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LITERATURA
SANTACRUZENSE
  A atualização da forma e do discurso
literários de Santa Cruz-RN a partir do
surgimento do Núcleo de Ensino Superior
do Trairi.

                     Nailson Costa
Quero dedicar este trabalho aos poetas e cronistas de
ontem e de hoje, responsáveis pela construção da
literatura de Santa Cruz.




                                                        2
Agradeço a todos que, de uma forma ou de outra, me prestaram inestimável ajuda no

preparo deste trabalho.

       A todos os poetas e cronistas que me permitiram fazer uso de suas obras.

       À Marinalva Vilar, minha professora e paciente orientadora.

       À URCA, que me fez tornar concreto um projeto há muito sonhado.

       Ao professor Reinaldo, do CEDAP, pelo estímulo constante na realização deste.

       À poetisa Tereza Lúcia, pelo empréstimo valoroso da obra Canastra Véia, único

exemplar na cidade, de Cosme Ferreira Marques, escrito em 1946.

       À poetisa Rita Luna, pelo empréstimo da única obra existente na cidade, Rimário de

Poetas Brasileiros, compilado pelo poeta Abdias Gomes, em 1938.

       A Marcos Cavalcanti, por ter me indicado as poetisas proprietárias dessas obras.

       Ao Professor Arimatéia Rodrigues, pela contribuição técnica.

       Aos entrevistados, pela atenção a mim dedicada.

       À minha família, pela força e admiração que me foram dispensadas

       E, principalmente, agradeço a Deus, pela inspiração.




                                                   O Autor




                                                                                          3
BIOGRAFIA DO AUTOR


        José Nailson de Medeiros Costa nasceu em Santa Cruz – RN no dia 11 de setembro de
1963. Filho de Luís Precioso da Costa e de Teresa de Medeiros Costa. É servidor público do
RN. Formado em Letras e Ciências Contábeis pela UFRN. É Pós-Graduado em Identidade
Regional – A Questão Nordeste (Departamento de História). Ajudou a fundar o Partido dos
Trabalhadores em Santa Cruz e a APRN (Associação de Professores do RN, hoje o Sinte,
local). Participou como 1º secretário da APRN e da LDS (Liga Desportiva Santacruzense).
Foi Diretor de Esportes do mais atuante D.A. (Diretório Acadêmico do NEST). É membro da
ASPE (Associação Santacruzense de Poetas e Escritores). Ajudou a fundar e a construir o
IESC – Instituto Educacional de Santa Cruz, de onde foi professor de Língua Portuguesa por
10 anos. Publicou na década de 80 crônicas para o Diário de Natal/Poti, assim como nas
décadas seguintes para os jornais Memorial Santacruzense, Parnamirim em Notícias e Voz de
Natal. Publicou um livro de memórias, Futebol: Documento de uma Paixão; participou com
poemas das seguintes antologias: Templos Tempos Diversos; Monsenhor Raimundo, presente
de Deus; Antologia Literária II da SPVA/RN; Participou com uma crônica da antologia
Ribeiro, um professor. Gosta dos amigos, ama a esposa, os pais, os filhos e o Espírito Santo.
Amém.




                                                                                         4
SUMÁRIO



Prefácio................................................................................................................................07

Introdução............................................................................................................................09

I Parte: Um Presente do Passado......................................................................................... 18

Capítulo I – Da fundação à década de 20, literatura ao som de rabeca............................... 19

          1.1. – Fabião das Queimadas – o poeta dos vaqueiros............................................. 20

Capítulo II – Década de 30: domínio oligárquico versus reformismo igual à literatura

                    de exaltação................................................................................................... 27

          2.1. – Os jornais locais e seus discursos................................................................... 30

          2.2. – Abdias e a primeira antologia de Santa Cruz................................................. 31

          2.3. – Luís Patriota, o poeta das jangadas.................................................................34

Capítulo III – Década de 40: a estética da gratidão.............................................................37

Capítulo IV – A geração de 50............................................................................................ 42

Capítulo V – Os novos românticos de 60............................................................................ 49

Capítulo VI – A literatura da década do medo.................................................................... 54

             6.1. – Um poeta ultra-romântico............................................................................59

II Parte: Um Presente Para o Futuro....................................................................................62

Capítulo VII – Década de 80: atualizando a estética literária local.................................... 63

               7.1. – Ribeiro: um cronista de transição.............................................................. 68

               7.2. – Instantâneos Poéticos de Zedaluz e Otacílio............................................. 72

               7.3. – Os grilos do NEST na poesia de Hugo Tavares........................................ 78

Capítulo VIII – Anos 90: perspectivas................................................................................ 80

                8.1. – Tristes coincidências................................................................................ 81

                8.2. – A poesia das adutoras............................................................................... 83


                                                                                                                                         5
8.3. – Transpoesia do “Velho Chico”................................................................. 86

               8.4. – Brasil 500 versos...................................................................................... 87

               8.5. – Além das Viagens aos Templos e Túmulos em Versos, em Tempos

                         Diversos no Trairi.....................................................................................88

                8.6. – A poética nas poesias da vida.................................................................. 89

Considerações finais............................................................................................................ 96

Bibliografia..........................................................................................................................99

Entrevistas Utilizadas.......................................................................................................... 102




                                                                                                                                       6
PREFÁCIO



       Quando se fala de e sobre poesia rejuvenesce a alma criando um lastro de

conveniência em respaldo à transformação do belo no lindo. E quando isto está vinculado ao

resgate histórico-literário, enobrece a sabedoria lítero-social principalmente se concentrada e

dimensionada na relação e na busca das conexões literárias nacional, estadual e local. A obra

em foco está repleta dessa extensão.

       É um jogo de saber maior, privilégio dos aquinhoados da cultura do sentimento e da

causa grande, engendradas na identificação meritória do conhecimento literário.

       Para dar solidez e fortaleza à cultura, eis que se apresenta à sociedade, oriunda de

Santa Cruz, rincão potiguar, a obra salutar de José Nailson de Medeiros Costa configurando o

poder do sentimento que cria espaços de despojamento para o vislumbre das obras dos

grandes pensadores da literatura brasileira associada à local, numa inspiração lingüística e

reverência justa àqueles que, somente, pelo gosto de fazer a arte do desvendamento do ser

criador de poemas em estilos os mais diversos.

       Nailson soube mergulhar nas águas cristalinas do pensamento para descobrir e

enaltecer os valores poéticos em momentos e circunstâncias históricas bem específicas.

Soube, igualmente, nesta obra, analisar reminiscências, à luz de poder respeitoso à crença de

essência da produção de cada momento em que se deu.

       A fidelidade e a valorização literárias emitem um eco de qualidade a tudo que foi

motivo para arrancar de dentro de cada um a sabedoria poética em circunstâncias sociais e

políticas bem realistas. Um retrato do ontem, do hoje e do amanhã da riqueza circunscrita na

imaginação literária através dos dois últimos séculos, em Santa Cruz.

       É uma obra casta de arrogância e carregada de princípios altaneiros, de lealdade ao

real e, sobretudo, ao resgate de cada época. Nailson não se contentou em registrar produções


                                                                                           7
poéticas nem pareceres literários mediante informações obtidas, mas se deteve em cada

descoberta e cunhou sua observância analítica na mais nobre e suntuosa visão lingüístico-

literária, pois, foi se deleitando no verso de Fabião das Queimadas, Cosme e Márcio Marques

que ele descobriu as pérolas poéticas que instigavam a literatura santacruzense e que

perduram até nossos dias com tantos outros que resistem às intempéries de anticultura.

       Uma obra deste quilate coloca na poltrona da história as marcas de personagens da

vida real do ontem e do hoje. Também, personifica a criação literária e eterniza a obra

daqueles que souberam e sabem externar o seu sentimento no seu estilo poético-literário

próprio.

       Por isso, convém admitir a grandeza cultural que está implícita e explicitamente

registrada, resgatada, analisada e para apreciação de todos. A cultura, assim, é processada

como vertente do testemunho literário que se confunde com a vida da própria municipalidade

santacruzense, como diria o poeta Thiago de Mello em sua "Vida Verdadeira".

                                                           "Aprendi

                                                           o caminho me ensinou

                                                           a caminhar cantando

                                                           como convém

                                                           a mim e aos que vão

                                                           comigo.

                                                           Pois, já não vou mais

                                                           sozinho".

Eis, portanto, o contributo à cultura dessa plaga trairiense, manifestada pela vontade e a

audácia de José Nailson de Medeiros Costa de continuar a obra dos que se foram, mas

deixaram sua história provida de tantos amores pela terra de Santa Rita de Cássia.

                                                           Reinaldo Ricardo dos Santos


                                                                                         8
INTRODUÇÃO



                                                                                               Ó Santa Cruz
                                                                                        Minha terra querida
                                                                                             Tu és minha luz
                                                                                           Tu és minha vida
                                                                                              Ó terra amada
                                                                                          Como eu te adoro
                                                                                      Minha terra idolatrada
                                                                                          Longe de ti choro1

                                                                                                          Um
                                                                                                          dois
                                                                                                          Um
                                                                                                          dois
                                                                                                     e homens
                                                                                              Transformam-se
                                                                                                   Máquinas2

                                                                                     O trabalhador rural...
                                                              O trabalhador rural trabalha a vida inteira...
                                                                     O trabalhador rural trabalha a terra.
                                                         O trabalhador rural planta feijão, milho, algodão,
                                                                       batata, corta cana, cuida do gado...
                                                                            O trabalhador rural é a terra.
                                                                                          Mas o fazendeiro
                                                               não quer mais o trabalhador rural na terra3

        Os fragmentos dos poemas, acima citados, são exemplos de formas e de temáticas

preferidas pelos artistas da palavra escrita em nossa cidade, em épocas diferentes.

        A poesia concreta, em Otacílio Barreto, é visualmente social. O poeta une em sua arte

o avanço da tecnologia, a busca de novas formas de expressão que sejam condizentes com

uma sociedade em que tudo passou a acontecer de maneira rápida e objetiva, à realidade

social, à exploração do homem e sua transformação em máquina.

         O lirismo presente em Luiz de Almeida, o apelo ao sentimentalismo e a nostalgia são

características típicas do Romantismo e se contrapõem, tanto na forma quanto no conteúdo, à

poesia social e concreta de Otacílio, ou apenas social, de Hugo, em que a linguagem

1
  . Poesia de Luiz de Almeida, citada na entrevista de Terezinha e Neuza, em outubro de 2000.
2
  . Otacílio Barreto, “Máquinas”, in:_______. Instantâneos Poéticos, Santa Cruz-RN: datilografada, 1985, p. 12.
3
  . Hugo Tavares, apostila avulsa, março de 2002.


                                                                                                            9
discursiva, o estilo simples e direto pretendem fazer da poesia uma arte mais comunicativa, ao

alcance das camadas populares.

       A atualização da forma e do discurso literários de Santa Cruz, a partir do surgimento

do Núcleo de Ensino Superior do Trairi, foi o centro de interesse desta pesquisa, relacionada

ao campo da História Regional. Enfatizamos, especificamente, as produções literárias

desenvolvidas no município de Santa Cruz-RN. Estabelecemos argumentos segundo os quais

as técnicas dos recursos poéticos e as temáticas literárias desta cidade são vistas sob

perspectivas antagônicas delimitadas em espaços temporais bem definidos.

       O trabalho está dividido em duas Partes: Um Presente do Passado, em que é feito um

levantamento dos principais poetas, escritores e obras de Santa Cruz do início de sua

fundação, em 1825, ao final da década de 70 do século seguinte, tendo por objetivo

demonstrar que os poetas que viveram e fizeram a literatura dessa época não tiveram a

preocupação de seguir as tendências inovadoras que se apresentaram na literatura brasileira,

desde 1881, com o Realismo/Naturalismo, tais como a objetividade, o universalismo, o

materialismo, a contenção emocional, o antropocentrismo etc, ou, mais radicalmente, com a

Semana de Arte Moderna, em 1922; e Um Presente Para o Futuro, em que trabalhamos com

a produção realizada no período que vai da década de oitenta aos primeiros anos do século

XXI. Esta fase da produção literária de Santa Cruz, apresenta uma tendência contrária a que

foi observada na fase anterior, neste sentido pontuamos a preocupação dos artistas da palavra

em atualizar seu fazer poético, procurando manterem-se em sintonia com o que era praticado

nos centros mais avançados.

       As novas formas literárias e as temáticas de engajamento social, que apresentavam um

forte sentimento de denúncia das injustiças sofridas pelos mais humildes, começam a

aproximar a literatura local com a que era praticada no eixo Rio-São Paulo. Dessa forma,

podemos observar que os poetas santacruzenses passaram a refletir em suas obras o


                                                                                          10
cientificismo do Realismo, a modernidade da arte do Modernismo, a expressão visual e

concreta do Concretismo, a poesia-práxis, etc.

       A atualização do fazer literário de Santa Cruz deveu-se, em nosso entendimento, ao

Núcleo de Ensino Superior do Trairi – NEST -, na medida em que ele propiciou o surgimento

de calorosas agitações culturais, verificadas nas Semanas Universitárias e nos Jornaizinhos

Universitários; promoveu o desenvolvimento de Trabalhos Acadêmicos, principalmente nos

Cursos de Letras e de Pedagogia (muitas discussões teórico-literárias verificadas nas Rodas de

Bate-Papos e nas Mesas de Bares foram fontes de inspiração poética), enfim, criou um

Ambiente Cultural nunca antes visto na terra de Santa Rita de Cássia.

       Os seis capítulos que integralizam a Primeira Parte deste trabalho, bem como os dois

da Segunda Parte são iniciados com uma sucinta contextualização histórica, nos planos

nacional, estadual e municipal, de cada década, objetivando propiciar ao leitor uma

comparação das inovações das formas e das temáticas da literatura desenvolvida no eixo Rio-

São Paulo e, de certa forma, na capital do nosso Estado, com a literatura de Santa Cruz.

       Sem a pretensão de fazer análises literárias profundas, encontram-se também algumas

biografias e obras dos poetas e cronistas mais significativos da nossa literatura, em suas

respectivas épocas, para permitir ao leitor o acesso a elementos embasadores dos argumentos

que arrolamos no trabalho.

       Críticos nacionalmente renomados como Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Afrânio

Coutinho, Umberto Peregrino somam-se a Tarcísio Gurgel, Diva Cunha, Luiz Eduardo

Brandão Suassuna, Professores da UFRN, para fundamentar teoricamente os argumentos aqui

propostos.

       O leitor observará que a Primeira Parte, Um Presente do Passado, reflete bem a poesia

trovadoresca, o lirismo clássico, neoclássico e romântico, as temáticas românticas, tais como a

vida simples no campo, a ascensão social em função de dotes artísticos, as vaquejadas, as


                                                                                           11
disputas (pelejas) de cantadores (muito presentes na poesia popular de Fabião das

Queimadas); a religiosidade, o saudosismo, a exaltação às festas juninas, bem como às festas

da padroeira Santa Rita de Cássia (nos versos clássicos de Luís Patriota ou de Abdias

Almeida); a valorização de famílias tradicionais e seus coronéis e o fazer poético (verificáveis

em Cosme Marques).

       Observa-se ainda, no crepúsculo da década de 70, nos versos de Joaquim de Lima,

Padre Émerson, Fabiano de Cristo, Franklin de Souza, Maria Celestina, Tereza Lúcia e outros,

constantes apelos lírico-ufânicos que serão predominantes na formação da poesia dessa época

e, portanto, de significação positiva, quando analisada à luz da busca de uma identidade para a

sua terra, bem como para o registro de um passado literário romântico, bucólico e em

harmonia com a natureza e a população local.

       A Segunda Parte, Um Presente para o Futuro, é destinada à constatação do

surgimento de uma literatura moderna - em sintonia com a já praticada nos centros

avançados-, de crítica social e de engajamento ideológico. São obras que abrangem o universo

municipal, estadual e nacional a partir da década de 80, mais precisamente a partir de 1982.

       Para alguns poetas e cronistas dessa nova fase, a literatura não deve existir apenas para

o prazer poético, a arte pela arte, a catarse, nem apenas ser um mecanismo de evasão ou de

conhecimento do homem e do mundo; a literatura deve ser, também, um instrumento de luta a

serviço de uma causa social, um elemento imprescindível para a transformação do meio social

em que vivem.

       As perspectivas da volta à democracia e, principalmente, o surgimento do Núcleo de

Ensino Superior do Trairi – NEST –, extensão do Campus Avançado da Universidade Federal

do Rio Grande Norte, foram fatores determinantes às novas posturas técnico-temáticas

modernas dos poetas e cronistas de Santa Cruz que viveram/vivem esse novo período.




                                                                                            12
O NEST – Núcleo de Ensino Superior do Trairi - é, à luz desta pesquisa, agente ativo

no processo de inserção da literatura local no universo da literatura moderna, na medida em

que propiciou a atualização dos produtores de nossa literatura nas formas e temas

desenvolvidos desde 1922, nos centros mais avançados do país, especialmente na Região

Sudeste.

       Em Santa Cruz, até o final de 70, tínhamos uma literatura mais identificada com as

formas e as temáticas medievais, clássicas, neoclássicas e românticas, através das poesias em

forma de cordéis, que refletiam o lirismo trovadoresco. Eram freqüentes nesse período as

poesias de perfeição estética e de inspiração clássica. Não raro encontramos poesias bucólicas

neoclássicas, em que o eu-lírico do poeta expressa o saudosismo, a religiosidade e a exaltação

à sua terra. Estão muito presentes, nas poesias de Márcio Marques, a fuga da realidade, o

pessimismo à Álvares de Azevedo, bem ao gosto das posturas românticas do Ultra-

Romantismo. As poesias de culto à forma, da arte pela arte, e de inclinação parnasiana são

uma constante nos versos de Luís Patriota.

       Com os debates sociais, políticos, econômicos e literários desencadeados pelos

estudantes do NEST, a partir dos primeiros anos da década de 80, surgiram novas

perspectivas, novos horizontes foram vislumbrados e a literatura local sentiu a necessidade de

se atualizar, de sintonizar-se com a literatura moderna, há muito já praticada em âmbito

nacional pelos famosos artistas da palavra.

       Seria incorreto dizer que o NEST formou os poetas e fez a literatura moderna de Santa

Cruz, porém não seria precipitado nem injusto atribuir a essa Instituição honrarias por

despertar os nossos artistas da hibernação literária. O ambiente estudantil ali criado despertou

o interesse dos jovens artistas da palavra. Os estudantes de literatura tiveram contato com as

novas tendências, as formas modernas, a poesia concreta, a poesia-práxis, a poesia marginal, a

poesia social com as suas temáticas de protesto e de denúncia das injustiças contra os


                                                                                            13
trabalhadores; enfim, é o NEST que aponta o caminho da atualização da forma e do discurso

literários a serem, daí em diante, seguidos pelos artistas da palavra escrita de Santa Cruz.

