Este documento resume a literatura produzida em Santa Cruz-RN desde o século XIX até os anos 2000. A primeira parte discute como os poetas locais até a década de 1970 não seguiram as tendências literárias modernas como o realismo e o modernismo. A segunda parte mostra como a partir da década de 1980 os escritores passaram a atualizar suas obras influenciados pelo Núcleo de Ensino Superior do Trairi, refletindo temas sociais e estilos literários modernos.
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LITERATURA SANTACRUZENSE
1. LITERATURA
SANTACRUZENSE
A atualização da forma e do discurso
literários de Santa Cruz-RN a partir do
surgimento do Núcleo de Ensino Superior
do Trairi.
Nailson Costa
2. Quero dedicar este trabalho aos poetas e cronistas de
ontem e de hoje, responsáveis pela construção da
literatura de Santa Cruz.
2
3. Agradeço a todos que, de uma forma ou de outra, me prestaram inestimável ajuda no
preparo deste trabalho.
A todos os poetas e cronistas que me permitiram fazer uso de suas obras.
À Marinalva Vilar, minha professora e paciente orientadora.
À URCA, que me fez tornar concreto um projeto há muito sonhado.
Ao professor Reinaldo, do CEDAP, pelo estímulo constante na realização deste.
À poetisa Tereza Lúcia, pelo empréstimo valoroso da obra Canastra Véia, único
exemplar na cidade, de Cosme Ferreira Marques, escrito em 1946.
À poetisa Rita Luna, pelo empréstimo da única obra existente na cidade, Rimário de
Poetas Brasileiros, compilado pelo poeta Abdias Gomes, em 1938.
A Marcos Cavalcanti, por ter me indicado as poetisas proprietárias dessas obras.
Ao Professor Arimatéia Rodrigues, pela contribuição técnica.
Aos entrevistados, pela atenção a mim dedicada.
À minha família, pela força e admiração que me foram dispensadas
E, principalmente, agradeço a Deus, pela inspiração.
O Autor
3
4. BIOGRAFIA DO AUTOR
José Nailson de Medeiros Costa nasceu em Santa Cruz – RN no dia 11 de setembro de
1963. Filho de Luís Precioso da Costa e de Teresa de Medeiros Costa. É servidor público do
RN. Formado em Letras e Ciências Contábeis pela UFRN. É Pós-Graduado em Identidade
Regional – A Questão Nordeste (Departamento de História). Ajudou a fundar o Partido dos
Trabalhadores em Santa Cruz e a APRN (Associação de Professores do RN, hoje o Sinte,
local). Participou como 1º secretário da APRN e da LDS (Liga Desportiva Santacruzense).
Foi Diretor de Esportes do mais atuante D.A. (Diretório Acadêmico do NEST). É membro da
ASPE (Associação Santacruzense de Poetas e Escritores). Ajudou a fundar e a construir o
IESC – Instituto Educacional de Santa Cruz, de onde foi professor de Língua Portuguesa por
10 anos. Publicou na década de 80 crônicas para o Diário de Natal/Poti, assim como nas
décadas seguintes para os jornais Memorial Santacruzense, Parnamirim em Notícias e Voz de
Natal. Publicou um livro de memórias, Futebol: Documento de uma Paixão; participou com
poemas das seguintes antologias: Templos Tempos Diversos; Monsenhor Raimundo, presente
de Deus; Antologia Literária II da SPVA/RN; Participou com uma crônica da antologia
Ribeiro, um professor. Gosta dos amigos, ama a esposa, os pais, os filhos e o Espírito Santo.
Amém.
4
5. SUMÁRIO
Prefácio................................................................................................................................07
Introdução............................................................................................................................09
I Parte: Um Presente do Passado......................................................................................... 18
Capítulo I – Da fundação à década de 20, literatura ao som de rabeca............................... 19
1.1. – Fabião das Queimadas – o poeta dos vaqueiros............................................. 20
Capítulo II – Década de 30: domínio oligárquico versus reformismo igual à literatura
de exaltação................................................................................................... 27
2.1. – Os jornais locais e seus discursos................................................................... 30
2.2. – Abdias e a primeira antologia de Santa Cruz................................................. 31
2.3. – Luís Patriota, o poeta das jangadas.................................................................34
Capítulo III – Década de 40: a estética da gratidão.............................................................37
Capítulo IV – A geração de 50............................................................................................ 42
Capítulo V – Os novos românticos de 60............................................................................ 49
Capítulo VI – A literatura da década do medo.................................................................... 54
6.1. – Um poeta ultra-romântico............................................................................59
II Parte: Um Presente Para o Futuro....................................................................................62
Capítulo VII – Década de 80: atualizando a estética literária local.................................... 63
7.1. – Ribeiro: um cronista de transição.............................................................. 68
7.2. – Instantâneos Poéticos de Zedaluz e Otacílio............................................. 72
7.3. – Os grilos do NEST na poesia de Hugo Tavares........................................ 78
Capítulo VIII – Anos 90: perspectivas................................................................................ 80
8.1. – Tristes coincidências................................................................................ 81
8.2. – A poesia das adutoras............................................................................... 83
5
6. 8.3. – Transpoesia do “Velho Chico”................................................................. 86
8.4. – Brasil 500 versos...................................................................................... 87
8.5. – Além das Viagens aos Templos e Túmulos em Versos, em Tempos
Diversos no Trairi.....................................................................................88
8.6. – A poética nas poesias da vida.................................................................. 89
Considerações finais............................................................................................................ 96
Bibliografia..........................................................................................................................99
Entrevistas Utilizadas.......................................................................................................... 102
6
7. PREFÁCIO
Quando se fala de e sobre poesia rejuvenesce a alma criando um lastro de
conveniência em respaldo à transformação do belo no lindo. E quando isto está vinculado ao
resgate histórico-literário, enobrece a sabedoria lítero-social principalmente se concentrada e
dimensionada na relação e na busca das conexões literárias nacional, estadual e local. A obra
em foco está repleta dessa extensão.
É um jogo de saber maior, privilégio dos aquinhoados da cultura do sentimento e da
causa grande, engendradas na identificação meritória do conhecimento literário.
Para dar solidez e fortaleza à cultura, eis que se apresenta à sociedade, oriunda de
Santa Cruz, rincão potiguar, a obra salutar de José Nailson de Medeiros Costa configurando o
poder do sentimento que cria espaços de despojamento para o vislumbre das obras dos
grandes pensadores da literatura brasileira associada à local, numa inspiração lingüística e
reverência justa àqueles que, somente, pelo gosto de fazer a arte do desvendamento do ser
criador de poemas em estilos os mais diversos.
Nailson soube mergulhar nas águas cristalinas do pensamento para descobrir e
enaltecer os valores poéticos em momentos e circunstâncias históricas bem específicas.
Soube, igualmente, nesta obra, analisar reminiscências, à luz de poder respeitoso à crença de
essência da produção de cada momento em que se deu.
A fidelidade e a valorização literárias emitem um eco de qualidade a tudo que foi
motivo para arrancar de dentro de cada um a sabedoria poética em circunstâncias sociais e
políticas bem realistas. Um retrato do ontem, do hoje e do amanhã da riqueza circunscrita na
imaginação literária através dos dois últimos séculos, em Santa Cruz.
É uma obra casta de arrogância e carregada de princípios altaneiros, de lealdade ao
real e, sobretudo, ao resgate de cada época. Nailson não se contentou em registrar produções
7
8. poéticas nem pareceres literários mediante informações obtidas, mas se deteve em cada
descoberta e cunhou sua observância analítica na mais nobre e suntuosa visão lingüístico-
literária, pois, foi se deleitando no verso de Fabião das Queimadas, Cosme e Márcio Marques
que ele descobriu as pérolas poéticas que instigavam a literatura santacruzense e que
perduram até nossos dias com tantos outros que resistem às intempéries de anticultura.
Uma obra deste quilate coloca na poltrona da história as marcas de personagens da
vida real do ontem e do hoje. Também, personifica a criação literária e eterniza a obra
daqueles que souberam e sabem externar o seu sentimento no seu estilo poético-literário
próprio.
Por isso, convém admitir a grandeza cultural que está implícita e explicitamente
registrada, resgatada, analisada e para apreciação de todos. A cultura, assim, é processada
como vertente do testemunho literário que se confunde com a vida da própria municipalidade
santacruzense, como diria o poeta Thiago de Mello em sua "Vida Verdadeira".
"Aprendi
o caminho me ensinou
a caminhar cantando
como convém
a mim e aos que vão
comigo.
Pois, já não vou mais
sozinho".
Eis, portanto, o contributo à cultura dessa plaga trairiense, manifestada pela vontade e a
audácia de José Nailson de Medeiros Costa de continuar a obra dos que se foram, mas
deixaram sua história provida de tantos amores pela terra de Santa Rita de Cássia.
Reinaldo Ricardo dos Santos
8
9. INTRODUÇÃO
Ó Santa Cruz
Minha terra querida
Tu és minha luz
Tu és minha vida
Ó terra amada
Como eu te adoro
Minha terra idolatrada
Longe de ti choro1
Um
dois
Um
dois
e homens
Transformam-se
Máquinas2
O trabalhador rural...
O trabalhador rural trabalha a vida inteira...
O trabalhador rural trabalha a terra.
O trabalhador rural planta feijão, milho, algodão,
batata, corta cana, cuida do gado...
O trabalhador rural é a terra.
Mas o fazendeiro
não quer mais o trabalhador rural na terra3
Os fragmentos dos poemas, acima citados, são exemplos de formas e de temáticas
preferidas pelos artistas da palavra escrita em nossa cidade, em épocas diferentes.
