O documento discute as disfunções iatrogênicas (causadas por tratamento médico) no trabalho de parto, especificamente a falta de compreensão da fisiologia do parto e as intervenções médicas que interferem nos processos hormonais naturais, prejudicando a saúde da mãe e do bebê.
1. Aláya Dullius de Souza – dezembro 2011
Disfunções iatrogênicas no
trabalho de parto
- A razão fundamental para o aumento dos índices de
intervenção é certamente uma falha universal no entendimento
das necessidades básicas das mulheres em trabalho de parto.
-Hoje em dia, há uma incompreensão absoluta da fisiologia do
parto até mesmo pelos médicos e pelo próprio movimento de
parto natural.
- Precisamos da linguagem e da perspectiva de fisiologistas
modernos para voltar às nossas raízes, para ver o que é cultural
e universal, e portanto redescobrir as necessidades básicas das
mulheres em trabalho de parto.
-Há um período curto mas crucial, imediatamente após o
nascimento que nunca mais se repetirá: liberação de um
coquetel de hormônios do amor
2. OCITOCINA
A ocitocina, hormônio secretado no hipotálamo e armazenado na glândula
pituitária posterior (Neuroipófise), é essencial durante o processo de parto.
3. Até recentemente a ocitocina era conhecida apenas por seus efeitos
mecânicos. Esses conhecidos efeitos mecânicos incluem a contração da
musculatura lisa do útero para o nascimento do bebê e a liberação da
placenta, a contração de células especiais no seio para tornar possível o
reflexo de ejeção de leite, a contração da próstata e das vesículas seminais
durante o reflexo de ejeção do esperma e também a contração do útero
durante o orgasmo feminino, que tende a facilitar o transporte do esperma
em direção ao óvulo.
Em retrospecto entendemos porque levou um tempo tão longo para
reconhecer também seus importantes efeitos comportamentais;
simplesmente porque a ocitocina não chega ao cérebro quando é injetada
por via intravenosa
Efeitos comportamentais – Amor e violência em sociedades antigas. - Havia
uma vantagem evolutiva em desenvolver o potencial humano para a
agressão, em vez da capacidade de amar.
Vínculo mãe-bebê nos mamíferos. Preservação da espécie.
4. SISTEMA LÍMBICO X NEOCÓRTEX
Para parir uma mulher precisa liberar um coquetel de hormônios que inclui a
ocitocina, endorfina, prolactina, ACTH, catecolaminas, etc... Quando uma
mulher está em trabalho de parto, a parte mais ativa de seu corpo é o
cérebro primitivo, o sistema límbico, o hipotálamo, a hipófise, que
compartilhamos com todos os mamíferos. Quando há inibições durante o
processo de parto (ou durante qualquer outra experiência sexual), elas se
originam em outra parte do cérebro, o neocórtex.
5. A mulher que dá a luz tem necessidade de estar abrigada de
todos os estímulos de seu neocórtex
Se visualizarmos uma mulher em trabalho
de parto do ponto de vista da fisiologia,
visualizamos a parte primitiva e profunda do
cérebro dela, que esta trabalhando
arduamente e liberando um fluxo de
hormônios. Hoje, também estamos em
condição de entender que sempre que há
inibições – durante o processo de parto ou
durante qualquer tipo de experiência sexual
– essas inibições originam-se do “cérebro
novo”, a parte do cérebro que é altamente
desenvolvida nos seres humanos e que
pode ser considerada como o cérebro do
intelecto, ou o cérebro do pensamento, o
neocórtex.
6. REDUÇÃO DA ATIVIDADE NEOCORTICAL
Qualquer situação que implique na secreção de hormônios da família da
adrenalina, tende a estimular o neocórtex e inibir o processo de parto.
Portanto, é essencial que a mulher em trabalho de parto sinta-se segura.
7. O que estimula o neocórtex?
- Linguagem: Quando nos comunicamos com a linguagem, processamos o que
percebemos com o nosso neocórtex.
-Luz: A atividade cerebral é estimulada pelo estímulo visual
- Sensação de ser observada: Todos nos sentimos diferentes quando sabemos
que estamos sendo observados. A privacidade é um fator que ajuda a reduzir o
controle neocortical. A presença de muitas pessoas no ambiente de parto impede
que o neocórtex da mulher seja desativado, e então ela deixa de estar
à vontade para assumir seu cérebro instintivo. Aparelhos que possam ser
percebidos como observadores, como uma câmera fotográfica ou um monitor fetal
eletrônico, também interferem. Nossos esfíncteres são tímidos.