       A partir daí, a literatura local passou a refletir esses aspectos dando-lhes prioridade.

Entretanto, ela não abandona as temáticas do surgimento da cidade, da religiosidade, do

saudosismo, da evolução de sua gente e do folclore.

       Poetas como Hugo Tavares optam por esse caminho, o da literatura como instrumento

político, estabelecendo em suas obras todo um conjunto de questionamentos sociais. Seus

poemas prendem-se mais ao conteúdo do que à forma, o que não quer dizer que o poeta não

domine as “boas” técnicas literárias vigentes.

       As temáticas da saudade, da pátria, da família, do lar, da infância, da religiosidade e de

homenagem a entes queridos que se foram, enfim, a temática da evasão no tempo e no espaço,

características românticas predominantes na literatura da Primeira Parte da produção literária

de Santa Cruz, quase que desaparecem nas obras dos artistas sociais da Segunda Parte.

       No entanto, este novo período da literatura de Santa Cruz não é espaço exclusivo para

as poesias de caráter social. Os temas que caracterizaram as obras da Primeira Parte ainda se

fazem presentes, com menos intensidade, em poetas e cronistas como Francisco Ribeiro,

Bonitinho, Renan II, Aldenôra Ribeiro, Geraldo Moura, Edgar Santos, Maria Celestina,

Betânia Borges, Fátima Cavalcante, dentre outros.

       O poema de forma clássica, como o soneto, tão cultivado pelos parnasianos, ainda tem

lugar nas obras de Hélio Crisanto e José Letácio que, diferentemente dos parnasianos, tratam

o conteúdo com a profundidade subjetiva de suas visões filosóficas. O que diferencia alguns

destes poetas românticos da Segunda Parte daqueles que constituem a Primeira, é o fato de

que estes, os novos, também produziram obras sociais, de apelo à luta e as denúncias das

endêmicas mazelas sociais.




                                                                                               14
Os temas de engajamento social são freqüentemente encontrados nos poemas de

Teixeirinha Alves e Rita Luna. O pessimismo irônico, a presença constante da morte - o que,

diga-se de passagem, não tem nada a ver com o mal-do-século de Byron4 – são, na verdade,

um convite à vida, ao domínio das técnicas literárias, sendo que a riqueza e a diversidade de

seu conteúdo fazem dos versos de Marcos Cavalcanti um poeta carregado de todos os ismos

de que fizeram uso os estilos de épocas da história da literatura. Ou seja, podemos encontrar

nos versos de Cavalcanti características do Arcadismo, do Romantismo, do Realismo, do

Simbolismo, do Modernismo etc. Essas mesmas referências, sem dúvida nenhuma, podem ser

atribuídas ao também poeta e cronista José da Luz.

        Matias Filho, poeta de arroubos líricos e satíricos ao estilo Gregório de Matos,

escreveu também à maneira de Décio Pignatari, de Haroldo e Augusto de Campos, ao cultivar

a poesia concreta, que abandona o discurso tradicional e privilegia os recursos gráficos das

palavras, o “desenho” do poema, facilmente encontrado em outros poetas santacruzenses.

        Os dois caminhos percorridos pela nossa literatura, o do romantismo, o da arte pela

arte - em que seus artistas e obras se mantêm, do ponto de vista crítico, à margem dos

acontecimentos políticos e sociais mais relevantes - e o da reflexão crítica sobre a realidade e

a busca de novas formas de expressão, não se assemelham aos surgimentos dos novos estilos

de época da literatura universal, na perspectiva de embates, conflitos, manifestos em defesa de

suas formas, de seus temas, de suas estéticas, de suas filosofias e, é claro, de suas vaidades.

        Havia e há um grande respeito por parte dos poetas da Segunda Parte em relação aos

da Primeira. Na verdade, trata-se de uma espécie de admiração tácita, uma vez que fazer

literatura num país subdesenvolvido já é difícil, imagine no interior, onde as mudanças ou

atualizações em nome do moderno deparam-se com as tradicionais barreiras.


4
  Lord Byron ( 1788-1824), poeta do Romantismo inglês, influenciou os poetas da 2ª geração romântica
brasileira com seus versos pessimistas. O profundo desencanto pela vida, o cinismo e a exaltação à morte
receberam o nome de ultra-romantismo, ou mal-do- século, e influenciaram muito os poetas românticos da 2ª
geração do Romantismo brasileiro.

                                                                                                        15
Nunca é demais repetir que este trabalho não tem a pretensão de julgar os poetas e as

obras por eles produzidas, e que não se constitui, também, enquanto uma exegese crítica,

sendo seu principal objetivo o de demonstrar a percepção da existência de duas fases literárias

na produção santacruzense. Como já colocamos anteriormente, a Primeira fase seria aquela

em que a tônica predominante recaía no cultivo de procedimentos poéticos cristalizados pela

tradição, que remontam ao Trovadorismo, ao Classicismo, Arcadismo e Romantismo, e a

Segunda concerne ao momento em que os artistas da palavra escrita introduziram em suas

obras, sem manifestos agressivos nem conflitos estético-ideológicos, as temáticas sociais e

suas (des)compromissadas técnicas.

       E mais: se a Semana de Arte Moderna é o movimento responsável pela inserção do

Modernismo na literatura brasileira, mal comparando e respeitando às devidas proporções, é o

NEST, uma instituição sistematizada de ensino superior, o responsável, não pela mudança da

tônica da produção literária anterior, mas por desenvolver uma mentalidade na nossa

comunidade estudantil universitária/literária, capaz de introduzir as mudanças temáticas e

formais que outrora os românticos de transição, os realistas e, sobretudo, os artistas do

Modernismo brasileiro dignaram-se em fazê-las.

       Procuramos entender as obras dentro de suas épocas não instituindo uma valoração do

passado a partir dos interesses do presente. A análise que instauramos procurou dar conta dos

poetas e obras dentro dos interesses que as épocas lhes suscitaram.




                                                                                           16
Os diferentes discursos da nossa literatura, aqui expostos, deixam de ser antagônicos

na medida em que neles não se observam agitadas polêmicas à Questão Coimbrã5, ou à

Semana de Arte Moderna6, por exemplo.

        Muitos outros poetas, artistas da Segunda Parte, poderiam ser mencionados neste

trabalho, dada a riqueza quantitativa e qualitativa de suas produções. Todavia, aqui não se

encontram por se verificar que o recorte temporal escolhido para o estudo – A atualização da

forma e do discurso literários a partir do surgimento do Núcleo de Ensino Superior do Trairi

– não dispõe de espaço mais longo do que o já utilizado.

        Fica, entretanto, a certeza de que as muitas entrevistas realizadas - inclusive muitas

delas com pessoas octogenárias, testemunhas oculares de fatos aqui relatados –, a ampla

bibliografia consultada somadas à vivência do pesquisador nos meios literários serão de

grande relevância aos estudiosos do presente e do futuro da arte da palavra para as suas

dissecações teóricas futuras.

        As análises e as comprovações destas diferentes visões destinam-se, portanto, a unir e

a difundir o máximo possível a literatura local, para que ela venha a ocupar lugar proeminente

na cultura regional.

          Fazemos nossas as palavras do crítico literário Antônio Cândido no clássico

Formação da Literatura Brasileira:

                            Comparada às grandes obras, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela,
                            não outra, que exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e
                            se não a amarmos ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a
                            compõe, ninguém as tomará do esquecimento, descaso ou incompreensão7.



5
  . Polêmica que se deu em Portugal, em 1865, entre os jovens poetas e prosadores e seus antigos mestres. Os
jovens estudantes da escola de Coimbra já se interessavam pelas novas correntes filosóficas, científicas e
artísticas. Os antigos, entretanto, rejeitavam-nas. Clenir Bellezi de Oliveira, Arte Literária, São Paulo: Ed.
Moderna, 2002, P. 259.
6
  . Marco inicial da literatura modernista brasileira. A Semana De Arte Moderna se deu em São Paulo nos dias 13,
15 e 17 de fevereiro de 1922. Esse movimento artístico revolucionário defendia a liberdade de criação em todas
as artes. José de Nicola, Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias, São Paulo: Ed. Scipione, 2001. p.
272.
7
  . Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 6ª Ed., Belo Horizonte: Editora
Itatiaia Ltda., 1981. p. 346.

                                                                                                           17
I PARTE




UM PRESENTE DO PASSADO



                        “Todos cantam a sua terra
                     Também vou cantar a minha.”
                           (Casemiro de Abreu)




        CAPÍTULO I

                                             18
DA FUNDAÇÃO À DÉCADA DE 20, LITERATURA AO SOM DA RABECA



        Santa Cruz, “... deve datar a sua fundação no ano de 1825 e a prova está neste motivo

quando se fez a demolição da Igreja Matriz, de existência secular, para a construção de

outra igreja maior, no mesmo local, foi encontrada, na cobertura da igreja, uma telha, na

qual estava escrita a data de 18258”.

         Dessa data até as primeiras décadas do século seguinte, poucos documentos (oficial

ou não) fazem referência a poetas e escritores locais que tenham se destacado ou publicado

alguma obra literária. As informações registradas, acerca desse período, encontramos na obra

de Luís da Câmara Cascudo, em Tradições Populares da Pecuária Nordestina, de 1956; José

Fernandes Bezerra, em Retalhos de meu sertão, 1978; ou nas poesias do poeta Cosme Ferreira

Marques9, como “Cara Preta”, poesia publicada no livro Canastra Véia, de 1946, a qual faz

referência a um pobre homem das primeiras décadas do novo século, mendigo, vindo de um

pequeno povoado, hoje a cidade de São Bento do Trairi, a 15 quilômetros de Santa Cruz e que

vivera abandonado nas ruas da cidade a cantar hinos religiosos nas procissões de Santa Rita

de Cássia, padroeira de Santa Cruz, ou a recitar poesias de autoria desconhecida. O poeta

Marques assim o descreve em seu poema:

                                                                     Surgiu como fantasma na cidade;
                                                                 Vindo talvez de um pequeno povoado,
                                                                          Cantar, era única felicidade
                                                                 E cantava, sublime triste e maguado:

                                                                             -“Quando o sol nace é rei,
                                                                               a mei dia ele é morgado,
                                                                                   di tarde é isfalecido
                                                                                 di noite é serputado”-

                                                                Durante muito tempo, sua voz se ouvia,
                                                                    Ao belo alvorecer de um novo dia
8
  . Monsenhor Severino Bezerra, Memória Histórica de Santa Cruz, Natal: Editora Natal Gráfica, 1984, p.6.
Entretanto encontramos a seguinte informação em Marcus César Cavalcanti Morais, Terras Potiguares, Natal:
Editora Clima, junho de 1998, p. 227: “No ano de 1830, José Rodrigues da Silva, proprietário da Fazenda
Cachoeira, aliou-se a dois irmãos, José da Rocha e Lourenço da Rocha, novos proprietários de terras na
localidade e deu início à fundação da povoação de Santa Rita da Cachoeira, situada na Malhada do Trairi.”
9
  . Cosme Ferreira Marques é um dos principais poetas de Santa Cruz nas décadas de 30 e 40 do século XX.

                                                                                                    19
Ou a bela tardinha o ocaso quase posto:

                                                             Uma manhã, calou-se para sempre o canto,
                                                                     Ele morrera, partira sem um pranto
                                                            Ao raiar de uma formosa manhã de agosto10.

1. 1. FABIÃO DAS QUEIMADAS – O POETA DOS VAQUEIROS



        Sem dúvida nenhuma, o grande nome da literatura de Santa Cruz, do final do século

XIX ao início do século XX, é Fabião Hermenegildo da Rocha (1848 – 1928), o famoso

Fabião das Queimadas, natural da fazenda Queimadas, então município de Santa Cruz, hoje

pertencente ao município de Lagoa de Velhos.


                           O cantador negro Fabião das Queimadas foi poeta popular das vaquejadas
                           no Agreste do Rio Grande do Norte. Escravo do fazendeiro José Ferreira
                           da Rocha, juntou vintém a vintém, seu pecúlio e alforriou-se, assim como
                           sua mãe e uma sobrinha, Joaquina Ferreira da Silva, com quem casou.
                           Pagou 800$000 (oitocentos mil réis) por si, 100$000 (cem mil réis) por sua
                           mãe e 400$000 (quatrocentos mil réis) pela futura esposa. Cantava
                           acompanhando-se com a rabeca fanhosa e fiel, pondo-a à altura do peito
                           como os menestréis clássicos11.

        Diziam as más línguas que Fabião era filho apanhado do fazendeiro José Ferreira da

Rocha com uma escrava sua. E não é de admirar, pois naquele tempo eram muito comuns os

amores ilícitos entre os senhores de escravos, ou seus filhos, e as escravas. E o velho Zé

Ferreira, segundo contavam seus contemporâneos, não fugiu à regra da época. Do afeto do

fazendeiro pela jovem escrava, na senzala, ou quem sabe por trás das moitas, foi que a escrava

engravidou. Nove meses depois vinha ao mundo o, também, escravo Fabião. Contam que o

próprio poeta não negava que realmente era filho bastardo do senhor das Queimadas.

        Segundo seu filho, Filipe Ferreira da Silva, o pai havia iniciado sua vida de cantador

ainda muito jovem. Fabião das Queimadas nasceu poeta. Não teve nenhum curso, não estudou

em parte alguma.

        À sua rabeca dedicou esta redondilha:

10
 . Cosme Ferreira marques, Canastra Veia, Natal-RN: Tipografia Galhardo, 1946, p. 36.
11
 . Luís da Câmara Cascudo, Tradições Populares da Pecuária Nordestina, Rio de Janeiro: Ministério da
Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1956, p.42.

                                                                                                       20
Minha rabequinha
                                                                               é meus pés e minhas mão,
                                                                                 é meu roçado de milho,
                                                                                  minha planta de feijão,
                                                                                 minha criação de gado,
                                                                               minha safra de algodão12.


        O Senador Eloy de Souza, que era negro, assistindo a uma apresentação de Fabião das

Queimadas, na residência oficial do então governador Ferreira Chaves, recebeu do famoso

poeta esta saudação:


                                                                               Seu Doutô Eloy de Souza
                                                                               Minha mãe sempre dizia,
                                                                              Se o senhor não fosse rico,
                                                                                  Era da nossa famia13.

        O Senador gostava tanto de Fabião que, sempre que podia, patrocinava-o nos grandes

festivais de repentes e de vaquejadas pelo Nordeste afora. O senador muitas vezes insistia que

o poeta negro se hospedasse em sua residência, quando este se encontrava em Natal para

participar de cantorias. Entretanto, Fabião preferia a residência e a companhia de seu grande

amigo, Luís da Câmara Cascudo.

        Encontramos muitas outras menções a Fabião das Queimadas:


                                                                                Era piqueno, mi alembru
                                                                                     Du cantadô Fabião
                                                                                    Su rebeca, seu baião
                                                                                                Gêmedô

                                                                                        Puéta provisadô;
                                                                                      Nego véi inteligente
                                                                                      Pirigoso nu repente
                                                                                               Da puizia;


                                                                                    Onde cantava, curria
                                                                                    Um povão pra iscutá

                                                                                        U puéta sem iguá
12
   . José Fernandes Bezerra, Retalhos do meu sertão, Rio de Janeiro: Gráfica e Papelaria Leão do Mar Ltda.,
1978. p. 5.
13
   . Trecho da entrevista realizada com o senhor Manuel Macedo, em abril de 2001.

                                                                                                      21
Na rêbêra;


                                                                                   I cantava a noite intera
                                                                                     Histára de apartação,
                                                                                   Das vaquejada de então
                                                                                                Qui havia;

                                                                                       A sua rebeca gimia
                                                                                    No seu Redondo sinhá,
                                                                                         A gaiganta ritinia
                                                                                    Num canto sintimentá14
         Seu José Bezerra, contemporâneo dos poetas Cosme Marques, Luís Patriota e José

Abdias15, lembra, com os olhos cheios de lágrimas, “de uns versinhos de Fabião que diziam

assim:


                                                                                 Minha mãe era pretinha,
                                                                               Pretinha que nem quixaba,
                                                                                 Mas o seu nome era doce
                                                                              Tão doce que nem mangaba.
                                                                                Quando forrei minha mãe,
                                                                                  A lua nasceu mais cedo,
                                                                                    Pra clareá o caminho
                                                                              De quem deixava o degredo.

                                                                                   O nome da mãe é doce
                                                                                 Que nem a pinha madura
                                                                                Mas passa o doce da fruta
                                                                               E o doce do nome atura16.”


         Os poemas de Fabião das Queimadas eram musicados pela sua inseparável rabeca.

Esses poemas, escritos ou cantados, remontam às cantigas trovadorescas, certamente

influenciadas pelas cantigas líricas do Trovadorismo português17, com uma pequena mudança

do foco temático: a vassalagem amorosa do trovador junto à mulher amada dá lugar a outra

espécie de vassalagem, o amor cortês às vaquejadas, às pelejas de trovadores, às apartações, à


14
   . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 34.
15
   . Cosme Marques, Luiz Patriota e José Abdias foram, de acordo com as nossas pesquisas e análises os
principais nomes da literatura de Santa Cruz, nas décadas de 30 e 40 do século XX. Não encontramos nas muitas
buscas às suas obras nenhuma poesia de engajamento social.
16
   . Dados de memória do senhor José Bezerra, historiador e contemporâneo de Patriota, Abdias e Marques, seus
amigos. Entrevista realizada em janeiro de 2001.
17
   . Trovadorismo é um movimento de caráter exclusivamente poético que se deu de 1189 ou 1198 a 1434. As
composições líricas desse período são chamadas de cantigas porque eram efetivamente cantadas e recebiam
acompanhamento de instrumentos musicais da época. Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., p.. 34.

                                                                                                        22
obediência ao coronel da região, que, aliás, é visto como um ser inatingível, uma figura

idealizada, a quem é dedicado uma respeitabilidade e atenção sublimes, igualmente

idealizado, como fora a mulher nas cantigas de amor do Trovadorismo português, na Idade

Média etc. Com relação à forma, os poemas são compostos em redondilhas 18, características

marcantes nos poemas-cantigas da Idade Média; se nas cantigas líricas portuguesas era

comum a utilização do paralelismo e do refrão ou estribilho no final de cada verso, o redondo

sinhá era utilizado, pelos poetas populares do cordel, da rabeca e da viola nordestinos, como

forma de introdução de cada novo verso.

