1. “Sermão de Sãnto Antonio ãos Peixes”
Estrutura:
Estrutura interna
Partes
Estrutura
externa
Capítulos
Matéria/Conteúdo Correspondência
no texto narrativo
1º Exórdio ou Intróito
(ideiasumáriada
matériaque vai ser
tratada)
Capitulo I
Apresentaçãodotema,partindo
do conceitopredicável: Vosestis
sal terrae (vóssoiso sal da terra)
Exploraçãodo tema
Panegíricoa SantoAntónio
Invocaçãoà VirgemMaria
Introdução
2º Exposição
(apresentação
circunstanciadade uma
matériadidáctica) e
Confirmação
(desenvolvimentoe
apresentaçãode provas
dos factos)
- Apelofinal,castigo,
excomunhão.
CapítuloII
Proposição:até “E onde há bons,e
maus,há que louvar,e que
repreender.”
Iniciodaalegoria:“Supostoisto,
para que procedamoscom
clareza…”
Divisão:desde “Supostoisto”até
“vossosvícios”(o auditórioficana
posse doesquemado
desenvolvimentodosermão).
Capítulo
III
L
O
U
V
O
R
E
S
EM GERAL
Louvoresemgeral:a
partir de “Começando
poispelosvossos
louvores…”
Exemplificação:“Ia
Jonaspregadordo
mesmoDeus…”
EM PARTICULAR
Louvoresdogeral para o
particular:desde “Este é,
peixes…descendoao
particular”,até “Santo
Antónioabriaa sua contra os
que se não queriamlavar”.
Inícioda confirmação:“Ah
moradoresdoMaranhão”
Louvoresemparticular:
- o peixe de Tobias
- a rémora
- o torpedo
- o quatro-olhos
Desenvolvimento
2. CapituloIV
R
E
P
R
E
E
N
S
Õ
E
S
EM GERAL:
1º Repreensãoaospeixes
emgeral:a ictiofagia(os
peixescomem-se unsaos
outros).
- Amplificaçãoda
repreensão(osmaiores
comemos maispequenos).
2º Repreensãoemgeral:a
ignorânciae a cegueirados
peixes.
Desenvolvimento
CapituloV
EM PARTICULAR:
Repreensõesemparticular:
- os roncadores
- os pegadores
- os voadores
- o polvo
3º Peroração ou
Epílogo(parte final
do discurso)
CapituloVI
Apelo,incitamento,elevação:
- os peixesestãoacimadosoutros
animais
- os peixesestãoacimado
pregador
(Asúltimaspalavrassãoas que a
memóriadosouvintesmais
retém).
Conclusão
Porquê SantoAntónio?
o SantoAntónioserviade modeloparaoPadre AntónioVieira,eraoseuídolo,e o
sermãofoi pregadonomesmodiade SantoAntónio,13 de Junho.
O que é o sermão?
o É um sermãoalegóriconoqual os colonossãocriticadosindirectamente (osvícios)
atravésde ásperascensurasdirigidasaospeixes. Éuma sátirabelae audaciosa.
O que falao Sermão?
o Falada escravatura,dos direitoshumanos,lutacontraaescravatura e a
exploraçãodesumanaque exerciamsobre osameríndiossemteremcontaa lei
que lhesregulavaasliberdadese asrestrições.Correspondemavalores
intemporais(que acontecemdesde àmuitotempo).
Qual o tema dosermão?
o “O remédiodaSalvaçãodosíndios”.
Qual o tipode linguagemutilizada?
o Linguagemenigmática(misteriosa).
3. Capítulo I
“Vós, dizCristo,Senhor nosso,falandocomos pregadores,soiso sal da terra: e
chama-lhesal da terra, porque quer que façamna terra o que fazo sal. O efeito do
sal é impedira corrupção,mas quandoa terra se vê tão corrupta como está a nossa,
havendotantos nela,que têm ofíciode sal, qual será, ou qual podeser a causadesta
corrupção?”
o Corresponde à introdução do capítulo, à abertura do sermão, onde se
enuncia o conceito predicável: “vos estis sal terrae” (citação em latim,
mensagem evangélica, que serve de mote para o sermão e que se vai
desenvolver em torno desse raciocínio, dá origem ao tema), onde “vos”
significa pregadores e “terrae” significa ouvintes (os colonos).
o Pregadores são os padres daquele tempo, eram quem iluminavam as
almas perdidas, e tinham a função de sal, ou seja, tal como os sais na
comida, os padres na terra impediam que as coisas se deteriorassem, se
destruíssem na terra (no Maranhão). (“Pregadores,soiso sal da Terra: e
chama-lhesal da terra, porque quer que façamna terra o que fazo sal”-
metáfora – os pregadores, ao pregarem a mensagem de Cristo, têm na
Terra a mesma função do sal, evitar a corrupção).
o Então o Padre António Vieira questiona-se do motivo de tanta
corrupção (Como é que a Terra, Maranhão, está tão estragada com
tantos pregadores?)
Dá inicio a várias hipóteses para a pergunta posta (Qual a causa da corrupção?)
utilizando várias perguntas retóricas (serve para captar a atenção do auditório
e levá-lo a reflectir):
Aos pregadores: Aos ouvintes:
Ou é porque:
“o sal não salga” “a terra se não deixa salgar”
“os pregadores não pregam a
verdadeira doutrina”
“Aos ouvintes … a doutrina não
querem receber”
“Os pregadores dizem uma cousa
e fazem outra”
“Os ouvintes querem imitar o que
eles fazem, que fazer o que
dizem”
“Os pregadores se pregam a si, e
não a Cristo” (transmitem a sua
palavra)
“Os ouvintes em vez de servir a
Cristo, servem os seus apetites.”
“Não é tudi isto verdade? Ainda mal?” (ironia)
“quese há-defazer a este sal e que se há-defazer a esta terra?”: o que fazer a
Maranhão, à exploração dos índios e aos pregadores?
4. Recorre a Cristo, sendo uma autoridade máxima e cita frases em latimda bíblia
para provar os seus argumentos com uma autoridade máxima. (“Oque se há-de
fazer ao sal que não salga,Cristoo disselogo:Quod si sal evanuerit, inquo salietur?
Ad nihilumvaletultra,nisi ut mittaturforas et conculcetur abhominibus. »)
Ou seja, se o sal não presta, é metê-lo fora, de forma a ser pisado por todos.
