquele que se encontra no “outro” e foge dessas descobertas. Ele
convive em todos os tempos do romance, passado, presente e futuro, em uma constante
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  • 1. 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DE LETRAS DAISE GUIMARÃES ABREU UM SER (TÃO) FILOSOFICAMENTE JAGUNÇO: UMA LEITURA DE GRANDE SERTÃO: VEREDAS SOB O OLHAR DA IDENTIDADE Conceição do Coité 2009
  • 2. 2 DAISE GUIMARÃES ABREU UM SER (TÃO) FILOSOFICAMENTE JAGUNÇO: UMA LEITURA DE GRANDE SERTÃO: VEREDAS SOB O OLHAR DA IDENTIDADE Trabalho de conclusão de curso ao Departamento de Educação da UNEB, Campus XIV, Conceição do Coité, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação em Licenciatura em Letras Vernáculas. Orientadora: Prof. Ms. Eugênia Mateus de Souza Conceição do Coité 2009
  • 3. 3 POEMA COM ABSORVÊNCIAS NO TOTALMENTE PERPLEXAS DE GUIMARÃES ROSA Ah, pois, no conforme miro e vejo, o por dentro de mim, segundo o consentir dos desarrazoados meus pensares, é o brabo cavalo em as ventas arfando se querendo ir. Permanecido apenas no ajuste das leis do bem viver comum, por causa de uma total garantia se faltando em quem m‟as dê. Ad‟formas que em tréguas assisto e assino e o todo exterior desta minha pessoa recomponho. Porém chega o só sinal mais leve de que aquilo ou isso é verdadeiro pra a reta eu alimpar com o meu brabo cavalo. Ara! que eu não nasci pra permanência desta duvidação, mas só pra o ser eu mesmo, o de todo mundo desigual, afirmador e conseqüente, Riobaldo, o Tatarana. Ixi! Adélia Prado
  • 4. 4 AGRADECIMENTOS Para nós, seres humanos, viver implica produzir a existência. Isso significa que precisamos realizar inúmeras ações para atender às nossas necessidades, aspirações e conveniências. Nesse sentido, qualquer ação é um trabalho. Como não vivemos sozinhos, a produção da existência é feita por um conjunto de ações coletivas e interligadas. Ao me dedicar neste trabalho científico, muitas pessoas contribuíram para que se concretizasse esta monografia. Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que, de alguma forma, doaram um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível: A Deus que me iluminou com o seu Espírito Santo e me deu força para continuar. A minha orientadora professora mestra Eugênia Mateus que me orientou, auxiliou na produção do texto, na organização das idéias, com a disponibilidade de tempo, materiais e referências que utilizei, com o apoio e simpatia com que me tratava, mesmo com a freqüências com que a solicitava. A meus pais, Domingos e Nailza que me incentivaram sempre a estudar, a sonhar, a acreditar em mim mesma, a nunca desistir; Agradeço a eles que me ensinou a ser o que sou hoje e me educou para tornar-me uma pessoa de bem e esforçada, pela paciência comigo, pelo seu carinho e apoio e, principalmente, pelo seu amor incondicional. A meus amigos, que compreenderam a minha ausência nos últimos momentos da produção da monografia, pela atenção, ajuda e paciência. Agradeço também por eles existirem em minha vida, por estarem presentes nos momentos felizes e nos momentos difíceis, por eles me aceitarem como sou e permitirem que eu os mantenha em meu coração com carinho e amor. Aos colegas da Universidade que, com minhas dúvidas na construção do trabalho, me auxiliavam também na construção deste trabalho científico. Não agradeço apenas a eles, por estarem nesse momento da minha vida, mas também por eles, aos poucos, ocuparem um grande espaço em meu coração, por conquistarem meu respeito, meu carinho e por representarem pessoas especiais que jamais esquecerei.
  • 5. 5 TERMO DE APROVAÇÃO DAISE GUIMARÃES ABREU UM SER (TÃO) FILOSOFICAMENTE JAGUNÇO: UMA LEITURA DE GRANDE SERTÃO: VEREDAS SOB O OLHAR DA IDENTIDADE Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciatura em Letras Vernáculas, Departamento de Educação (DEDC), campus XIV, Conceição do Coité, Universidade do Estado da Bahia (UNEB), pela seguinte Banca Examinadora: Orientadora: Eugênia Mateus ________________________________ Professora da UNEB – campus XIV Deijair Ferreira da Silva ____________________________________ Professor da UNEB – campus XIV Jussimara Lopes ___________________________________________ Professora da UNEB – campus XIV Conceição do Coité, 03 de abril de 2009.
  • 6. 6 RESUMO O presente trabalho propôs-se ao mapeamento da identidade cultural do jagunço, em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Um ser jagunço – nacional por subtração –, construído e representado nas fronteiras identitárias do sertão. Esta investigação visualiza a transcendência da identidade individual à coletiva, da regional ao nacional e da nacional a universal, no espaço não apenas o geográfico, mas interior: o eu e o outro, uno e filosófico, questionador de sua existência. As linhas teóricas referentes à identidade na pós-modernidade, o sertão e da identidade sertaneja deram o suporte aos estudos, com o intuito de realizar uma comparação e/ou compreensão destes conceitos, sob o ponto de vista de Guimarães Rosa. O resultado possibilita afirmar a inauguração de uma imagem jagunça na literatura brasileira: um jagunço lírico, poeta do sertão, a partir de desconstruções, reconfigurando identidades pré- estabelecidas desta identidade cultural no mosaico que forma e constitui, à revelia, a identidade cultural brasileira. PALAVRAS-CHAVES: Identidade cultural. Jagunço. Sertão
  • 7. 7 ABSTRACT The presente work, has proposed the map out of the cultural identity of “jagunço”, in Grande Sertão: Veredas by Guimarães Rosa. A “jagunço” being – nacional for subtraction -, built and represented in the frontier identities of “sertão”. This investigation visualizes exceeding from individual to collective, from regional to national and from national to universal identity, in a space not by merely geographic, but deep: myself and the other, sole and philosophic, questioning their existence. The theoretical lines concerning on the identity in pos-modernity, the “sertão” and from the “sertaneja” identity they gave the support to studies, with the sense of achieving a comparison and/or understanding of these conceptions under the point of view of Guimarães Rosa. The sequel allows to affirm the inauguration of “jagunça” image in Brazilian literature: a lyric “jagunço”, poet of “sertão”, from desconstructions, reconfiguring identities pre-established in this cultural identity into the mosaic that form and constitutes a Brazilian cultural identity. KEY- WORDS: Cultural Identity. Jagunço. Sertão.
  • 8. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09 1 CONSTRUÇÃO À REVELIA: A CRIAÇÃO DAS IDENTIDADES EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS ........................................................................... 12 1.1 O ser(tão) no jagunço: nacional por subtração ........................................................ 12 1.2 Cultura e sertão: fronteiras identitárias .................................................................... 16 1.3 Nas veredas identitárias dos jagunços: ser cultural por construção ......................... 23 2 O EU E O OUTRO: RIOBALDO, UM JAGUNÇO FILOSÓFICO ................ 29 2.1 O viver perigoso: a travessia de Rio (Baldo) ou a travessia de si mesmo ............... 30 2.2 “Mire e Veja”: Riobaldo, a identidade dialética ..................................................... 33 2.3 Riobaldo: interrogando identidade ......................................................................... 36 3 LIRISMO VS ROSA: UMA DIALÉTICA REVISÃO DO SER(TÃO) ............ 39 3.1 Literatura e cultura: interstícios inaugurais da imagem jagunça ............................. 39 3.2 A lírica e o anti-herói rosiano: a desconstrução do popular .................................... 42 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 50 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 52
  • 9. 9 INTRODUÇÃO A literatura tem-se utilizado de diversas abordagens para pensar e afirmar a nacionalidade – tentativa de definir um retrato para o Brasil. Todas estas abordagens do Brasil, feitas pela literatura, podem ser consideradas como leituras de uma questão complexa a que se tem chamado “identidade cultural/nacional”. Os escritores de momentos e escolas literárias tentaram estabelecer um conceito de identidade nacional/cultural 1, a partir de visões múltiplas em relação ao mundo. Guimarães Rosa foi um desses escritores que construiu, intencionalmente ou não, a identidade cultural brasileira. Um dos temas centrais das produções de Guimarães foi o sertão, o (ser)tão múltiplo, diverso e o grande sertão interior e suas veredas. Em Grande Sertão: Veredas, Rosa narra esses dois sertões: o físico e o abstrato: “[...] Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei” (ROSA, 2001, p. 116). Neste sertão é criada uma identidade cultural: o jagunço brasileiro. A temática desta monografia é justamente compreender a formação da identidade cultural do jagunço, criada no sertão rosiano. Entre outros motivos, a escolha dessa temática está vinculada, principalmente, ao fato de se acreditar que, ao construir a identidade cultural do jagunço, ele [Guimarães Rosa] cria um retrato de Brasil e sua grande multiplicidade cultural. Importa compreender a real possibilidade de realizar este processo de formação de identidade cultural. A análise de como Guimarães transcende do individual ao coletivo, do regional ao nacional, do nacional ao universal pelo viés do jagunço no sertão (não só no espaço físico), contribuiu, de forma significativa, na realização do projeto de identidade cultural do Brasil. Essa identidade cultural tem a possibilidade de analisar o universal? Não somente o particular específico? Este trabalho científico teve como objetivo principal, mapear a construção da identidade cultural brasileira, através do sertão narrado e descrito por Guimarães em Grande Sertão: Veredas, por meio, da análise da caracterização do sujeito sertanejo enquanto ser nacional/cultural, marca da representação regional/nacional, individual/coletivo. A realização deste trabalho, iniciou-se com a leitura e a análise do romance Grande Sertão: Veredas, bem como o estudo aprofundado de textos teóricos sobre identidade e sujeito pós-moderno. 1 O uso do termo identidade nacional/cultural tenta representar o mesmo caos estabelecido mediante a indefinição para uma afirmação de nacionalidade. Desde os românticos, houve uma busca pela cor local. O termo identidade se define apenas no final do século XIX. Nesse momento, uma busca pela identidade nacional; com os estudos multiculturalistas, na segunda metade do século XX, amplia-se o olhar, e a identidade constrói sob a perspectiva cultural.