        O poema “Vaquejada na fazenda Belo Monte19” contém trinta e nove sextilhas

(estrofes de seis versos cada) de sete sílabas poéticas - redondilha maior - muito bem rimadas

e ritmadas. Nessa poesia, ele fala da beleza que foi a vaquejada, realizada na fazenda Belo

Monte, município de São Paulo do Potengi, propriedade do coronel Manoel Adelino dos

Santos, no mês de outubro de 1921. Descreve as proezas dos principais puxadores do Sertão,

do Seridó, do Trairi, do Potengi, faz referência aos pratos típicos do Nordeste, enaltece a

qualidade dos cavalos e bois, faz elogios a bondade dos coronéis da região; enfim, Fabião

desfila sua arte, agrada o povão e, inconscientemente, o seu discurso harmoniza-se com o

discurso e os interesses das elites dominantes da região. Leia a primeira e a última das trinta e

nove sextilhas desse poema:



                                                                               Eu peço a vosmicês todos
                                                                               Os senhores que aqui tão,
                                                                                     Olhe lá, escute bem
                                                                                     O que diz o Fabião.
                                                                                   Vou contá o sucedido
                                                                                     De uma apartação.
                                                                                                     (...)
                                                                                   Teve homes ilustrado,
                                                                                     Doutores e capitão,
                                                                                   Onde tava seu vigaro

18
   . Também conhecida por medidas velhas, a redondilha menor é a composição poética que apresenta cinco
sílabas poéticas em cada verso, e a redondilha maior é a que apresenta sete sílabas poéticas em cada verso.
19
   . José Fernandes Bezerra, op. cit., pp. 22 – 23.

                                                                                                      23
Junto com o sacristão.
                                                                                   Porém nenhum deles fez
                                                                                     O que fez o Fábião20.

            O poema “Romance do Boi Mão de Pau” é a epopéia do Ciclo da Pecuária

Nordestina. O poema contém quarenta e oito sextilhas, todas em redondilha maior. Nele,

Fabião personifica o Boi Mão de Pau, que é o valentão, o rei das vaquejadas, derrubador dos

vaqueiros derrubadores. Fala, ainda dos tempos de apartação e de muitos outros aspectos da

pecuária. Leia a primeira e a última sextilhas desse poema:



                                                                                       Vou puxá pelo juízo
                                                                                  Pra se sabê quem eu sou
                                                                                   Mode se sabe dum caso
                                                                                     Ta quá ele se passou,
                                                                                  Que é o boi liso-vermeio,
                                                                                   O Mão de Pau corredô.

                                                                                                       (...)
                                                                                  Já morreu, já se acabou,
                                                                                   Está fechada a questão.
                                                                                 Foi-se embora dessa terra
                                                                                       O dito boi valentão.
                                                                                 Pra corrê só Mão de Pau,
                                                                                     Pra verso só Fabião21.

            De acordo com José Fernandes Bezerra:

                                 As suas cantorias sempre repetiam o seu ‘Redondo, Sinhá’, que era uma
                                 espécie de coro. Em determinados versos, também servia de prefixo. Dizem
                                 que era quase analfabeto. Gostava de ditar para alguém escrever versos ou
                                 quadrinhas de sua autoria.Extraviou-se em noventa por cento a sua
                                 produção É lamentável, mas infelizmente o folclore do Rio Grande do Norte
                                 muito perdeu da literatura de cordel do famoso poeta dos vaqueiros.22

            Para alguns estudiosos, só se pode falar em literatura quando há um texto escrito. Para

outros, existe ainda a chamada literatura oral, aquela que persiste pela transmissão oral, não

escrita. Os cantadores de viola se incluiriam nesta categoria. A literatura de cordel é uma

manifestação que emprega os dois registros: o oral e o escrito. A figura dos violeiros que

20
     . José Fernandes Bezerra, op. cit., p. 22.
21
     . Ibidem, Idem, p. 23.


22
     . José Fernandes Bezerra, op. cit., p. 24.

                                                                                                        24
cantam os versos, por exemplo, é indissociável dos livretos que trazem o texto recitado por

eles23.

          Era comum a literatura de cordel ser classificada como sendo de pouco ou nenhum

valor. Hoje em dia, o cordel passou a ser estudado como fonte não apenas literária, mas,

sobretudo, histórica.

          Do final do século XIX às duas décadas do século seguinte, Fabião era unanimidade

na nossa região. Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Nísia Floresta, Auta de Souza,

Segundo Wanderley ainda escreviam, no plano estadual, à Castro Alves, Tobias Barreto e,

muito incipientemente, à Bilac e Machado de Assis. Euclides da Cunha e Lima Barreto, ao

que parece, não tinham desembarcado o seu Pré-Modernismo em terras potiguares. Mário,

Oswald e suas revoluções de 1922 não se faziam presentes nas produções dos nossos famosos

provincianos.

           Os versos de Fabião não se enquadravam nas tradicionais funções literárias, quais

sejam a da arte pela arte, a da literatura como mecanismo de evasão, a da literatura como

forma de conhecimento do mundo e do homem, a da literatura como catarse; seus versos não

acompanhavam os modelos, as técnicas e as temáticas então vigentes em sua época; a sua arte

não se figuraria em uma literatura cujo fazer poético fosse utilizado como instrumento de

denúncias das injustiças sociais. Como vimos, Fabião não usou suas obras para tal finalidade.

          Fabião era homem simples, negro, escravo alforriado, totalmente desprovido de

ideologia política. Não se podia cobrar questionamentos sociais em suas obras.

          Na verdade, suas canções líricas eram a expressão de seus mais sinceros sentimentos.

          Fabião, com suas cantigas líricas, registrou a cultura local, divertiu as camadas

populares e brindou os palácios do poder. O Trovadorismo português, com uma nova

roupagem, marca presença em terras nordestinas.

23
 . Para maiores informações acerca da literatura de cordel veja: Marinalva Vilar de Lima, Narradores do Padre
Cícero: do auditório à bancada, Fortaleza-Ce: edições UFC, 2000. Há nesta obra muitas referências aos
pesquisadores que se dedicaram ao estudo da Literatura de cordel brasileira e portuguesa.

                                                                                                         25
26
CAPÍTULO II

          DÉCADA DE 30: DOMÍNIO OLIGÁRQUICO VERSUS REFORMISMO IGUAL

                              A LITERATURA DE EXALTAÇÃO



          No plano nacional, a Revolução de 30, o Estado Novo, o Levante Integralista, a

Intetona Comunista, a questão trabalhista, a revolução constitucionalista de 1932 em São

Paulo, a Constituição de 34, a ditadura do Estado Novo, são aspectos relevantes no contexto

histórico da nação a que a literatura local não destinou um único verso.

          E, em terras potiguares, aspectos históricos importantes como o cangaço, as secas, a

Intetona Comunista, a violência da campanha eleitoral, que colocou Rafael Fernandes no

Palácio Potengi, poderiam ter se transformado em temas interessantes, não só para o registro

da história, como para o prazer estético do leitor.

          Nem mesmo os acontecimentos mais relevantes da cidade nessa época, tais como o

surgimento dos partidos políticos e a eleição do primeiro prefeito de Santa Cruz, Cel.

Ezequiel Mergelino de Souza; a destituição desse prefeito eleito após dez meses de mandato;

a nomeação do interventor Cleto Antunes de Lima, indicado pelo Movimento Revolucionário

Militar; a inauguração do mercado público municipal; a instalação da primeira linha

telefônica – Santa Cruz – São Tomé; a inauguração do Grupo Escolar Quintino Bocaiúva; os

lançamentos dos jornais O Trairy, O Ideal e O Infantil, que fizeram         Santa Cruz viver

intensamente suas agitações políticas e sociais, foram merecedores da atenção dos poetas

locais.

          De acordo com as nossas pesquisas no campo da literatura local, é provável que os

poetas santacruzenses não tenham nem tomado conhecimento da realização da Semana de

Arte Moderna. Não encontramos registro literário algum que fizesse menção a esse evento,

responsável pela introdução do Modernismo brasileiro.


                                                                                          27
Aliás, o Modernismo da Primeira Fase pretendia colocar a cultura brasileira a par das

correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo em que pregava a tomada

de consciência da realidade brasileira. As muitas polêmicas, os muitos manifestos, os versos

postos em liberdade, todos os temas, da réstia de cebola, à paixão exarcebada, foram tidos

como poéticos; enfim, a Primeira Fase do Modernismo brasileiro, a Fase Heróica, de 1922 a

1930, projetou no cenário nacional poetas e escritores corajosos e sedentos por mudanças,

tanto na estrutura formal de suas obras quanto nas suas temáticas. Essas idéias, com certeza,

não tinham chegado ainda em Santa Cruz.

        No plano estadual, o poeta Jorge Fernandes 24 chama a atenção para as inovações

modernistas. A década de 30 marca o início de um novo gênero literário no Brasil, o conto.

        A literatura de Santa Cruz continua vivendo sua “belle époque”, não repercutindo as

inovações propostas pelos artistas da Semana de Arte Moderna. Poetas como Cosme Ferreira

Marques, Luís Patriota e José Abdias continuavam presos àquela arte burguesa de exaltação

às famílias tradicionais, à religiosidade, ao nacionalismo citadino, características marcantes da

literatura romântica do século XIX, sem, portanto, assumirem qualquer compromisso com as

questões sociais.

        A literatura local, surpreendentemente, não quis repercutir as temáticas político-sociais

que, diga-se de passagem, são riquíssimas, principalmente a da Intetona Comunista, que teve

seu desfecho na Região do Trairi, na Serra do Doutor, a menos de 30 quilômetros de Santa

Cruz. Os artistas desta arte optaram pelo caminho do não rompimento com o passado e

presente de glórias, em suas obras; optaram pela ausência de registros de fatos relevantes do

ponto de vista histórico; preferiram não fazer de suas obras veículos de denúncia daquela

realidade. Os poetas continuaram utilizando-se das técnicas tradicionais para transmitir a sua

arte.

24
  . Poeta potiguar que se preocupou em divulgar as inovações que o Modernismo apregoara. Para obter maiores
informações sobre a literatura potiguar, podemos consultar Tarcísio Gurgel Informação da Literatura Potiguar,
Natal –RN: Ed. Argos, 2001.

                                                                                                        28
O novo sempre assusta aqueles que estão no poder, e é claro que os artistas nacionais

viviam o patrulhamento político, em função do novo que se propunha e de suas posturas

ideológicas. As agitações literárias com suas intensas polêmicas temáticas e formais eram

uma rotina na década de 30. O professor Antônio Cândido, eminente crítico literário,

testemunha num artigo publicado no livro Recortes:

                          Em 30 nós vivemos o problema do realismo, ou neo-realismo, socialista ou
                          não, bem como a incorporação daquilo que as vanguardas do decênio
                          anterior tinham proposto como inovação. Vivemos um grande surto do
                          romance, ligado aos pontos de vista opostos na moda pela sociologia e a
                          antropologia, como um triunfo do social contraposto às tendências
                          espiritualistas e religiosas. Houve dilaceramentos e disputas, com a
                          formação de um antipólo metafísico e as mais rasgadas polêmicas que
                          marcaram todos nós. Quando comecei a fazer crítica literária, pouco
                          depois de 1940 (auge do Estado Novo, da censura e do arrocho), senti que
                          uma das tarefas era oferecer blindagem ideológica para os romancistas
                          mais significativos do decênio de 30, coisa que hoje há de parecer
                          incompreensível, pois eles se tornaram incorporados aos hábitos de leitura
                          como coisa óbvia.25


        A literatura local continuava, entretanto, totalmente desvinculada da literatura

nacional. Os nossos poetas optaram em não polemizar com quem quer que fosse, tendências

literárias, poetas emergentes, tampouco com políticos, fazendeiros, coronéis etc.;

continuaram priorizando o gênero lírico e suas formas tradicionais; não refletiram sequer o

momento histórico do final do século XIX, o evolucionismo, o positivismo, o materialismo, o

determinismo; enfim, não repercutiram o não-eu, o cientificismo do Realismo nem as

inovações propostas pela Semana de Arte Moderna.

        Não foram encontrados nos jornais caseiros dessa época quaisquer indícios das

inovações ocorridas na literatura do eixo Rio-São Paulo. Os redatores desses veículos de

comunicação, muitas vezes, eram os próprios poetas.




2. 1. OS JORNAIS LOCAIS E SEUS DISCURSOS
25
  . Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 6ª Ed. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia Ltda., 1981, p. 348.

                                                                                                     29
O jornal Infantil, de circulação efêmera, apenas seis números quinzenais, publica, no

dia 15 de fevereiro de 1931, uma poesia, de autoria desconhecida, que valoriza uma conquista

dos jovens rapazes que formavam a equipe de futebol Trairi Clube: a posse de um terreno

baldio, outrora um cemitério, para a prática do futebol. A prática desse esporte naquele

terreno – hoje lá estão o Bradesco, a Telemar, a Caixa Econômica e o Banco do Nordeste - foi

motivo de muito bate-boca com a igreja - que não admitia, em hipótese nenhuma, um

“desrespeito” daqueles – e com as autoridades municipais, que sempre comungavam com a

igreja. Os rapazes, valendo-se da tese segundo a qual a prática do esporte é salutar à vida,

ganharam a causa e o pequeno jornal fez-lhes a homenagem:



                                                                             Parabéns oh mocidade
                                                                                 nós enviamos daqui
                                                                              aos rapazes valorosos
                                                                                     do altivo Trairi
                                                                            que sem desfalecimento
                                                                           num constante trabalhar
                                                                               fizeram do Cemitério
                                                                           Santa Cruz ressuscitar26.

            Neste fragmento do poema, observamos que o mesmo não leva a assinatura de seu

autor. Acreditamos que fosse uma forma de não se expor, para não se indispor com o clero e

as elites dominantes daquela época.

            O jornal O Ideal, jornal dos namorados, ajudou a registrar a História de Santa Cruz na

década de 30. Seu primeiro número circulou em 1931, manuscrito, conforme declarado em

sua edição de 31 de dezembro de 1938, feito em comemoração ao oitavo ano de sua fundação.

O poeta Cosme Ferreira Marques (Jeca Tábua) era o diretor, o senhor José Bezerra, o gerente.

Zé Galvão, Pedro de Tico, e alguns outros ajudaram a fazer esse veículo que tratava de

cinema, poesia, aniversários, fofocas, falecimentos, etc.


26
     . Monsenhor Severino Bezerra, op. cit., P. 33.

                                                                                                30
Outro jornal que ajudou a divulgar, não só a poesia de Santa Cruz, mas, sobretudo, o

passado de glórias da cidade, foi O Trahiri. Esse jornal circulou durante todo o ano de 1932 e

era tido como um Órgão da Sociedade Educacional Santacruzense. O seu diretor era o poeta

Luís Patriota; Horácio F. da Rocha, seu gerente. Composto e impresso em tipografia própria

mantinha redação e oficinas à Rua Dr. Pedro Velho. Cobrava por assinatura anual 10$000,

semestral 6$000, número avulso $200 e atrasado $400. Assuntos como Santa Cruz e a

construção do açude Inharé, Ferreira Itajubá27, a seca de 32 (numa perspectiva natural, nunca

político-social), futebol, júri, concursos de beleza; Euclides Rodrigues de Carvalho, poesia,

cinema, além de fazer uma verdadeira apologia a administração do então prefeito Miguel

Rocha e ao seu sobrinho, o secretário Miguel Rocha Sobrinho.

        Não encontramos, nesses jornais, visões críticas da sociedade. É como se em Santa

Cruz tudo fossem flores.



2.2. ABDIAS E A PRIMEIRA ANTOLOGIA DE SANTA CRUZ



        Rimário de Poetas Brasileiros, antologia de poetas nacionais, regionais e locais,

publicada em 1938, pela Tipografia “O Trairi”, compilado pelo poeta Abdias Gomes de

Almeida Bezerra, é, de acordo com a nossa pesquisa, o primeiro livro a divulgar as obras

literárias dos poetas de Santa Cruz.

        Abdias nasceu no dia oito de novembro de 1884 na cidade de Araruna-PB e faleceu

em Santa Cruz no ano de 1942. Estabeleceu-se em Santa Cruz ainda bastante jovem. Era um

pequeno comerciante apaixonado pela literatura. Grande parte de suas pequenas economias

eram destinadas à aquisição de manuais de literatura. Conseguiu, junto ao seu amigo Luís

27
 . Nascido em Natal em 1876, Ferreira Itajubá era de família extremamente pobre, e assim viveu. Ingênuo e puro
viveu contemplando as belezas naturais de sua terra, ao estilo árcade. Morreu na miséria em 1912. Podemos
encontrar mais elementos em Constância Lima Duarte & Diva Cunha Pereira de Macedo, Literatura do Rio
Grande do Norte: antologia, Natal-RN: Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto,
2001. p.121.

                                                                                                         31
Patriota – diretor da Tipografia, um bom desconto para publicar o livro Rimário de Poetas

Brasileiros.

        Essa antologia é composta por 113 poemas das mais variadas formas. 47 poetas

participam dessa antologia: José de Lorena, Pereira da Silva, Palmira Wanderley, Perillo de

Oliveira, Olegário Mariano, Luís Patriota, Auta de Souza, Segundo Wanderley, Casemiro de

Abreu, Castro Alves, Otoniel de Menezes, Múcio Teixeira, Herotides de Campos, Luís

Peixoto, Joaquim Lima, F. das Chagas Batista, Carlos Cermiciary, Valquíria Leite Dutra,

Joaquim Guilherme, Catulo Cearense, Mendes Martins, Augusto dos Anjos, Da Costa e Silva,

Carolina Vanderley, Gotardo Neto, Abdias A. Bezerra, Pe. Pedro Paulino, Maria Carolina,

Olavo Bilac, Cerquinho Nunes, Damasceno Vieira, Ponciano Barbosa, Pinto Coelho, Péricles

Maciel, Luís Pistarine, Pe. Antônio Tomaz, Júlio Salusse, Aníbal Teófilo, Jorge de Lima,

Venceslau de Queiroz, Ferreira Itajubá, Carlos Dias Fernandes, Zeferino Brasil, Guimarães

Júnior, H. Castriciano, Genar Vanderley e Afonso Celso. Esse livro, como bem disse Abdias

no prefácio:


                            ...teve por objetivo coligir rimas esparsas muitas delas prestes a
                            desaparecer, por entre a poeira dos tempos.
                            No número destes compreende-se essa falange de moços de então,
                            contemporâneos nas eras de 1900, filhos e admiradores da primorosa terra
                            de Pereira da Silva e Perillo de Oliveira. Quando estes tangiam as suas
                            lyras aedas e conosco cantavam as musas de nossa esplêndida mocidade28.

