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Pedro pedrão e pedrinho: um continho nada infantil...
1.
2. Pedro. Pedrão e Pedrinho
Um continho nada infantil
Era uma vez três pintinhos chamados Pedro, Pedrão e
Pedrinho.
Todos os três de uma só ninhada, gêmeos diria.
Mas um não se parecia com o outro, o que, creio eu,
influenciou na escolha dos nomes. Ora vejamos:
nascido de parto normal, Pedro demonstrava a
tranquilidade de quem quebrou a casca do ovo como
manda o regulamento do instinto animal; já Pedrão,
por falta talvez de cálcio na ração materna que, diga-
se de passagem custam cada vez mais caro e são cada
vez mais fracas, nascera um dia antes, prematuro mas
nem tanto, o que lhe deixara com a sensação de ser
mais forte. Afinal quebrara antes a casca, coisa que os
irmãos pintos não conseguiram. Em verdade o que
ocorrera era que ela era fina demais...
3. Mas o mundo é feito de ilusões, auto fabricadas ou
não...
E falta o Pedrinho.
Na minha leiga e humilde opinião, o cálcio que
pertenceria por óbvio direito ao ovo do Pedrão,
desviara por obra do destino para o invólucro do
Pedrinho. Resultado: casca grossa demais, colocou
entraves para o fiel cumprimento do regulamento e
traumatizou Pedrinho, que de lá só saiu com ajuda do
Pedrão, que não quis deixar de dar sua bicada quando,
dois dias após o nascimento de Pedro, o normal, nada
de novo acontecia com Pedrinho.
Surgido desta cesárea fraternal, claustrófobo e
complexado, Pedrinho se sentia um fraco. Afinal
Pedrão se gabava que fora fácil partir-lhe a casca. O
que era mentira do malandro, doía-lhe ainda o bico.
Mas machão é machão, tinha que manter a farsa.
E assim se prepararam para o circo da vida...
Fisicamente iguais, a prematuridade de um, a
normalidade do outro e a cesárea do último, tornara-os
4. três cidadãos diferentes:
Pedro, o normal;
Pedrão, o forte;
Pedrinho, o fraco.
Fora problema de casca e estas diferenças casca eram.
Pedrão era o que mais sofria. Sabia que no fundo seu
medo era imenso, mas tinha que se sobressair, tinha
que vencer, era o mais forte e os outros esperavam
isto dele. E fazendo das tripas coração, lançava-se de
cabeça em lugares de onde Pedro prudentemente se
mantinha afastado e Pedrinho fugia esbaforido.
Este último se julgava um trapo, uma galinha. Pois se
Pedrão fazia, matutava, era porque não tinha medo e
então ele naturalmente era um covarde...
Pedro por sua vez não pensava em medo e sim em
utilidade ou não. Por que disputar o milho com os
galos se eles nunca comem tudo e sobrará o suficiente
para um simples pintinho?
E nesta primeira etapa, o forte comia primeiro à custa
de pancadaria; o normal comia a seguir, tranquilo, e o
5. fraco só muito tempo depois se atrevia a aparecer,
temendo represálias e abusos, bicando o que restava,
quase nada.
As diferenças casca eram, disse eu.
Três galináceos cidadãos, irmãos e iguais, com a
mesma potencialidade mas que abrigaram em suas
mentes a partir do nascimento, ideias diferentes de si
mesmos...
Resultado: já na puberdade, Pedrão já se distanciara
em físico dos irmãos, tornara-se realmente forte de
tanto correr, saltar e lutar, cheio de cicatrizes, era
matreiro, mordaz e contestador. Tinha uma úlcera no
estômago de tantos maus bocados passados mas era o
primeiro a comer, incontestado, temido por sua
experiência de combate e admirado pelas frangas, até
mesmo por algumas respeitáveis galinhas com quem
tivera arrojados romances para se auto afirmar.
Tudo isto provocava náuseas em Pedro, tornado
intelectual, bem tratado, pois em sua sabedoria
engordara, comendo sempre tranquilo. E balançava a
6. cabeça, pensando que a vida violenta do irmão logo
teria um fim trágico. Por que não viver como ele,
correto e respeitador das normas da sociedade? E
lembrou-se do pobre Pedrinho, que mal completara
sua infância, fugindo de tudo e de todos, pequeno e
magro, o que lhe determinara o caminho do cadafalso
na tétrica cozinha, terminando seus dias como galeto
no espeto. Afinal não tinha futuro mesmo, pensaram
todos.
É,ninguém chora por um fraco...
E enquanto pensava que o caminho da paz e
tranquilidade social era o único a seguir, o gordo
Pedro viu-se de repente ser arrancado do chão, o
mundo rodopiou à sua volta e as últimas palavras que
ouviu foram: ótimo para uma canja!
Restou o Pedrão, galo eleito por maioria absoluta,
graças ao terror que inspirava nos frangotes e à
abertura política no galinheiro que permitiu às
galinhas votarem...
E com suas cicatrizes, úlcera no estômago e mil
7. transgressões, viveu até a velhice, respeitado e dando
conselhos aos mais novos, seus filhos, netos, bisnetos
e demais súditos para que não se transformassem em
um Pedro, o normal, que passou a vida segundo os
padrões que lhe foram impostos e no último instante
descobriu que apenas servira aos interesses de
terceiros...
fim...