A IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DE PENA DE MORTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A LUZ ...
A origem econômica da pena privativa de liberdade
1. HISTÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E O INTERESSE
ECONÔMICO COMO FUNDAMENTO DO DIREITO DE PUNIR
Wolney Perrucho 1
RESUMO
Este artigo versa sobre a história da pena, no qual objetivamos analisar, no decorrer dos períodos históricos a
transformação da forma de punir àqueles que delinqüem. O estudo inicia-se no final da Idade Antiga, observando
a evolução, se assim podemos chamar, da pena aplicada na baixa idade média, observando as transformações
sócio-econômicas e a repercussão dessas no modelo punitivo adotado por um determinado Estado. O surgimento
de um modelo de acumulação de capital assume importante, isso no final da idade média, muda
substancialmente a motivação da aplicação de pena, passando a ter destacada influência o incipiente mercado,
que passa a regular a necessidade de pender, na medida que se precisa de mais ou menos braços para mover a
nascente industria. Surge a pena privativa de liberdade, cada vez executada com maiores requintes de crueldade,
e no decorrer da história, em que pesem os esforços dos humanistas, e as diversas teorias que tentam encontrar
fundamentos científicos para a real função da pena, o que se constata é que a gênese da criminalidade está na
exclusão, fomentada e sustentada pela hegemonia de uma classe dominante sobre outra classe, sendo o direito
penal e pena instrumentos de controle social.
Palavras-chave: pena; teorias de prevenção; exclusão; controle social.
INTRODUÇÃO
O tema Sistema Penitenciário, e, por via de conseqüência, o fundamento do direito
de punir, encontra cada vez mais espaço na atualidade, mormente diante do aumento da
violência urbana.
Há evidente desencontro entre o discurso acadêmico acerca do direito de punir,
sempre embasado nas teorias da prevenção geral e da prevenção especial, verificando em
alguns momentos históricos o predomínio de umas sobre outras, e a realidade dos números,
que apresenta a população carcerária, especialmente na Bahia, formada por afrodescendentes
e semi-analfabetos (analfabetos funcionais)2 .
O que vê é que os presos que hoje cumprem penas privativas de liberdade, mais das
vezes em masmorras modernas, têm a mesma origem daqueles que, desempregados, sem
1
Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela FVC; Juiz de Direito; graduado em
Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); pós-graduação lato sensu: Metodologia do Ensino
Superior pela Faculdade Batista Brasileira (FBB);Professor de Direito Penal e Processo Penal, ex-Agente da
Polícia Federal.
2
Fonte Ministério da Justiça. Disponível através de www.mj.gov.br
2. oportunidades de viverem como elite, eram empurrados para fora dos muros das cidades
fortificadas, e passavam a sobreviver da mendicância, da prostituição, de pequenos crimes, ou
seja, eram excluídos.
Concordamos com o sustentado por Guimarães (2007), sendo evidente que no âmago
da evolução dos conceitos de crime e de pena no curso da história, é plenamente identificável
o liame entre o que se entendia como crime na idade média com o que consideremos crime
hoje no Brasil.
No mesmo sentido do pensamento de Guimarães (2007), entendemos que a sanção
penal tem sua fundamentação principalmente em razões de ordem econômica e social, isso
desde o mercantilismo, ou capitalismo primitivo, até o Brasil de agora, evidenciando uma
profunda relação entre a economia e o sistema punitivo.
Guimarães(2007) utiliza-se das idéias de Rusche & Kirchheimer para lastrear seu
entendimento, e estes demonstram que o desenvolvimento social e econômico, ou seja, o
desenvolvimento das forças de produção, é que vai permitir a definição ou exclusão de
determinadas condutas como criminosas, e das penas que lhes são consectárias(RUSCHE &
KIRCHHEIMER, 2004, p.4).
Os institutos correcionais alcançaram o ápice de desenvolvimento durante o
mercantilismo, e proporcionaram grande ímpeto ao novo modo de produzir. Posteriormente, a
importância econômica desses institutos desaparece com o surgimento da fábrica (RUSCHE,
KIRCHHEIMER, 2004, p.4-5).
Como demonstra Rusche & Kirchheimer (2004, p.4), para cada fase do
desenvolvimento econômico, político e social de um povo observa-se sistema de repressão,
estabelecendo as condutas como criminosas, bem como as penas cabíveis.
O modelo adotado hoje pelo Brasil para reinserção social prima pela preparação do
apenado em cumprimento de pena privativa de liberdade para o retorno ao mercado de
trabalho, o que fica evidenciado na Lei de Execuções Penais, em consonância com os
Tratados Internacionais firmados pelo Brasil, principalmente a Resolução 01/2008, da
Organização dos Estados Americanos – OEA.