        São recorrentes nas obras de Abdias as temáticas do medo, do amor, da saudade,

especialmente a da terra natal. A lembrança da infância querida observada no poema Dia dos

Meus Anos assemelha-se às inquietações líricas de Casimiro de Abreu29:



                                                                Oito de Novembro. Ano de oitenta e quatro,
                                                                     Nasci. Quanta ledice no solar paterno.

28
   . Abdias Gomes de Almeida Bezerra, Rimário de Poetas Brasileiros, Santa Cruz – RN: Tipografia “O Trairi”,
1938. pp. 45-46.
29
   . Poeta do Romantismo brasileiro da 2ª geração. Cantou o saudosismo em todas as situações: o saudosismo
nacionalista e a saudade nostálgica da infância pura, acrescida da fixação sentimental na mãe e na irmã. José de
Nicola, op. cit., p. 144.

                                                                                                           32
Do planalto de Araruna, meu berço terno.
                                                                 Iluminado pelos fulgores do primeiro astro.

                                                               Nasci, certamente naquele dia, naquela hora,
                                                                     A natureza era queda, maviosa e lenta.
                                                                 Por isso que, minh’alma melhor se alenta.
                                                                         No silêncio onde a saudade mora...

                                                           Da mamãe! Quem saudades não tem! Ora essa!...
                                                                        Do primeiro beijo que inda ouço.
                                                                      Transportado nas asas da oressa!...

                                                             Carícias de outros seres a lembrança me acode,
                                                                 Belos refletores, de minhas ilusões de moço
                                            Dessas ilusões, que o tempo suplantar não pode30!

            Nessa antologia, além de Abdias, destacam-se poetas como Joaquim Lima, que faz

lembrar em seu poema Adeus, Santa Cruz, o saudosismo, o locus amoenos, características

árcades segundo as quais a natureza é vista como um lugar ameno, aprazível, onde o homem

poderia encontrar equilíbrio e paz:


                                                           Adeus, Santa Cruz, que eu de ti vou me ausentar.
                                                                  Cheio de recordações ternas lembranças,
                                                                    Quando um dia a teu céu eu regressar,
                                                                 Quero ver-te cheia de luz e de esperanças.

                                                                    Auras balsâmicas de manhãs fagueiras,
                                                                      Tardes amenas de candidez e doçura,
                                                                     Estrelas mil que no firmamento adejas,
                                                                          Lua brilhante que no azul fulgura.
                                                                    Flores campestres de esplendor infindo,
                                                                     Árvores sombrias de um Sertão antigo,
                                                                      De tudo enfim que nesta terra é lindo,
                                                                      Saudades sôfregas levo-as eu comigo.

                                                                        Adeus, solo ubérrimo de esperança,
                                                                         Torrão querido de minha alegria,


                                                                        Adeus parentes, amigos da infância,
                                                                           Adeus, Santa Cruz,até um dia31...

2.3 LUÍS PATRIOTA, O “POETA DAS JANGADAS”.




30
     . Abdias Gomes de Almeida Bezerra, op. cit., p. 47.
31
     . Ibidem, Idem. p. 48.

                                                                                                        33
Destacou-se também na antologia Rimário de Poetas Brasileiros o poeta Luís Patriota,

natural de Touros, nascido em 25 de novembro de 1899 e falecido em 21 de dezembro de

1978. Ele foi colaborador do jornal A República, de Natal, fundou o jornal O Trairi, em 1932,

em Santa Cruz. Luís Patriota pertenceu à Academia Norte-riograndense de Trovas e à

Academia Potiguar de Letras. É conhecido como “poeta das jangadas”, por ter escrito muitos

poemas inspirados nesse tema. Foi jornalista, juiz de paz, escrivão, advogado, promotor,

professor e secretário da Junta Comercial do Estado. Em Santa Cruz, onde morou por muitos

anos, trabalhou como Guarda-Livros (contador)32 dos Ferreira de Souza. Foi diretor da

tipografia “O Trairi”, trabalhou também como professor, continuou fazendo o que mais

gostava: escrever . Era poeta e escritor culto, exigente, adepto da poesia clássica, com ritmo,

rimas e métrica impecáveis ou de poesias sem tais exigências formais, como O Meu S. João,

em que o sentimentalismo, a religiosidade e a subjetividade de seu eu-lírico denunciam todo o

Romantismo romântico de seus versos:


                                                                  Oh! Como eu te amo, meu bom São João!
                                                                           Noite de encantos e de prazer!
                                                                               Pela mais doce recordação
                                                                         Com que me envolves o coração,
                                                                         Da melhor quadra do meu viver.

                                                                        Revejo agora com os olhos d’alma
                                                                              Entre coqueiros a farfalhar,
                                                                        A pobre vila, que é a minha palma,
                                                                        Meu céu de affecto, onde se acalma
                                                                        Toda a amargura do meu sonhar...

                                                                              E que revoadas de tradições,
                                                                              De coisas lindas e primitivas,
                                                                               Ao doce embalo das ilusões,
                                                                             No céu das minhas evocações,
                                                                       Deslumbradoras, radiantes,vivas!...33

        Luís Patriota, em Carta Aberta, fez a seguinte declaração sobre o livro Rimário de

Poetas Brasileiros, do compilador Abdias Almeida:

32
   . Guarda-Livros é atualmente o profissional que trabalha em escritório de contabilidade. Toda a contabilidade
da tradicional e oligárquica família Ferreira de Souza fora entregue aos cuidados de Luiz Patriota.
33
   . Abdias Gomes de Almeida Bezerra, op. cit., p. 49.

                                                                                                           34
Falar do Rimário de Poetas Brasileiros é mister, antes de qualquer outra
                            coisa, volver os olhos d’alma aos longes esmaecidos de um passado, que
                            tanto nos pode ter sido feliz como desditoso. Pouco importa...
                            Todos nós, venturosos ou não, temos sempre um passado a recordar!
                            E eu, que vivo do passado, sinto que a minha felicidade consiste unicamente
                            em revivê-lo, nos meus momentos de meditação e de tristeza!..34
        O passado, portanto, não o seu presente, nem o seu futuro, é, segundo Patriota, a

inspiração da sua obra. Patriota publicou as seguintes obras: Livro d’alma35 e Poemas das

jangadas36.

        A literatura de Santa Cruz, da década de 30, manteve-se isolada do resto do país, não

foi contaminada pelo espírito demolidor dos valores tradicionais que traziam os artistas da

primeira fase do Modernismo brasileiro, a fase heróica; não se manifestou à Pau-Brasil e nem

à Verde-Amarelismo e tampouco “Antropofagiou” como fizeram seus irmãos famosos da

região sudeste do Brasil.

        As narrativas em prosa, que conheceram um notável desenvolvimento desde o final do

século XVIII, inexplicavelmente ainda não se faziam presentes na literatura de Santa Cruz.

Escritores como José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis, Euclides

da Cunha, Lima Barreto, etc., compunham a biblioteca de Luís Patriota, Cosme Marques e

tantos outros intelectuais da literatura local. Entretanto, estes não se deixaram influenciar por

aqueles, e Santa Cruz não teve o privilégio de ler em prosa a sua cultura, os seus costumes, a

sua gente, a sua história.

        A literatura desse período, portanto, optou por dar ênfase a seus heróis, seus coronéis,

exaltar seu passado histórico, deu ênfase à religiosidade e às datas natalícias de seu povo;

supervalorizou as emoções pessoais; optou por não cantar as questões sociais, tais como o

cangaço, o messianismo, a seca, os acordos espúrios na política; não repercutiu o domínio

oligárquico nem o reformismo dessa época. Enfim, a literatura santacruzense da década de 30

manteve-se fiel ao conceito, até então, praticado pelos seus poetas, principalmente Luís
34
   . Jornal O Trairi. Seção Literatura. Santa Cruz-RN. 1938.
35
   . Luís Patriota, Livro d’alma, Recife: Imprensa Industrial, 1922. (Poesias).
36
   . Luís Patriota, Poemas das jangadas, Santa Cruz – RN: Tipografia O Trairi, 1933.

                                                                                                   35
Patriota, segundo o qual ela deve ser a expressão e a realização do belo literário, da meditação

e da tristeza, da recordação de um passado feliz, sem comprometimentos extras.




                                      CAPÍTULO III

                     DÉCADA DE 40: A ESTÉTICA DA GRATIDÃO




                                                                                            36
É na década de 40, mais precisamente em 1942, que o Brasil entra na segunda grande

guerra. O Rio Grande do Norte vivia intensamente o desenrolar do conflito. Parnamirim e

Natal recebiam um grande contingente militar norte-americano37.

        O Estado Novo de Getúlio Vargas precisava legitimar-se perante a opinião pública.

Com essa finalidade, foi criado em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) o

qual se encarregou de fiscalizar todas as atividades culturais e jornalísticas. O programa

radiofônico A Voz do Brasil não se cansava de endeusar o presidente Vargas38.

        Santa Cruz dava boas-vindas ao IBGE, ao Instituto Cônego Monte, aos primeiros

protestantes e à sede dos escoteiros39.

        Na literatura nacional, destacavam-se as gerações de 30 e de 45, a poesia Pós-

Modernista e a prosa regionalista. Os poetas das Gerações de 30 e de 45, Carlos Drummond

de Andrade, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Cecília Meireles e João

Cabral de Melo Neto, assim como os prosadores Graciliano Ramos, José Lins do Rego,

Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo e Jorge Amado não eram famosos na terra de Santa Rita

de Cássia.

        Não encontramos, dessa década em Santa Cruz, nenhum indício das inovações

temáticas e lingüísticas introduzidas pelos artistas nacionais que viveram o período, como por

exemplo a tentativa de disciplinar a linguagem literária, tão desregrada pelo liberalismo

exagerado dos modernistas de 22.

        O fato é que, pela terceira vez no século XX, as letras brasileiras apresentaram novo

ciclo de renovação, tanto na poesia quanto na prosa. O elemento norteador dessa fase foi,




37
   . Para mais informações ver: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Anotações sobre a história do Rio Grande do
Norte, Natal – RN: Editora Clima. 1998.
38
   . Mais informações sobre esse assunto o leitor pode encontrar em Florival Cáceres, História do Brasil, São
Paulo – SP: Editora Moderna, 1995, pp. 290 – 91 -92.
39
   . Mais elementos ver: Hermano Amorim, Santa Cruz nos caminhos do desenvolvimento, Natal – RN: Editora
Santa Maria. 1998.

                                                                                                        37
sobretudo, as novas pesquisas formais, expressas no estilo personalístico de autores

estreantes, cada um deles com seus aspectos próprios40.

        No plano estadual, a literatura se ressentia, pelo menos no campo editorial no período

entre o final dos anos 20 à segunda metade de 40, de uma atividade literária mais consistente.

A Temporada Literária, ocorrida na década de 30, foi uma tentativa de movimentar a

literatura local41.

        Não encontramos nas obras literárias de Santa Cruz, nem tampouco nos jornais

caseiros da década de 40, os famosos embates entre os Modernistas e os Neomodernistas,

protagonizados por críticos literários como Sérgio Millet, Tristão de Ataíde, Périplo Eugênio

da Silva, entre outros42.

        Relevantes ou irrelevantes, dos muitos acontecimentos sociais, políticos, econômicos e

literários, o fato é que os poetas de Santa Cruz, da década de 40, tais como Cosme Marques,

Abdias Gomes e Luiz Patriota, continuaram cantando temas de exaltação de famílias

tradicionais, o fazer poético e a saudade de seus passados, se utilizando das mesmas técnicas

de outrora.

        Um tema que poderia ter sido bem aproveitado pelos nossos artistas da palavra é um

dos problemas que mais diretamente aflige o homem simples da nossa região, a seca. Raras

foram as vezes em que os poetas locais abordaram esse tema. Marques, ao enfocá-lo,

descreve-o como um problema natural, isto é, não vincula a seca aos interesses dos coronéis

da região que a tomaram como argumento poderoso para aquisição de vultosas verbas

federais, cargos, benefícios em suas propriedades, prestígio e perpetuação no jogo do poder.

        A não abordagem desse tema pelos poetas locais, passa-nos a impressão de que eles

entendiam que a seca não era um problema político. As autoridades, as elites que estavam no

40
   . O leitor pode acrescentar mais informações sobre essas renovações literárias propostas pelos modernistas
desse período em Faraco & Moura Língua e Literatura, São Paulo – SP: Editora Ática. 1998. pp. 499 -500.
41
   . Caso o leitor tenha interesse em aprofundar os conhecimentos sobre esse assunto, deve consultar Tarcísio
Gurgel, op. cit., p. 75.
42
   . Maiores elementos em Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., pp. 480 – 81.

                                                                                                        38
poder, não tinham culpa da miséria do povo, dos flagelos causados pela seca. O problema era

de ordem geográfica e meteorológica. Pelo contrário, as autoridades, as elites que estavam no

poder, eram generosas com os flagelados, na medida em que chegavam com “soluções”

emergenciais.

            Na década de 40, destacou-se o livro Canastra véia, citado anteriormente, do poeta,

professor, agente municipal de estatística, Cosme Ferreira Marques, publicado em 1946, pela

Tipografia Galhardo, de Natal.

            Cosme Ferreira Marques (1908 – 1959) nascera em Bananeiras-PB, mas viera para

Santa Cruz com cinco anos de idade. Adotou Santa Cruz como sua terra querida, e Santa Cruz

o adotou como seu poeta maior, em sua época. Seu Cocó, como era carinhosamente

conhecido, usava o pseudônimo de Jeca Tábua, quando escrevia versos matutos ou de pés-

quebrados. Ele nos dá, como bem disse Luís da Câmara Cascudo, no prefácio do livro

Canastra Véia,


                               ...uma lição de perseverança e de fidelidade letrada. Tudo que o podia
                               desanimar e vencer não o desanimou nem o venceu. Passou epidemia,
                               tempestade, crise, desalento, como um avião atravessa nuvem ou,
                               lembrando um verso de Ferreira Itajubá : - um gume cortando polpas de
                               maçãs maduras.
                               Quando muita gente desanimou e virou homem prático, acabando rico e
                               dispéptico, Jeca Tabua continuou poeta, poeta ,poeta43.

            O livro Canastra Véia está dividido em duas partes, a primeira é constituída de “pés -

quebrados” numa linguagem matuta, toda regional. A segunda, como escreveu o próprio autor

na apresentação, “... posso chamá-la de ‘Vibração d’Alma’. São cantos desferidos ao toque

de um sentimento, quer de afeição, de dedicação e de gratidão, a amigos, filhos e protetores”

[Grifos nosso]44.

            Como o próprio autor afirmou, suas composições poéticas são as mais puras

expressões sentimentais de gratidão e de amizade. Entretanto, pode-se perceber que o poeta,

43
     . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 6.
44
     . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p.12.

                                                                                                 39
sem qualquer intenção de analisá-los criticamente, menciona alguns aspectos da sociedade de

sua época, como por exemplo o coronelismo, fenômeno que se caracterizou pelo clientelismo,

pela troca de favores e pela obediência total e irrestrita ao coronel, presente no poema

“arritirantes”, o qual refere-se à seca, à miséria, à humilhação e à morte, muito presentes em

nossa região. Este poema, em hipótese alguma, deve ser lido com os olhos da crítica social, e

sim, com os da admiração e da gratidão pelo socorro certo do coronel. O problema do

sofrimento do homem comum, para o poeta, não é de ordem político-social, mas natural:


                                                                                Arritirantes...

                                                        Ao Coronel Ezequiel Mergelino de Souza

                                                                         Coroné num sadimire
                                                                           Du istadoqui mi vê,
                                                                     Venho di riba du quimquê,
                                                                                    Du sertúo:

                                                                       Mi arrepare meu patrão,
                                                                         A mizéra mi consome,
                                                                       Dois fio morreu de fome
                                                                                 Nus caminho;

                                                                       Aqui patrão, to sozinho,
                                                                      Morto di fome, cançado...
                                                                      A famia, ali nu quebrado
                                                                                     Mi ispéra,
                                                                        Cum fome, mardita era
                                                                         Qui trás a seca terrive
                                                                      É duro Patrão, é horrive,
                                                                                      Pra mim;

                                                                         Eu nunca mi vi assim,
                                                                           Nu istado qui mi vê,
                                                                         Vendu meus fio morrê
                                                                                    Nus braço,

                                                                 Foi pra mim cumo um pedaço,
                                                                           Tirado do coração,
                                                                           Mi secorra coroné,
                                                                     Uma ismola meu patrão.45




45
     . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 22.

                                                                                            40
Marques também dá uma demonstração de que é poeta culto, ao escrever, em 1946, o

soneto, Poesia, homenagem póstuma ao também poeta, seu amigo, do início do século, o

culto Clovis J. de Andrade, de quem, infelizmente, nada foi encontrado:


                                                           Rimas, abecedário cheio de harmonia,
                                                          Pensamentos de um cérebro portentoso,
                                                               Sentir em verso, a própria poesia
                                                               De um ser inteligente e ardoroso.

                                                                  Ser Poeta, é caminhar numa via
                                                               De um sonho tão lindo e majestoso,
                                                           É lançar ao mundo, um canto de magia
                                                                    O hino dum rimário glorioso.

                                                                Ser Poeta, é sentir a dor, a alegria
                                                                   É rimar numa suprema agonia,
                                                              Uma vida, um mundo, um Universo;
                                                   Ser Poeta, é amar, gozar, sofrer,
                                                                    Ser Poeta, é em sonhos reviver
                                                             Vida e alma na estrofe de um verso.46

            Foi a década de 40 uma extensão da de 30, com a sua poesia de exaltação e de

desvinculação total com os principais poetas e escritores do país.




                                       CAPÍTULO IV

                                      A GERAÇÃO DE 50




46
     . Ibidem, Idem, p. 32.

                                                                                                41
Os acontecimentos históricos até pareciam se oferecer à literatura como fonte de

inspiração. Foi assim, também, com a década de 50, pois muitos fatos relevantes aconteceram

nesse período: o governo Vargas, o populismo e o nacionalismo econômico, a criação da

Petrobrás, a crise institucional, a perda da Copa, o suicídio e a sucessão de Vargas, a

inauguração da TV, o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, são alguns exemplos que

podemos citar47.