(“Seo sal perder a substânciae a virtude, e o pregador faltarà doutrinae ao
exemplo,o que se lhehá-de fazer,é lançá-loforacomoinútil para que sejapisado
de todos.”).
Então, o Padre António Vieira diz que acha melhor metê-los no desprezo a
quem não cumpre a missão, a quem não prega de forma correta. (“Assimcomo
não háquem seja maisdignode reverência e de ser postosobre a cabeça que o
pregador que ensinae faz o que deve, assimé merecedor de todo o desprezo e de
ser metido debaixodospés, o que com a palavraou com a vidaprega o contrário.”)
Cristo não dá uma resposta à corrupção na Terra: “Isto é o que se deve fazer ao
sal que não salga.E à terra que se não deixasalgar,que se lhehá-de fazer?Este
pontonão resolveu Cristo,Senhornosso,no Evangelho;mas temos sobreele a
resoluçãodo nossogrande portuguêsSantoAntónio,que hoje celebramos,e a mais
galhardae gloriosaresoluçãoque nenhumsantotomou.”
Dá hipóteses em relação ao que faz quando os Hereges tentaram-lhe retirar a
vida quando tentava pregar: “Que farianeste casoo ânimogeneroso do grande
António?Sacudiriaopó dos sapatos,comoCristoaconselhaem outro lugar?Mas
Antóniocom os pés descalçosnãopodiafazer esta protestação; e uns pés a que se
não pegounadada terra nãotinhamque sacudir.Que farialogo?Retirar-se-ia?
Calar-se-ia?Dissimularia?Dariatempoaotempo? Isso ensinariaporventuraa
prudênciaou a covardiahumana;maso zelo da glóriadivina,queardia naquele
peito,não se rendeu a semelhantespartidos.”
Começa a alegoria (metáfora que é continuada), Santo António foi pregar aos
peixes e estes quiseram-no ouvir, meteram a cabeça para fora da água, ao
contrário dos homens que não o quiseram ouvir: “Poisque fez? Mudousomente
o púlpitoe o auditório,masnão desistiudadoutrina.Deixa as praças,vai-seàs
praias;deixa a terra, vai-seao mar, e começa a dizer a altasvozes: Já que me não
querem ouvir oshomens, ouçam-meospeixes. Oh maravilhasdoAltíssimo!Oh
poderes do que criouo mar e a terra! Começam a ferver as ondas,começam a
concorrer os peixes, osgrandes, osmaiores, ospequenos,e postostodos por sua
ordem com as cabeçasde forada água,Antóniopregavae eles ouviam.”
No 3º capítulo, recorre ao exemplo de Santo António, como argumento de
virtude, contando a sua história e estabelecendo comparações. Santo António
era um sal que queria verdadeiramente salgar e foi tão persistente ao ponto
de nunca desistir da doutrina. Teve a capacidade para compreender a situação
trágica em que se viu envolvido e arranjou outra solução.
5. No penúltimo parágrafo do 1º capítulo, Padre António Vieira queixa-se que
ninguém o quer ouvir, foram dias e dias que pregou, que investiu tempo nos
homens e ninguém quis ouvir a palavra de Deus, ninguém quis saber. Queixa-
se do auditório (das pessoas). Ao contrário de Santo António (que foi sal na
terra e sal no mar), António Vieira não teve o mesmo impacto nas pessoas.
Por fim, no último parágrafo, diz então o que vai fazer. Vai pregar a quem o
quer ouvir, “aos peixes” tal como Santo António o fez. (“Os demais podem
deixar o sermão, pois não é para eles.” – quem não quer ouvir pode sair).
Termina com a invocação a Maria: “Maria,quer dizer,Dominamaris: «Senhorado
mar»; e posto que o assuntoseja tão desusado,esperoque me nãofalte com a
costumadagraça.Ave Maria.”
Todo o discurso do Padre António Vieira é muito rico e variado para despertar
a atenção do auditório. A utilização do raciocínio de forma simétrica facilita a
compreensão da mensagem por parte do auditório. O autor vai recorrendo a
sucessivas hipóteses emalternativa, imprimindo ao discurso um ritmo binário,
que facilita a captação da mensagem.
O discurso argumentativo que privilegia a 2º pessoa, tem por fim, persuadir e
garantir a adesão ao público.
Capítulo II – Louvores em Geral
Os peixes possuem2 boas qualidades: ouvem e não falam, mas não se podem
converter à religião, daí a utilização da ironia “Nunca pior auditório”. A dor pela
qual ele sente pelos humanos também a sente pelos peixes, mas como já
estava habituado ou pensava estar habituado, a dor e o sofrimento é a mesma,
mas não a quer sentir. (ironia – “Mas esta…sente”). Este parágrafo pertence à
introdução do II capítulo: “Enfim,que havemosde pregar hoje aos peixes? Nunca
pior auditório.Aomenostêm os peixesduas boasqualidadesdeouvintes:ouvem e
não falam.Umasó cousapudera desconsolaraopregador,que é serem gente os
peixes que se nãohá-de converter. Mas esta dor é tão ordinária,que já pelocostume
quase se não sente. Por esta causamão falarei hoje em Céu nem Inferno;e assim
será menos triste este sermão,do que os meus parecem aoshomens, pelos
encaminharsempre à lembrançadestes dois fins.”.
Retoma ao conceito predicável (“vos estis sal terrae”) para que os ouvintes
saibamo tema e as propriedades do sermão. Serve-se o modelo de Santo
António, dizendo que também devem pregar bem todos os pregadores: “vos
estis sal terrae (conceito predicável). Haveis de saber, irmãospeixes (apóstrofe),
que o sal,filhodo mar comovós, tem duas propriedades,asquaisem vós mesmos se
experimentam:conservar o são e preservá-lopara que se não corrompa (funções do
6. sal).Estas mesmaspropriedadestinhamas pregaçõesdo vosso pregadorSanto
António,comotambém as devem ter as de todosos pregadores. Umaé louvaro
bem, outra repreender o mal:louvaro bem para o conservar e repreender o mal para
preservar dele (funções do pregador e do sermão). Nem cuideisque istopertence
só aoshomens, porquetambém nospeixes tem seu lugar.”