8. O QUE A MULHER PRECISA DURANTE O TP?
Privacidade
Penumbra
Sensação de segurança
Liberdade de movimentação
Silêncio
Quando uma mulher está dando à luz por si mesma, sem nenhuma
medicação, há um momento em que ela tem uma tendência óbvia de se
isolar do mundo exterior, como se estivesse indo para outro planeta. Ela ousa
fazer o que jamais faria em sua vida social diária, por exemplo, gritar ou
xingar. Ela pode se ver nas mais inesperadas posições, fazendo os mais
inesperados barulhos. Isso significa que ela esta reduzindo o controle feito
pelo neocórtex, Do ponto de vista prático, essa redução da atividade do
neocórtex é o aspecto mais importante da fisiologia do parto. Isso nos leva a
entender que a mulher em trabalho de parto precisa, antes de mais nada, ser
protegida de qualquer tipo de estímulo de seu neocórtex.
12. Parto domiciliar de
Mariana Braga, filha
da Ana Maria Braga.
As culturas atrapalham o processo fisiológico quando negam a necessidade
de privacidade dos mamíferos: todos os mamíferos desenvolveram uma
estratégia para não serem observados quando dão à luz
13. ADRENALINA NO PARTO
Hormônios da família da adrenalina, quando disparados, tendem a estimular
o neocórtex e inibir o processo de parto. Quando há algum perigo iminente,
os mamíferos tendem a ficar alertas e atentos.
Faz com que o trabalho de parto pare de progredir
14. O que pode desencadear uma produção de adrenalina?
- Frio
- Mau Humor
- Medo (do parto, da dor, do expulsivo, de não ser boa mãe, de ter que cuidar de um
bebê, do marido não gostar mais de você, etc)
- Auto-piedade
- Dificuldade de mudar uma situação que está te deixando de saco cheio
- Distrações (dificulta a concentração em si mesma)
- Falta de privacidade (se sentir observada por estranhos).
- Vergonha (de gemer, chorar, gritar, se movimentar, ou qualquer outra coisa)
- Excesso de toques (sejam vaginais ou não)
- Excesso de expectativa
- Se chega muito cedo ao hospital (no início do trabalho de parto)
- Preocupação excessiva e preocupação com outras pessoas (por ex, filho que ficou em
casa...)
- Conversas excessivas (incluindo ter que ficar respondendo a muitas perguntas).
- Se sentir dependente dos outros.
- Ambiente muito iluminado
- Ambiente muito barulhento
- Necessidade de estar "alerta" a tudo...
- Se você tem muita coisa na sua cabeça e não consegue relaxar e se entregar o
suficiente para atingir o nível instintivo.
15. QUANDO A ADRENALINA É NECESSÁRIA
Adrenalina tem um papel na interação entre mãe e bebê após o parto.
Durante as ultimas contrações antes do nascimento a adrenalina se eleva
bruscamente, é por isso que assim que o “reflexo de ejeção do feto” começa,
as mulheres tendem a ficar em posição vertical, cheias de energia, com uma
súbita necessidade de se agarrarem a alguém ou algo. A adrenalina faz a
mãe ficar alerta quando o bebe nasce.
16. No caso do bebê, um afluxo de noradrenalina possibilita que ele se adapte à
privação de oxigênio, e que esteja alerta para achar o seio da mãe
O bebê ativo abre os olhos e busca o contato com a mãe, o que libera mais
ocitocina. Mecanismo de preservação
17. No processo de parto a mãe também secreta endorfinas, e hoje sabe-se que
o bebê também secreta suas próprias endorfinas. Logo após o parto o
cérebro dos dois está impregnado de opiáceos, dopaminas, que induzem
estados de dependência, vínculo.
Grande liberação de ocitocina, formação do vínculo afetivo
Ejeção do leite e aumento da produção de prolactina
Ocitocina que ajuda na dequitação placentária e previne hemorragias
18. Há milhares de anos esse mecanismo fisiológico tem permitido que a espécie
humana se perpetue. As intervenções médicas nesse processo, contudo, têm
acarretado partos difíceis, traumáticos, e com seqüelas comportamentais e
emocionais, que se mostram seja nas mulheres com depressão pós-parto ou
sentindo-se incapazes de cuidarem de seus filhos e com dificuldades na
amamentação, seja na instituição de uma sociedade mais violenta, devido
aos seus “novos integrantes” não terem recebido doses de hormônios
previstos pelo cérebro.