  • 10. 10 O desenvolvimento do trabalho foi destrinçado em três capítulos. O primeiro, Construção à revelia: a criação das identidades em Grande Sertão: Veredas, analisa o processo de construção das identidades dos jagunços no romance; como ela é visualizada na nação brasileira e: uma construção à revelia, marginalizada e estigmatizada. A identidade nacional jagunça, parte que representa o todo do mosaico brasileiro, assume sua participação, neste estudo, reconhecida como parte da nacionalidade brasileira. No primeiro tópico deste capítulo O ser(tão) no jagunço: nacional por subtração faz-se um questionamento sobre o motivo pelo qual a identidade cultural do jagunço é considerada uma identidade por subtração, já que parte, como as outras identidades, da multiplicidade da identidade cultural brasileira. É possível eleger apenas um grupo cultural para representar o nacional, já que somos múltiplos? E para dar suporte a esta análise foram utilizadas teorias de Hall (2003), Pesavento (1998) e Vasconcellos (2007). Em Cultura e sertão: fronteiras identitárias discuti-se a formação identitária do jagunço, a partir de dois pontos centrais que se (inter)relacionam: a cultura e o sertão. São mencionados nesta análise os autores que tratam do conceito de cultura como Laraia (2002) e Santos (1983); como também o que é, e o que foi considerado o sertão sob o ponto de vista de Bolle (2004) e Amado (1995). Compara-se ainda a identidade do jagunço construída por Euclides da Cunha em Os Sertões com a de Guimarães em Grande sertão: Veredas. É construído nesta secção a conceito de sertão e de Guimarães através de contrapontos realizados com outros conceitos de sertão, como o de Euclides da Cunha. Retoma-se a esta comparação em: Nas veredas identitárias dos jagunços: ser cultural por construção, para visualizar o perfil traçado de um mesmo grupo cultural, de formas e olhares diferentes; neste momento do trabalho, delineiam-se perfis de algumas identidades culturais de jagunços presentes no romance, além de mostrar que embora haja exclusão e a estigma do perfil jagunços, estes são seres culturais por construção à revelia das condições e/ou convenções sociais. O Eu e o Outro: Riobaldo, um sujeito filosófico analisa o narrador-personagem Riobaldo. O jagunço letrado, questionador, introspectivo e filosófico e a sua travessia do/pelo sertão: a grande travessia do ser humano, a descoberta de si mesmo. Na secção O viver perigoso: a travessia de Rio(baldo) ou a travessia de si mesmo, revigora-se a identidade deste sujeito: sua insegurança, suas fragilidades e sua busca para afirmar-se e reconhecer-se como uma identidade cultural segura e autônoma. Alguns teóricos como Roncari (2004), Castells (2006) e Figueiredo e Noronha (2005) fundamentaram as idéias discutida acerca dessa travessia do sujeito jagunça para a sua afirmação identitária presentes nestes tópicos.
  • 11. 11 Na segunda, “Mire e Veja”: Riobaldo, a identidade dialética, a influência do “outro” na formação da identidade cultural de Riobaldo configura-se como elemento construtor de sua identidade. Este “outro”, um novo olhar, participa, ativamente, da construção do “eu” do narrador-personagem de Grande Sertão: Veredas, um sujeito de discurso questionador, sagaz, senão ilusório. Os estudos teóricos fundamentaram-se em Jacoby e Carlos (2005) para descrever como o “outro” participa da formação do “eu”; Hoisel (2006) para citar quais “outros” do romance atuaram sobre a identidade de Riobaldo; Giles (1979) para complementar a idéia de identidade dialética; e Figueiredo/Noronha (2005) para auxiliar no reconhecimento de qual à concepção de identidade cultural/nacional se aplicaria à identidade estudada. Fecha-se o capítulo com Riobaldo: interrogando identidade, aqui destaca o Riobaldo enquanto sujeito filosófico e introspectivo em busca de si mesmo em meio ao caos em que se encontra a sua vida pós perda de sua amada. Lirismo x Rosa: uma dialética revisão do (ser)tão retrata-se como Guimarães Rosa “quebra” a concepção pré-estabelecida do que é o jagunço e reconfigura uma identidade cultural deste grupo brasileiro, estabelecendo assim, uma nova imagem, na literatura, para este sujeito. São duas secções que analisam os subsídios do autor para esta construção lírico- dialética do ser(tão): Literatura e cultura: interstícios inaugurais da imagem jagunço e A lírica e o anti-herói rosiano: a desconstrução do popular. Na primeira, apresenta como Guimarães inaugura uma identidade cultural do jagunço, na literatura brasileira. Na segunda, analisa-se a prática rosiana de desconstrução do pensamento popular, a respeito desta identidade cultural, com a criação da imagem de um jagunço lírico e que, poetiza o sertão e as questões filosóficas sobre a vida. São teóricos como Rosenfeld (2002) – relevante quanto à questão lírica –; Coutinho (2004) – na ênfase à idéia do herói rosiano –; bem como Backhtin (2003) – com seu conceito de herói –, que confirmam e credibilizam as idéias discutidas neste capítulo. Cogita-se, através do que foi discutido neste trabalho científico, a possibilidade de visualizar a identidade cultural brasileira na identidade cultural do jagunço criado no sertão ideal (irreal) de Guimarães em Grande Sertão: Veredas. Uma identidade que, após ser desconstruída é reconfigurada, representa o mosaico que é o Brasil, a parte de um todo múltiplo e diverso.
  • 12. 12 1 CONSTRUÇÃO À REVELIA: A CRIAÇÃO DAS IDENTIDADES EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS. A criação de identidades em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é um alvo de análise que merece atenção, pois delineia principalmente a identidade do sertanejo. Grupo este, que carrega em si, elementos que representam o nacional. Possibilitam a visualização do retrato do Brasil. Estas identidades representam o sertão brasileiro, sua cultura, sua história, valores e costumes de um povo rico em contos e causos, e Guimarães Rosa consegue captar a essência dessas identidades e transmiti-la na escrita. Entretanto, um aspecto importante que merece ser destacado é como se dá o processo de formação identitária, uma construção à revelia, porque é uma identidade, muitas vezes marginalizada e estigmatizada por uma sociedade dita “civilizada”. Um dos motivos pelo qual foi feita a escolha de se fazer o estudo da formação da identidade do jagunço, de Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, foi justamente por acreditar que é possível vislumbrar uma parte da identidade nacional neste grupo sertanejo. Diante disso, faz-se necessário o estudo mais aprofundado, do como Guimarães Rosa, ao narrar de modo único, singular e inovador o sertão de Minas Gerais e seus jagunços, constrói também uma representação de nação. Importa compreender se realmente é possível realizar esse processo de formação identitária e quais os recursos e estratégias de que Rosa utilizou nesse projeto e a maneira como contempla o jagunço. 1.1 O ser(tão) no jagunço: nacional por subtração Atualmente a questão da identidade é bastante discutida pelos vários teóricos multiculturalistas1, bem como por pensadores de diversas áreas do conhecimento, inclusive a literatura. Ela tem-se utilizado de diversas abordagens para pensar a identidade cultural do 1 De acordo com Hall: “Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade „original‟. Em contrapartida, o termo „multiculturalismo‟ é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais (HALL, 2003, p.52)”. Para saber mais sobre o multiculturalismo ver “Da Diáspora identidades e mediações culturais”.