Para além de repreender os peixes devido aos seus erros e vícios, há que saber
louvá-los e imitá-los. Comprova aquilo que está a dizer com referência a
argumentos de autoridade em latim (algo irrefutável, que serve para chamar a
atenção do auditório): “Assimo dizo grande Doutor da Igreja S. Basílio: Non
carpere solum,reprehendereque possumuspisces,sed suntin illis,et quae
prosequendasunt imitatione:«Nãosóhá que notar, dizo Santo,e que repreender
nos peixes,senãotambém que imitar e louvar.»”.
Faz referência a Cristo (uma autoridade máxima) e termina o parágrafo com a
divisão dos bons e dos maus ouvintes. Há que saber louvar aqueles que são
bons, e escutam bem a palavra: “QuandoCristocomparoua sua Igreja à rede de
pescar, Sagenaemissae in mare, diz que os pescadores«recolheram os peixesbonse
lançaramfora osmaus»: Elegerunt bonosinvasa, malosautemforas miserunt.E
onde há bonse maus, háque louvar e que repreender. Supostoisto,para que
procedamoscom clareza, dividirei,peixes,o vossosermão em dois pontos:no
primeirolouvar-vos-ei asvossasvirtudes,no segundo repreender-vos-ei os vossos
vícios.E desta maneira satisfaremosàsobrigaçõesdosal, que melhorvos está ouvi-
lasvivos,que experimentá-lasdepoisde mortos.”.
Inicia o exaltamento de todos os louvores dos peixes (“pelos vossos louvores,
irmãos peixes” - apóstrofe):
o “vósfostes as primeirasque Deus criou” – foram as primeiras criaturas que
Deus criou.
o “e nasprovisões,em que honroucom estes poderes, os primeirosnomeados
foramos peixes”
o “Entre todosos animaisdoMundo,os peixes sãoos maise os peixesos
maiores.” – O oceano é o meio maior de todos, onde lá habitam a maior
parte dos seres – os peixes, e alguns deles como as baleias, são maiores
que todos os outros, logo daí a explicação de serem muitos e os
maiores.
Procura uma comparação próxima ao do auditório e Padre António Vieira diz
que os peixes não são como os homens, não têm os mesmos vícios. Há a
repreensão aos homens. (“Quecomparaçãotêm em númeroas espécies das aves e
as dosanimaisterrestres com as dospeixes? Que comparaçãonagrandeza o
elefante com a baleia?Estes e outros louvores,estas e outras excelênciasde vossa
7. geração e grandezavos pudera dizer, ó peixes (apóstrofe);mas isto é lá para os
homens,que se deixam levardestas vaidades (crítica aos homens), e é também
para os lugaresem que tem lugara adulação,e nãopara o púlpito.”)
No 4º parágrafo, continua o exaltamento das virtudes dos peixes (“àsvossas
virtudes”):“Éaquelaobediência.”,“aquela ordem,quietação e atenção com que
ouvistea palavrade Deus da bocado seu servo António” e “atentose suspensos às
suaspalavras,escutandocom silêncio,e com sinaisde admiraçãoe assenso
(concordância).”.E os homens, ao contrário dos peixes, queriam matar e atirar
para o mar Santo António, porque este repreendia-lhes os seus vícios.
o Os peixes pareciamhumanos/homens, bons ouvintes e os homens que
são ser racionais, não usam as suas capacidades, não usama sua razão.
Os homens são insultados pelo Padre António Vieira e criticados devido
aos seus comportamentos. “Quemolhasseneste passopara o mar e paraa
terra, e visse naterra os homenstão furiosose obstinadose nomar ospeixes
tão quietose tão devotos (comparação), que haviade dizer? Poderiacuidar
que os peixesirracionaisse tinhamconvertidoem homens,e os homensnão
em peixes, masem feras.Aos homensdeu Deus usode razão,e não aos
peixes; masneste casoos homenstinhama razão sem o uso, e os peixes o
uso sem a razão.”
o Utiliza o exemplo de Jonas (durante uma tempestade, Jonas, que
navegava num barco, caiu no mar e uma baleia engoliu-o, levando-o
durante 3 dias, no ventre até que o lançou numa praia, onde começou a
pregar), de forma a dar mais qualidades aos peixes, pois os homens
lançaram-no ao mar para ser comido, e o peixe comeu-o para levá-lo a
fazer o bem na terra, impedir a corrupção, salvar os homens.
o “Vede,peixes (apóstrofe),enãovosvenha vanglória,quantomelhoressois
que os homens.Os homenstiveram entranhaspara deitar Jonasao mar, e o
peixe recolheu nasentranhasa Jonas,para o levar vivo à terra (Como é
possível os peixes terem melhores atitudes que os homens).”.
Utiliza um argumento de autoridade, onde diz que todos os animais em
contacto com o homem deixam se mansar, serem domesticados: “Masporque
nestas duasacções teve maiorparte a omnipotênciaquea natureza (comotambém
em todas as milagrosasqueobramos homens) passoàs virtudesnaturaise próprias
vossas.Falandodospeixes, Aristóteles dizque só eles, entre todosos animais,senão
domamnem domesticam.
No último parágrafo compara os peixes com todos os outros animais:
o Dos animaisterrestres o cãoé tão doméstico,o cavalotão sujeito,o boi tão
serviçal,o bugiotão amigoou tão lisonjeiro,eaté os leões e os tigrescom
8. arte e benefíciosse amansam. Dos animaisdoar, aforaaquelasaves que se
criam e vivem connosco,o papagaio nosfala,o rouxinol noscanta, o açor
nos ajudae nos recreia; e até as grandesaves de rapina,encolhendoas
unhas,reconhecem a mão de quem recebem o sustento.
Utiliza a repetição anafórica da palavra “lá” para referir a distância entre os
peixes e os homens, e ainda, admira a distância que os peixes mantêm do
homem para não se deixarem contaminar pelos seus vícios:
o Os peixes,pelo contrário,lá se vivem nosseus mares e rios, lá se mergulham
nos seuspegos, láse escondemnas suasgrutas, e não hánenhum tão grande
que se fie do homem,nem tão pequeno que nãofujadele. Os autores
comummentecondenam esta condiçãodospeixes,e a deitamà pouca
docilidadeoudemasiadabruteza;mas eu sou de mui diferente opinião.Não
condeno,antes louvomuitoaos peixeseste seu retiro, e me parece que, se
não foranatureza, era grande prudência.Peixes (apóstrofe)! Quanto mais
longedos homens,tanto melhor;trato e familiaridadecomeles,Deus vos
livre!
