1. Março de 2007Em tempos de pagamento do leite por qualidade, como alcançá-la?O setor leiteiro vem sofrendo grandes transformações nos últimos anos. Dentre as mudanças, uma das principais consiste no inicio do sistema de pagamento do leite em função da sua qualidade.Na maioria dos programas de pagamento por qualidade, são avaliados parâmetros como os teores de gordura e proteína, a contagem de células somáticas (CCS) e a contagem bacteriana total (CBT). A implementação deste programa causa impactos, uma vez que, no modelo atual, o diferencial de preço pode variar de R$ 0,08 a R$ 0,12.Surge então o primeiro questionamento: quais procedimentos devem ser seguidos para obtenção do leite com padrões adequados de qualidade? Para se discutir qualidade deve-se entender seu conceito e todos os fatores envolvidos. O leite para ser caracterizado como de boa qualidade deve apresentar as seguintes características organolépticas, nutricionais, físicoquímicas e microbiológicas: sabor agradável, alto valor nutritivo, ausência de agentes patogênicos e contaminantes (antibióticos, pesticidas, adição de água e sujidades), reduzida contagem de células somáticas e baixa carga microbiana.A CCS reflete a prevalência de mastite no rebanho, doença que afeta o rendimento e qualidade industrial do leite, altera a composição do leite e reduz significativamente a produtividade do rebanho. Ou seja, o produtor tem sua renda diretamente afetada, pois tem menos leite para vender e esse leite apresenta pior qualidade. A CCS depende de cuidados com a saúde da vaca, incluindo manejos nutricional e sanitário adequados que proporcionem ao animal condições de enfrentar possíveis agentes contagiosos; manejo de ordenha promovendo identificação, monitoramento, tratamento e até mesmo descarte de animais com histórico de mastite crônica, tratamento adequado no momento de secagem da vaca e adoção, sempre que possível de linha de ordenha. Outra característica relacionada com a qualidade do leite refere-se à qualidade microbiológica, traduzida basicamente como contagem bacteriana total (CBT) ou unidade formadora de colônia (UFC), já que os principais microrganismos envolvidos com a contaminação do leite são as bactérias, sendo que vírus, fungos e leveduras têm uma participação reduzida, apesar de serem potencialmente importantes em algumas situações.Esse tipo de qualidade é importante sobre dois aspectos, pois refere-se ao rendimento industrial e à saúde pública, uma vez que matéria prima com alta carga microbiológica acarreta aumento de custos e perdas no processamento, diminuição da vida de prateleira dos lácteos, afeta a exportação de produtos e aumenta consideravelmente o risco de segurança alimentar para a população.Sobre essa ótica o produtor passa a ter importante papel na obtenção de matéria prima de qualidade. A CBT está intimamente relacionada com a higiene e conservação do leite na propriedade e no transporte até o laticínio. Cabe ao produtor promover a máxima higiene durante todo o processo de ordenha, como teste para detecção de mastite (teste da caneca telada), higienização e desinfecção das tetas (pré-dipping), secagem das tetas com papel apropriado (absorvente e único para cada vaca), ordenha tranqüila, rápida e proteção pós-ordenha (pósdipping). Lavar corretamente todos os utensílios utilizados para retirada do leite (teteira e equipamentos da ordenhadeira), canalização e local de estocagem do leite com produtos adequados, além do acondicionamento deste em temperatura apropriada (aproximadamente 4ºC) para manter a carga bacteriana em níveis aceitáveis.Um terceiro fator ligado à qualidade do leite refere-se ao seu valor nutritivo, ou seja, sua composição nutricional. O leite contém em média 12,5 a 13% de sólidos totais, o restante é água. Desses sólidos totais, em torno de 3,5% é de gordura; 4,9 % de lactose; 3,6% de proteína; além de vitaminas e minerais. O conhecimento dos fatores que afetam a composição nutricional do leite traz algumas vantagens ao produtor. Em primeiro lugar, tratase de uma ferramenta importante na avaliação nutricional da dieta, podendo levar a informações sobre a eficiência de utilização de nutrientes e sobre a saúde animal.O componente lactose praticamente não é afetado pela dieta. Proteína pode ser ligeiramente afetada, mas pelo teor de proteína do leite é possível detectar se a proteína microbiana está sendo produzida em quantidades suficientes e se há suprimento adequado de aminoácidos essenciais para absorção pela glândula mamária. Em contrapartida, o teor de gordura pode ser fortemente influenciado pela dieta e, por meio desse fator pode-se especular sobre a incidência de cetose nos animais em início de lactação, acidose ruminal, insuficiência de fibra na dieta e severidade do estresse térmico. De um modo geral, as maneiras de influenciar a composição do leite pela dieta podem ser visualizadas no Quadro 01. Quadro 01 - Fatores que afetam a composição do leite.(+) O que aumenta o teor de gordura do leite(-) O que diminui o teor de gordura do leite- Estágio avançado da lactação;- Alto teor de fibra na dieta;- Fornecimento de gordura protegida (variável);- Uso de tamporantes na dieta;- Uso de co-produto fibrosos em substituição aos grãos na dieta;- Forneciemento de dieta completa (concentrado misturado ao volumoso).- Alta proporção de concentrado na dieta;- Baixos teores de fibra efetiva ( < 21%);- Alto teor de carboidratos não-estruturais na dieta;- Alto teor de gordura insaturada na dieta;- Alimentos finamente mo;idos ou de rápida degradação;- Fornecimento de mais de 3Kg de concentrado em uma única refeição.(+) O que aumenta o teor de proteína do leite(-) O que diminui o teor de proteína do leite- Estágio avançado da lactação;- Baixo teor de gordura no leite ( < 2,5%);- Alto teor de carboidratos não-estruturais;- Fornecimento de forragem de alta qualidade;- Utilização de ionóforos.- Baixo consumo de matéria seca;- Falta de proteina degradável ( < 60% do PB);- Falta de carboidratos não-estruturais;- excesso de fibra na dieta;- Extresse térmico.Adaptado de Carvalho (2000) Assim, o produtor pode e deve adotar boas práticas de manejo que possibilitem conforto, saúde, acesso fácil à alimentação e dietas bem balanceadas em proteína (níveis adequados de proteína degradável e não-degradável no rúmen), energia, fibra, vitaminas e minerais. Essas práticas são pontos chaves para obtenção de leite com alto valor nutritivo que aliados às boas práticas de higiene e investimento em capacitação de mão-de-obra são primordiais para melhoria da qualidade da matéria-prima leite e dessa forma encarar o sistema de pagamento por qualidade como uma maneira real de agregar valor ao seu produto.Marcone G. Costa.Zootecnista, MSc.Doutorando DZO/UFVmarcgcosta@yahoo.com.brFernando de Paula Leonel.Zootecnista, MSc, DSc em Nutrição e Produção de Ruminantes.Assisente Técnico da Serrana Nutrição Animal.fernando.leonel@bunge.com