A essas intervenções que desequilibram o balanceamento hormonal,
causando conseqüências futuras negativas tanto para mãe quanto para o
bebê, as chamamos de disfunções iatrogênicas. Isto é, disfunções
resultantes de tratamento médico inadequado que ignora a fisiologia do
parto.
19. OCITOCINA SINTÉTICA
Hormônios sintéticos (utilizados para induzir e/ou acelerar o trabalho),
analgésicos, epidurais, ou mesmo condições externas como luz forte, por
exemplo, podem interferir nessa rede hormonal e interromper o
encadeamento fisiológico e a seqüência do trabalho. Hormônios sintéticos
causam efeitos físicos em determinada parte do corpo, mas não atuam no
comportamento como os hormônios produzidos pelo próprio cérebro, além de
possuírem uma ação isolada, não sendo regulados de acordo com o que
está acontecendo no resto do corpo da mãe e do bebê.
Quando é ministrada ocitocina sintética a uma mulher durante o trabalho de
parto, o número de receptores de ocitocina no útero é reduzido pelo corpo para
prevenir uma estimulação em excesso. Isso significa que a mulher tem maiores
riscos de hemorragia pós-parto, pois sua própria liberação de ocitocina, crítica
nesse momento para contrair o útero e prevenir a hemorragia, será inútil devido
ao baixo número de receptores.
20. A ocitocina materna atravessa a placenta e entra no cérebro do bebê durante o
trabalho, agindo para proteger as células cerebrais fetais “desligando-as”, e
diminuindo o consumo de oxigênio em um momento em que os níveis de
oxigênio disponíveis para o feto são naturalmente baixos. A ocitocina sintética,
porém, não tem a capacidade de atravessar a parede placentária, e não atingirá
o organismo do bebê.
Além disso, a ocitocina sintética
intensificará em até três vezes a força das
contrações. A duração delas também será
maior, e os intervalos entre cada uma mais
curtos. Isso aumenta a dor, podendo
aumentar a tensão da mãe, que produzirá
mais adrenalina.
As contrações mais fortes do que o que
seria natural para o corpo, e com menores
intervalos, podem gerar estresse fetal e
diminuir o fluxo de oxigênio para o feto,
podendo levar a um quadro de braquiardia,
que requerirá mais intervenções.
21. CESARIANA ELETIVA
Tabulações feitas pela “Folha” no DataSUS,
sistema do Ministério da Saúde, mostram que
o percentual de partos cesáreos chegou a 52%
do total em 2010. A Organização Mundial da
Saúde recomenda uma taxa em torno de 15%.
A cirurgia, quando bem indicada, traz
benefícios à gestante e ao recém-nascido,
mas, quando feita indiscriminadamente, pode
elevar os riscos para a mãe e para o feto.
O pulmão é o último órgão a se desenvolver no
feto. O trabalho de parto dá início quando há
maturação fetal. O pulmão do bebê libera
surfactante no liquido amniótico, causando o
inicio das contrações. Quando é feita uma
cesárea antes dos sinais do TP, a chance de
haver complicações respiratórias é muito
maior. No Brasil há um sério problema de UTIs
neonatais lotadas devido à desconforto
respiratório causado por cesarianas
prematuras.
22. Outro resultado da disfunção iatrogênica é o
alarmante número de bebês nascidos com baixo
peso no Brasil. Dados do Ministério da Saúde
mostram que, no ano passado, o índice de bebês
nascidos com menos de 2,5 kg foi de 8,4%. Há dez
anos, era de 7,9% --o ideal, para a OMS
(Organização Mundial da Saúde), é abaixo de 5%.
Para o Ministério da Saúde, o aumento é
"progressivo e preocupante". "Estamos criando uma
geração de baixo peso, que terá muito mais chance
de ter obesidade, diabetes e hipertensão", afirma
Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde.
O baixo peso ao nascer traz risco de doenças
crônicas e reduz a expectativa de vida.
Na cesariana eletiva não ocorre a liberação do
coquetel de hormônios que beneficiarão mãe e bebê.