A poesia concreta, em Otacílio Barreto, é visualmente social. O poeta une em sua arte
o avanço da tecnologia, a busca de novas formas de expressão que sejam condizentes com
uma sociedade em que tudo passou a acontecer de maneira rápida e objetiva, à realidade
social, à exploração do homem e sua transformação em máquina.
O lirismo presente em Luiz de Almeida, o apelo ao sentimentalismo e a nostalgia são
características típicas do Romantismo e se contrapõem, tanto na forma quanto no conteúdo, à
poesia social e concreta de Otacílio, ou apenas social, de Hugo, em que a linguagem
1
. Poesia de Luiz de Almeida, citada na entrevista de Terezinha e Neuza, em outubro de 2000.
2
. Otacílio Barreto, “Máquinas”, in:_______. Instantâneos Poéticos, Santa Cruz-RN: datilografada, 1985, p. 12.
3
. Hugo Tavares, apostila avulsa, março de 2002.
9
10. discursiva, o estilo simples e direto pretendem fazer da poesia uma arte mais comunicativa, ao
alcance das camadas populares.
A atualização da forma e do discurso literários de Santa Cruz, a partir do surgimento
do Núcleo de Ensino Superior do Trairi, foi o centro de interesse desta pesquisa, relacionada
ao campo da História Regional. Enfatizamos, especificamente, as produções literárias
desenvolvidas no município de Santa Cruz-RN. Estabelecemos argumentos segundo os quais
as técnicas dos recursos poéticos e as temáticas literárias desta cidade são vistas sob
perspectivas antagônicas delimitadas em espaços temporais bem definidos.
O trabalho está dividido em duas Partes: Um Presente do Passado, em que é feito um
levantamento dos principais poetas, escritores e obras de Santa Cruz do início de sua
fundação, em 1825, ao final da década de 70 do século seguinte, tendo por objetivo
demonstrar que os poetas que viveram e fizeram a literatura dessa época não tiveram a
preocupação de seguir as tendências inovadoras que se apresentaram na literatura brasileira,
desde 1881, com o Realismo/Naturalismo, tais como a objetividade, o universalismo, o
materialismo, a contenção emocional, o antropocentrismo etc, ou, mais radicalmente, com a
Semana de Arte Moderna, em 1922; e Um Presente Para o Futuro, em que trabalhamos com
a produção realizada no período que vai da década de oitenta aos primeiros anos do século
XXI. Esta fase da produção literária de Santa Cruz, apresenta uma tendência contrária a que
foi observada na fase anterior, neste sentido pontuamos a preocupação dos artistas da palavra
em atualizar seu fazer poético, procurando manterem-se em sintonia com o que era praticado
nos centros mais avançados.
As novas formas literárias e as temáticas de engajamento social, que apresentavam um
forte sentimento de denúncia das injustiças sofridas pelos mais humildes, começam a
aproximar a literatura local com a que era praticada no eixo Rio-São Paulo. Dessa forma,
podemos observar que os poetas santacruzenses passaram a refletir em suas obras o
10
11. cientificismo do Realismo, a modernidade da arte do Modernismo, a expressão visual e
concreta do Concretismo, a poesia-práxis, etc.
A atualização do fazer literário de Santa Cruz deveu-se, em nosso entendimento, ao
Núcleo de Ensino Superior do Trairi – NEST -, na medida em que ele propiciou o surgimento
de calorosas agitações culturais, verificadas nas Semanas Universitárias e nos Jornaizinhos
Universitários; promoveu o desenvolvimento de Trabalhos Acadêmicos, principalmente nos
Cursos de Letras e de Pedagogia (muitas discussões teórico-literárias verificadas nas Rodas de
Bate-Papos e nas Mesas de Bares foram fontes de inspiração poética), enfim, criou um
Ambiente Cultural nunca antes visto na terra de Santa Rita de Cássia.
Os seis capítulos que integralizam a Primeira Parte deste trabalho, bem como os dois
da Segunda Parte são iniciados com uma sucinta contextualização histórica, nos planos
nacional, estadual e municipal, de cada década, objetivando propiciar ao leitor uma
comparação das inovações das formas e das temáticas da literatura desenvolvida no eixo Rio-
São Paulo e, de certa forma, na capital do nosso Estado, com a literatura de Santa Cruz.
Sem a pretensão de fazer análises literárias profundas, encontram-se também algumas
biografias e obras dos poetas e cronistas mais significativos da nossa literatura, em suas
respectivas épocas, para permitir ao leitor o acesso a elementos embasadores dos argumentos
que arrolamos no trabalho.
Críticos nacionalmente renomados como Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Afrânio
Coutinho, Umberto Peregrino somam-se a Tarcísio Gurgel, Diva Cunha, Luiz Eduardo
Brandão Suassuna, Professores da UFRN, para fundamentar teoricamente os argumentos aqui
propostos.
O leitor observará que a Primeira Parte, Um Presente do Passado, reflete bem a poesia
trovadoresca, o lirismo clássico, neoclássico e romântico, as temáticas românticas, tais como a
vida simples no campo, a ascensão social em função de dotes artísticos, as vaquejadas, as
11
12. disputas (pelejas) de cantadores (muito presentes na poesia popular de Fabião das
Queimadas); a religiosidade, o saudosismo, a exaltação às festas juninas, bem como às festas
da padroeira Santa Rita de Cássia (nos versos clássicos de Luís Patriota ou de Abdias
Almeida); a valorização de famílias tradicionais e seus coronéis e o fazer poético (verificáveis
em Cosme Marques).
Observa-se ainda, no crepúsculo da década de 70, nos versos de Joaquim de Lima,
Padre Émerson, Fabiano de Cristo, Franklin de Souza, Maria Celestina, Tereza Lúcia e outros,
constantes apelos lírico-ufânicos que serão predominantes na formação da poesia dessa época
e, portanto, de significação positiva, quando analisada à luz da busca de uma identidade para a
sua terra, bem como para o registro de um passado literário romântico, bucólico e em
harmonia com a natureza e a população local.
A Segunda Parte, Um Presente para o Futuro, é destinada à constatação do
surgimento de uma literatura moderna - em sintonia com a já praticada nos centros
avançados-, de crítica social e de engajamento ideológico. São obras que abrangem o universo
municipal, estadual e nacional a partir da década de 80, mais precisamente a partir de 1982.
Para alguns poetas e cronistas dessa nova fase, a literatura não deve existir apenas para
o prazer poético, a arte pela arte, a catarse, nem apenas ser um mecanismo de evasão ou de
conhecimento do homem e do mundo; a literatura deve ser, também, um instrumento de luta a
serviço de uma causa social, um elemento imprescindível para a transformação do meio social
em que vivem.
As perspectivas da volta à democracia e, principalmente, o surgimento do Núcleo de
Ensino Superior do Trairi – NEST –, extensão do Campus Avançado da Universidade Federal
do Rio Grande Norte, foram fatores determinantes às novas posturas técnico-temáticas
modernas dos poetas e cronistas de Santa Cruz que viveram/vivem esse novo período.
12
13. O NEST – Núcleo de Ensino Superior do Trairi - é, à luz desta pesquisa, agente ativo
no processo de inserção da literatura local no universo da literatura moderna, na medida em
que propiciou a atualização dos produtores de nossa literatura nas formas e temas
desenvolvidos desde 1922, nos centros mais avançados do país, especialmente na Região
Sudeste.
Em Santa Cruz, até o final de 70, tínhamos uma literatura mais identificada com as
formas e as temáticas medievais, clássicas, neoclássicas e românticas, através das poesias em
forma de cordéis, que refletiam o lirismo trovadoresco. Eram freqüentes nesse período as
poesias de perfeição estética e de inspiração clássica. Não raro encontramos poesias bucólicas
neoclássicas, em que o eu-lírico do poeta expressa o saudosismo, a religiosidade e a exaltação
à sua terra. Estão muito presentes, nas poesias de Márcio Marques, a fuga da realidade, o
pessimismo à Álvares de Azevedo, bem ao gosto das posturas românticas do Ultra-
Romantismo. As poesias de culto à forma, da arte pela arte, e de inclinação parnasiana são
uma constante nos versos de Luís Patriota.
Com os debates sociais, políticos, econômicos e literários desencadeados pelos
estudantes do NEST, a partir dos primeiros anos da década de 80, surgiram novas
perspectivas, novos horizontes foram vislumbrados e a literatura local sentiu a necessidade de
se atualizar, de sintonizar-se com a literatura moderna, há muito já praticada em âmbito
nacional pelos famosos artistas da palavra.
Seria incorreto dizer que o NEST formou os poetas e fez a literatura moderna de Santa
Cruz, porém não seria precipitado nem injusto atribuir a essa Instituição honrarias por
despertar os nossos artistas da hibernação literária. O ambiente estudantil ali criado despertou
o interesse dos jovens artistas da palavra. Os estudantes de literatura tiveram contato com as
novas tendências, as formas modernas, a poesia concreta, a poesia-práxis, a poesia marginal, a
poesia social com as suas temáticas de protesto e de denúncia das injustiças contra os
13
14. trabalhadores; enfim, é o NEST que aponta o caminho da atualização da forma e do discurso
literários a serem, daí em diante, seguidos pelos artistas da palavra escrita de Santa Cruz.
A partir daí, a literatura local passou a refletir esses aspectos dando-lhes prioridade.
Entretanto, ela não abandona as temáticas do surgimento da cidade, da religiosidade, do
saudosismo, da evolução de sua gente e do folclore.
Poetas como Hugo Tavares optam por esse caminho, o da literatura como instrumento
político, estabelecendo em suas obras todo um conjunto de questionamentos sociais. Seus
poemas prendem-se mais ao conteúdo do que à forma, o que não quer dizer que o poeta não
domine as “boas” técnicas literárias vigentes.