Em que pese ser a legislação brasileira de boa qualidade, a prática nos mostra a
ineficiência do sistema penitenciário, que não alcança os objetivos previstos na Lei de
Execuções Penais, principalmente diante do baixo orçamento disponibilizado para o sistema;
baixo preparo do pessoal técnico; e do predomínio da ociosidade dentro das Unidades
Prisionais (BITENCOURT, 2004, p. 231), isto é, não há interesse político de mudar a
3. estrutura prisional brasileira, o que é reflexo do modelo sócio-econômico que
experimentamos, cuja origem é encontrada ainda na idade média.
2 A PENA NA IDADE MÉDIA.
É assente na doutrina que na Idade Antiga a prisão não tinha caráter de sanção penal,
servindo apenas com o objetivo de contenção e guarda dos acusados, no sentido de preservá-
los fisicamente até o momento do julgamento, quando muitas das vezes eram executados.
Até Roma, tão desenvolvida no Direito Civil, era incipiente no Direito Penal, não
admitindo, mais das vezes, a prisão com objetivo outro que não fosse a custódia e contenção,
sendo elucidativo o texto de Ulpiano, no Digesto. (BITENCOURT, 2005, p. 6): Carcer enin ad
continendos homines non ad puniendos haberit debit. (A prisão serve não para o castigo dos homens,
mas para a sua custódia).
Finda a Idade Antiga, cujo marco tradicionalmente aceito é a queda do Império
Romano, e a invasão da Europa pelos povos bárbaros, inicia-se a Idade Média, onde o Direito
Penal e a pena assumem novos contornos.
As penas corporais e de morte não foram abolidas de imediato com a passagem para
Idade Média, mas se observa que, de acordo com a situação econômica prevalente, adotou-se
um modelo de punição:
En la historia de la ejecución penal pueden distinguirse diversas épocas durante las
cuales prevalecieron sistemas punitivos completamente diferentes. Penas pecuniarias
y Penances fueron los métodos de sanción preferidos durante la alta Edad Media.
Más tarde, durante la baja Edad Media, fueron gradualmente reemplazados por un
severo sistema de penas corporales y de muerte que, a su vez, alrededor del siglo
XVIII fueron reemplazadas por las penas privativas de libertad. (RUSCHE &
KIRSCHHEIMER, 2004, p. 7).
O que se busca neste artigo e mostrar o marco fundamentador das razões do modelo
penal existente no país, cujas bases começam a ser visualizadas já na idade média, que
podemos didaticamente também subdividir em alta e baixa idade média.
Na alta idade média, conforme descrito por Rusche & Kirschheimer (2004), diante
da baixa população, e da grande quantidade de terras ainda existente, o nível de vida era bom
o suficiente para não gerar conflitos que não pudessem ser regulados através de penas
pecuniárias, e penances, esta devida ao que fora injuriado, e aplicada por uma autoridade não
judicial (RUSCHE & KIRSCHHEIMER, 2004, p. 7), e, eventualmente a lei do feudo,
caracterizada pela vingança privada, então ainda admitida.
4. Ainda destaca-se que o modelo de colonização de parte da Europa pelos germanos,
que necessitava de grande quantidade de mão de obra, ocasionou a migração de pessoas para
aquela região, principalmente fugindo da forma de tratamento rígido dos senhores feudais, o
que ocasionou o surgimento de novas cidades, e ainda conduziu à mudança de tratamento dos
servos pelos senhores, tudo contribuindo para a diminuição das tensões sociais.
Na época, conforme leciona Rusche & Kirschheimer (2004), a principal forma de
controle social, a dissuadir práticas violentas, era o medo da vingança privada pela parte
agredida, uma vez que o crime era considerado como um ato de guerra, que poderia alcançar
extensões de elevada monta, a afligir a paz pública, vez que um pequeno desentendimento
entre vizinhos poderia envolver os parentes, servos, amigos, com funestas conseqüências.
Destaca-se o fato de que na época não havia um poder central forte, percebendo-se
como finalidade do direito penal da época a manutenção da paz, a ser alcançada através da
aplicação de penas pecuniárias.
A dosimetria da pena era fundada na classe social do ofendido e do ofensor,
verificando-se, conforme Radbruch apud Rusche & Kirschheimer (2004, p. 9),que a diferença
de classe levou à situação de uma pena pecuniária aplicada não poder ser adimplida em razão
da falta de recursos do réu pobre. Para solucionar tal situação levou à substituição, para em
tais situações, da pena pecuniária para a pena corporal de prisão.
A partir de então, evidencia-se a opção por um modelo de pena que nasce com
aplicação limitada a uma determinada categoria social, qual seja, os desprovidos de renda ou
recursos para pagar por sua liberdade.
Rusche & Kirschheimer, apud Graven, e conforme o que consta do art. 4º do
Estatuto da Cidade de Sion, datado de 1338, mostra a previsão de multa de 20 libras para
casos de agressão, todavia, dispõe que não tendo o agressor capacidade de pagamento da
pena, sua pena seria substituída por privação de liberdade, devendo ser enviado para a prisão,
onde seria alimentado apenas com pão e água, até que algum morador da cidade intercedesse
por ele, ou fosse perdoado pelo bispo.