Refere as consequências dos animais em contacto com o homem. Há boas, mas
também há más consequências. Há a enumeração de vários animais que são
contaminados pelo homem, que os prendem:
o Se os animaisdaterra e doar querem ser seus familiares,façam-nomuito
embora,que comsuas pensõeso fazem. Cante-lhesaoshomenso rouxinol,
mas nasua gaiola;diga-lhesditoso papagaio,masnasua cadeia;vá com
eles à caça o açor, mas nassuas piozes;faça-lhesbufonariaso bugio,masno
seu cepo; contente-se o cão de lhes roer um osso, mas levadoonde nãoquer
pela trela; preze-se o boi de lhe chamarem formosoou fidalgo,mascomo
jugosobre a cerviz, puxandopeloarado e pelo carro; glorie-seo cavalode
mastigarfreiosdourados, mas debaixodavara e daespora; e se os tigres e
os leões lhe comema raçãoda carne que não caçaramno bosque,sejam
presos e encerrados com grades de ferro.
Por fim, termina o capítulo dizendo que se os peixes viverem longe dos
homens, então aí sim viverão bem, livres:
o E entretanto vós,peixes,longe doshomens e fora dessascortesanias,
vivereis sóconvosco,sim, mascomo peixe naágua. De casa e dasportas a
dentro tendes o exemplode todaesta verdade,o qual vosquero lembrar,
porque háfilósofosquedizem que nãotendes memória.”
9. Capítulo III – Louvores em Particular
1º peixe – Santo Peixe de Tobias
Virtudes Comparação Simbologia e Critica Outros
O seu ”fel era bom
para curar a
cegueira, e o
coração para
lançar fora os
demónios”: o fel
curou a cegueira do
pai de Tobias e o
coração afastou os
demónios da casa
de Sara.
É um peixe de bom
coração e
proveitoso (grandes
virtudes interiores.
Comparação com
Santo António que
pretendia tirar as
cegueiras aos
homens e livrá-los
dos demónios,
iluminar-lhes as
almas.
O peixe abria a boca
contra quem se
lavava (sujidade), e
Santo António abria a
sua boca contra
quem se não queria
lavar (purificar a
alma).
“Abria Santo
António a boca
contra os hereges, e
enviava-se a eles,
levado do fervor e
zelo da fé e glória
divina. E eles que
faziam? Gritavam
como Tobias e
assombravam-se
com aquele homem
e cuidavam que os
queria comer.”
O peixe/ o fel
serve para untar
os olhos doentes
de névoa, para
aqueles que não
vêm a verdade e
o bom coração
dos outros, serve
para alumiar e
mostrar que as
virtudes são as
interiores (fé,
virtude,
bondade).
Tobias foi lavar os
pés ao rio quando
o peixe lhe abriu a
boca. Assustado,
ele gritou só que o
anjo disse-lhe que
devia arrastar o
peixe e retirar-lhe
as entranhas e o
coração que
curava as
cegueiras e
afastava os
demónios. Pai de
Tobias era cego, e
deixou de estar
assimque Tobias
meteu lhe o fel
nos olhos. E o
coração afastou o
demónio que
assombrava a
futura mulher de
Tobias.
10. 2º peixe – Rémora
Virtudes Comparação Simbologia e Crítica
Pequeno de corpo e tão
grande na força e no poder:
“se pegaao leme de umaNau
da Índia,apesardas velase
dos ventos,e doseu próprio
peso e grandeza,a prende e
amarra maisdo que as
mesmasâncoras”
É persistente, determinada,
tem força de vontade, a
rémora apodera-se do
barco/nau.
O peixe, tal como Santo
António tem uma língua,
que na verdade é pequena,
mas vence tudo com a
força, e esta língua
manteve-se incorrupta,
assimcomo a rémora,
“agoraestá muda”.
A língua tinha força para
dominar as paixões
humanas: a soberba, a
vingança, a cobiça e a
sensualidade.
A língua impediu o desfeito
de muitos e deteve a fuga.
A rémora serve de molde
para os homens, que
apesar de pequena, e
neste caso, será as
palavras, surtem um
grande efeito nos
homens, têm um grande
poder no coração de
cada um. Mas os homens
deixam-se levar pelos
vícios (representada
pelas 4 naus – a soberba,
a vingança, a cobiça e a
sensualidade.
Associada à Rémora, apresenta 4 imagens às 4 naus:
o Soberba: altivez, arrogância, luxúria, vaidade.
o Vingança: represália, sofreguidão, ofensa, punição
o Cobiça: ambição, avidez, orgulho, ânsia
o Sensualidade: castigo, volúpia, lascívia, lubricidade.
A nau é a metáfora que representa os vícios e todos os defeitos do Homem.
A língua de Santo António foi a salvação destes que impediu o desfeito de muitos e
deteve a fuga.
“mão no leme” é o mesmo que a palavra.
11. 3º peixe – Torpedo
Virtudes Comparação Simbologia e Critica
Quanto maior, mais se
escondem. Têm uma
“qualidade tremente”, assim
que um homem pesca um
Torpedo, este provoca um
efeito tremente no braço do
pescador, um efeito
eléctrico para se defender.
É cheio de energia.
Compara o instrumento de
pesca “cana” utilizada para
pescar os peixes com o tipo de
pesca na Terra, ou seja,
enquanto os pescadores na
Terra pescam igualmente e
muito mas tremem muito
pouco, os pescadores do
torpedo pescam e tremem
muito devido ao efeito
eléctrico produzido pelo peixe.
Assim, estes pescadores da
terra representam os
pecadores, aproveitam-se do
poder, são altivos, para
satisfazerema sua ganância.
Ouvem muito a palavra, mas
não agem de forma correta, tal
como escutaram a palavra,
aproveitam-se de serem
melhores ou terem mais
capacidades na sociedade para
satisfazeremos seus desejos,
não olham a meios, não se
arrependem.
Também Santo António fazia os
homens “tremer”, e foram 22
pescadores, que
arrependeram-se e
converteram-se à religião.