        No Estado do Rio Grande do Norte, essas “fontes de inspiração” também se ofereciam

aos nossos poetas locais. Com o fim da Segunda Guerra, a redemocratização trouxe, no

campo político, um sopro de novidade: um mossoroense, Dix-Sept Rosado emergiu ao poder

estadual, com seu companheiro de chapa Sílvio Pedroza. Um acidente aéreo levou o

intelectual Pedroza ao poder, e uma de suas atitudes, contraditórias por demais, foi a de fechar

o jornal oficial A República, grande incentivador da cultura no Estado48.

        Ao nosso ver, não se pode, em hipótese alguma, exigir que a literatura narre os

acontecimentos históricos. Nesse sentido, ela tem uma maior liberdade, podendo construir

idéias, imagens, quadros que se afastem por completo do universo de experiências de uma

época. Portanto, ao tomarmos a literatura enquanto objeto de estudo, não podemos exigir que

ela estabeleça uma relação de total atrelamento com os fatos históricos, ainda que a mesma

possa vir a estabelecer um diálogo com os acontecimentos de sua época, ou mesmo, os tome

como fonte de inspiração.

        A nossa preocupação, desde o início deste estudo, era a de verificar se os poetas locais

emitiam algum sinal de evolução em seu discurso e em suas técnicas, e se essa evolução

literária se dava no mesmo ritmo da verificada no contexto histórico. Assim foi que, a questão

do uso dos acontecimentos históricos enquanto motivo condutor das obras, foi observada


47
   . Mais informações sobre esse assunto ver: Nelson Pillet, História do Brasil, 18ª ed., São Paulo – SP: Editora
Ática, 1996. pp. 264 -65 -66.
48
   . Mais informações ver: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Anotações sobre a história do Rio Grande do Norte,
2ª ed., Natal – RN: Editora Clima, 1998. pp. 33 – 34.

                                                                                                            42
enquanto preocupação secundária. Logicamente que isso não implica dizer que não

destinamos atenção para este aspecto, visto que no universo da produção literária nacional

isso já vinha acontecendo há bastante tempo.

         Sempre à procura de indícios que nos permitissem afirmar que a nossa literatura já

havia se sintonizado com a praticada nos grandes centros, fomos descobrindo que o material,

até então publicado, só tratava do desenvolvimento econômico e social da nossa cidade, tais

como a criação da Escola Normal Regional, do Hospital Maternidade Ana Bezerra, do

Ginásio Comercial, do Trairi Clube, a construção da ponte Centro-Paraíso, a fundação do

SESP. Algumas evoluções políticas, como a emancipação política de Lajes Pintadas, de São

Bento do Trairi e de Tangará, pertencentes ao município de Santa Cruz49.

         A literatura, no eixo Rio-São Paulo, acompanhava o ritmo das mudanças verificadas

nessa década no Brasil. A poesia dessa época foi muito rica em experimentalismos. Os irmãos

Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari propuseram a poesia concreta. Em 1954,

Ferreira Gular lança o livro A luta Corporal, com experiências poéticas que levam em conta o

espaço em branco do papel e as possibilidades de diagramação da palavra em poesia, unindo

significado e significante. Em 1956, houve a Exposição Nacional de Arte Concreta e se

destacaram Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gular e outros. É a

década em que o grande poeta Carlos Drummond de Andrade se dedica totalmente à arte

literária50.

         A literatura potiguar procurava sintonizar-se com a praticada nos grandes centros. De

certa forma, essa sintonia já se percebia, na medida em que surgiam estudiosos e críticos

literários, como o jornalista, poeta e crítico literário Antônio Pinto de Medeiros. Ele, em

muitos casos, utilizava-se de sua coluna provocativa “Santo Ofício”, no jornal O Poti, para

49
    Entrevistamos o senhor José Bezerra, historiador e contemporâneo dessa década, e dele ouvimos que os jornais
A centelha e O Pif-Paf “noticiavam com muito entusiasmo os avanços políticos, sociais e econômicos da nossa
cidade.”
50
   . Sobre os experimentalismos na poesia desse período, o leitor encontrará mais elementos em Clenir Bellezi de
Oliveira, op. cit., p. 558.

                                                                                                           43
condenar ao fogo da sua crítica implacável a mediocridade provinciana da produção literária

da época. Medeiros assinava essa coluna com o pseudônimo de Torquemada – terrível

inquisidor espanhol51.

            Não encontramos nenhum inquisidor literário na década de 50, em Santa Cruz. O que

descobrimos foi um grande número de jovens poetas. José Letácio Pereira, José Iválter

Ferreira, Gurgel, Valente, Dante Madri, Odete, Antônio Borges, Adonias Soares, Jorge

Quintiliano, Alexandre Ferreira Neto foram os poetas que mais se destacaram nesse período

em Santa Cruz.

            Esses jovens poetas e escritores, juntamente com os já consagrados veteranos

ajudaram a construir a história de Santa Cruz, sua poesia, sua música, sua arte nos parâmetros

até então utilizados.

            Os jornais A Centelha – de vida efêmera - e O Pif-Paf foram os canais para a

exposição de suas obras.

            O Pif-Paf era dedicado à Santa Rita de Cássia e circulou em maio de 1952 sob a

orientação das redatoras H2O, conforme sua própria indicação. Cleuse, apresentando o

jornalzinho, dizia que o mesmo era dirigido pela poetisa Margarida Meireles Bezerra e outras

auxiliares. Escreveram o jornal Cleuse S. Fiúza, C. S. F. e Carlos Antunes. As notícias

preferidas, além das já citadas anteriormente, eram as atividades da Igreja, as notas “bolindo”

com rapazes e moças de Santa Cruz. A seção literária servia apenas para divulgar os poemas.

Como foi dito antes, ainda não havia inquisidores literários em Santa Cruz. Com certeza, a

ausência de críticos contribuiu para a estagnação da literatura local.

            Ainda nessa década, a produção literária e musical ganhou um reforço: a chegada do

padre Émerson Deodato Fernandes de Negreiros, que se estabelecera nessa cidade de 12 de

julho de 1952 a 31 de janeiro de 1965. “Padre Emerso”, como era conhecido, tocava

acordeom, piano, órgão, lutava boxe, arrancava dente, receitava remédios e compunha
51
     . Mais elementos o leitor encontrará em Tarcísio Gurgel, op. cit., p.77.