  • 13. 13 Brasil. Nos momentos cruciais da trajetória do país, as abordagens feitas nas produções literárias em busca dessa identidade resultaram obras paradigmáticas que souberam tocar nos lugares–chaves da trajetória de uma tradição. A literatura ao longo de anos procurou construir a idéia de nação, através de suas produções desde, principalmente, o Romantismo até a atualidade. Os escritores brasileiros em vários momentos da história e da literatura tentaram estabelecer um conceito de identidade nacional a partir de visões múltiplas em relação ao mundo e de acordo com as necessidades de cada época e sociedade. Mas o que seria identidade? Este trabalho não tem a intenção de dar respostas mas refletir sobre as certezas e as dúvidas, de ser, por exemplo, um ser único e de acordo com Hall: “O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não resolvidas” (2003, p.12). Pode-se visualizar este tipo de identidade, mencionada por Hall, na identidade nacional brasileira. O todo “Brasil” é formado por uma grande diversidade de grupos sociais com identidades específicas e diferentes entre si. Então surge a questão, como visualizar uma unidade? É possível? Quais grupos identitários constituem a identidade nacional brasileira? É viável eleger apenas um pequeno grupo para representar e construir o retrato do Brasil, pertencendo a uma nação múltipla e diversa? O que muitas vezes foi absorvido tanto das produções literárias quanto de teorias preconceituosas ligadas à raça e ao meio, a partir do século XIX, é que havia grupos étnico- culturais superiores a outros e que estes grupos que se encontravam na elite brasileira eram os únicos que mereciam representar a identidade nacional: Aceitar a multiplicidade e a diversidade de vozes e presenças no Brasil nunca foi fácil para as elites do país. Os sentimentos ambivalentes de fascínio e repulsa, preconceito e aceitação, envolvimento e distanciamento do “outro” em si mesmo compõem a história da construção da identidade nacional (VASCONCELOS, 2007, p. 38). Durante o fim do século XIX é que, ao pensar em identidade nacional brasileira tem-se o cuidado de identificar o Brasil-nação com uma identidade específica em detrimento de outra. Não se pensa em aceitação de uma diversidade cultural, o que acontece é a supremacia de um discurso dominador; neste momento surgem algumas questões: Quais as estratégias utilizadas pelas elites brasileiras no processo de construção de sua unidade nacional, visando concretizar um Brasil ideal, moderno e independente? Como conviver com os migrantes nortistas maltrapilhos que foram parar justamente na capital do Brasil, o Rio de Janeiro e num dos maiores centros
  • 14. 14 urbanos do país, São Paulo, denunciando que a febre de modernização do país não passava de uma aspiração? Provavelmente, o caminho possível para alguns intelectuais e políticos da época resolverem esse conflito tenha sido o de inventar uma divisão regional que viabilizasse uma distinção entre um Brasil “ideal” – moderno, rico, industrial, formado por uma grande parcela de imigrantes europeus – e um Brasil “real” – atrasado, pobre, rural, escurecido por uma população mestiça de índios e negros. Neste momento, é a ênfase na diferença entre esses Brasis, ou melhor, é a escolha de uma região para representar o nacional que indicará a resolução para o grande drama da unidade nacional (VASCONCELOS, 2007, p. 41). Essa diferenciação entre o Brasil “ideal” e o Brasil “real” mencionada por Vasconcelos (2007) é equivalente respectivamente à região do Sul e à região do norte/nordeste. E neste momento, ao optar por um representante da identidade nacional, a região do Sul, automaticamente exclui e marginaliza outra considerada “atrasada”, a região norte/nordeste. Este processo, embora tenha acontecido há muito tempo, ainda hoje, apesar das mudanças ocorridas na sociedade e a maneira de se pensar a nação e sua identidade, é possível perceber o distanciamento da região nordestina da identidade nacional, dita oficialmente, brasileira. E onde se encontra o sertanejo? Encontra-se muitas vezes, nesses grupos excluídos do chamado processo de formação da identidade nacional brasileira. O sertanejo do ser(tão) jagunço, às vezes esquecido na história e na origem do retrato do Brasil. O sertanejo é uma parte do todo que forma o Brasil este múltiplo e cultural e, de acordo com Hall: [...] se sentirmos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora „narrativa do eu‟. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia (2003, p. 13). É necessário compreender que uma identidade nacional não se dá apenas pela formação de uma única identidade – a detentora do poder -, mas que os diversos grupos sociais e culturais formam a nação. E a identidade sertaneja é uma dessas identidades que, apesar de ser diferente ao olhar de um “outro” elitizado e preconceituoso, possui uma essência culturalmente rica. Formular uma identidade nacional, desenhar o perfil de um povo, envolve práticas de reconhecimento da diversidade cultural e é esta diversidade que compõe a nação- Brasil: Se a construção imaginária de uma identidade implica uma atribuição de sentido, este encadeamento de sentido, no caso brasileiro, seria dado não apenas na articulação espaço e tempo, que resgataria as dimensões da natureza/meio e da história, mas pela possibilidade de compatibilização da diversidade na unidade. Nação-continente, a identidade brasileira seria dada pela integração do múltiplo,
  • 15. 15 pela capacidade ou não da absorção dos elementos díspares e aparentemente caóticos numa nova totalidade de referência (PESAVENTO, 1998, p. 23). Fala-se sempre que a literatura, em alguns momentos de sua história e formação de identidade nacional, copiou e seguiu um modelo europeu, entretanto Schwarz (2001) enfatiza que o problema não se concentra só na cópia, mas também no fato de que há a exclusão de um grupo que não se assemelha ou se parece com o modelo europeu de civilização e/ou nação, como é o que acontece com o jagunço sertanejo que, por não se “enquadrar” nos princípios europeizados, é marginalizado no processo de formação de identidade nacional, todavia são capazes, como os demais, de representar o Brasil enquanto país e um ser(tão) nação, apesar de ser o jagunço um ser nacional por subtração. Entretanto, já que o jagunço também forma e caracteriza o Brasil, porque ele é excluído muitas vezes do que se chama identidade nacional? É uma questão que traz inquietações várias, despertando o interesse de análise. A representação de jagunço que será analisado neste trabalho será aquele traçado pelo narrador de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. Guimarães em suas produções abre espaço à épica, combinando aspectos como o mítico, o misterioso, as dúvidas, os mitos que circundam principalmente o sertão e o sertanejo. O autor constrói várias identidades daqueles sertanejos do romance, mas embora haja multiplicidade, cada um possui as suas particularidades: “porque jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é um jeito por si” (ROSA, 2001, p. 44). O autor vem construindo a imagem do jagunço, ao longo do romance, com várias afirmações sobre o que seria o jagunço, desmistificando concepções, criando outras: E os outros, companheiros, que é que os outros pensavam? Sei? De certo nadas e noves – iam como o costume – sertanejos tão sofridos. Jagunço é homem já meio desistido de si... a calamidade de quente! E o esbraseado, o estufo, a dor do calor de todos os corpos a gente tem (ROSA, 2001, p. 67). Jagunços, homens sofredores, que possuem um destino imprevisto e até eles mesmos duvidam de si, talvez pela influência do olhar do “outro” sobre a formação de sua própria identidade; influência esta, excludente e preconceituosa. Entretanto as dúvidas dos seus destinos não os abalavam; para o narrador de Grande Sertão: Veredas, o que importava era a “travessia”, a vida, boa ou ruim, sem certezas:
  • 16. 16 Digo que fui, digo que gostei. À passeata forte, pronta comida, bons repousos, companheiragem. O teor da gente se distraía bem. Eu avistava as novas estradas, diversidade de terras. Se amanhecia num lugar, se ia à norte noutro, tudo o que podia ser ranço ou discórdia consigo restava para trás (ROSA, 2001, p. 148). E Rosa prossegue com as características dos jagunços sertanejos. Homens valentes e corajosos que sobrevivem e superam as dificuldades que o grande sertão apresenta, sem reclamar, sem se lamentar, como se percebe no trecho seguinte: Esbandalhados nós estávamos, escatimados naquela esfregada. Esmorecidos é que não. Nenhum se lastimava, filhos do dia, acho mesmo que ninguém se dizia de dar por assim. Jagunço é isso. Jagunço não se escabreia com perda nem derrota – quase que tudo para ele é o igual. Nunca vi. Pra ele a vida já está assentada: comer, beber, apreciar mulher, brigar, e o fim final (ROSA, 2001, p. 72). Como é possível perceber, Guimarães vem construindo, aos poucos a identidade do jagunço no romance e ao longo deste trabalho será feita uma tentativa de mapear como se dá essa formação e o que ela significa para a identidade nacional brasileira, porque a identidade do jagunço, embora sendo e representando o Brasil, possa ser excluída da identidade cultural e nacional brasileira. Por toda essa marginalização para com a identidade sertaneja pode-se pensar que esta seja uma identidade subtraída do projeto de nacionalidade, chamado nacional. Um fator que será também um suporte importante para se alcançar o objetivo deste trabalho será as fronteiras existentes na construção da identidade do jagunço, a cultura e o sertão. Ambos os conceitos e concepções solidificam e participam desta construção identitária e, conseqüentemente, de uma identidade maior, a nacional. Este ponto será um dos focos analisados no próximo item detalhadamente. 1.2 Cultura e sertão: fronteiras identitárias A identidade do jagunço é formada a partir de dois pontos centrais e significativos que (inter)relacionam e são intrínsecos: cultura e sertão. A representação cultural no sertão é evidente em Grande Sertão: Veredas e; cultura é um aspecto discutido por vários teóricos durante momentos diversos na história da humanidade. Por muito tempo o conceito de cultura foi motivo de inquietação, e o que se pensava a respeito de uma pessoa dita com cultura, “culta”, era aquela que possuía apenas um