As temáticas da saudade, da pátria, da família, do lar, da infância, da religiosidade e de
homenagem a entes queridos que se foram, enfim, a temática da evasão no tempo e no espaço,
características românticas predominantes na literatura da Primeira Parte da produção literária
de Santa Cruz, quase que desaparecem nas obras dos artistas sociais da Segunda Parte.
No entanto, este novo período da literatura de Santa Cruz não é espaço exclusivo para
as poesias de caráter social. Os temas que caracterizaram as obras da Primeira Parte ainda se
fazem presentes, com menos intensidade, em poetas e cronistas como Francisco Ribeiro,
Bonitinho, Renan II, Aldenôra Ribeiro, Geraldo Moura, Edgar Santos, Maria Celestina,
Betânia Borges, Fátima Cavalcante, dentre outros.
O poema de forma clássica, como o soneto, tão cultivado pelos parnasianos, ainda tem
lugar nas obras de Hélio Crisanto e José Letácio que, diferentemente dos parnasianos, tratam
o conteúdo com a profundidade subjetiva de suas visões filosóficas. O que diferencia alguns
destes poetas românticos da Segunda Parte daqueles que constituem a Primeira, é o fato de
que estes, os novos, também produziram obras sociais, de apelo à luta e as denúncias das
endêmicas mazelas sociais.
14
15. Os temas de engajamento social são freqüentemente encontrados nos poemas de
Teixeirinha Alves e Rita Luna. O pessimismo irônico, a presença constante da morte - o que,
diga-se de passagem, não tem nada a ver com o mal-do-século de Byron4 – são, na verdade,
um convite à vida, ao domínio das técnicas literárias, sendo que a riqueza e a diversidade de
seu conteúdo fazem dos versos de Marcos Cavalcanti um poeta carregado de todos os ismos
de que fizeram uso os estilos de épocas da história da literatura. Ou seja, podemos encontrar
nos versos de Cavalcanti características do Arcadismo, do Romantismo, do Realismo, do
Simbolismo, do Modernismo etc. Essas mesmas referências, sem dúvida nenhuma, podem ser
atribuídas ao também poeta e cronista José da Luz.
Matias Filho, poeta de arroubos líricos e satíricos ao estilo Gregório de Matos,
escreveu também à maneira de Décio Pignatari, de Haroldo e Augusto de Campos, ao cultivar
a poesia concreta, que abandona o discurso tradicional e privilegia os recursos gráficos das
palavras, o “desenho” do poema, facilmente encontrado em outros poetas santacruzenses.
Os dois caminhos percorridos pela nossa literatura, o do romantismo, o da arte pela
arte - em que seus artistas e obras se mantêm, do ponto de vista crítico, à margem dos
acontecimentos políticos e sociais mais relevantes - e o da reflexão crítica sobre a realidade e
a busca de novas formas de expressão, não se assemelham aos surgimentos dos novos estilos
de época da literatura universal, na perspectiva de embates, conflitos, manifestos em defesa de
suas formas, de seus temas, de suas estéticas, de suas filosofias e, é claro, de suas vaidades.
Havia e há um grande respeito por parte dos poetas da Segunda Parte em relação aos
da Primeira. Na verdade, trata-se de uma espécie de admiração tácita, uma vez que fazer
literatura num país subdesenvolvido já é difícil, imagine no interior, onde as mudanças ou
atualizações em nome do moderno deparam-se com as tradicionais barreiras.
4
Lord Byron ( 1788-1824), poeta do Romantismo inglês, influenciou os poetas da 2ª geração romântica
brasileira com seus versos pessimistas. O profundo desencanto pela vida, o cinismo e a exaltação à morte
receberam o nome de ultra-romantismo, ou mal-do- século, e influenciaram muito os poetas românticos da 2ª
geração do Romantismo brasileiro.
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16. Nunca é demais repetir que este trabalho não tem a pretensão de julgar os poetas e as
obras por eles produzidas, e que não se constitui, também, enquanto uma exegese crítica,
sendo seu principal objetivo o de demonstrar a percepção da existência de duas fases literárias
na produção santacruzense. Como já colocamos anteriormente, a Primeira fase seria aquela
em que a tônica predominante recaía no cultivo de procedimentos poéticos cristalizados pela
tradição, que remontam ao Trovadorismo, ao Classicismo, Arcadismo e Romantismo, e a
Segunda concerne ao momento em que os artistas da palavra escrita introduziram em suas
obras, sem manifestos agressivos nem conflitos estético-ideológicos, as temáticas sociais e
suas (des)compromissadas técnicas.
E mais: se a Semana de Arte Moderna é o movimento responsável pela inserção do
Modernismo na literatura brasileira, mal comparando e respeitando às devidas proporções, é o
NEST, uma instituição sistematizada de ensino superior, o responsável, não pela mudança da
tônica da produção literária anterior, mas por desenvolver uma mentalidade na nossa
comunidade estudantil universitária/literária, capaz de introduzir as mudanças temáticas e
formais que outrora os românticos de transição, os realistas e, sobretudo, os artistas do
Modernismo brasileiro dignaram-se em fazê-las.
Procuramos entender as obras dentro de suas épocas não instituindo uma valoração do
passado a partir dos interesses do presente. A análise que instauramos procurou dar conta dos
poetas e obras dentro dos interesses que as épocas lhes suscitaram.
16
17. Os diferentes discursos da nossa literatura, aqui expostos, deixam de ser antagônicos
na medida em que neles não se observam agitadas polêmicas à Questão Coimbrã5, ou à
Semana de Arte Moderna6, por exemplo.
Muitos outros poetas, artistas da Segunda Parte, poderiam ser mencionados neste
trabalho, dada a riqueza quantitativa e qualitativa de suas produções. Todavia, aqui não se
encontram por se verificar que o recorte temporal escolhido para o estudo – A atualização da
forma e do discurso literários a partir do surgimento do Núcleo de Ensino Superior do Trairi
– não dispõe de espaço mais longo do que o já utilizado.
Fica, entretanto, a certeza de que as muitas entrevistas realizadas - inclusive muitas
delas com pessoas octogenárias, testemunhas oculares de fatos aqui relatados –, a ampla
bibliografia consultada somadas à vivência do pesquisador nos meios literários serão de
grande relevância aos estudiosos do presente e do futuro da arte da palavra para as suas
dissecações teóricas futuras.
As análises e as comprovações destas diferentes visões destinam-se, portanto, a unir e
a difundir o máximo possível a literatura local, para que ela venha a ocupar lugar proeminente
na cultura regional.
Fazemos nossas as palavras do crítico literário Antônio Cândido no clássico
Formação da Literatura Brasileira:
Comparada às grandes obras, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela,
não outra, que exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e
se não a amarmos ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a
compõe, ninguém as tomará do esquecimento, descaso ou incompreensão7.
5
. Polêmica que se deu em Portugal, em 1865, entre os jovens poetas e prosadores e seus antigos mestres. Os
jovens estudantes da escola de Coimbra já se interessavam pelas novas correntes filosóficas, científicas e
artísticas. Os antigos, entretanto, rejeitavam-nas. Clenir Bellezi de Oliveira, Arte Literária, São Paulo: Ed.
Moderna, 2002, P. 259.
6
. Marco inicial da literatura modernista brasileira. A Semana De Arte Moderna se deu em São Paulo nos dias 13,
15 e 17 de fevereiro de 1922. Esse movimento artístico revolucionário defendia a liberdade de criação em todas
as artes. José de Nicola, Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias, São Paulo: Ed. Scipione, 2001. p.
272.
7
. Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 6ª Ed., Belo Horizonte: Editora
Itatiaia Ltda., 1981. p. 346.
17
18. I PARTE
UM PRESENTE DO PASSADO
“Todos cantam a sua terra
Também vou cantar a minha.”
(Casemiro de Abreu)
CAPÍTULO I
18
19. DA FUNDAÇÃO À DÉCADA DE 20, LITERATURA AO SOM DA RABECA
Santa Cruz, “... deve datar a sua fundação no ano de 1825 e a prova está neste motivo
quando se fez a demolição da Igreja Matriz, de existência secular, para a construção de
outra igreja maior, no mesmo local, foi encontrada, na cobertura da igreja, uma telha, na
qual estava escrita a data de 18258”.
Dessa data até as primeiras décadas do século seguinte, poucos documentos (oficial
ou não) fazem referência a poetas e escritores locais que tenham se destacado ou publicado
alguma obra literária. As informações registradas, acerca desse período, encontramos na obra
de Luís da Câmara Cascudo, em Tradições Populares da Pecuária Nordestina, de 1956; José
Fernandes Bezerra, em Retalhos de meu sertão, 1978; ou nas poesias do poeta Cosme Ferreira
Marques9, como “Cara Preta”, poesia publicada no livro Canastra Véia, de 1946, a qual faz
referência a um pobre homem das primeiras décadas do novo século, mendigo, vindo de um
pequeno povoado, hoje a cidade de São Bento do Trairi, a 15 quilômetros de Santa Cruz e que
vivera abandonado nas ruas da cidade a cantar hinos religiosos nas procissões de Santa Rita
de Cássia, padroeira de Santa Cruz, ou a recitar poesias de autoria desconhecida. O poeta
Marques assim o descreve em seu poema:
Surgiu como fantasma na cidade;
Vindo talvez de um pequeno povoado,
Cantar, era única felicidade
E cantava, sublime triste e maguado:
-“Quando o sol nace é rei,
a mei dia ele é morgado,
di tarde é isfalecido
di noite é serputado”-
Durante muito tempo, sua voz se ouvia,
Ao belo alvorecer de um novo dia
8
. Monsenhor Severino Bezerra, Memória Histórica de Santa Cruz, Natal: Editora Natal Gráfica, 1984, p.6.