Aos poucos, diante de fatores como o crescimento das funções sancionadoras dos
senhores feudais, e, mais tarde, a lucratividade do exercício da atividade jurisdicional, pois
parte das penalidades importas eram destinadas aos seus aplicadores, levou do direito penal a
perder seu caráter privado, passando a interessar ao rei o seu exercício.
Las observaciones de Holdsworth acerca de que los derechos reales sobre los bienes
mostrencos, las confiscaciones y los bienes del condenado parecían interesar a los
jueces por lo menos tanto como el mantenimiento de la ley y el orden, revelan la
5. preocupación principal de los administradores de justicia en esa época. En la
Toscaza, en el sur de Alemania, en Inglaterra y en Francia, el intento de obtener
ingresos de los fondos de la administración de la justicia criminal, constituyó uno de
los principales factores para transformar el derecho penal, de un mero sistema de
arbitraje entre intereses privados, en una parte fundamental del derecho público.
(RUSCHE & KIRSCHHEIMER, 2004, p. 10).
Verifica-se que na baixa idade média ocorreu a gradual substituição da penas
pecuniárias e penaces por penas corporais severíssimas e pela pena de morte, para, em
seguida, por volta do século 18, serem também substituídas pelas penas privativas de
liberdade, podendo-se claramente perceber a influência do poder econômico a supedanear tais
mudanças.
No século XV há registros de empobrecimento da população da Europa,
principalmente pelo aumento da população, sendo determinante a falta de terras cultiváveis,
uma vez que o cansaço da terra, excessivamente cultivada ao longo dos anos, exigia a
implementação de um modelo de descanso de áreas agricultáveis, com o rodízio de pastagens,
o que levou à queda de produção, desemprego, e fome.
Tawney, apud Rusche & Kirschheimer (2004), em seu livro Religion and the Rise of
the Capitalism, publicado em 1926, informa que a cidade de Florença, em 1380, tinha uma
população de aproximadamente 90.000 habitantes, sendo que cerca de 17.000 habitantes
sobreviviam da caridade.
Naquela época, o inchaço na periferia das cidades, levou a formação de grupos de
criminosos, saqueadores e miseráveis, muitos vitimados pelas pestes que dizimavam as
populações européias.
É justamente entre os séculos XIV e XV que ocorre a transição do feudalismo para o
capitalismo, construindo-se um direito penal, não mais destinado aos iguais e possuidores de
recursos para pagamento de penas pecuniárias, mas dirigidos a atingir os despossuídos
Henri Sanson, conhecido como o verdugo de Paris, afirmou que “até 1791 a lei
criminal é o código da crueldade legal”, o que demonstra o claro objetivo de controle social
da pena na idade média, que visava provocar medo em toda a sociedade (BITENCOURT,
2005, p. 8).
Durante todo o período da Idade Média, a idéia de pena privativa de liberdade não
aparece. Há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação
da liberdade continua a ter uma finalidade custodial, aplicável àqueles que seriam
“submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações
bárbaras e sangrentas. A amputação de braços, pernas, olhos, línguas, mutilações
diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em sua mais variadas formas,
constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico”.
(BITENCOURT, 2005, p. 8).
6. A opressão dos pobres pelos abastados sempre foi uma realidade em todas as épocas,
o que variou foi a capacidade de indignação dos miseráveis, que mais das vezes sucumbiu
subjugado pelo poder dos ricos, que sempre encontrava meios para justificar a dominação.
Conquanto subjugados, o crescimento da miséria e da fome fazia explodir a
violência, não por simples maldade, ou por justificativas outras de natureza metafísica, mas
por revolta, fazendo surgir uma coragem insana, aliada ao descontrole da desesperança.
Quando a revolta explodia, a reação da elite era sempre marcada pela violência, e os
fundamentos não eram outros além da manutenção de privilégios.
Sempre existiu o capitalismo, entretanto, antes do mercantilismo e da Revolução
Industrial, se limitava a pequenos grupos da sociedade. Os nobres, os latifundiários,
os militares, os camponeses, os artesãos e lavradores, não foram, stricto sensu,
capitalistas. A concentração de capital e de riqueza nas mãos dos mercadores e
banqueiros – cujo poderio começava a substituir o da nobreza – trouxe consigo
desorganização social e miséria. Em Siena, em 1371, dois mil mercenários ao
serviço dos mercadores invadiram os bairros pobres e assassinaram homens,
mulheres e crianças, sem distinção nem piedade, empalando a uns em lanças e
cortando aos meio a outros com seus machados. Tratava-se de uma represália
porque os trabalhadores de lã – acossados pela fome e pelo desespero – tomaram o
palácio público, derrubaram o governo e colocaram no poder os reformadores.
(RENÉ BODERO apud GUIMARÃES, 2007, 99).
O século XVI é o marco do que se poderia chamar de embrião do capitalismo, que é
o surgimento do mercantilismo, mudando sobremaneira as relações sociais, mormente ao criar
uma nova concepção de trabalho, diante do abando do sistema feudal de produção, com os
camponeses, que cultivavam apenas para subsistência, tendo que se adequarem ao sistema
fabril de produção.