  • 17. 17 conhecimento específico dito intelectual ou acadêmico. Entretanto o conceito de cultura nesta sociedade moderna extrapola este campo da sapiência e se direciona ao que um determinado povo produz em termos de histórias, tradições, costumes, crenças como também os seus valores étnicos e morais. Acredita-se que cultura também sejam características humanas de um determinado grupo, o qual preserva ou aprimora-se por meio da comunicação entre indivíduos em uma dada sociedade e suas manifestações próprias. No entanto, existem ainda concepções preconceituosas no que diz respeito a certos grupos culturais, como os sertanejos brasileiros e como diz Laraia: São velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a “raças” ou a outros grupos humanos. Muita gente ainda acredita que os nórdicos são mais inteligentes do que os negros; que os alemães têm mais habilidade para a mecânica; que os judeus são avarentos e negociantes; que os norte-americanos são empreendedores e interesseiros; que os portugueses são muito trabalhadores e pouco inteligentes; que os japoneses são trabalhadores, traiçoeiros e cruéis; que os ciganos são nômades por instinto, e, finalmente, que os brasileiros herdaram a preguiça dos negros, a imprevidência dos índios e a luxúria dos portugueses. Os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais (2002, p. 17). Todavia as teorias modernas vêm tentando mudar essas concepções (pré)formadas que as pessoas têm da cultura do “outro”. As discussões intensificam-se cada vez mais na medida que aumentam também os contatos entre as nações e povos diversos. Conceituar cultura é uma tarefa difícil por sua complexidade: As várias maneiras de entender o que é cultura derivam de um conjunto comum de preocupações que podemos localizar em duas concepções básicas. A primeira dessas concepções preocupa-se com todos os aspectos de uma realidade social. Assim, cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade. [...] vamos à segunda. Neste caso, quando falamos em cultura estamos nos referindo mais especificamente ao conhecimento, às idéias e crenças, assim às maneiras como eles existem na vida social. [...] O que ocorre é que há uma ênfase especial no conhecimento e dimensões associadas. Entendemos neste caso que a cultura diz respeito a uma esfera, a um domínio, da vida social (SANTOS, 1983, p. 22 e 24). Desta concepção de cultura precisa-se pensar a idéia de sertão, o seu significado cultural para a identidade do jagunço e, conseqüentemente, para a identidade plural Brasil. A identidade do jagunço liga-se diretamente a sertão. Esta identidade é formada a partir do que a cultura sertaneja representa e o seu espaço cultural, obviamente, entrelaçado ao grande sertão. Entretanto, é importante notar que o olhar de Guimarães Rosa sobre o sertão, é um olhar diferencial do que já se tinha visto na história e na literatura, um olhar que traz a
  • 18. 18 representação da nação no sertão, um ponto de vista renovador, uma nação múltipla e culturalmente diversificada, e Bolle (2004) afirma que no romance Grande Sertão: Veredas, quando o narrador Riobaldo mantém uma conversa com um doutor, ele traz à tona esta discussão, do nacional no sertão, a união das diferenças: Ao estruturar o seu retrato do Brasil como uma conversa, diferentemente de todos os demais livros do gênero, Guimarães Rosa coloca no centro do seu romance o problema da heterogeneidade da chamada “cultura Brasileira”. Na conversa entre o narrador sertanejo, o velho fazendeiro e ex-jagunço Riobaldo, e seu visitante, um jovem doutor da cidade, são tematizados as diferenças, os conflitos e os choques culturais, mas também as interações, os diálogos e o trabalho de mediação. O narrador rosiano se mantém disponível num estado de transição entre as diferentes mentalidades e linguagens: a sertaneja e a urbana, a coloquial e a erudita, a oral e a escrita (BOLLE, 2004, p. 39-40). Embora atualmente se possa pensar o sertão também como representação de nação, o sertão não foi visto sempre assim na história e na literatura. É importante partir da etimologia da palavra e as implicações do seu significado: A palavra já era usada na África e até mesmo em Portugal [...] nada tinha a ver com a noção de deserto (aridez, secura, esterilidade) mas sim com a de “interior”, de distante da costa: por isso, o sertão pode até ser formado por florestas, contando que sejam afastados do mar [...] O vocábulo se escrevia mais freqüentemente com c (certam e certão) [...] do que com s [G. Barroso] vai encontrar a etimologia correta no Dicionário da língua Bunda de Angola, de frei Bernardo Maria de Carnecatim (1804), onde o verbete muceltão, bem como sua corruptela certão, é dado como lócus mediterraneus, isto é, um lugar que fica no centro ou no meio das terras. Ainda mais, na língua original era sinônimo de “mato”, sentido corretamente usado na África Portuguesa, só depois ampliando-se para “mato longe da costa”. Os portugueses levaram-na para sua pátria e logo trouxeram-na para o Brasil, onde teve longa vida, aplicação e destino literário (W. Galvão, 2001, p. 16 apud BOLLE, Wille, 2004, p. 48). Este significado da palavra foi carregando em si e criando uma imagem preconceituosa e pejorativa do que seria o sertão e as pessoas que vivem nesse espaço. Como o sertão se encontrava distante, principalmente do litoral, foi havendo comparações entre o litoral e o sertão. O segundo por estar longe do primeiro; eram regiões afastadas também da “civilização”, pois o litoral por estar em maior contato com a influência da cultura européia, sua religião, seus costumes acabava por ser considerada uma região de pessoas “civilizadas” em detrimento às pessoas do sertão, vistas como selvagens. Esta visão se intensificou no Brasil colonial: Nesse sentido, “sertão” foi uma categoria construída primeiramente pelos colonizadores portugueses, ao longo do processo de colonização. Uma categoria
  • 19. 19 carregada de sentidos negativos, que absorveu o significado original, conhecido dos lusitanos desde antes de sua chegada ao Brasil – espaços vastos, desconhecidos, longínquos e pouco habitados -, acrescentando-lhe outros, semelhantes aos primeiros e derivados destes, porém específicos, adequados a uma situação histórica particular e única: a da conquista e consolidação da colônia brasileira [...] (...) desde os primeiros anos da colônia, acentuando-se com o passar do tempo, “litoral” e “sertão” representaram categorias ao mesmo tempo opostas e complementares. Opostas, porque uma expressava o reverso da outra: litoral (ou “costa”, palavra usada no século XVI) referia-se não somente á existência física da faixa de terra junto ao mar, mas também a um espaço conhecido, delimitado, colonizado ou em processo de colonização, habitado por outros povos (índios, negros) mas dominado pelos brancos, um espaço da cristandade, da cultura e da civilização (Freire, 1977; 1984). “Sertão” já se viu, designava não apenas os espaços interiores da colônia, mas também aqueles espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados, perigosos, dominados pela natureza bruta, e habitados por bárbaros, hereges, infiéis, onde não haviam chegado as benesses da religião, da civilização e da cultura (AMADO, 1995, p. 6-7). Como é possível perceber, a diferenciação de locais e culturas era preconceituosamente visível e injusta. O sertão em sua totalidade não significava nada que pudesse representar a nação brasileira. Sua cultura não era “digna” de ser representada como parte de brasilidade. E por muito tempo este conceito de sertão foi petrificado como verdadeiro. Nas produções literárias brasileiras o sertão foi apresentado de maneiras diversas, às vezes apenas como paisagem ou cenário de enredos, às vezes como causador de sofrimentos e dor, mas que no período em que foram escritas tiveram sua importância e foco específico. Todavia vale ressaltar, que além de Grande Sertão: Veredas há outro que será utilizado de maneira breve, como ponto específico para estabelecer algumas comparações sucintas, Os Sertões, de Euclides da Cunha. Nesses dois romances são visualizados sertões distintos; um sertão criado por um escritor influenciado por teorias científicas de raça e meio e outro sertão criado através de um olhar mais moderno e menos preconceituoso. Os Sertões foi uma obra de grande destaque na literatura nacional. Embora Euclides da Cunha tivesse narrado a guerra de Canudos ele não deixa de apresentar uma visão panorâmica do sertão e da sertanidade. Mas importa ressaltar que por conta das idéias científicas européias da época em que foi escrito o romance, 1902, o autor não tinha como fugir de escrever sob tais influências, dificultando a Euclides aceitar as peculiaridades do mundo caboclo. Os Sertões apresentam o Sertão e o sertanejo para as cenas urbanas. Embora o romance aparente certa contradição a respeito da identidade do povo do sertão, pois apresenta o positivo do povo, “o sertanejo é antes de tudo um forte” (CUNHA, 1998, p. 112), aquele ser que suporta a dureza do sertão; ele deixa prevalecer em sua produção, com mais nitidez o seu olhar de desprezo e vergonha para com aquele povo, enaltecendo a suposta inferioridade do sertão/sertanejo que a sociedade e a ciência daquela época afirmavam como verdadeira.