Entretanto encontramos a seguinte informação em Marcus César Cavalcanti Morais, Terras Potiguares, Natal:
Editora Clima, junho de 1998, p. 227: “No ano de 1830, José Rodrigues da Silva, proprietário da Fazenda
Cachoeira, aliou-se a dois irmãos, José da Rocha e Lourenço da Rocha, novos proprietários de terras na
localidade e deu início à fundação da povoação de Santa Rita da Cachoeira, situada na Malhada do Trairi.”
9
. Cosme Ferreira Marques é um dos principais poetas de Santa Cruz nas décadas de 30 e 40 do século XX.
19
20. Ou a bela tardinha o ocaso quase posto:
Uma manhã, calou-se para sempre o canto,
Ele morrera, partira sem um pranto
Ao raiar de uma formosa manhã de agosto10.
1. 1. FABIÃO DAS QUEIMADAS – O POETA DOS VAQUEIROS
Sem dúvida nenhuma, o grande nome da literatura de Santa Cruz, do final do século
XIX ao início do século XX, é Fabião Hermenegildo da Rocha (1848 – 1928), o famoso
Fabião das Queimadas, natural da fazenda Queimadas, então município de Santa Cruz, hoje
pertencente ao município de Lagoa de Velhos.
O cantador negro Fabião das Queimadas foi poeta popular das vaquejadas
no Agreste do Rio Grande do Norte. Escravo do fazendeiro José Ferreira
da Rocha, juntou vintém a vintém, seu pecúlio e alforriou-se, assim como
sua mãe e uma sobrinha, Joaquina Ferreira da Silva, com quem casou.
Pagou 800$000 (oitocentos mil réis) por si, 100$000 (cem mil réis) por sua
mãe e 400$000 (quatrocentos mil réis) pela futura esposa. Cantava
acompanhando-se com a rabeca fanhosa e fiel, pondo-a à altura do peito
como os menestréis clássicos11.
Diziam as más línguas que Fabião era filho apanhado do fazendeiro José Ferreira da
Rocha com uma escrava sua. E não é de admirar, pois naquele tempo eram muito comuns os
amores ilícitos entre os senhores de escravos, ou seus filhos, e as escravas. E o velho Zé
Ferreira, segundo contavam seus contemporâneos, não fugiu à regra da época. Do afeto do
fazendeiro pela jovem escrava, na senzala, ou quem sabe por trás das moitas, foi que a escrava
engravidou. Nove meses depois vinha ao mundo o, também, escravo Fabião. Contam que o
próprio poeta não negava que realmente era filho bastardo do senhor das Queimadas.
Segundo seu filho, Filipe Ferreira da Silva, o pai havia iniciado sua vida de cantador
ainda muito jovem. Fabião das Queimadas nasceu poeta. Não teve nenhum curso, não estudou
em parte alguma.
À sua rabeca dedicou esta redondilha:
10
. Cosme Ferreira marques, Canastra Veia, Natal-RN: Tipografia Galhardo, 1946, p. 36.
11
. Luís da Câmara Cascudo, Tradições Populares da Pecuária Nordestina, Rio de Janeiro: Ministério da
Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1956, p.42.
20
21. Minha rabequinha
é meus pés e minhas mão,
é meu roçado de milho,
minha planta de feijão,
minha criação de gado,
minha safra de algodão12.
O Senador Eloy de Souza, que era negro, assistindo a uma apresentação de Fabião das
Queimadas, na residência oficial do então governador Ferreira Chaves, recebeu do famoso
poeta esta saudação:
Seu Doutô Eloy de Souza
Minha mãe sempre dizia,
Se o senhor não fosse rico,
Era da nossa famia13.
O Senador gostava tanto de Fabião que, sempre que podia, patrocinava-o nos grandes
festivais de repentes e de vaquejadas pelo Nordeste afora. O senador muitas vezes insistia que
o poeta negro se hospedasse em sua residência, quando este se encontrava em Natal para
participar de cantorias. Entretanto, Fabião preferia a residência e a companhia de seu grande
amigo, Luís da Câmara Cascudo.
Encontramos muitas outras menções a Fabião das Queimadas:
Era piqueno, mi alembru
Du cantadô Fabião
Su rebeca, seu baião
Gêmedô
Puéta provisadô;
Nego véi inteligente
Pirigoso nu repente
Da puizia;
Onde cantava, curria
Um povão pra iscutá
U puéta sem iguá
12
. José Fernandes Bezerra, Retalhos do meu sertão, Rio de Janeiro: Gráfica e Papelaria Leão do Mar Ltda.,
1978. p. 5.
13
. Trecho da entrevista realizada com o senhor Manuel Macedo, em abril de 2001.
21
22. Na rêbêra;
I cantava a noite intera
Histára de apartação,
Das vaquejada de então
Qui havia;
A sua rebeca gimia
No seu Redondo sinhá,
A gaiganta ritinia
Num canto sintimentá14
Seu José Bezerra, contemporâneo dos poetas Cosme Marques, Luís Patriota e José
Abdias15, lembra, com os olhos cheios de lágrimas, “de uns versinhos de Fabião que diziam
assim:
Minha mãe era pretinha,
Pretinha que nem quixaba,
Mas o seu nome era doce
Tão doce que nem mangaba.
Quando forrei minha mãe,
A lua nasceu mais cedo,
Pra clareá o caminho
De quem deixava o degredo.
O nome da mãe é doce
Que nem a pinha madura
Mas passa o doce da fruta
E o doce do nome atura16.”
Os poemas de Fabião das Queimadas eram musicados pela sua inseparável rabeca.
Esses poemas, escritos ou cantados, remontam às cantigas trovadorescas, certamente
influenciadas pelas cantigas líricas do Trovadorismo português17, com uma pequena mudança
do foco temático: a vassalagem amorosa do trovador junto à mulher amada dá lugar a outra
espécie de vassalagem, o amor cortês às vaquejadas, às pelejas de trovadores, às apartações, à
14
. Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 34.
15
. Cosme Marques, Luiz Patriota e José Abdias foram, de acordo com as nossas pesquisas e análises os
principais nomes da literatura de Santa Cruz, nas décadas de 30 e 40 do século XX. Não encontramos nas muitas
buscas às suas obras nenhuma poesia de engajamento social.
16
. Dados de memória do senhor José Bezerra, historiador e contemporâneo de Patriota, Abdias e Marques, seus
amigos. Entrevista realizada em janeiro de 2001.
17
. Trovadorismo é um movimento de caráter exclusivamente poético que se deu de 1189 ou 1198 a 1434. As
composições líricas desse período são chamadas de cantigas porque eram efetivamente cantadas e recebiam
acompanhamento de instrumentos musicais da época. Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., p.. 34.
22
23. obediência ao coronel da região, que, aliás, é visto como um ser inatingível, uma figura
idealizada, a quem é dedicado uma respeitabilidade e atenção sublimes, igualmente
idealizado, como fora a mulher nas cantigas de amor do Trovadorismo português, na Idade
Média etc. Com relação à forma, os poemas são compostos em redondilhas 18, características
marcantes nos poemas-cantigas da Idade Média; se nas cantigas líricas portuguesas era
comum a utilização do paralelismo e do refrão ou estribilho no final de cada verso, o redondo
sinhá era utilizado, pelos poetas populares do cordel, da rabeca e da viola nordestinos, como
forma de introdução de cada novo verso.
O poema “Vaquejada na fazenda Belo Monte19” contém trinta e nove sextilhas
(estrofes de seis versos cada) de sete sílabas poéticas - redondilha maior - muito bem rimadas
e ritmadas. Nessa poesia, ele fala da beleza que foi a vaquejada, realizada na fazenda Belo
Monte, município de São Paulo do Potengi, propriedade do coronel Manoel Adelino dos
Santos, no mês de outubro de 1921. Descreve as proezas dos principais puxadores do Sertão,
do Seridó, do Trairi, do Potengi, faz referência aos pratos típicos do Nordeste, enaltece a
qualidade dos cavalos e bois, faz elogios a bondade dos coronéis da região; enfim, Fabião
desfila sua arte, agrada o povão e, inconscientemente, o seu discurso harmoniza-se com o
discurso e os interesses das elites dominantes da região. Leia a primeira e a última das trinta e
nove sextilhas desse poema:
Eu peço a vosmicês todos
Os senhores que aqui tão,
Olhe lá, escute bem
O que diz o Fabião.
Vou contá o sucedido
De uma apartação.
(...)
Teve homes ilustrado,
Doutores e capitão,
Onde tava seu vigaro
18
. Também conhecida por medidas velhas, a redondilha menor é a composição poética que apresenta cinco
sílabas poéticas em cada verso, e a redondilha maior é a que apresenta sete sílabas poéticas em cada verso.
19
. José Fernandes Bezerra, op. cit., pp. 22 – 23.
23
24. Junto com o sacristão.
Porém nenhum deles fez
O que fez o Fábião20.
O poema “Romance do Boi Mão de Pau” é a epopéia do Ciclo da Pecuária
Nordestina. O poema contém quarenta e oito sextilhas, todas em redondilha maior. Nele,
Fabião personifica o Boi Mão de Pau, que é o valentão, o rei das vaquejadas, derrubador dos
vaqueiros derrubadores. Fala, ainda dos tempos de apartação e de muitos outros aspectos da
pecuária. Leia a primeira e a última sextilhas desse poema:
Vou puxá pelo juízo
Pra se sabê quem eu sou
Mode se sabe dum caso
Ta quá ele se passou,
Que é o boi liso-vermeio,
O Mão de Pau corredô.
(...)
Já morreu, já se acabou,
Está fechada a questão.
Foi-se embora dessa terra
O dito boi valentão.
Pra corrê só Mão de Pau,
Pra verso só Fabião21.