Assim, no século XVI, são introduzidas e desenvolvidas as condições
desenvolvimento posterior do capitalismo: burguesias bancárias e financeiras;
Estados nacionais dispondo de meios de conquista e de dominação; uma concepção
de mundo que valoriza a riqueza e o enriquecimento; é apenas nesse sentido que se
pode datar o século XVI a era do capitalismo. Mas se faz necessário um olhar
moderno, iluminado pelo conhecimento do desenvolvimento posterior do
capitalismo industrial, para aprender e dar um nome ao „capitalismo mercante‟do
século XVI, que ainda não passa do embrião daquilo que poderá ser chamado mais
tarde de capitalismo. (BITENCOURT apud BEAUD, 2005, p. 116).
3 A PENA NA IDADE MODERNA.
7. Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, ao lado do fundamento
econômico e político para o surgimento da pena privativa de liberdade, alguns estudiosos
apontam a influência da Igreja Católica e do Direito Canônico, todavia reconhecendo tal
influência na formação dos sistemas penitenciários, não a reconhecemos como fundamentação
do modelo de pena de prisão até hoje verificado, tendo que tal é a ideologia do capital e a
dominação de uma classe sobre outra.
Realmente, o embrião da prisão moderna vai surgir naquele momento de transição do
feudalismo para um novo modelo de acumulação de capital, em meio de uma crise social e
econômica, que gerou um contingente de prostitutas, vagabundos, mendigos e retirantes, que
circulavam por toda Europa. (GUIMARÃES, 2007).
Os governos locais utilizavam ações de limpeza, com expulsões, chicotadas,
tatuagens a fogo, mutilações de orelhas e enforcamentos, todavia não havia forca suficiente
para matar tantos pobres, exigindo-se outra solução para a contenção da pressão social.
A solução encontrada foi a criação de “Houses of Corretions”, ou seja, Casas de
Correção, onde deveriam ser recolhidos os mendigos, prostitutas e desocupados em geral,
sendo a primeira, considerada como precursora da prisão moderna, a localizada em Bridewell,
em Londres, inaugurada em 1552.
Bridewell, um castelo destinado pelo rei da Inglaterra para o recolhimento dos
excluídos, era dirigido com extremo rigor, e buscava reformar os recolhidos através da
disciplina e do trabalho. Servia também como meio de prevenção geral, uma vez que
objetivava ainda desestimular as práticas indesejadas pela classe dominante, principalmente a
vadiagem e a ociosidade.
Outra finalidade das Houses of Corretion, ou Bridewells, como ficaram conhecidas,
pois se espalharam pela Inglaterra, era levar o preso a adquirir renda e ter vantagem
econômica através de seu trabalho, que era desenvolvido no ramo têxtil (BITENCOURT,
2005, p. 17).
Ao mesmo tempo é brutal o aprendizado da disciplina manufatureira. Os mendigos,
encerrados nos asilos, devem aprender uma profissão; os ociosos, as moças solteiras,
o pessoal dos conventos, podem ser obrigados a trabalharem nas manufaturas; as
crianças devem ir ao aprendizado. Para os operários, a missa no início do dia, o
silêncio ou cânticos durante o trabalho; as multas, o açoite ou a golilha em caso de
erro; a jornada era de doze a dezesseis horas; os baixos salário; a ameaça de prisão
em caso de rebelião (BEAUD apud GUIMARÃES, 2007, p. 101).
8. Na mesma época a França enfrentava problemas semelhantes, adotando soluções
também semelhantes para o tratamento dos excluídos:
As guerras religiosas tinham arrancado da França uma boa parte de suas riquezas.
No ano de 1556 os pobres formavam quase a quarta parte da população. Essas
vítimas da escassez subsistiam das esmolas, do roubo e assassinatos. O parlamento
tratou de enviá-los às províncias. No ano 1525 foram ameaçados com o patíbulo; em
1532 foram obrigados a trabalhar nos encanamentos para esgotos, acorrentados de
dois em dois; em 1554 foram expulsos da cidade pela primeira vez; em 1561 foram
condenados às galés e em 1606 decidiu-se, finalmente, que os mendigos de Paris
seriam açoitados em praça pública, marcados nas costas, teriam a cabeça raspada e
logo seriam expulsos da cidade. (DE GROOTE, apud BITENCOURT, 2005, p. 15).
Com o mesmo objetivo surgem na mesma época estabelecimentos em toda a Europa,
como as Workhouses na Inglaterra, a primeira já em 1697, para depois se espalhar por toda a
Inglaterra, chegando ao número de 26 no final do século XVIII.
Em Amsterdam são criadas as casas de correção para homens, rasphuis e para
mulheres, spinhis, e em 1600 é criada uma casa de correção para internação de jovens
delinqüentes.
As casas de correção eram destinadas ao tratamento de pequenos delitos, uma vez
que para os mais graves aplicavam-se as demais penas corporais, como açoite, pelourinho e
morte.