O torpedo simboliza o
poder, a importância que
as palavras têm para os
homens. O efeito
“eléctrico” que devia de
ser aplicado na terra para
que todos oiçam e ajam de
forma como escutaram,
aplicar a palavra. Converter
e mudar.
Os pescadores
representam aqueles que
se aproveitam do poder
para satisfazerema sua
ganância.
“Nomar, pescam ascanas, naterra, as varas,(e tanta sorte de varas); pescamas ginetas,
pescam asbengalas,pescam osbastões e até osceptros pescam,e pescammaisque todos,
porque pescamcidadese reinos inteiros.” – Corresponde a uma gradação, que é a
enumeração dos vários elementos de diferentes grupos sociais, de ordem crescente de
poder de forma a enunciar o aproveitamento do poder que cada individuo faz uso para
si, para a sua ganância. Corresponde igualmente a uma anáfora, peala repetição da
palavra pescam com o sentido de expor quantos são os pecadores/pescadores que
pescammas não tremem muito, quais são os pescadores da terra, e estes são muitos.
“Estáo pescadorcom a cana namão, o anzol no fundoe a bóiasobre a água, e em lhe
picandonaisca o torpedo começa a lhe tremer o braço.” – paralelismo
12. • 4º peixe – Quatro-Olhos
Virtudes Comparação Simbologia e Crítica
Apresenta quatro-olhos,
“lançados um pouco para
cima, e os da parte
superior olham
directamente para cima,
e os da parte inferior
directamente para
baixo.”
Como tem inimigos tanto
no mar como no ar, dois
olhos servem para olhar
para cima para vigiarem
as aves e os outros dois
servem para olhar para
baixo para vigiar os
peixes.
Compara o olhar para
cima com o olhar para
o Céu, e o olhar para
baixo para recordar
que há Inferno.
Mas também Santo
António ensina aos
homens que devem
pensar no Céu e no
Inferno.
O peixe quatro-olhos
simboliza o olhar que
devemos de ter na vida.
A prática da fé e da
razão guarda-nos o Céu,
agir de forma contrária,
ter vaidade guarda-nos
o inferno.
Representa a visão e a
iluminação.
No Brasil, muitas
pessoas vivemna
“cegueira”, em pecado,
há muito tempo.
Capítulo IV – As Repreensões dos peixes em geral
Temos uma tese, que se vai desenvolvendo com vários argumentos
amplificados com exemplos:
o 1º Ideia (tese): “A primeiracousa que me desedifica,peixes,de vós, é que
vos comeisuns aosoutros.” (O homem está sempre à espera de situações
das quais possa tirar proveito)
o 2º Ideia (é amplificada – antítese): “Nãosó voscomeis unsaos outros,
senão que osgrandes comem os pequenos.Se fora pelocontrário,era menos
mal.Se os pequenoscomeram osgrandes, bastaraum grande paramuitos
pequenos;mas como osgrandes comem os pequenos,nãobastamcem
pequenos,nem mil,para um só grande.”.Ou seja, para além de se
comerem uns aos outros, ainda os grandes comem os mais pequenos, e
Padre António Vieira, argumenta, dá a sua opinião, dizendo que um
peixe grande chegava para muitos peixes pequenos comerem-no, mas
para um peixe grande, mil peixes pequenos não chegavam para
alimentar o maior.
13. o Utiliza um exemplo de autoridade (“Olhai comoestranha istoSanto
Agostinho:Hominespravis,praeversisquecupiditatibusfacti sunt,sicut
piscesinvicem se devorantes: «Oshomens com suasmás e perversas cobiças,
vêm a ser comoos peixes, que se comem unsaos outros.»”.Os homens tal
como os peixes comem-se uns aos outros, ou seja, exploram-se,
maltratam-se uns aos outros.
o Utiliza juízos de valor antropofagismo (canibalismo), pois é estranho um
homem, um ser da mesma natureza e ser capaz de explorar alguém
semelhante: “Tão alheiacousaé, não só da razão,mas damesma natureza,
que sendo todoscriadosno mesmo elemento,todos cidadãosdamesma
pátriae todosfinalmenteirmãos,vivaisde vos comer!”
o Refere um argumento de autoridade de Santo Agostinho: “Santo
Agostinho,quepregava aoshomens,para encarecer a fealdadedeste
escândalo,mostrou-lhonospeixes;e eu, que prego aos peixes,para que
vejaisquão feioe abominável é,quero que o vejaisnos homens.” Ou seja, as
críticas que ele está a fazer para os peixes, ele quer que as vejam nos
homens.
o O Padre António Vieira pede aos peixes para olhar para a terra, mas não
é de forma directa, ou seja, olhar para o mal que fazem uns aos outros:
“Olhai,peixes,ládo mar para a terra (alegoria).Não,não: nãoé issoo que
vos digo.Vósviraisos olhospara os matose parao sertão (terras no
brasil)?Para cá, paracá (repetição); para a cidadeé que haveisde olhar.
o Não é só os Tapuias (homens canibais) que são canibais, também no
Maranhão se comem uns aos outros, os brancos (colonos), exploram a
gente do Maranhão (os ameríndios): Cuidaisquesó os Tapuiasse comem
uns aosoutros? Muitomaioraçougueé o de cá, muitomais se comem os
Brancos.”
o O homem está sempre à espera de situações das quais pode tirar
aproveito e o “vedes…vedes” (anáfora) intensifica o interior e o exterior
de agitação do homem: “Vedesvós todo aquelebulir, vedes todoaquele
andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir
e descer as calçadas, vedes aqueleentrar e sair sem quietaçãonem sossego?