A ausência dessa “explosão” de ocitocina no corpo
prejudica a formação do vínculo. Mulheres
submetidas à cesariana têm mais chance de adquirir
depressão pós-parto em relação a mamães que
optaram pelo parto natural. Certamente a ausência
do “hormônio do amor” é um fator contribuinte.
23. No parto normal, a placenta já está pronta e já está tudo pronto para o bebê
nascer. Assim que nasce, todos os hormônios estão em perfeita harmonia e
há a descida do leite, facilitando a primeira mamada.
O mesmo não ocorre na cesariana; a placenta pode não estar totalmente
madura, desorganizando os hormônios, fazendo com que a descida do leite
demore mais, prejudicando a primeira mamada do bebê. O desmame
precoce é mais incidente em bebês nascidos de cesariana. Estudos indicam
uma relação do desmame precoce com o aumento da obesidade infantil, do
diabetes, e do aparecimento de alergias.
24. AO INVÉS DE OCITOCINA, DROGAS
Durante o período pré-natal, o cérebro do bebê está mais vulnerável a danos
irreversíveis. Estudos indicam que substâncias ministradas por volta da hora do
parto, mesmo em pequenas doses, podem causar efeitos colaterais na estrutura
do cérebro e na química do recém-nascido que talvez não sejam claros até a
idade adulta. Os medicamentos ministrados à mãe entram imediatamente na
corrente sangüínea e vão igualmente ao bebê, e alguns desses medicamentos
serão absorvidos preferencialmente pelo seu cérebro. A meia-vida das
substâncias ministradas é muito maior no organismo do bebê
Os medicamentos utilizados em procedimentos de rotina nos partos continuam
agindo no corpo da mãe e do bebê por horas após o parto, fazendo com que a
mãe esteja sedada no momento de seu primeiro encontro com seu filho, e que o
bebê nasça sob efeito dessas drogas, o que causa um imprinting químico no seu
cérebro. As conseqüências desse fenômeno poderão ser percebidas na vida
adulta como tendência física em reviver tal sensação experienciada no parto,
causada por essas substâncias anestésicas. O imprinting previsto pela natureza
para o cérebro do bebê neste momento seria aquele realizado pela ocitocina
produzida pelo cérebro da mãe e do bebê durante um trabalho de parto sem
interferências.
26. Recém-nascidos também tem suas
necessidades fisiológicas básicas
ignoradas. Necessitam de amamentação
na primeira hora de vida e contato pele-
a-pele.
O “método canguru”, que estimula o colo
e o contato pele-a-pele, tem sido um
grande auxílio na recuperação mais
rápida de bebês, prematuros ou não,
que se encontram em UTIs neonatais. O
contato torna-se uma ferramenta de
cura, é importante que o bebê não fique
apenas na incubadora.
A rotina hospitalar é cercada de violência
(frio, luz forte, manuseio grosseiro,
isolamento). O bebê é induzido a um
estado de estresse. A liberação de
cortisol também vai prejudicar o
desenvolvimento cerebral.
27. “PARA MUDAR O MUNDO
É PRECISO MUDAR
A FORMA DE NASCER”
(Michel Odent, obstetra)
28. BIBLIOGRAFIA
ODENT, Michel. A Cesariana. 2004
ODENT, Michel. A Cientificação do Amor. 2002
AMORIM, Melânia. Parto Normal vs. Cesárea - (parte 1): a magnitude do problema.
http://guiadobebe.uol.com.br/parto-normal-vs-cesarea-parte-1-a-magnitude-do-problema/
AMORIM, Melânia. Parto domiciliar: refletindo sobre paradigmas.
http://guiadobebe.uol.com.br/parto-domiciliar-refletindo-sobre-paradigmas/
LEBOYER, Frederick. Nascer Sorrindo. 1996
Cresce número de bebês nascidos com baixo peso no país
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1014267-cresce-numero-de-bebes-
nascidos-com-baixo-peso-no-pais.shtml
Cesárias superam partos normais pela 1ª vez no Brasil -
http://www.casaangela.org.br/?p=1580
Cesarianas podem aumentar as chances de depressão pós-parto.
http://saude.terra.com.br/noticias/0,,OI5235318-EI16561,00-
Cesarianas+podem+aumentar+as+chances+de+depressao+posparto.html
Cesariana prejudica relação afetiva entre mãe e bebê, diz estudo.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/09/080904_bebe_parto_dg.shtm
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