De acordo com José Fernandes Bezerra:
As suas cantorias sempre repetiam o seu ‘Redondo, Sinhá’, que era uma
espécie de coro. Em determinados versos, também servia de prefixo. Dizem
que era quase analfabeto. Gostava de ditar para alguém escrever versos ou
quadrinhas de sua autoria.Extraviou-se em noventa por cento a sua
produção É lamentável, mas infelizmente o folclore do Rio Grande do Norte
muito perdeu da literatura de cordel do famoso poeta dos vaqueiros.22
Para alguns estudiosos, só se pode falar em literatura quando há um texto escrito. Para
outros, existe ainda a chamada literatura oral, aquela que persiste pela transmissão oral, não
escrita. Os cantadores de viola se incluiriam nesta categoria. A literatura de cordel é uma
manifestação que emprega os dois registros: o oral e o escrito. A figura dos violeiros que
20
. José Fernandes Bezerra, op. cit., p. 22.
21
. Ibidem, Idem, p. 23.
22
. José Fernandes Bezerra, op. cit., p. 24.
24
25. cantam os versos, por exemplo, é indissociável dos livretos que trazem o texto recitado por
eles23.
Era comum a literatura de cordel ser classificada como sendo de pouco ou nenhum
valor. Hoje em dia, o cordel passou a ser estudado como fonte não apenas literária, mas,
sobretudo, histórica.
Do final do século XIX às duas décadas do século seguinte, Fabião era unanimidade
na nossa região. Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Nísia Floresta, Auta de Souza,
Segundo Wanderley ainda escreviam, no plano estadual, à Castro Alves, Tobias Barreto e,
muito incipientemente, à Bilac e Machado de Assis. Euclides da Cunha e Lima Barreto, ao
que parece, não tinham desembarcado o seu Pré-Modernismo em terras potiguares. Mário,
Oswald e suas revoluções de 1922 não se faziam presentes nas produções dos nossos famosos
provincianos.
Os versos de Fabião não se enquadravam nas tradicionais funções literárias, quais
sejam a da arte pela arte, a da literatura como mecanismo de evasão, a da literatura como
forma de conhecimento do mundo e do homem, a da literatura como catarse; seus versos não
acompanhavam os modelos, as técnicas e as temáticas então vigentes em sua época; a sua arte
não se figuraria em uma literatura cujo fazer poético fosse utilizado como instrumento de
denúncias das injustiças sociais. Como vimos, Fabião não usou suas obras para tal finalidade.
Fabião era homem simples, negro, escravo alforriado, totalmente desprovido de
ideologia política. Não se podia cobrar questionamentos sociais em suas obras.
Na verdade, suas canções líricas eram a expressão de seus mais sinceros sentimentos.
Fabião, com suas cantigas líricas, registrou a cultura local, divertiu as camadas
populares e brindou os palácios do poder. O Trovadorismo português, com uma nova
roupagem, marca presença em terras nordestinas.
23
. Para maiores informações acerca da literatura de cordel veja: Marinalva Vilar de Lima, Narradores do Padre
Cícero: do auditório à bancada, Fortaleza-Ce: edições UFC, 2000. Há nesta obra muitas referências aos
pesquisadores que se dedicaram ao estudo da Literatura de cordel brasileira e portuguesa.
25
27. CAPÍTULO II
DÉCADA DE 30: DOMÍNIO OLIGÁRQUICO VERSUS REFORMISMO IGUAL
A LITERATURA DE EXALTAÇÃO
No plano nacional, a Revolução de 30, o Estado Novo, o Levante Integralista, a
Intetona Comunista, a questão trabalhista, a revolução constitucionalista de 1932 em São
Paulo, a Constituição de 34, a ditadura do Estado Novo, são aspectos relevantes no contexto
histórico da nação a que a literatura local não destinou um único verso.
E, em terras potiguares, aspectos históricos importantes como o cangaço, as secas, a
Intetona Comunista, a violência da campanha eleitoral, que colocou Rafael Fernandes no
Palácio Potengi, poderiam ter se transformado em temas interessantes, não só para o registro
da história, como para o prazer estético do leitor.
Nem mesmo os acontecimentos mais relevantes da cidade nessa época, tais como o
surgimento dos partidos políticos e a eleição do primeiro prefeito de Santa Cruz, Cel.
Ezequiel Mergelino de Souza; a destituição desse prefeito eleito após dez meses de mandato;
a nomeação do interventor Cleto Antunes de Lima, indicado pelo Movimento Revolucionário
Militar; a inauguração do mercado público municipal; a instalação da primeira linha
telefônica – Santa Cruz – São Tomé; a inauguração do Grupo Escolar Quintino Bocaiúva; os
lançamentos dos jornais O Trairy, O Ideal e O Infantil, que fizeram Santa Cruz viver
intensamente suas agitações políticas e sociais, foram merecedores da atenção dos poetas
locais.
De acordo com as nossas pesquisas no campo da literatura local, é provável que os
poetas santacruzenses não tenham nem tomado conhecimento da realização da Semana de
Arte Moderna. Não encontramos registro literário algum que fizesse menção a esse evento,
responsável pela introdução do Modernismo brasileiro.
27
28. Aliás, o Modernismo da Primeira Fase pretendia colocar a cultura brasileira a par das
correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo em que pregava a tomada
de consciência da realidade brasileira. As muitas polêmicas, os muitos manifestos, os versos
postos em liberdade, todos os temas, da réstia de cebola, à paixão exarcebada, foram tidos
como poéticos; enfim, a Primeira Fase do Modernismo brasileiro, a Fase Heróica, de 1922 a
1930, projetou no cenário nacional poetas e escritores corajosos e sedentos por mudanças,
tanto na estrutura formal de suas obras quanto nas suas temáticas. Essas idéias, com certeza,
não tinham chegado ainda em Santa Cruz.
No plano estadual, o poeta Jorge Fernandes 24 chama a atenção para as inovações
modernistas. A década de 30 marca o início de um novo gênero literário no Brasil, o conto.
A literatura de Santa Cruz continua vivendo sua “belle époque”, não repercutindo as
inovações propostas pelos artistas da Semana de Arte Moderna. Poetas como Cosme Ferreira
Marques, Luís Patriota e José Abdias continuavam presos àquela arte burguesa de exaltação
às famílias tradicionais, à religiosidade, ao nacionalismo citadino, características marcantes da
literatura romântica do século XIX, sem, portanto, assumirem qualquer compromisso com as
questões sociais.
A literatura local, surpreendentemente, não quis repercutir as temáticas político-sociais
que, diga-se de passagem, são riquíssimas, principalmente a da Intetona Comunista, que teve
seu desfecho na Região do Trairi, na Serra do Doutor, a menos de 30 quilômetros de Santa
Cruz. Os artistas desta arte optaram pelo caminho do não rompimento com o passado e
presente de glórias, em suas obras; optaram pela ausência de registros de fatos relevantes do
ponto de vista histórico; preferiram não fazer de suas obras veículos de denúncia daquela
realidade. Os poetas continuaram utilizando-se das técnicas tradicionais para transmitir a sua
arte.
24
. Poeta potiguar que se preocupou em divulgar as inovações que o Modernismo apregoara. Para obter maiores
informações sobre a literatura potiguar, podemos consultar Tarcísio Gurgel Informação da Literatura Potiguar,
Natal –RN: Ed. Argos, 2001.
28
29. O novo sempre assusta aqueles que estão no poder, e é claro que os artistas nacionais
viviam o patrulhamento político, em função do novo que se propunha e de suas posturas
ideológicas. As agitações literárias com suas intensas polêmicas temáticas e formais eram
uma rotina na década de 30. O professor Antônio Cândido, eminente crítico literário,
testemunha num artigo publicado no livro Recortes:
Em 30 nós vivemos o problema do realismo, ou neo-realismo, socialista ou
não, bem como a incorporação daquilo que as vanguardas do decênio
anterior tinham proposto como inovação. Vivemos um grande surto do
romance, ligado aos pontos de vista opostos na moda pela sociologia e a
antropologia, como um triunfo do social contraposto às tendências
espiritualistas e religiosas. Houve dilaceramentos e disputas, com a
formação de um antipólo metafísico e as mais rasgadas polêmicas que
marcaram todos nós. Quando comecei a fazer crítica literária, pouco
depois de 1940 (auge do Estado Novo, da censura e do arrocho), senti que
uma das tarefas era oferecer blindagem ideológica para os romancistas
mais significativos do decênio de 30, coisa que hoje há de parecer
incompreensível, pois eles se tornaram incorporados aos hábitos de leitura
como coisa óbvia.25
A literatura local continuava, entretanto, totalmente desvinculada da literatura
nacional. Os nossos poetas optaram em não polemizar com quem quer que fosse, tendências
literárias, poetas emergentes, tampouco com políticos, fazendeiros, coronéis etc.;
continuaram priorizando o gênero lírico e suas formas tradicionais; não refletiram sequer o
momento histórico do final do século XIX, o evolucionismo, o positivismo, o materialismo, o
determinismo; enfim, não repercutiram o não-eu, o cientificismo do Realismo nem as
inovações propostas pela Semana de Arte Moderna.
Não foram encontrados nos jornais caseiros dessa época quaisquer indícios das
inovações ocorridas na literatura do eixo Rio-São Paulo. Os redatores desses veículos de
comunicação, muitas vezes, eram os próprios poetas.
2. 1. OS JORNAIS LOCAIS E SEUS DISCURSOS
25
. Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 6ª Ed. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia Ltda., 1981, p. 348.