Poistudo aquiloé andarembuscandoos homenscomo hão-decomer e como
se hão-decomer.” Esta parte do capítulo corresponde a uma crítica aos
homens.
o Há a apresentação de alguém que morreu. Os verbos encontram-se no
sentido figurado, e há a enumeração das pessoas que tiraram proveito
deste homem: Morreu algumdeles, vereis logotantossobre o miserável a
despedaçá-loe comê-lo.Comem-noosherdeiros,comem-noos
14. testamenteiros,comem-noos legatários,comem-noosacredores; comem-no
os oficiaisdosórfãose os dos defuntose ausentes; come-oo médico,que o
curou ou ajudouamorrer; come-oo sangradorque lhe tirou o sangue;come-
a a mesma mulher,que de má vontade lhe dápara a mortalhao lençol mais
velhoda casa; come-oo que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos,e os
que, cantando, o levama enterrar; (são sucessivas anáforas, que dão vida
e outro ritmo).
o enfim,aindao pobre defuntoo não comeu a terra, e jáo tem comidotoda a
terra. (trocadilho metafórico). Ainda não lhe comeu a terra, e já se
aproveitaram totalmente dele.
o Exemplo de um senhor muito rico (Job - que manteve a fé depois de ter
perdido todos os seus bens materiais), que foi julgado. Estava vivo e a
ser perseguido por crimes: “Vivoestava Job,quandodizia:Quare
persequimini me,et carnibusmeis saturamini?«Porqueme perseguistão
desumanamente,vós,que me estais comendovivo e fartando-vosdaminha
carne?» Quereis ver um Job destes?”
o Na justiça, também várias pessoas tiramproveito daqueles que fizeram
mal ou são acusados de crimes. E ainda nem foi considerado culpado ou
inocente e já o “comem” vivo: “Vede umhomem desses que andam
perseguidosde pleitosou acusadosde crimes, e olhai quantoso estão
comendo.Come-oo meirinho,come-oo carcereiro, come-o o escrivão,come-
o o solicitador,come-ooadvogado,come-oo inquiridor,come-oa
testemunha,come-o o julgador,eaindanão está sentenciado,já está
comido.” (também corresponde a um paralelismo, pela repetição da
palavra “come-o” ao longo da frase)
o Dá o exemplo dos corvos, que comem alguémque foi enforcado, mas só
depois de morto. E afirma que o homem “come”, explora o outro ainda
enquanto é vivo: “Sãopiores os homensque os corvos.O triste que foi à
forca,não o comem os corvossenão depoisde executado e morto; e o que
andaem juízo,aindanãoestá executado nem sentenciado,e já está
comido.”
Síntese:
o Ictiofagia:(os peixes grandes comerem os pequenos, amplifica-se para o
Homem) “vos comeis uns aos outros”, “os grandes comem os
pequenos”, “não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande”.
o Antropofagiasocial: (“Canibalismo” do Homem no meio social, a
exploração do Homem pelo o Homem)
15. o O que critica? A ignorância, a cegueira e a vaidade do Homem.
o Comoé representado o homemneste capítulo? É interesseiro, predador,
maldoso, atento a formas de tirar dinheiro, traidor, ambicioso,
oportunista, parasita, explorador e vaidoso.
Capítulo V – A Repreensão aos peixes em particular
1º Peixe – Roncadores
o Os roncadores nunca estão calados, têm sempre muito que dizer, e
falammais do que devem. São exibicionistas. Rocampara chamar a
atenção e mostra a arrogância, soberba e orgulho.
o São peixes que fazem enorme barulho (irritação, arrogância), são
pequenos e facilmente apanhados. São bajuladores, sem-vergonha e
egocêntricos.
Argumentos: - "peixinhospequenos(…) masroncasdo mar" (linhas
3 e 4); - "osarrogantese soberbostomam-secom Deus" (linha 30);
- “Secom uma linhade coser e umalfinete torcido,vospode pescar
um aleijado,porquehaveisde roncar tanto” (linhas 4 e 5)
o Exemplos:
Pedro – “Tinharoncadoe barbateadoPedro que, se todos
fraqueassem,sóele haviade ser constanteaté morrer (…) e foi tanto
pelo contrário,que só ele fraqueoumaisque todos” (linha12 a 14).
Gigante Golias – “bemdeveis saber que este Giganteera a ronca
dos Filisteus.Quarentadiasesteve armado no campo(…) que fim
teve todaaquelaarrogância?Bastou umpastorzinhocom umcajado
e umafunda,para dar comele em terra”.
Caifás e Pilatos – “Caifásroncavade saber: Vosnescitisquidquam.
Pilatosroncavade poder: Nescis quiapotestatem habeo?.” (linhas
33 e 34).
o Comparação com Santo António: Santo António tendo tanto saber e
tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas
a sua voz ficou para sempre.
o Crítica: Saber e poder, tornam os homens roncadores (arrogantes,
altivos).
16. o Repreensão/Conselho final – Padre António Vieira aconselha todos os
roncadores a serem como o Santo António que nunca foi arrogante
mesmo sendo um santo, “AssimamigosRoncadores,overdadeiro conselho
é calare imitarSanto António” (linha31 e 32).
o Espada – coragem; língua – falar, exprimir; barbatear – exibir, gabar-se;
inchar – envaidecer, ter o ego alto.
• 2º Peixe – Pegadores
o São oportunistas e ignorantes, aproveitam-se dos outros para subir na
vida.
o São pequenos, fixam-se nas costas dos peixes maiores e alimentam-se
do resto da sua comida.
o Representam o oportunismo, o parasitismo social, subserviência.
Argumentos: - “Pegadoresse chamamestes de que agorafalo,e
com grande propriedade,porquesendo pequenos,nãosó se chegam
a outros maiores,masde tal sorte se lhes pegamaos costados,que
jamaisos desferram.” (l.40-42);ignorantes,poisfazemtudooque o
grande faz sempensarnas consequências,seguemopeixegrande
cegamente –“vãoseguindode longe aosLeões na caça,para
sustentarem doque a eles sobeja” (l.43e 44).
o Exemplos:
Vice-rei ou Governador –“Vice-Rei ouGovernadorpara as
Conquistas,quenãová rodeado de Pegadores,os quaisse arrimama
eles (…) mas osque se deixamestar pegadosà mercê e fortunados
maiores,vem-lhessuceder no fim o que aosPegadores domar”.
Tubarão – “Lançam-lheumanzol de cadeiacom a ração de quatro
soldados,arremessa-sefuriosamenteàpresa, engole tudode um
bocado,e fica preso. Corre meiacompanhaa alá-loacima,bate
fortemente o convés com os últimosarrancos;enfim,morre o
tubarão,e morrem com ele os pegadores.” (l.56-59)
Herodes – “Morto Herodes, dizo Evangelista,apareceu o Anjoa José
no Egipto,e disse-lhejá se podiatornar para a pátria;(…) Poisé
possível que todosaquelesque que todos estes morressem
juntamentecom Herodes? Sim:porque em morrendo o tubarão,
morrem também com ele os Pegadores”.
