1. PERSONAGEM
Eric
Clapton
D, "izia um grafite bastante popular
nas ruas londrinas nos anos 60:
"Clapton é Deus". Provocação, blas-
fémia, exagero? Para os f as do gui-
tarrista, apenas uma constatação na-
tural: ele toca como ninguém. Ape-
sar de ser um músico branco, pos-
sui feeling para executar, com al-
ma negra, os blues de gente como
Muddy Waters e B. B. King. Algo
suficiente para merecer o cetro da di-
vindade. Tímido, Clapton não apre-
cia esse tipo de adulação exagerada,
e sempre procurou esvaziar o mito
criado em torno de seu nome: "Me
chamaram de Deus. Acredito que is-
so seja um elogio e, como tal, me
gratifica". Eric nasceu em Ripley,
Surrey, em 30 de março de 1945,
e foi criado por seus avós. Estudou
no Kingston College of Art, por on-
de passaram também, entre outros,
Brian Jones e Mick Jagger, futuros
integrantes dos Rolling Stones. Após
algum tempo, os diretores do colé-
gio solicitaram a Clapton que deixas-
se a escola, alegando o seu total de-
sinteresse e sua influência sub-
versiva.
Longe do colégio, Eric aproxi-
mou-se mais da música e, em 1963,
fez parte do conjunto The Roosters.
Dois anos depois, foi convidado a in-
tegrar os Yardbirds, em substituição
a Anthony "Top" Topham. O con-
junto tornou-se uma lenda na histó-
ria do rock por ser um verdadeiro ce-
leiro de grandes guitarristas — além
de Clapton, passaram também pela
banda Jimmy Page e Jeff Beck.
Na época, no movimentado cená-
rio do rhythm & blues inglês, os Rol-
ling Stones haviam assumido o foco
das atenções, especialmente depois
de seu sucesso nacional "Come on",
de Chuck Berry. O grupo tinha aca-
bado de sair do circuito das peque- O "Deus da guitarra", numa apresentação na Filadélfia, em 1975.
2. PERSONAGEM
nas casas noturnas e os Yardbirds os O disco de estreia foi um suces-
substituíram nas noites de domingo so. A primeira excursão, um fracas-
no Crawdaddy Club, de Richmond. so, a ponto de provocar a dissolu-
Ali, Clapton começou a chamar ção do grupo. Posteriormente, Clap-
atenção, desfilando seu virtuosismo ton uniu-se por uns tempos à Dela-
na guitarra. ney & Bonnie and Friends, banda
Ele era um purista de blues confes- que abria os shows para o Blind. Em
so — levava sua música a sério e não 1970, ele gravou seu primeiro disco
queria fazer concessões. Os historia- solo, que não foi bem recebido pela
dores do rock costumam descrever crítica. Logo depois, formou um no-
os Stones como o conjunto de incli- vo grupo, o Derek and The Domi-
nações comerciais e os Yardbirds co- noes, fazendo absoluta questão de
mo os puristas. Mas a verdade não que seu nome não aparecesse em
era bem essa: no que se refere a dis- destaque. Juntamente com o guitar-
cos, o primeiro compacto dos Sto- rista Duane Allman, gravou o ál-
nes estava repleto de guitarras em bum duplo "Layla", homenagem do
slide, gaitas e riffs ao estilo de Chuck apaixonado Eric a Patty, mulher de
Berry. Já o primeiro compacto sim- George Harrison.
ples dos Yardbirds (lançado em Após uma série de shows, o Derek
1965) foi o pop convencional "For and The Dominoes lança outro dis-
your love". co, ao vivo. Depois, o grupo se des-
Todos os componentes do con- Clapton e Jeff Beck, em Londres (1981). faz, principalmente por causa da fa-
junto consideraram a música o lan- se negra que Clapton atravessava na
çamento perfeito. Exceto Clapton, tar a marca registrada do Cream: as época. Abalado com a morte do
que resolveu deixar a banda. Dos combinações de frases musicais com amigo Duane Allman, curtindo uma
Yardbirds, o guitarrista pulou para os o baixo de Bruce e a guitarra de dor-de-cotovelo pelo amor não cor-
Bluesbreakers de John May ali, um Clapton solando um uníssono. respondido de Patty e inseguro
dos primeiros a divulgar na Inglater- Cada disco do conjunto alcança- quanto à sua carreira artística, o mú-
ra o que havia de melhor do som im- va facilmente a média de um milhão sico acabou entregando-se totalmen-
portado diretamente do Mississipi. de cópias, isso só nos Estados Uni- te ao consumo de heroína.
Nos Bluesbreakers, Clapton con- dos. Aos poucos, o palco ficou pe- Para tirá-lo do abismo em que ha-
firmou definitivamente sua fama de queno para três instrumentistas da via se metido, foi fundamental a aju-
músico excepcional. Se o grupo to- pesada, com egos gigantescos. As da do amigo Pete Townshend. Ele
casse mais de 20 minutos sem que apresentações ao vivo passaram a organizou o concerto "Come Back"
Eric solasse, a plateia começava a ser uma verdadeira guerra, uma dis- (De volta), no Rainbow Theatre de
pedir a Mayall: "Dê um solo a puta em que cada qual buscava cha- Londres, em 13 de janeiro de 1973,
Deus". Ele então dava o OK para o mar a maior atenção possível sobre que marcaria o retorno de Clapton
guitarrista atacar com uma versão in- si. "Chegou uma hora em que todos aos palcos. Já plenamente recupera-
cendiária de "Hideaway", de Fred- nós estávamos nos exibindo", decla- do, o músico gravou em Miami aquele
die King, ou algo do género. rou Clapton, anos depois do colap- que a crítica considera um de seus
Parecia ter chegado ao topo do so do Cream. "Ninguém tem o di- melhores trabalhos, o excelente LP
sucesso. Mas, em 1966, esse limite reito de pensar que é o melhor do "461 Ocean Boulevard".
seria transposto. A nova empreita- mundo em alguma coisa: é ridículo. Todo o trabalho posterior de Eric
da do músico reuniu dois dos me- Mas nós três chegamos a esse pon- segue uma linha semelhante: o he-
lhores instrumentistas do cenário in- to." rói da guitarra cede espaço a um
glês: o baterista Ginger Baker e o Após o fim da banda, os integran- Clapton que se esforça em aprimo-
baixista Jack Bruce, ambos ex-mú- tes do Cream ficaram livres para no- rar seus dotes vocais, cantando mú-
sicos da Graham Bond Organization. vos projetos e Clapton tratou de sicas simples, sem maiores compro-
O nome do conjunto definia bem a montar um novo conjunto. Não missos. O álbum de 1977, "Slow-
cotação dos seus integrantes: queria grandes lances, sua intenção hand", tornou-se um de seus maio-
Cream. A Nata. O trio soube con- era a de continuar tocando blues, só res êxitos comerciais. Respeitando a
quistar facilmente uma grande legião que de uma forma mais simples, capacidade do músico, a crítica ad-
de admiradores. Sua música era co- acústica. Juntou os amigos Steve mite que, comparado à safra pop
mercial e, ao mesmo tempo, tinha Winwood, Ginger Baker e Rick atual, seu trabalho ainda se sobres-
uma qualidade incontestável, capaz Gregh, todos com currículos rechea- sai. O que não deixa de ser um bom
de influenciar um grande número de dos de passagens por bandas famo- prémio de consolo para alguém com
bandas, que se esforçavam em imi- sas. Formaram o Blind Faith. um passado tão glamouroso.