Já naquela época os resultados das penas de prisão não atingiam os fins apregoados,
quais seja a reforma e reeducação do delinqüente, conforme Radbruch apud
Guimarães(2007). Mas será que o surgimento da prisão explica-se apenas em razão de
motivações econômicas e políticas, ou religiosas, ou ainda em face da impossibilidade de se
aplicar a pena de morte, isso diante do grande contingente de delinqüentes?
Bitencourt (2005), aponta quatro causas que se destacam como fundamento para o
surgimento da prisão, não mais como custódia, mas como pena, que se inter-relacionam, e não
esgotam as possibilidades.
O primeiro aspecto é a mudança das idéias no século XVI, com a maior valorização
da liberdade, com o inicio de um pensamento racionalista. Naquela época a forma de tratar o
mal, representado pelas trevas, era a exposição à luz, representando em relação ao crime a
confissão pública antes de seu expurgo.
O segundo aspecto, já caracterizando uma mudança de paradigma, é a necessidade de
ocultação de certas condutas, em prol da boa consciência, servindo a prisão para ocultar o
criminoso e também o castigo, inclusive para que o criminoso não fosse sequer lembrado.
9. O terceiro aspecto é representado pelas transformações socioeconômicas decorrentes
da transição do modelo feudal para um novo modelo de acumulação de capital, ou seja, a
saída da Idade Média e o ingresso na Idade Moderna.
Tais transformações conduziram o mundo da época a vivenciar o empobrecimento de
parcela considerável das populações, levando multidões à mendicância e à criminalidade. E
como reflexo do crescimento da delinqüência na Europa, entra em declínio a pena de morte,
uma vez que não cumpre o seu papel de evitar que a delinqüência aumente, levando a se
buscar outras soluções.
Surge então, como uma invenção memorável, a pena de prisão, como sucedânea da
pena de morte, com a esperança de ser o mais eficaz meio de controle social, capaz, portanto,
de punir o delinqüente, e inibir a prática de novos delitos.
Por fim, como quarta causa apontada por Bitencourt (2005), apresentam-se as causas
econômicas, às quais acrescenta-se também a política. Não se pode olvidar que o cárcere
prestou-se como instrumento de regulação do mercado de trabalho, aumentando em número
de indivíduos quando havia excedente de mão de obra, ou quando estava sobre-valorizada, e
esvaziava quando faltavam braços para o trabalho.
Naquele período, como já observado, o trabalho forçado é aplicado
indiscriminadamente, demonstrando sua intima relação com a prisão, a ponto de se ter
dificuldades de perceber se o objetivo de se prender era afastar o delinqüente do convívio
social ou forçar a trabalhar. Com isso, muitas vezes o trabalho dos reclusos era utilizado para
obtenção de lucros para o Estado e também para particulares.
A pena surge então com caráter de retribuição apenas, não tendo outra motivação
para sua aplicação que a inflição de um mal, como conseqüência do ilícito praticado.
O que se segue é a verificação de que o cárcere, diante do crescimento da
criminalidade, e da concepção de que deve ser necessariamente um local para expiação do
mal causado, transforma-se em um lugar cada vez menos salubre e humano.
Novamente uma conjunção de fatores conduz à mudança no que podemos chamar de
sistema penal vigente no século XVIII, pois, ao lado do declínio da concepção teológica, com
o crescimento do racionalismo e do cientificismo, vêm-se também mudanças no panorama
econômico mundial, com a queda na demanda por mão de obra
A crueldade do sistema repressivo e as péssimas condições das prisões, foram
marcas recorrentes no século XVIII, inclusive com leis de extremo rigor, e defesas
ideológico-doutrinárias, feitas por criminalistas da época, a justificar a necessidade da dureza
das penas e da desnecessidade de locais salubres para os presos.
10. As leis em vigor inspiravam-se em idéias e procedimentos de excessiva crueldade,
prodigalizando os castigos corporais e a pena capital. O direito era um instrumento
gerador de privilégios, o que permitia aos juízes, dentro do mais desmedido arbítrio,
julgar os homens de acordo com sua condição social. Inclusive, os criminalistas
mais famosos da época defendiam em suas obras procedimentos e instituições que
respondiam à dureza de um rigoroso sistema repressivo (BITENCOURT, 2007, 32).
Então, na segunda metade do século XVIII, inicia-se um movimento de oposição ao
modelo repressor vigente, com críticas abertas às leis e seus fundamentos, por serem agora
entendidos como violadores da dignidade do ser humano. São idéias inculcadas nas ideais
iluministas, com forte influencia de Voltaire, Montesquieu e Rousseau, sustentado a exigência
de uma proporcionalidade entre a ação delituosa e a reprimenda aplicada.
Relata Foucault
O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na segunda metade do
século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados,
parlamentares; nos chaiers de doléances e entre os legisladores das assembléias. É
preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e a
cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício
tornou-se rapidamente intolerável. Revoltante, visto da perspectiva do povo, onde
ele revela a tirania, o excesso, a sede de vingança e o “cruel prazer de punir”.