17. o Comparação com Santo António: Santo António “pegou-se” apenas a
Cristo e seguiu-o. Todos devem pegar-se ao exemplo – Cristo. Santo
António, tal como os Pegadores abrigou-se em Cristo, contudo ao
contrário dos Pegadores, Santo António não decidiu seguir o caminho
das “vítimas” e não acabou por morrer tal como os peixes que seguiam
o Tubarão. Santo António seguiu o caminho da sabedoria, o caminho
Cristo, o caminho da imortalidade.
o Repreensão final: Chegai-vos aos grandes, mas não de maneira a
“morrer” (como os pegadores do tubarão) por eles ou com eles. Não se
deixam enganar pela sua grandeza, não caiamnessa tentação. Em geral,
é uma crítica à adulação extrema e ao parasitismo.
• 3º Peixe – Voadores
o São ambiciosos, mas não têm consciência dos limites, querem mais do
que podem.
o Têm espinhas, escamas e barbatanas, vivem na água, que é o seu
elemento. Mas querem voar, querem mais do que aquilo que podem.
Deus deu-lhes barbatanas maiores que os outros peixes e querem fazer
delas asas para poderem voar.
o Como consequência dessa ambição de pretenderem voar, da sua
“presunção” e do seu “capricho”, a morte, a tragédia, a destruição é
certa.
o A ambição, a presunção (l. 111), o capricho (l. 111) e a vaidade (l. 112),
pois Deus predestinou-os a serem animais marinhos, e estes querem
sair do seu elemento e voar como as aves.
Argumentos: “Quemquermaisdo que lhe convém, perde o que
quer e o que tem” (l.126 e 127); “Contentai-voscomomar e nadar,
e nãoqueiraisvoar, poissoispeixes” (l.104 e 105); “Quisestesser
melhores que osoutros peixes,e por issosoismais mofino(...) mata-
vos a vossapresunçãoe o vossocapricho”
o Exemplos:
Simão Mago: “SimãoMago,aquem a Arte Mágica,naqual era
famosíssimo,deuosobrenome,fingindo-se,queera o verdadeiro
Filhode Deus, sinalouodia em que nos olhosde toda a Romahavia
de subir aoCeu (…) voou maisdepressa que ele, e caindodá de cima
o Mago,não quisDeus que morresse logo (…) Sim,dizS.Máximo,
18. porque quemtem pés para andar,e quer asaspara voar,justo é que
perca as asase maisos pés”.
Ícaro: Ícaro, que de tanto se aproximar ao Sol, derreteram-se-lhe
as asas e este caiu e afogou-se no rio Danúbio (referência a Ícaro
na linha 143).
o Reflecte a ambição do peixe, tinha vários caminhos mas optou por ser
peixe e voar.
o Relação com Santo António: Depois apresenta um modelo que os
voadores devem seguir que é o de Sto. António que mesmo tendo asas
para subir, este mesmo assimpreferiu manter-se humilde e voar baixo.
o Conselhos/ Repreensões finais: Cada um deve contentar-se com o seu
elemento, com a sua posição. Ambição é uma qualidade que facilmente
se torna num defeito, cada tem de ter cuidado de não cair numa
ambição desmedida. Santo António diz que os peixes não devem querer
mais do que aquilo que têm, e se Deus os fez para serem peixes, não
podem ser eles aves.
o O aforismo/provérbio “Quem quer maisdo que lhe convém perde o que
quer, e o que tem” e “Quem podenadar e quer voar,tempo virá em que não
voe nem nade” pretendem explicar que quem quer mais do que pode,
sonha mais alto, ambiciona em demasia, acaba por ficar sem nada. No
caso do Voador, ele queria mais do que estava ao seu alcance, queria
voar semter asas e como consequência perdeu as barbatanas que lhe
permitiam nadar e perdeu a sua vida, acabando porventura por falecer
“Nãocontente com ser peixe, quisesteser ave, e já não és ave, nem peixe:
nem voar poderásjá, nem nadar”. E também, o Voador tinha barbatanas,
podendo então nadar, mas por serem grandes também ele pensava que
podia voar e, no final de contas, deixou de poder voar e nadar graças à
sua “presunção” e o seu “capricho”.
• 4º Peixe – Polvo
o Representaaalegoriadadissimulação,dodisfarce,dahipocrisia,datraição.
o O polvoé manhoso,traidore malicioso.Enganaosinocentese osdistraídos.
o O polvoé caracterizadocomo sendoumpeixe hipócrita,fingido,traidore
dissimulador.Aparentaumasantidade,mansidãoe brandura,contudo é um
sermaldoso.
19. o Parece um monge,umaestrela,aprópriabrandurae mansidão,porisso
aparentaser umsanto.
o Muda de cor para passar despercebidoparaapanhara presa quandoelapassa.
Utilizaa camuflagem.Éentãoo maiortraidor domar.
Argumentos: “Edebaixodestaaparênciatão modesta, oudesta
hipocrisiatãosanta(…) que o dito o Polvoé o maiortraidordo mar”
(l.169-170); “sucedeque outro peixe, inocenteda traição,vai
passandodesacautelado,eo salteador,que esta de emboscada
dentro do sei próprioengano,lança-lhesosbraçosde repente, e fá-lo
prisioneiro”.
o Exemplos:
Camaleão e Proteu: “Ascores que no camaleãosãogala,no Polvo
são malícia;asfiguras,queem Proteu sãofábula,no Polvosão
verdade e artifício.Seestá noslimos,faz-severde; se está na areia,
faz-sebranco; se está no lodo,faz-separdo;e se está em alguma
pedra (…) faz-seda cor da pedra” (l.172-176)
Judas: o Padre Vieira considera o Polvo mais traidor do que o
próprio Judas – “Judasabraçoua Cristo,mas outroso prenderam; O
Polvoé o que abraçae maiso que prende. Judascom os braços fez o
sinal,e o Polvodos própriosbraçosfaz as cordas”.
Água (contraste): Padre António Viera utiliza o exemplo da água
para contrastar com o Polvo; a água é límpida, pura, clara,
transparente, em que nada se pode ocultar, “Ohque excesso tão
afrontosoe tão indignode umelemento tão puro, tão claroe tão
cristalinocomoo da Água”; ao contrário do polvo que é um
monstro dissimulado, fingido, astuto e traidor.
o Relação com Santo António:
O polvo sendo um ser manhoso, traidor e malicioso, muda de
cor para passar despercebido para apanhar a presa quando ela
passa. Utiliza a camuflagemcomo um meio de trair e roubar aos
outros peixes, é astuto e fingindo, “um monstrotão dissimulado”.