  • 20. 20 Com um olhar diferente do de Euclides da Cunha que traça o perfil do sertanejo a partir de visões de “fora” e um fora que concebe o indivíduo do sertão como pessoas deslocadas da “civilização”, bárbaros que não poderiam formar o mosaico - Brasil, Guimarães traz à literatura, um sertão diferenciador, um sertão que proporciona identidades múltiplas em que o suposto “arcaico” e “atrasado” invade o espaço urbano e letrado representado pelo ouvinte de Riobaldo em Grande Sertão: Veredas, o doutor que ouve as sagas desse ex-jagunço que procura se conhecer nas memórias de uma vida e jagunçagem e produz uma interação entre esses dois mundos diversos, mas que fazem parte de um só: Por isso o escritor mineiro deveu escolher essa forma híbrida do falso diálogo para contar a sua história: porque nela havia que se refletir, num tempo único, tempos diferentes – para ser mais claro, o tempo acelerado da cidade e o tempo parado do sertão, o avanço da civilização e o atraso de uma dimensão primitiva, a projeção da cultura e a regressão da ignorância. Somente nessa solução que não (se) resolve, de fato, a estrutura do livro podia refletir a estrutura da terra nele representada; só assim a história partida, desarmônica e ao mesmo tempo “bem temperada”, do Brasil podia encontrar a sua grande metáfora geográfica: num Grande Sertão em que com efeito, convivem e se misturam o moderno e o arcaico, a exatidão da ciência e a superstição da magia, o amor pela precisão e a paixão pelo indistinto. Dimensão aérea e telúrica, habitada pela leveza e pela gravidade, pela rapidez e pela lentidão [...] afinal, a narrativa urbana se junta à epópeia rural, o lógos da cidade ao mythos do interior, gerando um epos romanesco em que a dicotomia, tanto espacial quanto ideológica e social, finalmente se dá a ler, e se dá a ler nos modos e nos ritmos do drama poético (mais uma definição que não se define!) (FINAZZI-ÀGRO, 2001, p. 79). O romance vem apontando que o sertão é grande e nele caberia o mundo, o nacional e vice-versa. O nacional é essa mistura da cultura suposta “civilizada”, a cidade e uma cultura “atrasada”, primitiva do campo, do sertão. Este sertão que é conceituado em vários trechos do romance, e já no início de Grande sertão: Veredas, Guimarães diz para o “doutor”: O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja [grifo meu]: que situado sertão é por os campos – gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os e Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; que um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; [...] culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte (ROSA, 2001, p. 23-4). O narrador do romance já no início vem fazendo um contraponto com as “opiniães” (ROSA, 2001, p. 24) alheias do que é o sertão: “uns querem que não seja” (ROSA, 2001, p. 23), que o sertão seja apenas uma pequena porção insignificante distante de tudo, mas
  • 21. 21 Riobaldo afirma: “esses gerais são sem tamanho” (ROSA, 2001, p. 24), não dá para delimitar o sertão, sua cultura, crenças, valores e histórias, pois “o sertão esta em toda parte” (ROSA, 2001, p. 24) o sertão é universal e as identidades – produtos deste sertão podem e devem ser o nacional e esse nacional pode ser o sertão, não há limites. Guimarães tenta desconstruir a concepção dada ao sertão até então, mostrando que embora seja tradicional é também moderno e isto é percebido, principalmente quando Guimarães coloca um jagunço – Riobaldo – que representa toda a tradição sertaneja, crenças, valores étnicos e idéias com características de um ser dito “civilizado”, o qual sabe ler, escrever e conversar com maestria com um doutor. Guimarães mostra que sertão também é civilização; mesmo possuindo uma cultura diferente, é nacional. O autor de Grande Sertão: Veredas traz para o romance, a metáfora do Brasil - nação, esta multiplicidade e integração de diferenças. Mas antes de construir essa idéia de ser(tão) nação por meio dos jagunços, Guimarães prepara o leitor do seu romance para a construção desta concepção, definindo o sertão e o que ele pode representar: “aqui não se tem convívio que instruir. Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso...” (ROSA, p. 2001, p. 41). Nesta concepção, o sertão está voltado para o poder do pensar, do questionar; tudo se constrói a partir do pensamento inclusive as identidades sertanejas e “sertão [são] estes vazios” (ROSA, 2001, p. 47); vazios que existem nos seres humanos, o sertão ora provoca estes vazios, quando o pensamento faz o homem se questionar, ora preenche estes vazios, pois “no sertão tudo é festa” (ROSA, 2001, p. 74), embora o sofrimento e a perda que aquela região pode trazer representem um “atraso”; é um povo lutando para sobreviver e viver feliz com suas comemorações religiosas, suas canções, nas suas reuniões em volta das fogueiras contando seus contos e causos e, segundo Guimarães, sertão é um mundo que parece distante mas está muito próximo a todos os “outros mundos” isto porque “o sertão é do tamanho do mundo” (ROSA, 2001, p. 89), possui diferenças, as misturas, é o Grande Sertão – que consegue transcender ao universal. Só que não é apenas o positivo mostrado por Guimarães em Grande sertão: Veredas, ele afirma que há também a violência: “Bolas, ora. Senhor vê, o senhor sabe. Sertão é o penal, criminal” (ROSA, 2001, p. 126). Esta imagem criada e as pessoas que vivem essa criminalidade, ora praticada ora sofrida, é o reflexo de uma sociedade com desigualdades sociais, mal organizada. As pessoas que detém o poder são as que estimulam essa criminalidade. É visível a hierarquia social, os fracos obedecem aos mais fortes e, por sua vez, esses mais fortes obedecem outros mais ainda mais fortes, isto é o retrato do sertão, este não
  • 22. 22 difere do Brasil e “sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quebrada” (ROSA, 2001, p. 126). É preciso aceitar que existe a violência, é preciso adaptar-se a ela; é o que Guimarães diz em tenha “a dura nuca”, resista, seja forte e se defenda; esta é a realidade/ficcional. O narrador Riobaldo prossegue reconstruindo o que é o sertão. Guimarães não dá certezas, lança idéias que fazem o leitor refletir e questionar as supostas certezas sobre o ser, sobre o sertão, sobre a existência do demônio ou de Deus, entre outros aspectos isto porque “sertão é isto, o senhor sabe, tudo incerto, tudo certo” (ROSA, 2001, p. 172). E é logo após ser apresentada a idéia de que não há certezas, o narrador afirma que, o que é julgado como “errado” pelas convenções sociais, no sertão pode ser o “certo”, as leis que tentam estabelecer o equilíbrio são questionadas para dar lugar a outras, a dos jagunços: “ah, mas no centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser razão mais certa e de mais juízo” (ROSA, 2001, p. 301). Outro aspecto destacado pelo autor de Grande Sertão: Veredas é que, embora haja pessoas que duvidem, o sertão está aí, perto de todos, dentro de todos. O sertão é o Brasil todo e quando se pensa que não há semelhanças com o sertão: “... e muitas idas marchas; sertão sempre. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo” (ROSA, 2001, p. 302). É possível perceber uma cronologia das definições dadas ao sertão por Riobaldo a partir das suas experiências narradas. Todas as etapas e/ou concepções do sertão são para projetar uma idéia maior que todos são “sertão” – “sertão-Brasil”. Sertão faz parte do “eu” e do “nós”, é o pensamento e o vazio, é a alegria e a tristeza, é a violência, é o bem e o mal, é Deus e o Diabo, é o errado e o certo e também o incerto, esta dentro de cada ser brasileiro: “Estive nessas vilas, velhas, altas cidades... sertão é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão? Sertão: é dentro da gente” (ROSA, 2001, p. 325). E é este sertão que forma a identidade do jagunço, do sertanejo e o Brasil. O ser(tão) jagunço é construído aos poucos, não é de uma hora para outra, são com as histórias vividas neste grande sertão, as vitórias, as perdas, as descobertas, as ilusões amorosas, as guerras, os abandonos, a falta de família e a existência da família – jagunçagem, é o sertão que produz estas identidades: Rebulir com o sertão como dono? Mas o sertão era para, aos poucos e poucos, se ir obedecendo a ele; não era à força se compor. Todos que malmontam no sertão só alcançam de reger em rédea por uns trechos; que sorrateiro o sertão vai virando tigre debaixo da sela. Eu saia, eu via (ROSA, 2001, p. 391).
  • 23. 23 Destaca-se ainda o momento em que Riobaldo deseja que as diferenças sejam separadas, uma visão maniqueísta da sociedade brasileira, mas o que se percebe é uma crítica de Guimarães a esta atitude dos brasileiros, e do ser humano em geral, pois ao fim do trecho o autor reconhece a impossibilidade de segregação, as diferenças existem, inclusive as diferenças culturais, mas devem estar integradas, “misturadas”, isto é o sertão, isto é o Brasil: Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja o bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos os pastos demarcados... como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fez do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado [grifo meu] (ROSA, 2001, p. 237). E estas misturas promovem identidades também misturadas, múltiplas em uma unidade. A partir dessas concepções de sertão de Guimarães Rosa, percebe-se que os jagunços podem ser seres nacionais por construção. Esta idéia será discutida no próximo item. 1.3 Nas veredas identitárias dos jagunços: ser cultural por construção O sertão é um lugar sem fim, “do tamanho do mundo” (ROSA, 2001, p. 89) na concepção de Guimarães. Um local sem fronteiras, onde extrapolam os limites geográficos e representa- se o retrato do Brasil. Neste “locus” os jagunços são seres culturais por construção. Guimarães repensa a idéia de nação no sertão e são os jagunços, narrados no romance Grande Sertão: Veredas, que possibilitam também, entre os demais grupos culturais do país, a formação do nacional no Brasil: [...] se a construção imaginária de uma identidade implica uma atribuição de sentido, este encadeamento e sentido, no caso brasileiro, seria dado não apenas na articulação espaço e tempo, que regataria as dimensões da natureza/meio e da história, mas pela possibilidade e compatibilização a diversidade na unidade. Nação-continente, a identidade brasileira seria dada pela integração do múltiplo, pela capacidade ou não de absorção dos elementos díspares e aparentemente caóticos numa nova totalidade de referência (PESAVENTO, 1998, p. 23). Esta “possibilidade de compatibilização da diversidade na unidade” (PESAVENTO, 1998, p. 23), promoverá a exemplificação do nacional do Brasil no sertão. Guimarães Rosa constrói identidades de jagunços com características diferentes e marcantes, trazendo o Brasil para o