Vergonhoso, considerado da perspectiva da vítima, reduzida ao desespero e da qual
ainda se espera que bendiga “o céu e seus juízes por quem parece abandonada ”.
(FOUCAULT, 2007, p. 63).
Os ideais que vão influenciar na mudança da forma de se apenar são os mesmos que
conduziriam à Revolução Francesa, e que vão ser manifestos de forma contundente no
pensamento em Cesare Bonesana, o Marques de Beccaria, em Jonh Howard e em Jeremy
Bentham.
O papel de Beccaria é fundamental para o atual modelo de pena privativa de
liberdade, sendo ele considerado como o iniciador daquela que ira posteriormente ser
chamada de Escola Clássica do Direito Penal, sendo marco relevante o lançamento de seu
livro intitulado Dos Delitos e das Penas, lançado em 1764.
As idéias de Beccaria, forjadas no pensamento iluminista, de base contratualista,
foram lançadas em um livro bem escrito, de leitura fácil, com o desenvolvimento de idéias de
forma lógica e convincente, que cala fundo nas mentes da época, alcançando repercussão que
ultrapassa os séculos, conduzindo ao estudo sistematizado e científico do Direito Penal,
questionando a extensão do direito de punir e as formas de punição.
Sua formação liberal, e sua concepção contratual da sociedade, conduzem à
fundamentação de um direito de punir fundado na violação do pacto social, mas limitado à
proporcionalidade da violação, razão porque se insurge de forma veemente à pena de morte.
11. Verifica-se já em Beccaria (2006, p. ) um posicionamento utilitarista em relação à
pena, pois tinha ela, em sua concepção um fim determinado, que seria “impedir o réu de
causar novos danos a seus cidadãos e afastar os demais do cometimentos de outros iguais”.
Sugeria ainda que a escolha da pena, e a forma de aplicá-la, deveriam respeitar a
proporcionalidade, mas sempre o seu objetivo era de causar “impressão mais eficaz e mais
durável sobre o ânimo dos homens”, todavia, na direção contrária do que antes ocorria,
deveria ser o menos aflitiva possível ao corpo do réu.
Destaca-se ainda sua defesa para que os julgamentos fossem rápidos, evitando a
verdadeira tortura para o réu que é a indefinição que vive enquanto aguarda o julgamento, o
que é até hoje vivenciado.
A marca do pensamento de Beccaria é a humanização da pena criminal, conduzindo
à mudança de paradigma, finalmente substituindo-se as penais aflitivas e capitais pela pena
privativa de liberdade, a ser aplicada de forma não aflitiva, com o tratamento mais humano do
delinqüente.
Jonh Howard também tem destacada influência na implantação da pena privativa de
liberdade, a ser aplicada de forma mais humanizada, sendo o seu livro The state of prisions in
England na Wales with na account of some goregn, publicado em 1777, um marco para o
despertamento acerca da realizada carcerária.
Howard exerce grande influencia no penitenciarismo moderno quando separa direito
penal de execução penal, e ao lançar o embrião do que viria a ser a formação de agentes
penitenciários, com formação específica para lidar com o encarcerado e ainda escolha de um
juiz para execução da pena. (BITENCOURT, 2005).
Também lança a tese do isolamento noturno do preso, em celas pequenas, mas
salubres, o que vai influenciar na nona regra das Regras Mínimas para o Tratamento dos
Reclusos, em sua primeira parte.
REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DE PRISIONEIROS
Adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e
Tratamento de Delinqüentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo
Conselho Econômico e Social da ONU através da sua resolução 663 C I (XXIV), de
31 de julho de 1957, aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977. Em
25 de maio de 1984, através da resolução 1984/47, o Conselho Econômico e Social
aprovou treze procedimentos para a aplicação efetiva das Regras Mínimas (anexo).
.................................
Locais destinados aos presos:
9.
1.As celas ou quartos destinados ao isolamento noturno não deverão ser ocupadas
por mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário da
população carcerária, for indispensável que a administração penitenciária central
12. faça exceções a esta regra, deverá evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa
mesma cela ou quarto individual. (DHnet)
Já Benthan (2002, p. 23), um utilitarista, molda sua teoria da pena numa concepção
hedonista, uma vez que sustenta que é a busca do prazer orienta as ações humanas, sendo
assim, sustenta que as penas devem ter a gravidade necessária para que o indivíduo, ao pensar
delinqüir, sopese o que é mais gratificante, o prazer de agir, ou a dor da pena, e o que vencer,
dirigirá sua conduta.
Benthan utilizava os termos prevenção geral e prevenção especial, significando a
prevenção geral a voltada a evitar a prática do delito, e a prevenção especial a voltada
diretamente àquele que, não contido pela intimidação geral, culmina em delinqüir, mas com o
objetivo de sua correção. Todavia em seu pensamento preponderava a prevenção geral à
especial. (BITENCOURT, 2004).