Ao contrário do polvo, Santo António é sincero e verdadeiro,
onde nele nunca existiu mentira, “fingimentoouengano”. É
considerado “omaispuro exemplar dacandura”, ou seja, é um ser
puro, simples, branco (no sentido da cor da sua pele e pela sua
simplicidade e inocência), é um exemplo para todos, é um santo.
20. o Repreensão/ Conselho final/Sentença:
A sentença encontra-se nas linhas 200 e 201 (“Esabei também
que para haver tudoisto em cada um de nós,bastavaantigamente
ser Português, nãoera necessárioser Santo”), que neste caso
corresponde a uma sucessão temporal introduzido pelo advérbio
“antigamente”.
No passado ser Português era ser honrado, justo, verdadeiro,
fiel, leal, honesto, um homem ideal, onde não era necessário ser
reconhecido ou condecorado.
Ao contrário do que se passava emPortugal, no Maranhão, ser
português era explorar os mais fracos e frágeis, maltratá-los,
controlá-los. Aproveitam-se dos males dos outros sem olhar a
meios.
Portanto, ser alguémverdadeiro, é agora necessário que seja
considerado Santo, como Santo António, para que haja verdade
nas suas palavras e nas suas atitudes.
O Padre António Vieira critica a existência de hipocrisia,
“falsidades,enganos,fingimentos,embustes,ciladasemuito
maiorese maisperniciosastraições” (l.194-195). Além disso, critica
o facto de os homens terem noção destes acontecimentos
maldosos e não fazerem nada em relação a isso, “maspoisvosa
calais” (l.196-197). Finalmente, ele sente-se desiludido com o
facto de ser difícil encontrar indivíduos como Santo António
(bondoso, caridoso, sem dolo ou fingimento) na sociedade, “E
sabei também que para houver tudoisto em cada um de nós,
bastavaantigamenteser Português,nãoera necessárioser Santo”.
Última advertência (l.201-217)
o Na fase final do capítulo V (l.201-217), o Padre Vieira retoma o conceito
predicável, “vosestis sal terrae”, e faz um último aviso aos peixes. O
Padre Vieira realça os perigos do mar e relembra os peixes que eles não
devem ser “gulosos”. Vieira refere o exemplo de S. Pedro, “Mandou
Cristoa S. Pedro que fosse pescar, e que na boca doprimeiro peixe que
tomasse,achariauma moeda(…) supostoque ele era o primeiro,do preço
dele, e dos outros podiafazero dinheiro”. S. Pedro pensou que se pescasse
muitos peixes podia fazer muito dinheiro mas esta gula pode ser fatal. O
capítulo termina com a frase “Oraestai atentos”.
21. o Avisa todos aqueles que enriquecem à custa dos bens dos naufragados,
que serão excomungados e amaldiçoados pois apropriam-se de algo
que não são deles.
Capítulo VI
o Corresponde à conclusão do sermão, onde Padre António Vieira diz que
a condição de peixes é superior à dos outros animais: “escolheuDeus
certos animaisque lhe haviamde ser sacrificados;mastodoseles ou animais
terrestres ou aves, ficandoospeixes totalmenteexcluídosdossacrifícios.”;
diz que a condição dos peixes é superior à do pregador Vieira: “Ah
peixes,quantasinvejasvos tenho a essa natural irregularidade!Quanto
melhor me foranão tomar a Deus nas mãos,que tomá-loindignamente!Em
tudo o que vosexcedo, peixes, vosreconheço muitasvantagens.A vossa
bruteza é melhor que a minharazãoe o vossoinstintomelhor que o meu
alvedrio.Eu falo,mas vósnão ofendeisa Deus com as palavras;eu lembro-
me, mas vósnão ofendeis a Deus com a memória; eu discorro,mas vósnão
ofendeisa Deus com o entendimento; eu quero, masvós nãoofendeisa Deus
com a vontade.Vós fostescriados por Deus, paraservir ao homem, e
conseguiso fimpara que fostescriados; a mimcriou-mepara o servir a ele, e
eu não consigoo fimpara que me criou.Vós não haveisde ver a Deus, e
podereis aparecer diantedele muito confiadamente,porqueo não
ofendestes; eu espero que o hei-dever; mas comque rosto hei-de aparecer
diantedo seu divinoacatamento,se não cesso de o ofender? Ah que quase
estou por dizer que me fora melhorser comovós, poisde um homem que
tinhaas mesmasobrigações,disse a SumaVerdade, que «melhorlhe fora
não nascer homem»:Si natusnon fuissethomoille. E poisos que nascemos
homens,respondemostão mal às obrigaçõesde nossonascimento,
contentai-vos,peixes,e dai muitasgraças a Deus pelo vosso.”;e termina
com o louvor aos peixes (há a utilização do paralelismo para intensificar
as atitudes que António Vieira quer ver nos homens): “Benedicite,cete et
omniaquae moventurin aquis,Domino:«Louvai,peixes,a Deus, os grandes
e ospequenos»,e repartidosem dois corostão inumeráveis, louvai-otodos
uniformemente.Louvai a Deus, porque vos criouem tantonúmero. Louvai a
Deus, que vos distinguiuemtantasespécies; louvai a Deus, que vos vestiude
tanta variedadee formosura; louvai aDeus, que vos habilitoudetodos os
instrumentosnecessáriosà vida; louvai a Deus, que vos deu um elemento tão
largoe tão puro;louvai a Deus, que, vindoa este Mundo,viveuentre vós,e
chamoupara si aquelesque convoscoe de vósviviam; louvai a Deus, que vos
sustenta; louvai aDeus, que vos conserva; louvai aDeus, que vos multiplica;
louvai a Deus, enfim,servindoe sustentandoaohomem,que é o fimpara
que vos criou;e assimcomo noprincípiovosdeu sua bênção,vo-ladê
também agora.Amen. Comonão soiscapazesde Glória,nemde Graça,não
acabao vosso Sermãoem Graçae Glória.” Fimdo sermão e da alegoria.