  • 24. 24 sertão, nos personagens do romance de Grande Sertão: Veredas. O bem e o mal, os fortes, os corajosos, os traiçoeiros, os religiosos, os incrédulos entre outros, personalidades contraditórias, mas, todavia dividem o mesmo espaço e a mesma representação de sertanejo. E para fixar melhor a representação do sertanejo, interessa retomar a comparação da visão de Euclides da Cunha em Os Sertões sobre os povos do nordeste (antigo norte), com a visão de Guimarães e através desta comparação, visualizar o perfil traçado do mesmo grupo de formas e olhares diferentes. Em Os Sertões explicita-se a inferioridade dos sertanejos. A identidade destes povos é formada por aspectos negativos provindos de uma raça vista como “indigna” e “incivilizada”: Qualquer, porém, que tenha sido o ramo africano para aqui transplantado trouxe certo os atributos preponderantes do homo afer, filho das paragens adustas e bárbaras, onde a seleção natural, mais que em qualquer outros, se faz pelo exercício intensivo da ferocidade e da força (CUNHA, 1998, p 73). Para Euclides (1998), as “raças” que vivem no sertão são “subformações” (CUNHA, 1998, p. 74) e estas “subcategorias” dificultam a formação nacional brasileira, representa o atraso. E como conviver e viver em uma sociedade civilizada com esta multiplicidade de raças dita inferiores? O autor de Os Sertões mostra que mesmo que “desça sobre eles a sobrecarga intelectual e moral e uma civilização o desequilíbrio é inevitável (CUNHA, 1998, p. 110)”. Ou seja, o fato de o Brasil possuir em sua nação a mistura de raças e mesmo que essas raças possuíssem um conhecimento e uma possível civilização, a situação não mudaria, pois estas “raças” possuíam uma completa inferioridade imutável, para as teorias racistas do período em que foi escrito o romance: Aqui, distinguiam-se aqueles que acreditavam que a mistura de raças operada no Brasil levaria à degeneração crescente e à impossibilidade de constituição de um povo brasileiro habilitado à civilização e outros que eram mais „otimistas‟. Para estes últimos, a „hibridação‟ no Brasil correspondia a um tipo de paragênese que levaria ao desaparecimento progressivo dos negros e mestiços de pele escura, considerados como inferiores, e ao embraquecimento paulatino do conjunto da população (COSTA, 2006, p. 166). Neste prisma, o sertanejo é definido como incivilizado, selvagem, rude, incapaz de tornar- se um representante da identidade nacional e cultural do Brasil: É que neste caso a raça forte não destrói a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização. Ora os nossos rudes patrícios dos sertões do Norte forraram-se a esta última. O abandono em que jazeram teve fundação benéfica. Libertou-os da adaptação
  • 25. 25 penosíssima a um estádio social superior, e, simultaneamente, evitou que descambassem para as aberrações e vícios dos meios adiantados. [...] Este fato destaca fundamentalmente a mestiçagem dos sertões da do litoral. São formações distintas, senão pelos elementos, pelas condições do meio. O contraste entre ambas ressalta ao paralelo mais simples. O sertanejo tomando em larga escala, do selvagem, a intimidade com o meio físico, que ao invés de deprimir enrija o seu organismo potente, reflete, na índole e nos costumes, das outras raças formadoras apenas aqueles atributos mais ajustáveis à sua fase social incipiente. É um retrógrado; não é um degenerado. Por isto mesmo que as vicissitudes históricas o libertam, na fase delicadíssima da sua formação, das exigências desproporcionadas de uma cultura de empréstimo, prepararam-no para a conquistar um dia (CUNHA, 1998, p. 110). Percebe-se que este sertanejo é um ser que não é, nem faz parte da nação brasileira, porque como são grupos atrasados e “retrógrados”, levariam um tempo para alcançar a civilização. Diferentemente do olhar de Euclides, Guimarães Rosa apresenta o sertanejo, com suas características, boas ou más, justas ou injustas, certas ou erradas, constituintes da identidade nacional brasileira. Ao longo do romance, constroem-se diferentes perfis de jagunços, revelando a existência da diversidade identitária cultural, tanto no sertão como no Brasil-nação e que mesmo possuidor de tal diversidade, convive ora em harmonia ora em conflitos. Um dos perfis expostos no romance: Medeiro Vaz - chefes da jagunçagem –, transmite confiança e representa justiça “com mão leal, não variava nunca, não fraquejava” (ROSA, 2001, p. 52). Ele possuía propriedades de terras, gados e heranças de fazendas, entretanto deixou tudo isso para trás para se tornar jagunço, ter a sua própria lei e “impor justiça” (ROSA, 2001, p. 60), porque presenciava no sertão atos que o incomodavam e o afligiam: “foi impossível qualquer sossego, dede em quando aquele imundo de loucura subiu as serras e se espraiou nos gerais” (ROSA, 2001, p. 60). Estas “loucuras” são mais um dos retratos do Brasil: as desigualdades, os conflitos; e Guimarães Rosa mostra um dos motivos de um homem que possui riquezas deixar tudo e transformar-se em jagunço – fazer a justiça que falta ao Brasil, mesmo que para isso se utilize de violência: A palavra “jagunço” e a instituição da jagunçagem revestem-se, assim, de importância estratégica para se compreender o fenômeno da violência e do crime no Brasil. Ao retratar o país sob o ângulo da jagunçagem, Guimarães Rosa traz à tona o componente da violência que está na origem de todo poder constituído. No enfoque de considerar Grande Sertão: Veredas uma reescrita crítica d‟Os Sertões, pode-se dizer, com uma formulação extrema, que esse romance, narrado por um jagunço letrado, coloca em debate a maneira tendenciosa e arbitrária com que o letrado Euclides da Cunha apresenta o jagunço (BOLLE, 2004, p. 91-2).
  • 26. 26 Outro líder dos jagunços louvado no romance é Joca Ramiro, outra representação de justiça e bondade: Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra esperança maior: para ele [Medeiro Vaz] Joca Ramiro era único homem, par-de-frança, capaz e tomar conta deste sertão nosso, mandando por lei, de sobregovêrno. Também igualmente saía por justiça e alta política, mas só em favor e amigos perseguidos; e sempre conservava seus bons haveres (ROSA, 2001, p. 60). Joca Ramiro é a possibilidade de melhorias no sertão, um homem que é tão justo que cria um julgamento no sertão, onde todos têm voz e vez, onde independente de sua classe, o seu lugar na hierarquia social dos jagunços, todos têm a possibilidade de expressar seu pensar. É o que acontece no julgamento de Zé Bebelo (ROSA, 2001, p. 270). Os líderes falam o que pensam e os subalternos também, todos possuem direitos iguais: “Que por aí, no meio de meus cabras valentes, se terá algum que queira falar por acusação ou para defesa de Zé Bebelo, dar alguma palavra favor dele? Que pode abrir a boca sem vexame nenhum...” (ROSA, 2001, p. 287). Infelizmente a esperança que Joca Ramiro representa para o sertão é tirada por Hermógenes, um dos líderes do grupo dos jagunços, pois este o assassina e é esta traição estimula o ódio e a vingança nos membros do grupo. Outra faceta de identidade mostrada no romance é o Zé Bebelo, homem sonhador que embora jagunço, deseja acabar com a jagunçagem no sertão, ser deputado. Ele representa a política: Ah, cujo vou, siô Baldo, vou. Só eu que sou capaz de fazer e acontecer. Sendo porque fui eu só que nasci para tanto! Dizendo que, depois, estável que abolisse o jaguncismo, e deputado fosse, então reluzia perfeito o Norte, botando pontes, baseando fábricas, remediando a saúde de todos, preenchendo a pobreza, estreando mil escolas (ROSA, 2001, p. 147). É possível perceber como Guimarães apresenta através deste personagem, as tentativas dos povos que vivem uma cultura diferente dos jagunços, (por exemplo, os políticos) reconfigurar e modelar a vida dos sertanejos, possibilitando uma “civilização” àquele povo. Entretanto como ele queria acabar com os jagunços, com a mesma prática de jagunçagem? Acabar com o sistema jagunço com o sistema jagunço? Essa situação assemelha-se com a guerra de Canudos. Os republicanos diziam que os moradores de Canudos eram seres bárbaros, violentos e cruéis e que deveriam ser “exterminados” para que não atrapalhassem o progresso na nação, entretanto para isso eles utilizaram as mesmas atitudes, ou ainda mais
  • 27. 27 violentas, ou seja, tentaram “consertar” aquele povo “bárbaro” com barbaridades. É uma grande contradição visível no Brasil. Líderes e governantes falam mas agem de forma diferente, são os paradoxos dos brasileiros, presentes também no projeto de construção da identidade nacional brasileira. Procura-se uma representação própria para o Brasil, entretanto negam as identidades marcadamente nacionais como os sertanejos, por exemplo, e se inspiram em culturas fortemente influenciadas por uma civilização européia. Zé Bebelo transforma-se também em um dos lideres dos jagunços. E esta identidade apresenta o desejo de obter conhecimento, jagunço também pensa, também quer aprender, também é capaz de transformar: Zé Bebelo – ah. Se o senhor não conheceu esse homem, deixou e certificar que qualidade e cabeça e gente a natureza dá, raro de vez em quando. Aquele queria saber tudo, dispor de tudo poder tudo, tudo alterar. [...] Senhor ouve e sabe? Zé Bebelo era inteligente e valente (ROSA, 2001, p. 92). Há também em Grande Sertão: Veredas, a representação do mal, no jagunço Hermógenes, já citado anteriormente. Homem que inspira desconfiança, maldade, “era positivo pactário” (ROSA, 2001, p. 424), “era fel dormido” (ROSA, 2001, p. 186). Esta identidade representa o mal pelo mal, sem uma “causa justa” para viver, “tem gente neste aborrecido mundo que matam só pra ver alguém fazer careta” (ROSA, 2001, p. 28). É a injustiça, a maldade, a vingança, a traição e é o causador das guerras e mortes no sertão: “Só o Hermógenes arrenegado, senhoraço, destemido. Rúim, mas inteirado, legítimo, para toda certeza, a maldade pura. Ele, de tudo tinha sido capaz, até de acabar com Joca Ramiro, em tantas alturas” (ROSA, 2001, p. 425). Todas estas identidades marcadas e destacadas são exemplos de uma cultura sertaneja. E esta representa uma história de tradição, poder, crenças, valores, honra, justiça, manifestações folclóricas e míticas, envolve o imaginário, o sagrado, o mistério, o real e o ireal, identidade que revela o oculto e o “indizível”, mas de uma maneira de ser mágica e envolvente que cativa desde a criança ao adulto que já se acha cheio de certezas, desde o ignorante ao homem da ciência que se pergunta: “Será”? Como esta identidade não se extingue e ainda sobrevive no mundo moderno como o que é hoje? Não se extingue por que caracterizam a cultura de um grupo forte, os jagunços, que “apesar de...” (sobre)vivem. E todas estas características fazem parte também da identidade cultural do Brasil, pois não se deve chamar identidade cultural de uma nação apenas um grupo ou comunidade cultural única, mas sim identidade multicultural, aceitando as diversidades e promovendo o envolvimento dos vários grupos culturais que
  • 28. 28 retratam o Brasil. Como foi possível visualizar, a identidade dos jagunços, embora a exclusão e a o perfil estigmatizado, conseguem ser seres culturais por construção mesmo que para isso seja de maneira rebelde, “jagunçada” e à revelia.