Por reconhecer as mazelas do cárcere, que serviam mais para corromper que para
reformar, preocupa-se com a melhoria das condições para o cumprimento da pena, inclusive
com a laborterapia, como instrumento de grande importância para o que hoje chamamos de
reinserção social.
Benthan também é o primeiro a preocupar-se com a arquitetura das prisões, sendo o
criador do sistema panótico, assim descrito por Foucault (2007, p. 166):
[...] ma periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de
largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é
dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm
duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá
para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar
um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um
condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber
da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas
nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ato está
sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo
panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem para e reconhecer
imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três
funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem-
se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra,
que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha.
O que se constata é que o modelo panótico, embora em sua fundamentação também
buscasse a reforma do delinqüente, mostrou-se como eficiente modelo de dominação e
subjugação total do indivíduo, funcionando como meio para alcançar a domesticação dos
encarcerados, inclusive através do trabalho (BITENCOURT, 2004).
13. 4 SURGIMENTO DAS TEORIAS FUNDAMENTADORAS DA PENA.
De todo o expendido, observa-se que doutrinariamente surgiram três grupos de
teorias, para justificar os fins e fundamentos da pena, não olvidando, por tudo que
defendemos, que a gênese da criminalidade está na exclusão, fomentada e sustentada pela
hegemonia de uma classe dominante sobre outra classe, sendo o direito penal e pena
instrumentos de controle social.
As teorias absolutas, ou retributivas, fundamentadas exclusivamente na ação
criminosa, lecionava que se punia por uma exigência da justiça, em razão da reprovabilidade
da conduta humana, retribuindo-se o mal do crime, com o mal da pena, re-equilibrando-se a
sociedade, abalada pelo fato criminoso. Fundada no brocardo punitur quia peccatum est,
pune-se porque pecou.
São teóricos mais importantes desse período os alemães Kant e Hegel. O primeiro
entende que o cumprimento da norma é um imperativo categórico, não tem pode ser utilizada
para qualquer fim, inclusive para fomentar o bem, mas é um fim em si mesma, em face do
descumprimento da lei, vez que cumprir a lei é um imperativo categórico.
Para Hegel, com a teoria lógico-jurídica, a pena e a negação do delito e a afirmação
do Direito anteriormente negado pelo delito (PRADO, 2006, 525). Mostra-se como um jogo
de sinais em uma operação matemática, onde a pena e a negação de uma negação, que é o
crime, resultando logicamente em uma afirmação, que é o Direito posto.
Nos dias de hoje a idéia de retributividade da pena está relacionada ao princípio da
proporcionalidade, a justificar que a pena deve ter o valor negativo equivalente ao desvalor da
conduta violadora da norma.
As teorias absolutas ou de retribuição sofrem severas críticas na contemporaneidade,
sendo relevante o posicionamento de Roxin aclarado por Bitencourt.
Roxin despreza totalmente a teoria retribucionista, ou, como ele a chama, teoria da
expiação, “porque deixa sem esclarecer os pressupostos da punibilidade, porque não
estão comprovados seus fundamentos, e, porque, como conhecimento de fé
irracional, além de impugnável, não é vinculante”. (BITENCOURT, 2004, p. 120).
As Teorias Relativas, ao contrario de fundadas em punitur quia peccatum est, era
expressa pelo brocardo punitur ut ne peccetur, ou seja, pune-se para que não peque,
mostrando-se com duas funções bem distintas, quais sejam a de prevenção geral e a prevenção
especial.
14. Ao contrário das teorias absolutas da pena, as chamadas teorias relativas propõem
que a sanção deve possuir uma finalidade. A pena não deve servir à realização da
justiça na Terra, mas para a proteção da sociedade. Ela não constitui um fim em si
mesma. Ela constitui um meio de prevenção. Dessa forma, o sentido da pena é
exclusivamente evitar a prática de delitos no futuro. Sendo a pena um instrumento
político-criminal que atua sobre os cidadãos de forma impositiva e causando-lhes
um mal, não pode a pena simplesmente ser retributiva ou expiatória. É preciso ser
alcançada uma finalidade, qual seja, a profilaxia do crime, isto é, a sua prevenção
(AMARAL, 2005, p. 183).
Assim, a pena, para as teorias da prevenção, tem por finalidade evitar a ocorrência
do delito, num primeiro momento atuando como coação psicológica e geral, sobre toda a
sociedade, para evitar a prática do crime. No segundo momento, na forma de prevenção
especial, age sobre a pessoa do delinqüente, para sua intimidação, correção e imobilização.
Não podemos esquecer, como já visto, a origem do sistema punitivo e sua intrínseca
relação com o mercado e com o poder das classes dominantes, expresso de forma indelével na
natureza utilitarista da pena para as Teorias Relativas.
Naquele momento, no final do século XVIII e início do século XIX, no auge da
Revolução industrial, a pena não se presta mais à restauração da ordem jurídica ou para
intimidar os membros da comunidade, tem agora a função de defesa da “nova ordem”
(BITENCOURT, 2004).