29
30. O jornal Infantil, de circulação efêmera, apenas seis números quinzenais, publica, no
dia 15 de fevereiro de 1931, uma poesia, de autoria desconhecida, que valoriza uma conquista
dos jovens rapazes que formavam a equipe de futebol Trairi Clube: a posse de um terreno
baldio, outrora um cemitério, para a prática do futebol. A prática desse esporte naquele
terreno – hoje lá estão o Bradesco, a Telemar, a Caixa Econômica e o Banco do Nordeste - foi
motivo de muito bate-boca com a igreja - que não admitia, em hipótese nenhuma, um
“desrespeito” daqueles – e com as autoridades municipais, que sempre comungavam com a
igreja. Os rapazes, valendo-se da tese segundo a qual a prática do esporte é salutar à vida,
ganharam a causa e o pequeno jornal fez-lhes a homenagem:
Parabéns oh mocidade
nós enviamos daqui
aos rapazes valorosos
do altivo Trairi
que sem desfalecimento
num constante trabalhar
fizeram do Cemitério
Santa Cruz ressuscitar26.
Neste fragmento do poema, observamos que o mesmo não leva a assinatura de seu
autor. Acreditamos que fosse uma forma de não se expor, para não se indispor com o clero e
as elites dominantes daquela época.
O jornal O Ideal, jornal dos namorados, ajudou a registrar a História de Santa Cruz na
década de 30. Seu primeiro número circulou em 1931, manuscrito, conforme declarado em
sua edição de 31 de dezembro de 1938, feito em comemoração ao oitavo ano de sua fundação.
O poeta Cosme Ferreira Marques (Jeca Tábua) era o diretor, o senhor José Bezerra, o gerente.
Zé Galvão, Pedro de Tico, e alguns outros ajudaram a fazer esse veículo que tratava de
cinema, poesia, aniversários, fofocas, falecimentos, etc.
26
. Monsenhor Severino Bezerra, op. cit., P. 33.
30
31. Outro jornal que ajudou a divulgar, não só a poesia de Santa Cruz, mas, sobretudo, o
passado de glórias da cidade, foi O Trahiri. Esse jornal circulou durante todo o ano de 1932 e
era tido como um Órgão da Sociedade Educacional Santacruzense. O seu diretor era o poeta
Luís Patriota; Horácio F. da Rocha, seu gerente. Composto e impresso em tipografia própria
mantinha redação e oficinas à Rua Dr. Pedro Velho. Cobrava por assinatura anual 10$000,
semestral 6$000, número avulso $200 e atrasado $400. Assuntos como Santa Cruz e a
construção do açude Inharé, Ferreira Itajubá27, a seca de 32 (numa perspectiva natural, nunca
político-social), futebol, júri, concursos de beleza; Euclides Rodrigues de Carvalho, poesia,
cinema, além de fazer uma verdadeira apologia a administração do então prefeito Miguel
Rocha e ao seu sobrinho, o secretário Miguel Rocha Sobrinho.
Não encontramos, nesses jornais, visões críticas da sociedade. É como se em Santa
Cruz tudo fossem flores.
2.2. ABDIAS E A PRIMEIRA ANTOLOGIA DE SANTA CRUZ
Rimário de Poetas Brasileiros, antologia de poetas nacionais, regionais e locais,
publicada em 1938, pela Tipografia “O Trairi”, compilado pelo poeta Abdias Gomes de
Almeida Bezerra, é, de acordo com a nossa pesquisa, o primeiro livro a divulgar as obras
literárias dos poetas de Santa Cruz.
Abdias nasceu no dia oito de novembro de 1884 na cidade de Araruna-PB e faleceu
em Santa Cruz no ano de 1942. Estabeleceu-se em Santa Cruz ainda bastante jovem. Era um
pequeno comerciante apaixonado pela literatura. Grande parte de suas pequenas economias
eram destinadas à aquisição de manuais de literatura. Conseguiu, junto ao seu amigo Luís
27
. Nascido em Natal em 1876, Ferreira Itajubá era de família extremamente pobre, e assim viveu. Ingênuo e puro
viveu contemplando as belezas naturais de sua terra, ao estilo árcade. Morreu na miséria em 1912. Podemos
encontrar mais elementos em Constância Lima Duarte & Diva Cunha Pereira de Macedo, Literatura do Rio
Grande do Norte: antologia, Natal-RN: Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto,
2001. p.121.
31
32. Patriota – diretor da Tipografia, um bom desconto para publicar o livro Rimário de Poetas
Brasileiros.
Essa antologia é composta por 113 poemas das mais variadas formas. 47 poetas
participam dessa antologia: José de Lorena, Pereira da Silva, Palmira Wanderley, Perillo de
Oliveira, Olegário Mariano, Luís Patriota, Auta de Souza, Segundo Wanderley, Casemiro de
Abreu, Castro Alves, Otoniel de Menezes, Múcio Teixeira, Herotides de Campos, Luís
Peixoto, Joaquim Lima, F. das Chagas Batista, Carlos Cermiciary, Valquíria Leite Dutra,
Joaquim Guilherme, Catulo Cearense, Mendes Martins, Augusto dos Anjos, Da Costa e Silva,
Carolina Vanderley, Gotardo Neto, Abdias A. Bezerra, Pe. Pedro Paulino, Maria Carolina,
Olavo Bilac, Cerquinho Nunes, Damasceno Vieira, Ponciano Barbosa, Pinto Coelho, Péricles
Maciel, Luís Pistarine, Pe. Antônio Tomaz, Júlio Salusse, Aníbal Teófilo, Jorge de Lima,
Venceslau de Queiroz, Ferreira Itajubá, Carlos Dias Fernandes, Zeferino Brasil, Guimarães
Júnior, H. Castriciano, Genar Vanderley e Afonso Celso. Esse livro, como bem disse Abdias
no prefácio:
...teve por objetivo coligir rimas esparsas muitas delas prestes a
desaparecer, por entre a poeira dos tempos.
No número destes compreende-se essa falange de moços de então,
contemporâneos nas eras de 1900, filhos e admiradores da primorosa terra
de Pereira da Silva e Perillo de Oliveira. Quando estes tangiam as suas
lyras aedas e conosco cantavam as musas de nossa esplêndida mocidade28.
São recorrentes nas obras de Abdias as temáticas do medo, do amor, da saudade,
especialmente a da terra natal. A lembrança da infância querida observada no poema Dia dos
Meus Anos assemelha-se às inquietações líricas de Casimiro de Abreu29:
Oito de Novembro. Ano de oitenta e quatro,
Nasci. Quanta ledice no solar paterno.
28
. Abdias Gomes de Almeida Bezerra, Rimário de Poetas Brasileiros, Santa Cruz – RN: Tipografia “O Trairi”,
1938. pp. 45-46.
29
. Poeta do Romantismo brasileiro da 2ª geração. Cantou o saudosismo em todas as situações: o saudosismo
nacionalista e a saudade nostálgica da infância pura, acrescida da fixação sentimental na mãe e na irmã. José de
Nicola, op. cit., p. 144.
32
33. Do planalto de Araruna, meu berço terno.
Iluminado pelos fulgores do primeiro astro.
Nasci, certamente naquele dia, naquela hora,
A natureza era queda, maviosa e lenta.
Por isso que, minh’alma melhor se alenta.
No silêncio onde a saudade mora...
Da mamãe! Quem saudades não tem! Ora essa!...
Do primeiro beijo que inda ouço.
Transportado nas asas da oressa!...
Carícias de outros seres a lembrança me acode,
Belos refletores, de minhas ilusões de moço
Dessas ilusões, que o tempo suplantar não pode30!
Nessa antologia, além de Abdias, destacam-se poetas como Joaquim Lima, que faz
lembrar em seu poema Adeus, Santa Cruz, o saudosismo, o locus amoenos, características
árcades segundo as quais a natureza é vista como um lugar ameno, aprazível, onde o homem
poderia encontrar equilíbrio e paz:
Adeus, Santa Cruz, que eu de ti vou me ausentar.
Cheio de recordações ternas lembranças,
Quando um dia a teu céu eu regressar,
Quero ver-te cheia de luz e de esperanças.
Auras balsâmicas de manhãs fagueiras,
Tardes amenas de candidez e doçura,
Estrelas mil que no firmamento adejas,
Lua brilhante que no azul fulgura.
Flores campestres de esplendor infindo,
Árvores sombrias de um Sertão antigo,
De tudo enfim que nesta terra é lindo,
Saudades sôfregas levo-as eu comigo.
Adeus, solo ubérrimo de esperança,
Torrão querido de minha alegria,
Adeus parentes, amigos da infância,
Adeus, Santa Cruz,até um dia31...
2.3 LUÍS PATRIOTA, O “POETA DAS JANGADAS”.
30
. Abdias Gomes de Almeida Bezerra, op. cit., p. 47.
31
. Ibidem, Idem. p. 48.
33
34. Destacou-se também na antologia Rimário de Poetas Brasileiros o poeta Luís Patriota,
natural de Touros, nascido em 25 de novembro de 1899 e falecido em 21 de dezembro de
1978. Ele foi colaborador do jornal A República, de Natal, fundou o jornal O Trairi, em 1932,
em Santa Cruz. Luís Patriota pertenceu à Academia Norte-riograndense de Trovas e à
Academia Potiguar de Letras. É conhecido como “poeta das jangadas”, por ter escrito muitos
poemas inspirados nesse tema. Foi jornalista, juiz de paz, escrivão, advogado, promotor,
professor e secretário da Junta Comercial do Estado. Em Santa Cruz, onde morou por muitos
anos, trabalhou como Guarda-Livros (contador)32 dos Ferreira de Souza. Foi diretor da
tipografia “O Trairi”, trabalhou também como professor, continuou fazendo o que mais
gostava: escrever . Era poeta e escritor culto, exigente, adepto da poesia clássica, com ritmo,
rimas e métrica impecáveis ou de poesias sem tais exigências formais, como O Meu S. João,
em que o sentimentalismo, a religiosidade e a subjetividade de seu eu-lírico denunciam todo o
Romantismo romântico de seus versos:
Oh! Como eu te amo, meu bom São João!