                                                                                           44
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LITERATURA SANTACRUZENSE

  • 1. LITERATURA SANTACRUZENSE A atualização da forma e do discurso literários de Santa Cruz-RN a partir do surgimento do Núcleo de Ensino Superior do Trairi. Nailson Costa
  • 2. Quero dedicar este trabalho aos poetas e cronistas de ontem e de hoje, responsáveis pela construção da literatura de Santa Cruz. 2
  • 3. Agradeço a todos que, de uma forma ou de outra, me prestaram inestimável ajuda no preparo deste trabalho. A todos os poetas e cronistas que me permitiram fazer uso de suas obras. À Marinalva Vilar, minha professora e paciente orientadora. À URCA, que me fez tornar concreto um projeto há muito sonhado. Ao professor Reinaldo, do CEDAP, pelo estímulo constante na realização deste. À poetisa Tereza Lúcia, pelo empréstimo valoroso da obra Canastra Véia, único exemplar na cidade, de Cosme Ferreira Marques, escrito em 1946. À poetisa Rita Luna, pelo empréstimo da única obra existente na cidade, Rimário de Poetas Brasileiros, compilado pelo poeta Abdias Gomes, em 1938. A Marcos Cavalcanti, por ter me indicado as poetisas proprietárias dessas obras. Ao Professor Arimatéia Rodrigues, pela contribuição técnica. Aos entrevistados, pela atenção a mim dedicada. À minha família, pela força e admiração que me foram dispensadas E, principalmente, agradeço a Deus, pela inspiração. O Autor 3
  • 4. BIOGRAFIA DO AUTOR José Nailson de Medeiros Costa nasceu em Santa Cruz – RN no dia 11 de setembro de 1963. Filho de Luís Precioso da Costa e de Teresa de Medeiros Costa. É servidor público do RN. Formado em Letras e Ciências Contábeis pela UFRN. É Pós-Graduado em Identidade Regional – A Questão Nordeste (Departamento de História). Ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores em Santa Cruz e a APRN (Associação de Professores do RN, hoje o Sinte, local). Participou como 1º secretário da APRN e da LDS (Liga Desportiva Santacruzense). Foi Diretor de Esportes do mais atuante D.A. (Diretório Acadêmico do NEST). É membro da ASPE (Associação Santacruzense de Poetas e Escritores). Ajudou a fundar e a construir o IESC – Instituto Educacional de Santa Cruz, de onde foi professor de Língua Portuguesa por 10 anos. Publicou na década de 80 crônicas para o Diário de Natal/Poti, assim como nas décadas seguintes para os jornais Memorial Santacruzense, Parnamirim em Notícias e Voz de Natal. Publicou um livro de memórias, Futebol: Documento de uma Paixão; participou com poemas das seguintes antologias: Templos Tempos Diversos; Monsenhor Raimundo, presente de Deus; Antologia Literária II da SPVA/RN; Participou com uma crônica da antologia Ribeiro, um professor. Gosta dos amigos, ama a esposa, os pais, os filhos e o Espírito Santo. Amém. 4
  • 5. SUMÁRIO Prefácio................................................................................................................................07 Introdução............................................................................................................................09 I Parte: Um Presente do Passado......................................................................................... 18 Capítulo I – Da fundação à década de 20, literatura ao som de rabeca............................... 19 1.1. – Fabião das Queimadas – o poeta dos vaqueiros............................................. 20 Capítulo II – Década de 30: domínio oligárquico versus reformismo igual à literatura de exaltação................................................................................................... 27 2.1. – Os jornais locais e seus discursos................................................................... 30 2.2. – Abdias e a primeira antologia de Santa Cruz................................................. 31 2.3. – Luís Patriota, o poeta das jangadas.................................................................34 Capítulo III – Década de 40: a estética da gratidão.............................................................37 Capítulo IV – A geração de 50............................................................................................ 42 Capítulo V – Os novos românticos de 60............................................................................ 49 Capítulo VI – A literatura da década do medo.................................................................... 54 6.1. – Um poeta ultra-romântico............................................................................59 II Parte: Um Presente Para o Futuro....................................................................................62 Capítulo VII – Década de 80: atualizando a estética literária local.................................... 63 7.1. – Ribeiro: um cronista de transição.............................................................. 68 7.2. – Instantâneos Poéticos de Zedaluz e Otacílio............................................. 72 7.3. – Os grilos do NEST na poesia de Hugo Tavares........................................ 78 Capítulo VIII – Anos 90: perspectivas................................................................................ 80 8.1. – Tristes coincidências................................................................................ 81 8.2. – A poesia das adutoras............................................................................... 83 5
  • 6. 8.3. – Transpoesia do “Velho Chico”................................................................. 86 8.4. – Brasil 500 versos...................................................................................... 87 8.5. – Além das Viagens aos Templos e Túmulos em Versos, em Tempos Diversos no Trairi.....................................................................................88 8.6. – A poética nas poesias da vida.................................................................. 89 Considerações finais............................................................................................................ 96 Bibliografia..........................................................................................................................99 Entrevistas Utilizadas.......................................................................................................... 102 6
  • 7. PREFÁCIO Quando se fala de e sobre poesia rejuvenesce a alma criando um lastro de conveniência em respaldo à transformação do belo no lindo. E quando isto está vinculado ao resgate histórico-literário, enobrece a sabedoria lítero-social principalmente se concentrada e dimensionada na relação e na busca das conexões literárias nacional, estadual e local. A obra em foco está repleta dessa extensão. É um jogo de saber maior, privilégio dos aquinhoados da cultura do sentimento e da causa grande, engendradas na identificação meritória do conhecimento literário. Para dar solidez e fortaleza à cultura, eis que se apresenta à sociedade, oriunda de Santa Cruz, rincão potiguar, a obra salutar de José Nailson de Medeiros Costa configurando o poder do sentimento que cria espaços de despojamento para o vislumbre das obras dos grandes pensadores da literatura brasileira associada à local, numa inspiração lingüística e reverência justa àqueles que, somente, pelo gosto de fazer a arte do desvendamento do ser criador de poemas em estilos os mais diversos. Nailson soube mergulhar nas águas cristalinas do pensamento para descobrir e enaltecer os valores poéticos em momentos e circunstâncias históricas bem específicas. Soube, igualmente, nesta obra, analisar reminiscências, à luz de poder respeitoso à crença de essência da produção de cada momento em que se deu. A fidelidade e a valorização literárias emitem um eco de qualidade a tudo que foi motivo para arrancar de dentro de cada um a sabedoria poética em circunstâncias sociais e políticas bem realistas. Um retrato do ontem, do hoje e do amanhã da riqueza circunscrita na imaginação literária através dos dois últimos séculos, em Santa Cruz. É uma obra casta de arrogância e carregada de princípios altaneiros, de lealdade ao real e, sobretudo, ao resgate de cada época. Nailson não se contentou em registrar produções 7
  • 8. poéticas nem pareceres literários mediante informações obtidas, mas se deteve em cada descoberta e cunhou sua observância analítica na mais nobre e suntuosa visão lingüístico- literária, pois, foi se deleitando no verso de Fabião das Queimadas, Cosme e Márcio Marques que ele descobriu as pérolas poéticas que instigavam a literatura santacruzense e que perduram até nossos dias com tantos outros que resistem às intempéries de anticultura. Uma obra deste quilate coloca na poltrona da história as marcas de personagens da vida real do ontem e do hoje. Também, personifica a criação literária e eterniza a obra daqueles que souberam e sabem externar o seu sentimento no seu estilo poético-literário próprio. Por isso, convém admitir a grandeza cultural que está implícita e explicitamente registrada, resgatada, analisada e para apreciação de todos. A cultura, assim, é processada como vertente do testemunho literário que se confunde com a vida da própria municipalidade santacruzense, como diria o poeta Thiago de Mello em sua "Vida Verdadeira". "Aprendi o caminho me ensinou a caminhar cantando como convém a mim e aos que vão comigo. Pois, já não vou mais sozinho". Eis, portanto, o contributo à cultura dessa plaga trairiense, manifestada pela vontade e a audácia de José Nailson de Medeiros Costa de continuar a obra dos que se foram, mas deixaram sua história provida de tantos amores pela terra de Santa Rita de Cássia. Reinaldo Ricardo dos Santos 8
  • 9. INTRODUÇÃO Ó Santa Cruz Minha terra querida Tu és minha luz Tu és minha vida Ó terra amada Como eu te adoro Minha terra idolatrada Longe de ti choro1 Um dois Um dois e homens Transformam-se Máquinas2 O trabalhador rural... O trabalhador rural trabalha a vida inteira... O trabalhador rural trabalha a terra. O trabalhador rural planta feijão, milho, algodão, batata, corta cana, cuida do gado... O trabalhador rural é a terra. Mas o fazendeiro não quer mais o trabalhador rural na terra3 Os fragmentos dos poemas, acima citados, são exemplos de formas e de temáticas preferidas pelos artistas da palavra escrita em nossa cidade, em épocas diferentes. A poesia concreta, em Otacílio Barreto, é visualmente social. O poeta une em sua arte o avanço da tecnologia, a busca de novas formas de expressão que sejam condizentes com uma sociedade em que tudo passou a acontecer de maneira rápida e objetiva, à realidade social, à exploração do homem e sua transformação em máquina. O lirismo presente em Luiz de Almeida, o apelo ao sentimentalismo e a nostalgia são características típicas do Romantismo e se contrapõem, tanto na forma quanto no conteúdo, à poesia social e concreta de Otacílio, ou apenas social, de Hugo, em que a linguagem 1 . Poesia de Luiz de Almeida, citada na entrevista de Terezinha e Neuza, em outubro de 2000. 2 . Otacílio Barreto, “Máquinas”, in:_______. Instantâneos Poéticos, Santa Cruz-RN: datilografada, 1985, p. 12. 3 . Hugo Tavares, apostila avulsa, março de 2002. 9
  • 10. discursiva, o estilo simples e direto pretendem fazer da poesia uma arte mais comunicativa, ao alcance das camadas populares. A atualização da forma e do discurso literários de Santa Cruz, a partir do surgimento do Núcleo de Ensino Superior do Trairi, foi o centro de interesse desta pesquisa, relacionada ao campo da História Regional. Enfatizamos, especificamente, as produções literárias desenvolvidas no município de Santa Cruz-RN. Estabelecemos argumentos segundo os quais as técnicas dos recursos poéticos e as temáticas literárias desta cidade são vistas sob perspectivas antagônicas delimitadas em espaços temporais bem definidos. O trabalho está dividido em duas Partes: Um Presente do Passado, em que é feito um levantamento dos principais poetas, escritores e obras de Santa Cruz do início de sua fundação, em 1825, ao final da década de 70 do século seguinte, tendo por objetivo demonstrar que os poetas que viveram e fizeram a literatura dessa época não tiveram a preocupação de seguir as tendências inovadoras que se apresentaram na literatura brasileira, desde 1881, com o Realismo/Naturalismo, tais como a objetividade, o universalismo, o materialismo, a contenção emocional, o antropocentrismo etc, ou, mais radicalmente, com a Semana de Arte Moderna, em 1922; e Um Presente Para o Futuro, em que trabalhamos com a produção realizada no período que vai da década de oitenta aos primeiros anos do século XXI. Esta fase da produção literária de Santa Cruz, apresenta uma tendência contrária a que foi observada na fase anterior, neste sentido pontuamos a preocupação dos artistas da palavra em atualizar seu fazer poético, procurando manterem-se em sintonia com o que era praticado nos centros mais avançados. As novas formas literárias e as temáticas de engajamento social, que apresentavam um forte sentimento de denúncia das injustiças sofridas pelos mais humildes, começam a aproximar a literatura local com a que era praticada no eixo Rio-São Paulo. Dessa forma, podemos observar que os poetas santacruzenses passaram a refletir em suas obras o 10
  • 11. cientificismo do Realismo, a modernidade da arte do Modernismo, a expressão visual e concreta do Concretismo, a poesia-práxis, etc. A atualização do fazer literário de Santa Cruz deveu-se, em nosso entendimento, ao Núcleo de Ensino Superior do Trairi – NEST -, na medida em que ele propiciou o surgimento de calorosas agitações culturais, verificadas nas Semanas Universitárias e nos Jornaizinhos Universitários; promoveu o desenvolvimento de Trabalhos Acadêmicos, principalmente nos Cursos de Letras e de Pedagogia (muitas discussões teórico-literárias verificadas nas Rodas de Bate-Papos e nas Mesas de Bares foram fontes de inspiração poética), enfim, criou um Ambiente Cultural nunca antes visto na terra de Santa Rita de Cássia. Os seis capítulos que integralizam a Primeira Parte deste trabalho, bem como os dois da Segunda Parte são iniciados com uma sucinta contextualização histórica, nos planos nacional, estadual e municipal, de cada década, objetivando propiciar ao leitor uma comparação das inovações das formas e das temáticas da literatura desenvolvida no eixo Rio- São Paulo e, de certa forma, na capital do nosso Estado, com a literatura de Santa Cruz. Sem a pretensão de fazer análises literárias profundas, encontram-se também algumas biografias e obras dos poetas e cronistas mais significativos da nossa literatura, em suas respectivas épocas, para permitir ao leitor o acesso a elementos embasadores dos argumentos que arrolamos no trabalho. Críticos nacionalmente renomados como Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho, Umberto Peregrino somam-se a Tarcísio Gurgel, Diva Cunha, Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Professores da UFRN, para fundamentar teoricamente os argumentos aqui propostos. O leitor observará que a Primeira Parte, Um Presente do Passado, reflete bem a poesia trovadoresca, o lirismo clássico, neoclássico e romântico, as temáticas românticas, tais como a vida simples no campo, a ascensão social em função de dotes artísticos, as vaquejadas, as 11
  • 12. disputas (pelejas) de cantadores (muito presentes na poesia popular de Fabião das Queimadas); a religiosidade, o saudosismo, a exaltação às festas juninas, bem como às festas da padroeira Santa Rita de Cássia (nos versos clássicos de Luís Patriota ou de Abdias Almeida); a valorização de famílias tradicionais e seus coronéis e o fazer poético (verificáveis em Cosme Marques). Observa-se ainda, no crepúsculo da década de 70, nos versos de Joaquim de Lima, Padre Émerson, Fabiano de Cristo, Franklin de Souza, Maria Celestina, Tereza Lúcia e outros, constantes apelos lírico-ufânicos que serão predominantes na formação da poesia dessa época e, portanto, de significação positiva, quando analisada à luz da busca de uma identidade para a sua terra, bem como para o registro de um passado literário romântico, bucólico e em harmonia com a natureza e a população local. A Segunda Parte, Um Presente para o Futuro, é destinada à constatação do surgimento de uma literatura moderna - em sintonia com a já praticada nos centros avançados-, de crítica social e de engajamento ideológico. São obras que abrangem o universo municipal, estadual e nacional a partir da década de 80, mais precisamente a partir de 1982. Para alguns poetas e cronistas dessa nova fase, a literatura não deve existir apenas para o prazer poético, a arte pela arte, a catarse, nem apenas ser um mecanismo de evasão ou de conhecimento do homem e do mundo; a literatura deve ser, também, um instrumento de luta a serviço de uma causa social, um elemento imprescindível para a transformação do meio social em que vivem. As perspectivas da volta à democracia e, principalmente, o surgimento do Núcleo de Ensino Superior do Trairi – NEST –, extensão do Campus Avançado da Universidade Federal do Rio Grande Norte, foram fatores determinantes às novas posturas técnico-temáticas modernas dos poetas e cronistas de Santa Cruz que viveram/vivem esse novo período. 12
  • 13. O NEST – Núcleo de Ensino Superior do Trairi - é, à luz desta pesquisa, agente ativo no processo de inserção da literatura local no universo da literatura moderna, na medida em que propiciou a atualização dos produtores de nossa literatura nas formas e temas desenvolvidos desde 1922, nos centros mais avançados do país, especialmente na Região Sudeste. Em Santa Cruz, até o final de 70, tínhamos uma literatura mais identificada com as formas e as temáticas medievais, clássicas, neoclássicas e românticas, através das poesias em forma de cordéis, que refletiam o lirismo trovadoresco. Eram freqüentes nesse período as poesias de perfeição estética e de inspiração clássica. Não raro encontramos poesias bucólicas neoclássicas, em que o eu-lírico do poeta expressa o saudosismo, a religiosidade e a exaltação à sua terra. Estão muito presentes, nas poesias de Márcio Marques, a fuga da realidade, o pessimismo à Álvares de Azevedo, bem ao gosto das posturas românticas do Ultra- Romantismo. As poesias de culto à forma, da arte pela arte, e de inclinação parnasiana são uma constante nos versos de Luís Patriota. Com os debates sociais, políticos, econômicos e literários desencadeados pelos estudantes do NEST, a partir dos primeiros anos da década de 80, surgiram novas perspectivas, novos horizontes foram vislumbrados e a literatura local sentiu a necessidade de se atualizar, de sintonizar-se com a literatura moderna, há muito já praticada em âmbito nacional pelos famosos artistas da palavra. Seria incorreto dizer que o NEST formou os poetas e fez a literatura moderna de Santa Cruz, porém não seria precipitado nem injusto atribuir a essa Instituição honrarias por despertar os nossos artistas da hibernação literária. O ambiente estudantil ali criado despertou o interesse dos jovens artistas da palavra. Os estudantes de literatura tiveram contato com as novas tendências, as formas modernas, a poesia concreta, a poesia-práxis, a poesia marginal, a poesia social com as suas temáticas de protesto e de denúncia das injustiças contra os 13
  • 14. trabalhadores; enfim, é o NEST que aponta o caminho da atualização da forma e do discurso literários a serem, daí em diante, seguidos pelos artistas da palavra escrita de Santa Cruz. A partir daí, a literatura local passou a refletir esses aspectos dando-lhes prioridade. Entretanto, ela não abandona as temáticas do surgimento da cidade, da religiosidade, do saudosismo, da evolução de sua gente e do folclore. Poetas como Hugo Tavares optam por esse caminho, o da literatura como instrumento político, estabelecendo em suas obras todo um conjunto de questionamentos sociais. Seus poemas prendem-se mais ao conteúdo do que à forma, o que não quer dizer que o poeta não domine as “boas” técnicas literárias vigentes. As temáticas da saudade, da pátria, da família, do lar, da infância, da religiosidade e de homenagem a entes queridos que se foram, enfim, a temática da evasão no tempo e no espaço, características românticas predominantes na literatura da Primeira Parte da produção literária de Santa Cruz, quase que desaparecem nas obras dos artistas sociais da Segunda Parte. No entanto, este novo período da literatura de Santa Cruz não é espaço exclusivo para as poesias de caráter social. Os temas que caracterizaram as obras da Primeira Parte ainda se fazem presentes, com menos intensidade, em poetas e cronistas como Francisco Ribeiro, Bonitinho, Renan II, Aldenôra Ribeiro, Geraldo Moura, Edgar Santos, Maria Celestina, Betânia Borges, Fátima Cavalcante, dentre outros. O poema de forma clássica, como o soneto, tão cultivado pelos parnasianos, ainda tem lugar nas obras de Hélio Crisanto e José Letácio que, diferentemente dos parnasianos, tratam o conteúdo com a profundidade subjetiva de suas visões filosóficas. O que diferencia alguns destes poetas românticos da Segunda Parte daqueles que constituem a Primeira, é o fato de que estes, os novos, também produziram obras sociais, de apelo à luta e as denúncias das endêmicas mazelas sociais. 14
  • 15. Os temas de engajamento social são freqüentemente encontrados nos poemas de Teixeirinha Alves e Rita Luna. O pessimismo irônico, a presença constante da morte - o que, diga-se de passagem, não tem nada a ver com o mal-do-século de Byron4 – são, na verdade, um convite à vida, ao domínio das técnicas literárias, sendo que a riqueza e a diversidade de seu conteúdo fazem dos versos de Marcos Cavalcanti um poeta carregado de todos os ismos de que fizeram uso os estilos de épocas da história da literatura. Ou seja, podemos encontrar nos versos de Cavalcanti características do Arcadismo, do Romantismo, do Realismo, do Simbolismo, do Modernismo etc. Essas mesmas referências, sem dúvida nenhuma, podem ser atribuídas ao também poeta e cronista José da Luz. Matias Filho, poeta de arroubos líricos e satíricos ao estilo Gregório de Matos, escreveu também à maneira de Décio Pignatari, de Haroldo e Augusto de Campos, ao cultivar a poesia concreta, que abandona o discurso tradicional e privilegia os recursos gráficos das palavras, o “desenho” do poema, facilmente encontrado em outros poetas santacruzenses. Os dois caminhos percorridos pela nossa literatura, o do romantismo, o da arte pela arte - em que seus artistas e obras se mantêm, do ponto de vista crítico, à margem dos acontecimentos políticos e sociais mais relevantes - e o da reflexão crítica sobre a realidade e a busca de novas formas de expressão, não se assemelham aos surgimentos dos novos estilos de época da literatura universal, na perspectiva de embates, conflitos, manifestos em defesa de suas formas, de seus temas, de suas estéticas, de suas filosofias e, é claro, de suas vaidades. Havia e há um grande respeito por parte dos poetas da Segunda Parte em relação aos da Primeira. Na verdade, trata-se de uma espécie de admiração tácita, uma vez que fazer literatura num país subdesenvolvido já é difícil, imagine no interior, onde as mudanças ou atualizações em nome do moderno deparam-se com as tradicionais barreiras. 4 Lord Byron ( 1788-1824), poeta do Romantismo inglês, influenciou os poetas da 2ª geração romântica brasileira com seus versos pessimistas. O profundo desencanto pela vida, o cinismo e a exaltação à morte receberam o nome de ultra-romantismo, ou mal-do- século, e influenciaram muito os poetas românticos da 2ª geração do Romantismo brasileiro. 15