  • 29. 29 2 O EU E O OUTRO: RIOBALDO, UM JAGUNÇO FILOSÓFICO. Guimarães Rosa ao construir a identidade cultural do jagunço em Grande Sertão: Veredas, quebra a concepção pré-formada do jagunço brasileiro. É possível visualizar essa quebra no jagunço Riobaldo. Um jagunço inteligente, letrado, apaixonado e, principalmente, questionador e filosófico. Ao longo do romance, o anti-herói2 rosiano tece um monólogo com um suposto doutor3, sobre a vida no sertão, suas leis, sua cultura; entretanto, esses questionamentos e “conselhos” sobre a vida não se restringem apenas ao ambiente sertanejo, são questionamentos universais que transcendem ao espaço geográfico e não-geográfico do sertão. Riobaldo, ao narrar suas épicas da jagunçagem, retorna a um passado que vem delineando sua origem, sua personalidade, sua identidade: é a grande travessia do ser humano, a descoberta de si mesmo. E ao fazer esse movimento constante de transitar entre o passado, o presente e o futuro, Riobaldo vai destrinchando as veredas do seu “eu” - formadas a partir, principalmente, do olhar de um “outro” –, apresentando-se com uma identidade não fixa e, a todo instante, questionando-se e em contínuo estado de metamorfose. Esta identidade transforma-se, porque ela se questiona, interpela-se, é uma identidade introspectiva e filosófica. Este capítulo analisa o itinerário escolhido pelo narrador do romance para se definir enquanto identidade cultural, que viaja nas veredas do sertão exterior e interior do ser humano e tal como o local influencia-se, na maioria das vezes, pelo olhar do outro na busca constante do homem em descobrir-se enquanto ser individual e coletivo, ao mesmo tempo. 2 Anti-herói é o termo que se emprega para alguém que protagoniza atitudes referentes às do herói clássico, mas que não possuem vocação heróica ou que realizam as façanhas por motivos egoístas, de vaidade ou de quaisquer gêneros que não sejam altruístas. São personagens não inerentemente maus e que, às vezes, até praticam atos moralmente aprováveis. Contudo, algumas vezes é difícil traçar a linha que separa o anti-herói do vilão; no entanto, note-se que o anti-herói, diferente do vilão, sempre obtém aprovação, seja através de seu carisma, seja por meio de seus objetivos muitas vezes justos ou ao menos compreensíveis, o que jamais os torna lícitos. Além dos que buscam satisfazer seus próprios interesses, há também os que sofrem desapontamentos em suas vidas, mas persistem até alcançar o ato heróico. Ainda há o tipo de anti-herói que é bem próximo do herói, mas segue a filosofia de que “o fim justifica os meios”. 3 É relevante dizer que, embora haja duas pessoas envolvidas em um possível diálogo entre Riobaldo e o seu interlocutor, o que de verdade realiza-se é um monólogo, no qual apenas o jagunço fala e julga-se inferior a seu ouvinte, que é doutor da cidade: “Sou só um sertanejo, nessas altas idéias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração” (ROSA, 2001, p. 30). O que se percebe é que Guimarães inverte os papéis definidos na sociedade, e como afirma Bolle (2004) é o sertanejo que é o dono absoluto da fala, e o doutor da cidade é reduzido a um simples ouvinte “a inversão dos papéis costumeiros é uma estratagema de Guimarães Rosa para chamar atenção sobre o desequilíbrio de falas entre as forças sociais” (BOLLE, 2004, p. 40).
  • 30. 30 2.1 O viver perigoso: a travessia de Rio (Baldo) ou a travessia de si mesmo. Riobaldo, personagem central de Grande Sertão: Veredas, um ser que procura encontrar- se com uma identidade estável e formada; entretanto, em todo o enredo, percebe-se um sujeito fragmentado, desorientado, em busca do reconhecimento de sua identidade. De acordo com Hall, “[...] as velhas identidades que, por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (2006, p. 7). Uma identidade não estável diante do caos do mundo pós-moderno: Riobaldo é um personagem que, ao questionar e procurar respostas sobre a vida, envereda-se em um processo de formação identitária, tanto para si mesmo como para o “outro” que participa, direta ou indiretamente, deste processo. O romance de Rosa, Grande Sertão: Veredas, tem a travessia do rio São Francisco feita por Riobaldo, ainda criança, com o “menino mocinho”, Diadorim como uma das primeiras cenas marcantes: Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. [...] Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. [...] Ele se sentou. Mas, sério naquela sua formosa simpatia, deu ordem ao canoeiro, com uma palavra só, firme mas sem vexame: - Atravessa! [...] Eu tinha o medo imediato. [...] Quieto, composto, confronte, o menino me via – “carece do ter coragem...” -ele me disse. [...] O menino está molhando as mãos na água vermelha, esteve tempo pensando. Dando fim, sem em encarar, declarou assim: “Sou diferente de todo o mundo. Meu pai disse que careço de ser diferente, muito diferente...”. E eu não tenho medo mais. Eu? O sério pontual é isto, o senhor escute, me escute mais do que estou dizendo; e escuta desarmado. O sério é isto, da estória toda – por isto foi que a estória eu lhe contei -; Eu não senti nada. Só uma transformação, pesável [grifo meu]. Muita coisa importante falta nome (ROSA, 2001, p. 118-125). Essa travessia realizada por Diadorim e Riobaldo foi uma de suas primeiras. Principia com a mudança que representará o início de uma travessia maior que a física para o narrador de Grande Sertão: Veredas: a travessia que transcende o espaço do sertão, adentrando as
  • 31. 31 veredas interiores de Rio(Baldo), o rio que é baldo4, que falta, que carece, um ser que sente a necessidade de algo que o complete e que o preencha para a grande travessia do homem, a descoberta de si mesmo, atravessar os mares da dúvida, da insegurança, do medo de ser um “eu” real e, como afirma Márcia Morais, “através das „más devassas no contar‟ de Riobaldo, se pôde perscrutar (ainda que por breve amostragem friso) um sujeito, buscando encontrar-se como um eu perdido e marcando-se como individualidade, ao atravessar seus fantasmas míticos e primitivos” (2001, p. 170). Neste primeiro encontro de Riobaldo e Diadorim, o narrador do romance de Rosa percebe a sua necessidade de fazer a travessia, evoluir de uma identidade ainda vazia e estéril a uma identidade que se estabeleça enquanto um ser autônomo e mais “eu”, seguro e corajoso. Essa evolução representa uma transição do estágio de uma identidade insegura, medrosa, instável e que não reconhece seus desejos e objetivos de vida, como é o caso de Riobaldo; ele desconhece a razão e o sentido para viver e se encontra no meio da jagunçagem involuntariamente despercebido quanto ao significado da travessia do sertão interior e exterior; esta travessia talvez o conduza ao estágio de uma identidade forte, determinada, segura, apta ao delineamento de metas, firme quanto aos desejos próprios, resistente aos moldes contínuos de outros; uma identidade cultural múltipla, mas que precisa ter suas individualidades definidas, já que Riobaldo possui uma identidade fortemente influenciada por esses “outros”. Em Diadorim, o menino moço, Riobaldo visualiza um ser, um molde a seguir de uma identidade completa e formada: Em todo o episódio Diadorim já era Diadorim, estava pronto, e a atração que Riobaldo sentiu por ele não era tanto devida a sua ambigüidade, uma menina vestida de menino, do que ele nem desconfiava, mas devido ao seu acabamento, por ele ser tudo aquilo que ele não era e, talvez invejasse e gostasse de ser. Foi aí que Riobaldo o elegeu como modelo a ser alcançado e Diadorim o adotou como alguém carente, que precisava de cuidados e proteção (RONCARI, 2004, p. 68). Riobaldo ao narrar a sua saga de jagunço desde a sua primeira travessia até a vitória contra os “hermógenes5”, vai tecendo o encontro e a descoberta de si mesmo. A sua travessia por todo o sertão com a finalidade de vingar a morte de Joca Ramiro, pai de Diadorim; representa também, um viagem de auto-conhecimento, esse “viver perigoso” mencionado 4 Segundo Aurélio, baldo apresenta duas acepções: “barragem ou parede para represar as águas de um açude”; “falso, falho, carecido, carente. Que, no carteado, não tem determinado naipe” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 224. 5 Palavra, aqui, escrita em minúsculas para seguir a estrutura do livro em análise.
  • 32. 32 pelo personagem de Grande Sertão: Veredas, diversas vezes no romance. O perigo de se descobrir enquanto ser individual e, ao mesmo tempo, coletivo, ainda não formado, que precisa de uma grande travessia do sertão interior, que há dentro de cada coração, cada essência e identidade para se auto-firmar. Atravessar o sertão que há dentro de si e todas as veredas da alma humana: seus medos, seus fantasmas, suas fragilidades. Riobaldo fala da travessia do sertão, do rio, de Rio(baldo); ele é o próprio rio que atravessa as veredas do sertão interior, o rio que transmite medo e ao mesmo tempo é guia, rio com águas baldias ora escuras ora vermelhas, e só no fim, claras como os olhos de Diadorim, no momento de sua morte, quando ele descobre a mulher em seu jagunço-amor. Este Rio(baldo) tenta desbravar tanto um sertão indomável como o seu interior, investigado, analisado, questionado e atravessado; um sertão em que poucos conhecem, a que poucos têm acesso e ao analisar questões filosóficas sobre a vida, o medo, o amor, o crer/não crer, o homem, a vingança, de forma introspectiva tentando descobrir o sertão que povoa sua alma, esse ser ainda em formação. E o próprio Riobaldo reconhece diante do seu interlocutor, o doutor, que não está apenas narrando um sertão visível a todos, ele reconhece em seu monólogo, que narra um sertão visualizado por poucos que se arriscam a entrar ou enveredar-se pelos seus diversos caminhos sem se perder ou perder de vista o ponto de chegada; é um sertão que transcende o espaço físico e geográfico e concentra-se no interior de cada ser humano, este é o grande desafio: Eu queria decifrar as coisas que são importantes. Estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe! [...] Assim é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei [grifo meu]. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas – e só essas poucas veredas, veredazinhas (ROSA, 2001, p. 116). Nestes dois sertões, interior e exterior, constrói-se a identidade de Riobaldo, em seus questionamentos, em suas teorias, em sua filosofia de vida. Identidade que se forma em relação a um “outro” e a um meio que estimula um ser social que é produzido: Não é fácil concordar com o fato de que, do ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída. A principal questão, na verdade, diz respeito a como, a partir de quê, por quem, e para quê isso acontece. A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso (CASTELLS, 2006, p. 23).