Noite de encantos e de prazer!
Pela mais doce recordação
Com que me envolves o coração,
Da melhor quadra do meu viver.
Revejo agora com os olhos d’alma
Entre coqueiros a farfalhar,
A pobre vila, que é a minha palma,
Meu céu de affecto, onde se acalma
Toda a amargura do meu sonhar...
E que revoadas de tradições,
De coisas lindas e primitivas,
Ao doce embalo das ilusões,
No céu das minhas evocações,
Deslumbradoras, radiantes,vivas!...33
Luís Patriota, em Carta Aberta, fez a seguinte declaração sobre o livro Rimário de
Poetas Brasileiros, do compilador Abdias Almeida:
32
. Guarda-Livros é atualmente o profissional que trabalha em escritório de contabilidade. Toda a contabilidade
da tradicional e oligárquica família Ferreira de Souza fora entregue aos cuidados de Luiz Patriota.
33
. Abdias Gomes de Almeida Bezerra, op. cit., p. 49.
34
35. Falar do Rimário de Poetas Brasileiros é mister, antes de qualquer outra
coisa, volver os olhos d’alma aos longes esmaecidos de um passado, que
tanto nos pode ter sido feliz como desditoso. Pouco importa...
Todos nós, venturosos ou não, temos sempre um passado a recordar!
E eu, que vivo do passado, sinto que a minha felicidade consiste unicamente
em revivê-lo, nos meus momentos de meditação e de tristeza!..34
O passado, portanto, não o seu presente, nem o seu futuro, é, segundo Patriota, a
inspiração da sua obra. Patriota publicou as seguintes obras: Livro d’alma35 e Poemas das
jangadas36.
A literatura de Santa Cruz, da década de 30, manteve-se isolada do resto do país, não
foi contaminada pelo espírito demolidor dos valores tradicionais que traziam os artistas da
primeira fase do Modernismo brasileiro, a fase heróica; não se manifestou à Pau-Brasil e nem
à Verde-Amarelismo e tampouco “Antropofagiou” como fizeram seus irmãos famosos da
região sudeste do Brasil.
As narrativas em prosa, que conheceram um notável desenvolvimento desde o final do
século XVIII, inexplicavelmente ainda não se faziam presentes na literatura de Santa Cruz.
Escritores como José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis, Euclides
da Cunha, Lima Barreto, etc., compunham a biblioteca de Luís Patriota, Cosme Marques e
tantos outros intelectuais da literatura local. Entretanto, estes não se deixaram influenciar por
aqueles, e Santa Cruz não teve o privilégio de ler em prosa a sua cultura, os seus costumes, a
sua gente, a sua história.
A literatura desse período, portanto, optou por dar ênfase a seus heróis, seus coronéis,
exaltar seu passado histórico, deu ênfase à religiosidade e às datas natalícias de seu povo;
supervalorizou as emoções pessoais; optou por não cantar as questões sociais, tais como o
cangaço, o messianismo, a seca, os acordos espúrios na política; não repercutiu o domínio
oligárquico nem o reformismo dessa época. Enfim, a literatura santacruzense da década de 30
manteve-se fiel ao conceito, até então, praticado pelos seus poetas, principalmente Luís
34
. Jornal O Trairi. Seção Literatura. Santa Cruz-RN. 1938.
35
. Luís Patriota, Livro d’alma, Recife: Imprensa Industrial, 1922. (Poesias).
36
. Luís Patriota, Poemas das jangadas, Santa Cruz – RN: Tipografia O Trairi, 1933.
35
36. Patriota, segundo o qual ela deve ser a expressão e a realização do belo literário, da meditação
e da tristeza, da recordação de um passado feliz, sem comprometimentos extras.
CAPÍTULO III
DÉCADA DE 40: A ESTÉTICA DA GRATIDÃO
36
37. É na década de 40, mais precisamente em 1942, que o Brasil entra na segunda grande
guerra. O Rio Grande do Norte vivia intensamente o desenrolar do conflito. Parnamirim e
Natal recebiam um grande contingente militar norte-americano37.
O Estado Novo de Getúlio Vargas precisava legitimar-se perante a opinião pública.
Com essa finalidade, foi criado em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) o
qual se encarregou de fiscalizar todas as atividades culturais e jornalísticas. O programa
radiofônico A Voz do Brasil não se cansava de endeusar o presidente Vargas38.
Santa Cruz dava boas-vindas ao IBGE, ao Instituto Cônego Monte, aos primeiros
protestantes e à sede dos escoteiros39.
Na literatura nacional, destacavam-se as gerações de 30 e de 45, a poesia Pós-
Modernista e a prosa regionalista. Os poetas das Gerações de 30 e de 45, Carlos Drummond
de Andrade, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Cecília Meireles e João
Cabral de Melo Neto, assim como os prosadores Graciliano Ramos, José Lins do Rego,
Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo e Jorge Amado não eram famosos na terra de Santa Rita
de Cássia.
Não encontramos, dessa década em Santa Cruz, nenhum indício das inovações
temáticas e lingüísticas introduzidas pelos artistas nacionais que viveram o período, como por
exemplo a tentativa de disciplinar a linguagem literária, tão desregrada pelo liberalismo
exagerado dos modernistas de 22.
O fato é que, pela terceira vez no século XX, as letras brasileiras apresentaram novo
ciclo de renovação, tanto na poesia quanto na prosa. O elemento norteador dessa fase foi,
37
. Para mais informações ver: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Anotações sobre a história do Rio Grande do
Norte, Natal – RN: Editora Clima. 1998.
38
. Mais informações sobre esse assunto o leitor pode encontrar em Florival Cáceres, História do Brasil, São
Paulo – SP: Editora Moderna, 1995, pp. 290 – 91 -92.
39
. Mais elementos ver: Hermano Amorim, Santa Cruz nos caminhos do desenvolvimento, Natal – RN: Editora
Santa Maria. 1998.
37
38. sobretudo, as novas pesquisas formais, expressas no estilo personalístico de autores
estreantes, cada um deles com seus aspectos próprios40.
No plano estadual, a literatura se ressentia, pelo menos no campo editorial no período
entre o final dos anos 20 à segunda metade de 40, de uma atividade literária mais consistente.
A Temporada Literária, ocorrida na década de 30, foi uma tentativa de movimentar a
literatura local41.
Não encontramos nas obras literárias de Santa Cruz, nem tampouco nos jornais
caseiros da década de 40, os famosos embates entre os Modernistas e os Neomodernistas,
protagonizados por críticos literários como Sérgio Millet, Tristão de Ataíde, Périplo Eugênio
da Silva, entre outros42.
Relevantes ou irrelevantes, dos muitos acontecimentos sociais, políticos, econômicos e
literários, o fato é que os poetas de Santa Cruz, da década de 40, tais como Cosme Marques,
Abdias Gomes e Luiz Patriota, continuaram cantando temas de exaltação de famílias
tradicionais, o fazer poético e a saudade de seus passados, se utilizando das mesmas técnicas
de outrora.
Um tema que poderia ter sido bem aproveitado pelos nossos artistas da palavra é um
dos problemas que mais diretamente aflige o homem simples da nossa região, a seca. Raras
foram as vezes em que os poetas locais abordaram esse tema. Marques, ao enfocá-lo,
descreve-o como um problema natural, isto é, não vincula a seca aos interesses dos coronéis
da região que a tomaram como argumento poderoso para aquisição de vultosas verbas
federais, cargos, benefícios em suas propriedades, prestígio e perpetuação no jogo do poder.
A não abordagem desse tema pelos poetas locais, passa-nos a impressão de que eles
entendiam que a seca não era um problema político. As autoridades, as elites que estavam no
40
. O leitor pode acrescentar mais informações sobre essas renovações literárias propostas pelos modernistas
desse período em Faraco & Moura Língua e Literatura, São Paulo – SP: Editora Ática. 1998. pp. 499 -500.
41
. Caso o leitor tenha interesse em aprofundar os conhecimentos sobre esse assunto, deve consultar Tarcísio
Gurgel, op. cit., p. 75.
42
. Maiores elementos em Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., pp. 480 – 81.
38
39. poder, não tinham culpa da miséria do povo, dos flagelos causados pela seca. O problema era
de ordem geográfica e meteorológica. Pelo contrário, as autoridades, as elites que estavam no
poder, eram generosas com os flagelados, na medida em que chegavam com “soluções”
emergenciais.
Na década de 40, destacou-se o livro Canastra véia, citado anteriormente, do poeta,
professor, agente municipal de estatística, Cosme Ferreira Marques, publicado em 1946, pela
Tipografia Galhardo, de Natal.
Cosme Ferreira Marques (1908 – 1959) nascera em Bananeiras-PB, mas viera para
Santa Cruz com cinco anos de idade. Adotou Santa Cruz como sua terra querida, e Santa Cruz
o adotou como seu poeta maior, em sua época. Seu Cocó, como era carinhosamente
conhecido, usava o pseudônimo de Jeca Tábua, quando escrevia versos matutos ou de pés-
quebrados. Ele nos dá, como bem disse Luís da Câmara Cascudo, no prefácio do livro
Canastra Véia,
...uma lição de perseverança e de fidelidade letrada. Tudo que o podia
desanimar e vencer não o desanimou nem o venceu. Passou epidemia,
tempestade, crise, desalento, como um avião atravessa nuvem ou,
lembrando um verso de Ferreira Itajubá : - um gume cortando polpas de
maçãs maduras.
Quando muita gente desanimou e virou homem prático, acabando rico e
dispéptico, Jeca Tabua continuou poeta, poeta ,poeta43.