  • 16. Nunca é demais repetir que este trabalho não tem a pretensão de julgar os poetas e as obras por eles produzidas, e que não se constitui, também, enquanto uma exegese crítica, sendo seu principal objetivo o de demonstrar a percepção da existência de duas fases literárias na produção santacruzense. Como já colocamos anteriormente, a Primeira fase seria aquela em que a tônica predominante recaía no cultivo de procedimentos poéticos cristalizados pela tradição, que remontam ao Trovadorismo, ao Classicismo, Arcadismo e Romantismo, e a Segunda concerne ao momento em que os artistas da palavra escrita introduziram em suas obras, sem manifestos agressivos nem conflitos estético-ideológicos, as temáticas sociais e suas (des)compromissadas técnicas. E mais: se a Semana de Arte Moderna é o movimento responsável pela inserção do Modernismo na literatura brasileira, mal comparando e respeitando às devidas proporções, é o NEST, uma instituição sistematizada de ensino superior, o responsável, não pela mudança da tônica da produção literária anterior, mas por desenvolver uma mentalidade na nossa comunidade estudantil universitária/literária, capaz de introduzir as mudanças temáticas e formais que outrora os românticos de transição, os realistas e, sobretudo, os artistas do Modernismo brasileiro dignaram-se em fazê-las. Procuramos entender as obras dentro de suas épocas não instituindo uma valoração do passado a partir dos interesses do presente. A análise que instauramos procurou dar conta dos poetas e obras dentro dos interesses que as épocas lhes suscitaram. 16
  • 17. Os diferentes discursos da nossa literatura, aqui expostos, deixam de ser antagônicos na medida em que neles não se observam agitadas polêmicas à Questão Coimbrã5, ou à Semana de Arte Moderna6, por exemplo. Muitos outros poetas, artistas da Segunda Parte, poderiam ser mencionados neste trabalho, dada a riqueza quantitativa e qualitativa de suas produções. Todavia, aqui não se encontram por se verificar que o recorte temporal escolhido para o estudo – A atualização da forma e do discurso literários a partir do surgimento do Núcleo de Ensino Superior do Trairi – não dispõe de espaço mais longo do que o já utilizado. Fica, entretanto, a certeza de que as muitas entrevistas realizadas - inclusive muitas delas com pessoas octogenárias, testemunhas oculares de fatos aqui relatados –, a ampla bibliografia consultada somadas à vivência do pesquisador nos meios literários serão de grande relevância aos estudiosos do presente e do futuro da arte da palavra para as suas dissecações teóricas futuras. As análises e as comprovações destas diferentes visões destinam-se, portanto, a unir e a difundir o máximo possível a literatura local, para que ela venha a ocupar lugar proeminente na cultura regional. Fazemos nossas as palavras do crítico literário Antônio Cândido no clássico Formação da Literatura Brasileira: Comparada às grandes obras, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõe, ninguém as tomará do esquecimento, descaso ou incompreensão7. 5 . Polêmica que se deu em Portugal, em 1865, entre os jovens poetas e prosadores e seus antigos mestres. Os jovens estudantes da escola de Coimbra já se interessavam pelas novas correntes filosóficas, científicas e artísticas. Os antigos, entretanto, rejeitavam-nas. Clenir Bellezi de Oliveira, Arte Literária, São Paulo: Ed. Moderna, 2002, P. 259. 6 . Marco inicial da literatura modernista brasileira. A Semana De Arte Moderna se deu em São Paulo nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Esse movimento artístico revolucionário defendia a liberdade de criação em todas as artes. José de Nicola, Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias, São Paulo: Ed. Scipione, 2001. p. 272. 7 . Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 6ª Ed., Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda., 1981. p. 346. 17
  • 18. I PARTE UM PRESENTE DO PASSADO “Todos cantam a sua terra Também vou cantar a minha.” (Casemiro de Abreu) CAPÍTULO I 18
  • 19. DA FUNDAÇÃO À DÉCADA DE 20, LITERATURA AO SOM DA RABECA Santa Cruz, “... deve datar a sua fundação no ano de 1825 e a prova está neste motivo quando se fez a demolição da Igreja Matriz, de existência secular, para a construção de outra igreja maior, no mesmo local, foi encontrada, na cobertura da igreja, uma telha, na qual estava escrita a data de 18258”. Dessa data até as primeiras décadas do século seguinte, poucos documentos (oficial ou não) fazem referência a poetas e escritores locais que tenham se destacado ou publicado alguma obra literária. As informações registradas, acerca desse período, encontramos na obra de Luís da Câmara Cascudo, em Tradições Populares da Pecuária Nordestina, de 1956; José Fernandes Bezerra, em Retalhos de meu sertão, 1978; ou nas poesias do poeta Cosme Ferreira Marques9, como “Cara Preta”, poesia publicada no livro Canastra Véia, de 1946, a qual faz referência a um pobre homem das primeiras décadas do novo século, mendigo, vindo de um pequeno povoado, hoje a cidade de São Bento do Trairi, a 15 quilômetros de Santa Cruz e que vivera abandonado nas ruas da cidade a cantar hinos religiosos nas procissões de Santa Rita de Cássia, padroeira de Santa Cruz, ou a recitar poesias de autoria desconhecida. O poeta Marques assim o descreve em seu poema: Surgiu como fantasma na cidade; Vindo talvez de um pequeno povoado, Cantar, era única felicidade E cantava, sublime triste e maguado: -“Quando o sol nace é rei, a mei dia ele é morgado, di tarde é isfalecido di noite é serputado”- Durante muito tempo, sua voz se ouvia, Ao belo alvorecer de um novo dia 8 . Monsenhor Severino Bezerra, Memória Histórica de Santa Cruz, Natal: Editora Natal Gráfica, 1984, p.6. Entretanto encontramos a seguinte informação em Marcus César Cavalcanti Morais, Terras Potiguares, Natal: Editora Clima, junho de 1998, p. 227: “No ano de 1830, José Rodrigues da Silva, proprietário da Fazenda Cachoeira, aliou-se a dois irmãos, José da Rocha e Lourenço da Rocha, novos proprietários de terras na localidade e deu início à fundação da povoação de Santa Rita da Cachoeira, situada na Malhada do Trairi.” 9 . Cosme Ferreira Marques é um dos principais poetas de Santa Cruz nas décadas de 30 e 40 do século XX. 19
  • 20. Ou a bela tardinha o ocaso quase posto: Uma manhã, calou-se para sempre o canto, Ele morrera, partira sem um pranto Ao raiar de uma formosa manhã de agosto10. 1. 1. FABIÃO DAS QUEIMADAS – O POETA DOS VAQUEIROS Sem dúvida nenhuma, o grande nome da literatura de Santa Cruz, do final do século XIX ao início do século XX, é Fabião Hermenegildo da Rocha (1848 – 1928), o famoso Fabião das Queimadas, natural da fazenda Queimadas, então município de Santa Cruz, hoje pertencente ao município de Lagoa de Velhos. O cantador negro Fabião das Queimadas foi poeta popular das vaquejadas no Agreste do Rio Grande do Norte. Escravo do fazendeiro José Ferreira da Rocha, juntou vintém a vintém, seu pecúlio e alforriou-se, assim como sua mãe e uma sobrinha, Joaquina Ferreira da Silva, com quem casou. Pagou 800$000 (oitocentos mil réis) por si, 100$000 (cem mil réis) por sua mãe e 400$000 (quatrocentos mil réis) pela futura esposa. Cantava acompanhando-se com a rabeca fanhosa e fiel, pondo-a à altura do peito como os menestréis clássicos11. Diziam as más línguas que Fabião era filho apanhado do fazendeiro José Ferreira da Rocha com uma escrava sua. E não é de admirar, pois naquele tempo eram muito comuns os amores ilícitos entre os senhores de escravos, ou seus filhos, e as escravas. E o velho Zé Ferreira, segundo contavam seus contemporâneos, não fugiu à regra da época. Do afeto do fazendeiro pela jovem escrava, na senzala, ou quem sabe por trás das moitas, foi que a escrava engravidou. Nove meses depois vinha ao mundo o, também, escravo Fabião. Contam que o próprio poeta não negava que realmente era filho bastardo do senhor das Queimadas. Segundo seu filho, Filipe Ferreira da Silva, o pai havia iniciado sua vida de cantador ainda muito jovem. Fabião das Queimadas nasceu poeta. Não teve nenhum curso, não estudou em parte alguma. À sua rabeca dedicou esta redondilha: 10 . Cosme Ferreira marques, Canastra Veia, Natal-RN: Tipografia Galhardo, 1946, p. 36. 11 . Luís da Câmara Cascudo, Tradições Populares da Pecuária Nordestina, Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1956, p.42. 20
  • 21. Minha rabequinha é meus pés e minhas mão, é meu roçado de milho, minha planta de feijão, minha criação de gado, minha safra de algodão12. O Senador Eloy de Souza, que era negro, assistindo a uma apresentação de Fabião das Queimadas, na residência oficial do então governador Ferreira Chaves, recebeu do famoso poeta esta saudação: Seu Doutô Eloy de Souza Minha mãe sempre dizia, Se o senhor não fosse rico, Era da nossa famia13. O Senador gostava tanto de Fabião que, sempre que podia, patrocinava-o nos grandes festivais de repentes e de vaquejadas pelo Nordeste afora. O senador muitas vezes insistia que o poeta negro se hospedasse em sua residência, quando este se encontrava em Natal para participar de cantorias. Entretanto, Fabião preferia a residência e a companhia de seu grande amigo, Luís da Câmara Cascudo. Encontramos muitas outras menções a Fabião das Queimadas: Era piqueno, mi alembru Du cantadô Fabião Su rebeca, seu baião Gêmedô Puéta provisadô; Nego véi inteligente Pirigoso nu repente Da puizia; Onde cantava, curria Um povão pra iscutá U puéta sem iguá 12 . José Fernandes Bezerra, Retalhos do meu sertão, Rio de Janeiro: Gráfica e Papelaria Leão do Mar Ltda., 1978. p. 5. 13 . Trecho da entrevista realizada com o senhor Manuel Macedo, em abril de 2001. 21
  • 22. Na rêbêra; I cantava a noite intera Histára de apartação, Das vaquejada de então Qui havia; A sua rebeca gimia No seu Redondo sinhá, A gaiganta ritinia Num canto sintimentá14 Seu José Bezerra, contemporâneo dos poetas Cosme Marques, Luís Patriota e José Abdias15, lembra, com os olhos cheios de lágrimas, “de uns versinhos de Fabião que diziam assim: Minha mãe era pretinha, Pretinha que nem quixaba, Mas o seu nome era doce Tão doce que nem mangaba. Quando forrei minha mãe, A lua nasceu mais cedo, Pra clareá o caminho De quem deixava o degredo. O nome da mãe é doce Que nem a pinha madura Mas passa o doce da fruta E o doce do nome atura16.” Os poemas de Fabião das Queimadas eram musicados pela sua inseparável rabeca. Esses poemas, escritos ou cantados, remontam às cantigas trovadorescas, certamente influenciadas pelas cantigas líricas do Trovadorismo português17, com uma pequena mudança do foco temático: a vassalagem amorosa do trovador junto à mulher amada dá lugar a outra espécie de vassalagem, o amor cortês às vaquejadas, às pelejas de trovadores, às apartações, à 14 . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 34. 15 . Cosme Marques, Luiz Patriota e José Abdias foram, de acordo com as nossas pesquisas e análises os principais nomes da literatura de Santa Cruz, nas décadas de 30 e 40 do século XX. Não encontramos nas muitas buscas às suas obras nenhuma poesia de engajamento social. 16 . Dados de memória do senhor José Bezerra, historiador e contemporâneo de Patriota, Abdias e Marques, seus amigos. Entrevista realizada em janeiro de 2001. 17 . Trovadorismo é um movimento de caráter exclusivamente poético que se deu de 1189 ou 1198 a 1434. As composições líricas desse período são chamadas de cantigas porque eram efetivamente cantadas e recebiam acompanhamento de instrumentos musicais da época. Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., p.. 34. 22
  • 23. obediência ao coronel da região, que, aliás, é visto como um ser inatingível, uma figura idealizada, a quem é dedicado uma respeitabilidade e atenção sublimes, igualmente idealizado, como fora a mulher nas cantigas de amor do Trovadorismo português, na Idade Média etc. Com relação à forma, os poemas são compostos em redondilhas 18, características marcantes nos poemas-cantigas da Idade Média; se nas cantigas líricas portuguesas era comum a utilização do paralelismo e do refrão ou estribilho no final de cada verso, o redondo sinhá era utilizado, pelos poetas populares do cordel, da rabeca e da viola nordestinos, como forma de introdução de cada novo verso. O poema “Vaquejada na fazenda Belo Monte19” contém trinta e nove sextilhas (estrofes de seis versos cada) de sete sílabas poéticas - redondilha maior - muito bem rimadas e ritmadas. Nessa poesia, ele fala da beleza que foi a vaquejada, realizada na fazenda Belo Monte, município de São Paulo do Potengi, propriedade do coronel Manoel Adelino dos Santos, no mês de outubro de 1921. Descreve as proezas dos principais puxadores do Sertão, do Seridó, do Trairi, do Potengi, faz referência aos pratos típicos do Nordeste, enaltece a qualidade dos cavalos e bois, faz elogios a bondade dos coronéis da região; enfim, Fabião desfila sua arte, agrada o povão e, inconscientemente, o seu discurso harmoniza-se com o discurso e os interesses das elites dominantes da região. Leia a primeira e a última das trinta e nove sextilhas desse poema: Eu peço a vosmicês todos Os senhores que aqui tão, Olhe lá, escute bem O que diz o Fabião. Vou contá o sucedido De uma apartação. (...) Teve homes ilustrado, Doutores e capitão, Onde tava seu vigaro 18 . Também conhecida por medidas velhas, a redondilha menor é a composição poética que apresenta cinco sílabas poéticas em cada verso, e a redondilha maior é a que apresenta sete sílabas poéticas em cada verso. 19 . José Fernandes Bezerra, op. cit., pp. 22 – 23. 23
  • 24. Junto com o sacristão. Porém nenhum deles fez O que fez o Fábião20. O poema “Romance do Boi Mão de Pau” é a epopéia do Ciclo da Pecuária Nordestina. O poema contém quarenta e oito sextilhas, todas em redondilha maior. Nele, Fabião personifica o Boi Mão de Pau, que é o valentão, o rei das vaquejadas, derrubador dos vaqueiros derrubadores. Fala, ainda dos tempos de apartação e de muitos outros aspectos da pecuária. Leia a primeira e a última sextilhas desse poema: Vou puxá pelo juízo Pra se sabê quem eu sou Mode se sabe dum caso Ta quá ele se passou, Que é o boi liso-vermeio, O Mão de Pau corredô. (...) Já morreu, já se acabou, Está fechada a questão. Foi-se embora dessa terra O dito boi valentão. Pra corrê só Mão de Pau, Pra verso só Fabião21. De acordo com José Fernandes Bezerra: As suas cantorias sempre repetiam o seu ‘Redondo, Sinhá’, que era uma espécie de coro. Em determinados versos, também servia de prefixo. Dizem que era quase analfabeto. Gostava de ditar para alguém escrever versos ou quadrinhas de sua autoria.Extraviou-se em noventa por cento a sua produção É lamentável, mas infelizmente o folclore do Rio Grande do Norte muito perdeu da literatura de cordel do famoso poeta dos vaqueiros.22 Para alguns estudiosos, só se pode falar em literatura quando há um texto escrito. Para outros, existe ainda a chamada literatura oral, aquela que persiste pela transmissão oral, não escrita. Os cantadores de viola se incluiriam nesta categoria. A literatura de cordel é uma manifestação que emprega os dois registros: o oral e o escrito. A figura dos violeiros que 20 . José Fernandes Bezerra, op. cit., p. 22. 21 . Ibidem, Idem, p. 23. 22 . José Fernandes Bezerra, op. cit., p. 24. 24
  • 25. cantam os versos, por exemplo, é indissociável dos livretos que trazem o texto recitado por eles23. Era comum a literatura de cordel ser classificada como sendo de pouco ou nenhum valor. Hoje em dia, o cordel passou a ser estudado como fonte não apenas literária, mas, sobretudo, histórica. Do final do século XIX às duas décadas do século seguinte, Fabião era unanimidade na nossa região. Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Nísia Floresta, Auta de Souza, Segundo Wanderley ainda escreviam, no plano estadual, à Castro Alves, Tobias Barreto e, muito incipientemente, à Bilac e Machado de Assis. Euclides da Cunha e Lima Barreto, ao que parece, não tinham desembarcado o seu Pré-Modernismo em terras potiguares. Mário, Oswald e suas revoluções de 1922 não se faziam presentes nas produções dos nossos famosos provincianos. Os versos de Fabião não se enquadravam nas tradicionais funções literárias, quais sejam a da arte pela arte, a da literatura como mecanismo de evasão, a da literatura como forma de conhecimento do mundo e do homem, a da literatura como catarse; seus versos não acompanhavam os modelos, as técnicas e as temáticas então vigentes em sua época; a sua arte não se figuraria em uma literatura cujo fazer poético fosse utilizado como instrumento de denúncias das injustiças sociais. Como vimos, Fabião não usou suas obras para tal finalidade. Fabião era homem simples, negro, escravo alforriado, totalmente desprovido de ideologia política. Não se podia cobrar questionamentos sociais em suas obras. Na verdade, suas canções líricas eram a expressão de seus mais sinceros sentimentos. Fabião, com suas cantigas líricas, registrou a cultura local, divertiu as camadas populares e brindou os palácios do poder. O Trovadorismo português, com uma nova roupagem, marca presença em terras nordestinas. 23 . Para maiores informações acerca da literatura de cordel veja: Marinalva Vilar de Lima, Narradores do Padre Cícero: do auditório à bancada, Fortaleza-Ce: edições UFC, 2000. Há nesta obra muitas referências aos pesquisadores que se dedicaram ao estudo da Literatura de cordel brasileira e portuguesa. 25
  • 26. 26
  • 27. CAPÍTULO II DÉCADA DE 30: DOMÍNIO OLIGÁRQUICO VERSUS REFORMISMO IGUAL A LITERATURA DE EXALTAÇÃO No plano nacional, a Revolução de 30, o Estado Novo, o Levante Integralista, a Intetona Comunista, a questão trabalhista, a revolução constitucionalista de 1932 em São Paulo, a Constituição de 34, a ditadura do Estado Novo, são aspectos relevantes no contexto histórico da nação a que a literatura local não destinou um único verso. E, em terras potiguares, aspectos históricos importantes como o cangaço, as secas, a Intetona Comunista, a violência da campanha eleitoral, que colocou Rafael Fernandes no Palácio Potengi, poderiam ter se transformado em temas interessantes, não só para o registro da história, como para o prazer estético do leitor. Nem mesmo os acontecimentos mais relevantes da cidade nessa época, tais como o surgimento dos partidos políticos e a eleição do primeiro prefeito de Santa Cruz, Cel. Ezequiel Mergelino de Souza; a destituição desse prefeito eleito após dez meses de mandato; a nomeação do interventor Cleto Antunes de Lima, indicado pelo Movimento Revolucionário Militar; a inauguração do mercado público municipal; a instalação da primeira linha telefônica – Santa Cruz – São Tomé; a inauguração do Grupo Escolar Quintino Bocaiúva; os lançamentos dos jornais O Trairy, O Ideal e O Infantil, que fizeram Santa Cruz viver intensamente suas agitações políticas e sociais, foram merecedores da atenção dos poetas locais. De acordo com as nossas pesquisas no campo da literatura local, é provável que os poetas santacruzenses não tenham nem tomado conhecimento da realização da Semana de Arte Moderna. Não encontramos registro literário algum que fizesse menção a esse evento, responsável pela introdução do Modernismo brasileiro. 27
  • 28. Aliás, o Modernismo da Primeira Fase pretendia colocar a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo em que pregava a tomada de consciência da realidade brasileira. As muitas polêmicas, os muitos manifestos, os versos postos em liberdade, todos os temas, da réstia de cebola, à paixão exarcebada, foram tidos como poéticos; enfim, a Primeira Fase do Modernismo brasileiro, a Fase Heróica, de 1922 a 1930, projetou no cenário nacional poetas e escritores corajosos e sedentos por mudanças, tanto na estrutura formal de suas obras quanto nas suas temáticas. Essas idéias, com certeza, não tinham chegado ainda em Santa Cruz. No plano estadual, o poeta Jorge Fernandes 24 chama a atenção para as inovações modernistas. A década de 30 marca o início de um novo gênero literário no Brasil, o conto. A literatura de Santa Cruz continua vivendo sua “belle époque”, não repercutindo as inovações propostas pelos artistas da Semana de Arte Moderna. Poetas como Cosme Ferreira Marques, Luís Patriota e José Abdias continuavam presos àquela arte burguesa de exaltação às famílias tradicionais, à religiosidade, ao nacionalismo citadino, características marcantes da literatura romântica do século XIX, sem, portanto, assumirem qualquer compromisso com as questões sociais. A literatura local, surpreendentemente, não quis repercutir as temáticas político-sociais que, diga-se de passagem, são riquíssimas, principalmente a da Intetona Comunista, que teve seu desfecho na Região do Trairi, na Serra do Doutor, a menos de 30 quilômetros de Santa Cruz. Os artistas desta arte optaram pelo caminho do não rompimento com o passado e presente de glórias, em suas obras; optaram pela ausência de registros de fatos relevantes do ponto de vista histórico; preferiram não fazer de suas obras veículos de denúncia daquela realidade. Os poetas continuaram utilizando-se das técnicas tradicionais para transmitir a sua arte. 24 . Poeta potiguar que se preocupou em divulgar as inovações que o Modernismo apregoara. Para obter maiores informações sobre a literatura potiguar, podemos consultar Tarcísio Gurgel Informação da Literatura Potiguar, Natal –RN: Ed. Argos, 2001. 28