[...] O delito não é apenas a violação à ordem jurídica, mas, antes de tudo, um dano
social, e o delinqüente é um perigo social (um anormal) que pões em risco a nova
ordem. Essa defesa social referia-se a alguns dos setores sociais: o econômico e o
laboral. Trata-se da passagem de um Estado guardião a um Estado intervencionista,
suscitada por uma série de conflitos caracterizados pelas graves diferenças entre
possuidores e não possuidores dos meios de produção, pelas novas margens de
liberdade, igualdade e disciplina estabelecidas. Diante da impossibilidade de
resolver as tensões e contradições do mercado, “o Estado teve de abandonar sua
função de guardião do mercado para intervir precisamente na sua regularização”.
(BITENCOURT, 2004, p. 131).
Conforme Amaral (2005), a teoria da prevenção geral subdivide-se em Positiva, onde
a pena é tida como instrumento utilizado pelo Estado para manter e reforçar a confiança da
comunidade na validade e na vigência das normas penais e do ordenamento jurídico-penal.
Busca manter a confiança da população na força e capacidade de agir do Estado para gerir-se
e manter a paz social. É o chamado Direito Penal Simbólico.
A Prevenção Geral Negativa, chamada de Teoria da Coação Psicológica ou Teoria da
Intimidação, objetiva a prevenção do crime através de mecanismos que servem para frear ou
impedir a prática do delito, através da coação psicológica.
Roxin apud Teles apresenta a Teoria Unificadora Dialética, para a qual:
15. O Direito tem natureza fragmentária, subsidiária e limitada, sendo sua missão
proteger os bens jurídicos mais importantes das lesões mais graves. Assim o Estado
só pode construir tipos em tais circunstâncias, constituindo situação de prevenção
geral. Não funcionando o primeiro anteparo, parte-se para o segundo, que é a
concretização da pena, constituindo-se aí a prevenção especial. De todo modo, a
pena só se justifica se tiver a finalidade de recuperar o agente do crime, aperfeiçoá-
lo, e ensiná-lo valores ético-sociais cultivados pela sociedade, para que ele possa
retornar ao convívio social.
O Direito de punir do Estado, jus puniendi, em um estado democrático de direito e
social, deve jungir-se aos estreitos limites da prevenção geral e especial, servindo com freio
ao poder estatal, poder esse ideologicamente comprometido com as elites, os direitos
individuais do cidadão, e, fundamentalmente, o princípio da dignidade humana.
CONCLUSÃO
Conforme exaustivamente analisado, no curso da história a privação da liberdade não
foi sempre o modelo adotado para a punição do indivíduo que descumpria as regras sociais,
entretanto, máxime em face do surgimento do capitalismo, passa a classe dominante a valer-
se da economia para tudo justificar, inclusive o que venha a ser crime ou a função da pena,
prevalecendo sempre da expressão das leis de mercado.
Becker apud Guimarães (2007) observa a influência do mercado na formatação
social, a tudo regulando, de modo que as diversas intervenções verificadas na sociedade são
decorrentes da relação de oferta e demanda:
Certamente, eu cheguei à posição de que a abordagem econômica é uma abordagem
compreensiva que é aplicável a todo comportamento humano, seja ele um
comportamento que envolve preços em dinheiro ou preços determinados em outros
valores, decisões repetidas ou espaçadas, decisões mais ou menos importantes,
finalidades mecânicas ou emocionais, pessoas pobres ou ricas, terapeutas ou
pacientes, homens de negócio ou políticos, professores ou alunos. As aplicações da
abordagem econômica assim considerada são tão extensas quanto o escopo da
economia na definição dada anteriormente que enfatiza recursos escassos e fins
compatíveis. [...] um imposto sobre o produto de um mercado reduz a oferta do
mesmo, seja ele um imposto sobre gasolina que reduz o uso da gasolina, punição a
criminosos (que é um “imposto”sobre o crime) que reduz a quantidade de crimes ou
um imposto sobre salários que reduz a oferta de trabalho a esse setor de mercado.
(BECKER apud GUIMARÃES, p. 21-22).
A compreensão que resulta evidente é que o crime é um conceito variável de cultura
para cultura, de época para época, mas fundamentalmente, de ideologia para ideologia, sendo
marcante a influência do poder econômico que essa ideologia busca justificar.
16. Confirmando esse entendimento, Guimarães (2007, p. 22) afirma que há íntima
relação entre o Direito Penal e os interesses econômicos dos detentores do poder, o que antes
era propositalmente ocultado, mas hoje é mais explícito.
Surge como algo evidente, por mais brutal que possa parecer aos olhares leigos e
crédulos, que os interesses econômicos influem de forma relevante no momento legislativo,
isto é, na elaboração das leis penais, e com isso na aplicação das mesmas, sendo inelutável a
compreensão que o interesse econômico está na base da justificação ao direito de punir.
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