O livro Canastra Véia está dividido em duas partes, a primeira é constituída de “pés -
quebrados” numa linguagem matuta, toda regional. A segunda, como escreveu o próprio autor
na apresentação, “... posso chamá-la de ‘Vibração d’Alma’. São cantos desferidos ao toque
de um sentimento, quer de afeição, de dedicação e de gratidão, a amigos, filhos e protetores”
[Grifos nosso]44.
Como o próprio autor afirmou, suas composições poéticas são as mais puras
expressões sentimentais de gratidão e de amizade. Entretanto, pode-se perceber que o poeta,
43
. Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 6.
44
. Cosme Ferreira Marques, op. cit., p.12.
39
40. sem qualquer intenção de analisá-los criticamente, menciona alguns aspectos da sociedade de
sua época, como por exemplo o coronelismo, fenômeno que se caracterizou pelo clientelismo,
pela troca de favores e pela obediência total e irrestrita ao coronel, presente no poema
“arritirantes”, o qual refere-se à seca, à miséria, à humilhação e à morte, muito presentes em
nossa região. Este poema, em hipótese alguma, deve ser lido com os olhos da crítica social, e
sim, com os da admiração e da gratidão pelo socorro certo do coronel. O problema do
sofrimento do homem comum, para o poeta, não é de ordem político-social, mas natural:
Arritirantes...
Ao Coronel Ezequiel Mergelino de Souza
Coroné num sadimire
Du istadoqui mi vê,
Venho di riba du quimquê,
Du sertúo:
Mi arrepare meu patrão,
A mizéra mi consome,
Dois fio morreu de fome
Nus caminho;
Aqui patrão, to sozinho,
Morto di fome, cançado...
A famia, ali nu quebrado
Mi ispéra,
Cum fome, mardita era
Qui trás a seca terrive
É duro Patrão, é horrive,
Pra mim;
Eu nunca mi vi assim,
Nu istado qui mi vê,
Vendu meus fio morrê
Nus braço,
Foi pra mim cumo um pedaço,
Tirado do coração,
Mi secorra coroné,
Uma ismola meu patrão.45
45
. Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 22.
40
41. Marques também dá uma demonstração de que é poeta culto, ao escrever, em 1946, o
soneto, Poesia, homenagem póstuma ao também poeta, seu amigo, do início do século, o
culto Clovis J. de Andrade, de quem, infelizmente, nada foi encontrado:
Rimas, abecedário cheio de harmonia,
Pensamentos de um cérebro portentoso,
Sentir em verso, a própria poesia
De um ser inteligente e ardoroso.
Ser Poeta, é caminhar numa via
De um sonho tão lindo e majestoso,
É lançar ao mundo, um canto de magia
O hino dum rimário glorioso.
Ser Poeta, é sentir a dor, a alegria
É rimar numa suprema agonia,
Uma vida, um mundo, um Universo;
Ser Poeta, é amar, gozar, sofrer,
Ser Poeta, é em sonhos reviver
Vida e alma na estrofe de um verso.46
Foi a década de 40 uma extensão da de 30, com a sua poesia de exaltação e de
desvinculação total com os principais poetas e escritores do país.
CAPÍTULO IV
A GERAÇÃO DE 50
46
. Ibidem, Idem, p. 32.
41
42. Os acontecimentos históricos até pareciam se oferecer à literatura como fonte de
inspiração. Foi assim, também, com a década de 50, pois muitos fatos relevantes aconteceram
nesse período: o governo Vargas, o populismo e o nacionalismo econômico, a criação da
Petrobrás, a crise institucional, a perda da Copa, o suicídio e a sucessão de Vargas, a
inauguração da TV, o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, são alguns exemplos que
podemos citar47.
No Estado do Rio Grande do Norte, essas “fontes de inspiração” também se ofereciam
aos nossos poetas locais. Com o fim da Segunda Guerra, a redemocratização trouxe, no
campo político, um sopro de novidade: um mossoroense, Dix-Sept Rosado emergiu ao poder
estadual, com seu companheiro de chapa Sílvio Pedroza. Um acidente aéreo levou o
intelectual Pedroza ao poder, e uma de suas atitudes, contraditórias por demais, foi a de fechar
o jornal oficial A República, grande incentivador da cultura no Estado48.
Ao nosso ver, não se pode, em hipótese alguma, exigir que a literatura narre os
acontecimentos históricos. Nesse sentido, ela tem uma maior liberdade, podendo construir
idéias, imagens, quadros que se afastem por completo do universo de experiências de uma
época. Portanto, ao tomarmos a literatura enquanto objeto de estudo, não podemos exigir que
ela estabeleça uma relação de total atrelamento com os fatos históricos, ainda que a mesma
possa vir a estabelecer um diálogo com os acontecimentos de sua época, ou mesmo, os tome
como fonte de inspiração.
A nossa preocupação, desde o início deste estudo, era a de verificar se os poetas locais
emitiam algum sinal de evolução em seu discurso e em suas técnicas, e se essa evolução
literária se dava no mesmo ritmo da verificada no contexto histórico. Assim foi que, a questão
do uso dos acontecimentos históricos enquanto motivo condutor das obras, foi observada
47
. Mais informações sobre esse assunto ver: Nelson Pillet, História do Brasil, 18ª ed., São Paulo – SP: Editora
Ática, 1996. pp. 264 -65 -66.
48
. Mais informações ver: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Anotações sobre a história do Rio Grande do Norte,
2ª ed., Natal – RN: Editora Clima, 1998. pp. 33 – 34.
42
43. enquanto preocupação secundária. Logicamente que isso não implica dizer que não
destinamos atenção para este aspecto, visto que no universo da produção literária nacional
isso já vinha acontecendo há bastante tempo.
Sempre à procura de indícios que nos permitissem afirmar que a nossa literatura já
havia se sintonizado com a praticada nos grandes centros, fomos descobrindo que o material,
até então publicado, só tratava do desenvolvimento econômico e social da nossa cidade, tais
como a criação da Escola Normal Regional, do Hospital Maternidade Ana Bezerra, do
Ginásio Comercial, do Trairi Clube, a construção da ponte Centro-Paraíso, a fundação do
SESP. Algumas evoluções políticas, como a emancipação política de Lajes Pintadas, de São
Bento do Trairi e de Tangará, pertencentes ao município de Santa Cruz49.
A literatura, no eixo Rio-São Paulo, acompanhava o ritmo das mudanças verificadas
nessa década no Brasil. A poesia dessa época foi muito rica em experimentalismos. Os irmãos
Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari propuseram a poesia concreta. Em 1954,
Ferreira Gular lança o livro A luta Corporal, com experiências poéticas que levam em conta o
espaço em branco do papel e as possibilidades de diagramação da palavra em poesia, unindo
significado e significante. Em 1956, houve a Exposição Nacional de Arte Concreta e se
destacaram Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gular e outros. É a
década em que o grande poeta Carlos Drummond de Andrade se dedica totalmente à arte
literária50.
A literatura potiguar procurava sintonizar-se com a praticada nos grandes centros. De
certa forma, essa sintonia já se percebia, na medida em que surgiam estudiosos e críticos
literários, como o jornalista, poeta e crítico literário Antônio Pinto de Medeiros. Ele, em
muitos casos, utilizava-se de sua coluna provocativa “Santo Ofício”, no jornal O Poti, para
49
Entrevistamos o senhor José Bezerra, historiador e contemporâneo dessa década, e dele ouvimos que os jornais
A centelha e O Pif-Paf “noticiavam com muito entusiasmo os avanços políticos, sociais e econômicos da nossa
cidade.”
50
. Sobre os experimentalismos na poesia desse período, o leitor encontrará mais elementos em Clenir Bellezi de
Oliveira, op. cit., p. 558.
43
44. condenar ao fogo da sua crítica implacável a mediocridade provinciana da produção literária
da época. Medeiros assinava essa coluna com o pseudônimo de Torquemada – terrível
inquisidor espanhol51.
Não encontramos nenhum inquisidor literário na década de 50, em Santa Cruz. O que
descobrimos foi um grande número de jovens poetas. José Letácio Pereira, José Iválter
Ferreira, Gurgel, Valente, Dante Madri, Odete, Antônio Borges, Adonias Soares, Jorge
Quintiliano, Alexandre Ferreira Neto foram os poetas que mais se destacaram nesse período
em Santa Cruz.
Esses jovens poetas e escritores, juntamente com os já consagrados veteranos
ajudaram a construir a história de Santa Cruz, sua poesia, sua música, sua arte nos parâmetros
até então utilizados.
Os jornais A Centelha – de vida efêmera - e O Pif-Paf foram os canais para a
exposição de suas obras.
O Pif-Paf era dedicado à Santa Rita de Cássia e circulou em maio de 1952 sob a
orientação das redatoras H2O, conforme sua própria indicação. Cleuse, apresentando o
jornalzinho, dizia que o mesmo era dirigido pela poetisa Margarida Meireles Bezerra e outras
auxiliares. Escreveram o jornal Cleuse S. Fiúza, C. S. F. e Carlos Antunes. As notícias
preferidas, além das já citadas anteriormente, eram as atividades da Igreja, as notas “bolindo”
com rapazes e moças de Santa Cruz. A seção literária servia apenas para divulgar os poemas.
Como foi dito antes, ainda não havia inquisidores literários em Santa Cruz. Com certeza, a
ausência de críticos contribuiu para a estagnação da literatura local.
Ainda nessa década, a produção literária e musical ganhou um reforço: a chegada do
padre Émerson Deodato Fernandes de Negreiros, que se estabelecera nessa cidade de 12 de
julho de 1952 a 31 de janeiro de 1965. “Padre Emerso”, como era conhecido, tocava
acordeom, piano, órgão, lutava boxe, arrancava dente, receitava remédios e compunha
51
. Mais elementos o leitor encontrará em Tarcísio Gurgel, op. cit., p.77.
44