  • 33. 33 A identidade cultural deste jagunço é reflexo de tudo que ele narra, o seu passado, presente e futuro no sertão, formando e modelando este ser cultural e o aspecto importante destacado no romance por Guimarães Rosa, através de seu personagem, é a possibilidade desta construção e/ou transformação identitária, tanto de “formar” ou “desformar” o “eu”: “O senhor ... Mire e veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou” (ROSA, 2001, p. 39), como ele, que ainda não está completo. Isto porque, entre outros motivos, a identidade cultural do sujeito pós-moderno está em mutação constante, influenciado principalmente por elementos diversos que constituem a multiplicidade do sujeito: Como há em nós identidades contraditórias, nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas, em função de elementos nacionais, culturais, de gênero, de classe social, de posição política e religiosa, enfim, das várias identificações que formam o sujeito mosaico de nossa era (FIGUEIREDO; NORONHA, 2005, p. 191). E nesta travessia Riobaldo se (re)descobre e tenta formar uma identidade que o faça se reconhecer. Entretanto, esta não é uma tarefa única do “eu” de Riobaldo. Para que consiga realizar a travessia, ele sofre a influência de um fator decisivo nesta construção identitária: o olhar do “outro”, e a essência desse “outro” participa diretamente da formação do “eu” do jagunço rosiano. 2.2 “Mire e Veja”: Riobaldo, a identidade dialética. O jagunço Riobaldo narra toda a sua história a um interlocutor que não participa diretamente do memorial de vida deste contador de sagas. É um “outro” que apenas ouve este contar. Todavia, há “outros” narrados neste “prosear” que dialogam com a identidade de Riobaldo, significando mais que ouvintes passivos ou meros indivíduos que passaram na travessia de Riobaldo, são “outros” que marcaram e fizeram parte da formação identitária deste jagunço. O olhar do “outro” em toda a história da humanidade representou e representa um fator importantíssimo na formação do “eu” do ser humano. É um olhar que penetra intimidando-o a não ser livre e autônomo em relação à própria identidade. É a presença do “outro” que muitas
  • 34. 34 vezes, determina e/ou atrapalha a ação do “eu” como um juiz e um revelador da formação do “eu”: No humanismo existencialista sartreano, a transcendência é a superação do Homem dada por este movimento de projetar-se no Outro e de retorno a si mesmo. É superação enquanto que constante construção do Eu, um constante vir a ser. Com isto, o conceito de transcendência transcendida corresponde à própria existência do Outro que confere à minha transcendência um atributo de estar fora de, externa ao Eu. O Outro transcende a minha transcendência (JACOBY; CARLOS, 2005, p. 50). Riobaldo é um “eu” em formação que estabelece uma relação constante com o “outro” para constituir-se enquanto identidade cultural no sertão brasileiro. “Riobaldo não é um sujeito pronto” (RONCARI, 2004, p. 60), é uma identidade em construção que “[...] seguia um modelo materno, feminino, guiados pelos afetos e vivia o vazio da falta do pai, o que o obrigava a buscá-lo fora, entre os outros homens que cruzavam o seu caminho e que ele admirava, respeitava ou odiava” [grifo meu] (RONCARI, 2004, p. 61). E a partir destes “outros”, que apareciam em sua travessia pelos dois sertões, o interno e o externo, esta identidade se projetava e se estabelecia, ora assimilando a sua identidade características que ele percebia neste “outro”, ora as rejeitava, tentando assim, definir sua personalidade, o seu próprio “eu”. Riobaldo demonstra no romance insegurança diante do que ele era e o que não era: “Antes o que me atanazava, a mor – disso crio razoável lembrança – era o significado que eu não achava lá, no meio onde eu estava obrigado, naquele grau de gente” (ROSA, 2001, p. 196). Era um ser que por não saber quem era, frustrava-se por não se reconhecer em lugar nenhum, não se encontrava, não sentia prazer em suas ações como os outros tinham: [...] conheci que estava chocho, dado no mundo, vazio de cada banda que eu fosse, e eram pessoas matando e morrendo, vivendo numa fúria firme, numa certeza, eu não pertencia a razão nenhuma, não guardava fé e nem fazia parte (ROSA, 2001, p. 158). A sua insatisfação com a vida era devido, entre outros motivos, a sua identidade não formada, em construção. E neste processo, a identidade do “outro” que o circundava, dialogava com sua identidade, a qual influenciava sua formação. Identidades boas ou más, frágeis ou fortes, corajosas ou sensíveis, todas elas faziam parte da formação desse “eu” em sua travessia. Entre esses “outros” que participaram da formação identitária do jagunço Riobaldo, Joca Ramiro e Medeiro Vaz foram dois chefes justos e corajosos que cruzaram o caminho do narrador de Grande Sertão: Veredas:
  • 35. 35 Contracenando com a figura de Hermógenes, estão Joca Ramiro e Medeiro Vaz, através dos quais se exibem os signos da justiça, da ordem, da autoridade, da obediência, da glória, da amizade, da prudência, da bondade, da honra, do poder benéfico (HOISEL, 2006, p. 150). Esses chefes influenciaram a formação identitária de Riobaldo, com seus códigos de honra e justiça, jagunços que estimularam a admiração deste, respeito e obediência: [...] Joca Ramiro era único homem, par-de-frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso [...]. Fato que Joca Ramiro também igualmente saia por justiça e alta política, mas só em favor de amigos perseguidos; e sempre conservava seus bons haveres. Mas Medeiro Vaz era duma raça de homem que o senhor mais não vê; eu ainda vi (ROSA, 2001, p. 60-1). Havia também um “outro” que dialogava e fazia parte da constituição da identidade de Riobaldo, um terceiro chefe: Zé Bebelo. Um jagunço sonhador que se interessava em questões políticas. Entretanto Riobaldo tinha um “outro” que apesar de representar o mal, a crueldade e a injustiça, também fazia parte da constituição da identidade do narrador, de Grande Sertão: Veredas: “Em diversas passagens da fala de Riobaldo, ele pontua sua identidade com Hermógenes, portanto, com as forças maléficas, com o mundo desgovernado dos jagunços” (HOISEL, 2006, p. 152). Com esse mal, essa traição, esse crime e esse poder maléfico, representados por Hermógenes, a identidade de Riobaldo também dialoga. Esta identidade cultural de Riobaldo, destacado por Rosa em Grande Sertão: Veredas é uma identidade fragmentada e constituída por diversos “outros” e “eus” que fizeram a travessia com Riobaldo, não só esses personagens citados, mas todos aqueles que estabeleceram um diálogo e uma relação de troca com esse “eu” que faz uma viagem ao narrar a sua própria história de vida de jagunço no sertão inventado por Guimarães Rosa, como defende Evelina Hoisel: No meio do turbilhão, das ondas, Riobaldo foi um Hermógenes, um Joca Ramiro, o que atesta ainda essa ambivalência constitutiva do jagunço Riobaldo. [...] Como chefe jagunço, Zé Bebelo não tem a dimensão que caracteriza os dois grandes chefes Joca Ramiro e Medeiro Vaz. Entretanto, é através dele que Riobaldo compreende o significado da guerra sem fim e perversa do sertão, pois Zé Bebelo não tem interesses definidos, a não ser a própria guerra (2006, p. 153-4). Estes tipos de identidade, identidades dialéticas, que o personagem Riobaldo tenta concluir a sua travessia. Dialéticas porque são contraditórias, mas que constitui o “eu” de Riobaldo, são identidades diferentes e opostas que formam a unidade imaginada do narrador-
  • 36. 36 Riobaldo, oposições que se unem, se entrelaçam, se enveredam por um Rio(baldo) que assimila as identidades outras que o circundam e o rodeiam, embora a diferença e oposições: bem/mal, forte/fraco, Deus/Diabo, mulher/homem; “Pode-se afirmar que as identidades, complexas e múltiplas, nascem de uma oposição a outras identidades, baseando-se em formações discursivas imaginárias e não na razão” (FIGUEIREDO; NORONHA, 2005, p. 202). Riobaldo é o resultado das suas vivências com essas identidades dialéticas, oposições que se resolvem em unidades provisórias: A dialética é o princípio de todo o movimento e de toda a atividade que encontramos na realidade. Tudo o que nos rodeia pode ser considerado como uma instância da dialética. Sabemos que tudo o que existe como finito, em vez de ser estável e último, é antes mutável e transitório. Essa dialética é manifesta no movimento dos corpos celestes, nas revoluções políticas, desde a anarquia até o despotismo, como também nas oscilações emocionais. Tudo o que existe envolve aspectos opostos e contraditórios, pois a contradição é a força propulsora do mundo. [...] Os termos comuns no método da dialética são: identidade, distinção, oposição, contradição [grifo do autor]. O princípio de identidade é dinâmico, é uma força ativa de identificação no Espírito. A atividade identificadora se realiza progressivamente, superando a desigualdade que se manifesta no decorrer do processo dialético; ela é a autoconsciência que se realiza e reconhece através das suas próprias determinações. A identidade contém dentro de si a diversidade e a distinção: só o diverso e o distinto se verificam e identificam (GILES, 1979, p. 20- 1). São estas identidades dialéticas que o narrador-Riobaldo procura estabelecer em si enquanto ser cultural autônomo. Todavia, para alcançar seu objetivo de descobrir a si mesmo, pelas veredas do sertão, ao mesmo tempo em seu sentido restrito e amplo, Riobaldo questiona e interroga a si mesmo a respeito desta identidade que se forma, questionadora, mas que o impulsiona ao mundo tão dialético quanto ele mesmo. 2.3 Riobaldo: interrogando identidade Mas afinal quem é esse que questiona a identidade? Quem é esse ser filosófico que discorre opiniões e conselhos sobre a vida do homem? Uma identidade que interroga sobre si mesmo, sobre seus medos, suas angústias, o seu “eu”, seu amor, sua força e sua fé: “o jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui. Não fui! – por quê? Não sou eu, não quero ser” (ROSA, 2001, p. 232). Riobaldo é aquele que se encontra no “outro” e foge dessas descobertas. Ele convive em todos os tempos do romance, passado, presente e futuro, em uma constante