  • 29. O novo sempre assusta aqueles que estão no poder, e é claro que os artistas nacionais viviam o patrulhamento político, em função do novo que se propunha e de suas posturas ideológicas. As agitações literárias com suas intensas polêmicas temáticas e formais eram uma rotina na década de 30. O professor Antônio Cândido, eminente crítico literário, testemunha num artigo publicado no livro Recortes: Em 30 nós vivemos o problema do realismo, ou neo-realismo, socialista ou não, bem como a incorporação daquilo que as vanguardas do decênio anterior tinham proposto como inovação. Vivemos um grande surto do romance, ligado aos pontos de vista opostos na moda pela sociologia e a antropologia, como um triunfo do social contraposto às tendências espiritualistas e religiosas. Houve dilaceramentos e disputas, com a formação de um antipólo metafísico e as mais rasgadas polêmicas que marcaram todos nós. Quando comecei a fazer crítica literária, pouco depois de 1940 (auge do Estado Novo, da censura e do arrocho), senti que uma das tarefas era oferecer blindagem ideológica para os romancistas mais significativos do decênio de 30, coisa que hoje há de parecer incompreensível, pois eles se tornaram incorporados aos hábitos de leitura como coisa óbvia.25 A literatura local continuava, entretanto, totalmente desvinculada da literatura nacional. Os nossos poetas optaram em não polemizar com quem quer que fosse, tendências literárias, poetas emergentes, tampouco com políticos, fazendeiros, coronéis etc.; continuaram priorizando o gênero lírico e suas formas tradicionais; não refletiram sequer o momento histórico do final do século XIX, o evolucionismo, o positivismo, o materialismo, o determinismo; enfim, não repercutiram o não-eu, o cientificismo do Realismo nem as inovações propostas pela Semana de Arte Moderna. Não foram encontrados nos jornais caseiros dessa época quaisquer indícios das inovações ocorridas na literatura do eixo Rio-São Paulo. Os redatores desses veículos de comunicação, muitas vezes, eram os próprios poetas. 2. 1. OS JORNAIS LOCAIS E SEUS DISCURSOS 25 . Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 6ª Ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda., 1981, p. 348. 29
  • 30. O jornal Infantil, de circulação efêmera, apenas seis números quinzenais, publica, no dia 15 de fevereiro de 1931, uma poesia, de autoria desconhecida, que valoriza uma conquista dos jovens rapazes que formavam a equipe de futebol Trairi Clube: a posse de um terreno baldio, outrora um cemitério, para a prática do futebol. A prática desse esporte naquele terreno – hoje lá estão o Bradesco, a Telemar, a Caixa Econômica e o Banco do Nordeste - foi motivo de muito bate-boca com a igreja - que não admitia, em hipótese nenhuma, um “desrespeito” daqueles – e com as autoridades municipais, que sempre comungavam com a igreja. Os rapazes, valendo-se da tese segundo a qual a prática do esporte é salutar à vida, ganharam a causa e o pequeno jornal fez-lhes a homenagem: Parabéns oh mocidade nós enviamos daqui aos rapazes valorosos do altivo Trairi que sem desfalecimento num constante trabalhar fizeram do Cemitério Santa Cruz ressuscitar26. Neste fragmento do poema, observamos que o mesmo não leva a assinatura de seu autor. Acreditamos que fosse uma forma de não se expor, para não se indispor com o clero e as elites dominantes daquela época. O jornal O Ideal, jornal dos namorados, ajudou a registrar a História de Santa Cruz na década de 30. Seu primeiro número circulou em 1931, manuscrito, conforme declarado em sua edição de 31 de dezembro de 1938, feito em comemoração ao oitavo ano de sua fundação. O poeta Cosme Ferreira Marques (Jeca Tábua) era o diretor, o senhor José Bezerra, o gerente. Zé Galvão, Pedro de Tico, e alguns outros ajudaram a fazer esse veículo que tratava de cinema, poesia, aniversários, fofocas, falecimentos, etc. 26 . Monsenhor Severino Bezerra, op. cit., P. 33. 30
  • 31. Outro jornal que ajudou a divulgar, não só a poesia de Santa Cruz, mas, sobretudo, o passado de glórias da cidade, foi O Trahiri. Esse jornal circulou durante todo o ano de 1932 e era tido como um Órgão da Sociedade Educacional Santacruzense. O seu diretor era o poeta Luís Patriota; Horácio F. da Rocha, seu gerente. Composto e impresso em tipografia própria mantinha redação e oficinas à Rua Dr. Pedro Velho. Cobrava por assinatura anual 10$000, semestral 6$000, número avulso $200 e atrasado $400. Assuntos como Santa Cruz e a construção do açude Inharé, Ferreira Itajubá27, a seca de 32 (numa perspectiva natural, nunca político-social), futebol, júri, concursos de beleza; Euclides Rodrigues de Carvalho, poesia, cinema, além de fazer uma verdadeira apologia a administração do então prefeito Miguel Rocha e ao seu sobrinho, o secretário Miguel Rocha Sobrinho. Não encontramos, nesses jornais, visões críticas da sociedade. É como se em Santa Cruz tudo fossem flores. 2.2. ABDIAS E A PRIMEIRA ANTOLOGIA DE SANTA CRUZ Rimário de Poetas Brasileiros, antologia de poetas nacionais, regionais e locais, publicada em 1938, pela Tipografia “O Trairi”, compilado pelo poeta Abdias Gomes de Almeida Bezerra, é, de acordo com a nossa pesquisa, o primeiro livro a divulgar as obras literárias dos poetas de Santa Cruz. Abdias nasceu no dia oito de novembro de 1884 na cidade de Araruna-PB e faleceu em Santa Cruz no ano de 1942. Estabeleceu-se em Santa Cruz ainda bastante jovem. Era um pequeno comerciante apaixonado pela literatura. Grande parte de suas pequenas economias eram destinadas à aquisição de manuais de literatura. Conseguiu, junto ao seu amigo Luís 27 . Nascido em Natal em 1876, Ferreira Itajubá era de família extremamente pobre, e assim viveu. Ingênuo e puro viveu contemplando as belezas naturais de sua terra, ao estilo árcade. Morreu na miséria em 1912. Podemos encontrar mais elementos em Constância Lima Duarte & Diva Cunha Pereira de Macedo, Literatura do Rio Grande do Norte: antologia, Natal-RN: Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Fundação José Augusto, 2001. p.121. 31
  • 32. Patriota – diretor da Tipografia, um bom desconto para publicar o livro Rimário de Poetas Brasileiros. Essa antologia é composta por 113 poemas das mais variadas formas. 47 poetas participam dessa antologia: José de Lorena, Pereira da Silva, Palmira Wanderley, Perillo de Oliveira, Olegário Mariano, Luís Patriota, Auta de Souza, Segundo Wanderley, Casemiro de Abreu, Castro Alves, Otoniel de Menezes, Múcio Teixeira, Herotides de Campos, Luís Peixoto, Joaquim Lima, F. das Chagas Batista, Carlos Cermiciary, Valquíria Leite Dutra, Joaquim Guilherme, Catulo Cearense, Mendes Martins, Augusto dos Anjos, Da Costa e Silva, Carolina Vanderley, Gotardo Neto, Abdias A. Bezerra, Pe. Pedro Paulino, Maria Carolina, Olavo Bilac, Cerquinho Nunes, Damasceno Vieira, Ponciano Barbosa, Pinto Coelho, Péricles Maciel, Luís Pistarine, Pe. Antônio Tomaz, Júlio Salusse, Aníbal Teófilo, Jorge de Lima, Venceslau de Queiroz, Ferreira Itajubá, Carlos Dias Fernandes, Zeferino Brasil, Guimarães Júnior, H. Castriciano, Genar Vanderley e Afonso Celso. Esse livro, como bem disse Abdias no prefácio: ...teve por objetivo coligir rimas esparsas muitas delas prestes a desaparecer, por entre a poeira dos tempos. No número destes compreende-se essa falange de moços de então, contemporâneos nas eras de 1900, filhos e admiradores da primorosa terra de Pereira da Silva e Perillo de Oliveira. Quando estes tangiam as suas lyras aedas e conosco cantavam as musas de nossa esplêndida mocidade28. São recorrentes nas obras de Abdias as temáticas do medo, do amor, da saudade, especialmente a da terra natal. A lembrança da infância querida observada no poema Dia dos Meus Anos assemelha-se às inquietações líricas de Casimiro de Abreu29: Oito de Novembro. Ano de oitenta e quatro, Nasci. Quanta ledice no solar paterno. 28 . Abdias Gomes de Almeida Bezerra, Rimário de Poetas Brasileiros, Santa Cruz – RN: Tipografia “O Trairi”, 1938. pp. 45-46. 29 . Poeta do Romantismo brasileiro da 2ª geração. Cantou o saudosismo em todas as situações: o saudosismo nacionalista e a saudade nostálgica da infância pura, acrescida da fixação sentimental na mãe e na irmã. José de Nicola, op. cit., p. 144. 32
  • 33. Do planalto de Araruna, meu berço terno. Iluminado pelos fulgores do primeiro astro. Nasci, certamente naquele dia, naquela hora, A natureza era queda, maviosa e lenta. Por isso que, minh’alma melhor se alenta. No silêncio onde a saudade mora... Da mamãe! Quem saudades não tem! Ora essa!... Do primeiro beijo que inda ouço. Transportado nas asas da oressa!... Carícias de outros seres a lembrança me acode, Belos refletores, de minhas ilusões de moço Dessas ilusões, que o tempo suplantar não pode30! Nessa antologia, além de Abdias, destacam-se poetas como Joaquim Lima, que faz lembrar em seu poema Adeus, Santa Cruz, o saudosismo, o locus amoenos, características árcades segundo as quais a natureza é vista como um lugar ameno, aprazível, onde o homem poderia encontrar equilíbrio e paz: Adeus, Santa Cruz, que eu de ti vou me ausentar. Cheio de recordações ternas lembranças, Quando um dia a teu céu eu regressar, Quero ver-te cheia de luz e de esperanças. Auras balsâmicas de manhãs fagueiras, Tardes amenas de candidez e doçura, Estrelas mil que no firmamento adejas, Lua brilhante que no azul fulgura. Flores campestres de esplendor infindo, Árvores sombrias de um Sertão antigo, De tudo enfim que nesta terra é lindo, Saudades sôfregas levo-as eu comigo. Adeus, solo ubérrimo de esperança, Torrão querido de minha alegria, Adeus parentes, amigos da infância, Adeus, Santa Cruz,até um dia31... 2.3 LUÍS PATRIOTA, O “POETA DAS JANGADAS”. 30 . Abdias Gomes de Almeida Bezerra, op. cit., p. 47. 31 . Ibidem, Idem. p. 48. 33
  • 34. Destacou-se também na antologia Rimário de Poetas Brasileiros o poeta Luís Patriota, natural de Touros, nascido em 25 de novembro de 1899 e falecido em 21 de dezembro de 1978. Ele foi colaborador do jornal A República, de Natal, fundou o jornal O Trairi, em 1932, em Santa Cruz. Luís Patriota pertenceu à Academia Norte-riograndense de Trovas e à Academia Potiguar de Letras. É conhecido como “poeta das jangadas”, por ter escrito muitos poemas inspirados nesse tema. Foi jornalista, juiz de paz, escrivão, advogado, promotor, professor e secretário da Junta Comercial do Estado. Em Santa Cruz, onde morou por muitos anos, trabalhou como Guarda-Livros (contador)32 dos Ferreira de Souza. Foi diretor da tipografia “O Trairi”, trabalhou também como professor, continuou fazendo o que mais gostava: escrever . Era poeta e escritor culto, exigente, adepto da poesia clássica, com ritmo, rimas e métrica impecáveis ou de poesias sem tais exigências formais, como O Meu S. João, em que o sentimentalismo, a religiosidade e a subjetividade de seu eu-lírico denunciam todo o Romantismo romântico de seus versos: Oh! Como eu te amo, meu bom São João! Noite de encantos e de prazer! Pela mais doce recordação Com que me envolves o coração, Da melhor quadra do meu viver. Revejo agora com os olhos d’alma Entre coqueiros a farfalhar, A pobre vila, que é a minha palma, Meu céu de affecto, onde se acalma Toda a amargura do meu sonhar... E que revoadas de tradições, De coisas lindas e primitivas, Ao doce embalo das ilusões, No céu das minhas evocações, Deslumbradoras, radiantes,vivas!...33 Luís Patriota, em Carta Aberta, fez a seguinte declaração sobre o livro Rimário de Poetas Brasileiros, do compilador Abdias Almeida: 32 . Guarda-Livros é atualmente o profissional que trabalha em escritório de contabilidade. Toda a contabilidade da tradicional e oligárquica família Ferreira de Souza fora entregue aos cuidados de Luiz Patriota. 33 . Abdias Gomes de Almeida Bezerra, op. cit., p. 49. 34
  • 35. Falar do Rimário de Poetas Brasileiros é mister, antes de qualquer outra coisa, volver os olhos d’alma aos longes esmaecidos de um passado, que tanto nos pode ter sido feliz como desditoso. Pouco importa... Todos nós, venturosos ou não, temos sempre um passado a recordar! E eu, que vivo do passado, sinto que a minha felicidade consiste unicamente em revivê-lo, nos meus momentos de meditação e de tristeza!..34 O passado, portanto, não o seu presente, nem o seu futuro, é, segundo Patriota, a inspiração da sua obra. Patriota publicou as seguintes obras: Livro d’alma35 e Poemas das jangadas36. A literatura de Santa Cruz, da década de 30, manteve-se isolada do resto do país, não foi contaminada pelo espírito demolidor dos valores tradicionais que traziam os artistas da primeira fase do Modernismo brasileiro, a fase heróica; não se manifestou à Pau-Brasil e nem à Verde-Amarelismo e tampouco “Antropofagiou” como fizeram seus irmãos famosos da região sudeste do Brasil. As narrativas em prosa, que conheceram um notável desenvolvimento desde o final do século XVIII, inexplicavelmente ainda não se faziam presentes na literatura de Santa Cruz. Escritores como José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Lima Barreto, etc., compunham a biblioteca de Luís Patriota, Cosme Marques e tantos outros intelectuais da literatura local. Entretanto, estes não se deixaram influenciar por aqueles, e Santa Cruz não teve o privilégio de ler em prosa a sua cultura, os seus costumes, a sua gente, a sua história. A literatura desse período, portanto, optou por dar ênfase a seus heróis, seus coronéis, exaltar seu passado histórico, deu ênfase à religiosidade e às datas natalícias de seu povo; supervalorizou as emoções pessoais; optou por não cantar as questões sociais, tais como o cangaço, o messianismo, a seca, os acordos espúrios na política; não repercutiu o domínio oligárquico nem o reformismo dessa época. Enfim, a literatura santacruzense da década de 30 manteve-se fiel ao conceito, até então, praticado pelos seus poetas, principalmente Luís 34 . Jornal O Trairi. Seção Literatura. Santa Cruz-RN. 1938. 35 . Luís Patriota, Livro d’alma, Recife: Imprensa Industrial, 1922. (Poesias). 36 . Luís Patriota, Poemas das jangadas, Santa Cruz – RN: Tipografia O Trairi, 1933. 35
  • 36. Patriota, segundo o qual ela deve ser a expressão e a realização do belo literário, da meditação e da tristeza, da recordação de um passado feliz, sem comprometimentos extras. CAPÍTULO III DÉCADA DE 40: A ESTÉTICA DA GRATIDÃO 36
  • 37. É na década de 40, mais precisamente em 1942, que o Brasil entra na segunda grande guerra. O Rio Grande do Norte vivia intensamente o desenrolar do conflito. Parnamirim e Natal recebiam um grande contingente militar norte-americano37. O Estado Novo de Getúlio Vargas precisava legitimar-se perante a opinião pública. Com essa finalidade, foi criado em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) o qual se encarregou de fiscalizar todas as atividades culturais e jornalísticas. O programa radiofônico A Voz do Brasil não se cansava de endeusar o presidente Vargas38. Santa Cruz dava boas-vindas ao IBGE, ao Instituto Cônego Monte, aos primeiros protestantes e à sede dos escoteiros39. Na literatura nacional, destacavam-se as gerações de 30 e de 45, a poesia Pós- Modernista e a prosa regionalista. Os poetas das Gerações de 30 e de 45, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto, assim como os prosadores Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo e Jorge Amado não eram famosos na terra de Santa Rita de Cássia. Não encontramos, dessa década em Santa Cruz, nenhum indício das inovações temáticas e lingüísticas introduzidas pelos artistas nacionais que viveram o período, como por exemplo a tentativa de disciplinar a linguagem literária, tão desregrada pelo liberalismo exagerado dos modernistas de 22. O fato é que, pela terceira vez no século XX, as letras brasileiras apresentaram novo ciclo de renovação, tanto na poesia quanto na prosa. O elemento norteador dessa fase foi, 37 . Para mais informações ver: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Anotações sobre a história do Rio Grande do Norte, Natal – RN: Editora Clima. 1998. 38 . Mais informações sobre esse assunto o leitor pode encontrar em Florival Cáceres, História do Brasil, São Paulo – SP: Editora Moderna, 1995, pp. 290 – 91 -92. 39 . Mais elementos ver: Hermano Amorim, Santa Cruz nos caminhos do desenvolvimento, Natal – RN: Editora Santa Maria. 1998. 37
  • 38. sobretudo, as novas pesquisas formais, expressas no estilo personalístico de autores estreantes, cada um deles com seus aspectos próprios40. No plano estadual, a literatura se ressentia, pelo menos no campo editorial no período entre o final dos anos 20 à segunda metade de 40, de uma atividade literária mais consistente. A Temporada Literária, ocorrida na década de 30, foi uma tentativa de movimentar a literatura local41. Não encontramos nas obras literárias de Santa Cruz, nem tampouco nos jornais caseiros da década de 40, os famosos embates entre os Modernistas e os Neomodernistas, protagonizados por críticos literários como Sérgio Millet, Tristão de Ataíde, Périplo Eugênio da Silva, entre outros42. Relevantes ou irrelevantes, dos muitos acontecimentos sociais, políticos, econômicos e literários, o fato é que os poetas de Santa Cruz, da década de 40, tais como Cosme Marques, Abdias Gomes e Luiz Patriota, continuaram cantando temas de exaltação de famílias tradicionais, o fazer poético e a saudade de seus passados, se utilizando das mesmas técnicas de outrora. Um tema que poderia ter sido bem aproveitado pelos nossos artistas da palavra é um dos problemas que mais diretamente aflige o homem simples da nossa região, a seca. Raras foram as vezes em que os poetas locais abordaram esse tema. Marques, ao enfocá-lo, descreve-o como um problema natural, isto é, não vincula a seca aos interesses dos coronéis da região que a tomaram como argumento poderoso para aquisição de vultosas verbas federais, cargos, benefícios em suas propriedades, prestígio e perpetuação no jogo do poder. A não abordagem desse tema pelos poetas locais, passa-nos a impressão de que eles entendiam que a seca não era um problema político. As autoridades, as elites que estavam no 40 . O leitor pode acrescentar mais informações sobre essas renovações literárias propostas pelos modernistas desse período em Faraco & Moura Língua e Literatura, São Paulo – SP: Editora Ática. 1998. pp. 499 -500. 41 . Caso o leitor tenha interesse em aprofundar os conhecimentos sobre esse assunto, deve consultar Tarcísio Gurgel, op. cit., p. 75. 42 . Maiores elementos em Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., pp. 480 – 81. 38
  • 39. poder, não tinham culpa da miséria do povo, dos flagelos causados pela seca. O problema era de ordem geográfica e meteorológica. Pelo contrário, as autoridades, as elites que estavam no poder, eram generosas com os flagelados, na medida em que chegavam com “soluções” emergenciais. Na década de 40, destacou-se o livro Canastra véia, citado anteriormente, do poeta, professor, agente municipal de estatística, Cosme Ferreira Marques, publicado em 1946, pela Tipografia Galhardo, de Natal. Cosme Ferreira Marques (1908 – 1959) nascera em Bananeiras-PB, mas viera para Santa Cruz com cinco anos de idade. Adotou Santa Cruz como sua terra querida, e Santa Cruz o adotou como seu poeta maior, em sua época. Seu Cocó, como era carinhosamente conhecido, usava o pseudônimo de Jeca Tábua, quando escrevia versos matutos ou de pés- quebrados. Ele nos dá, como bem disse Luís da Câmara Cascudo, no prefácio do livro Canastra Véia, ...uma lição de perseverança e de fidelidade letrada. Tudo que o podia desanimar e vencer não o desanimou nem o venceu. Passou epidemia, tempestade, crise, desalento, como um avião atravessa nuvem ou, lembrando um verso de Ferreira Itajubá : - um gume cortando polpas de maçãs maduras. Quando muita gente desanimou e virou homem prático, acabando rico e dispéptico, Jeca Tabua continuou poeta, poeta ,poeta43. O livro Canastra Véia está dividido em duas partes, a primeira é constituída de “pés - quebrados” numa linguagem matuta, toda regional. A segunda, como escreveu o próprio autor na apresentação, “... posso chamá-la de ‘Vibração d’Alma’. São cantos desferidos ao toque de um sentimento, quer de afeição, de dedicação e de gratidão, a amigos, filhos e protetores” [Grifos nosso]44. Como o próprio autor afirmou, suas composições poéticas são as mais puras expressões sentimentais de gratidão e de amizade. Entretanto, pode-se perceber que o poeta, 43 . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 6. 44 . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p.12. 39
  • 40. sem qualquer intenção de analisá-los criticamente, menciona alguns aspectos da sociedade de sua época, como por exemplo o coronelismo, fenômeno que se caracterizou pelo clientelismo, pela troca de favores e pela obediência total e irrestrita ao coronel, presente no poema “arritirantes”, o qual refere-se à seca, à miséria, à humilhação e à morte, muito presentes em nossa região. Este poema, em hipótese alguma, deve ser lido com os olhos da crítica social, e sim, com os da admiração e da gratidão pelo socorro certo do coronel. O problema do sofrimento do homem comum, para o poeta, não é de ordem político-social, mas natural: Arritirantes... Ao Coronel Ezequiel Mergelino de Souza Coroné num sadimire Du istadoqui mi vê, Venho di riba du quimquê, Du sertúo: Mi arrepare meu patrão, A mizéra mi consome, Dois fio morreu de fome Nus caminho; Aqui patrão, to sozinho, Morto di fome, cançado... A famia, ali nu quebrado Mi ispéra, Cum fome, mardita era Qui trás a seca terrive É duro Patrão, é horrive, Pra mim; Eu nunca mi vi assim, Nu istado qui mi vê, Vendu meus fio morrê Nus braço, Foi pra mim cumo um pedaço, Tirado do coração, Mi secorra coroné, Uma ismola meu patrão.45 45 . Cosme Ferreira Marques, op. cit., p. 22. 40
  • 41. Marques também dá uma demonstração de que é poeta culto, ao escrever, em 1946, o soneto, Poesia, homenagem póstuma ao também poeta, seu amigo, do início do século, o culto Clovis J. de Andrade, de quem, infelizmente, nada foi encontrado: Rimas, abecedário cheio de harmonia, Pensamentos de um cérebro portentoso, Sentir em verso, a própria poesia De um ser inteligente e ardoroso. Ser Poeta, é caminhar numa via De um sonho tão lindo e majestoso, É lançar ao mundo, um canto de magia O hino dum rimário glorioso. Ser Poeta, é sentir a dor, a alegria É rimar numa suprema agonia, Uma vida, um mundo, um Universo; Ser Poeta, é amar, gozar, sofrer, Ser Poeta, é em sonhos reviver Vida e alma na estrofe de um verso.46 Foi a década de 40 uma extensão da de 30, com a sua poesia de exaltação e de desvinculação total com os principais poetas e escritores do país. CAPÍTULO IV A GERAÇÃO DE 50 46 . Ibidem, Idem, p. 32. 41
  • 42. Os acontecimentos históricos até pareciam se oferecer à literatura como fonte de inspiração. Foi assim, também, com a década de 50, pois muitos fatos relevantes aconteceram nesse período: o governo Vargas, o populismo e o nacionalismo econômico, a criação da Petrobrás, a crise institucional, a perda da Copa, o suicídio e a sucessão de Vargas, a inauguração da TV, o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, são alguns exemplos que podemos citar47. No Estado do Rio Grande do Norte, essas “fontes de inspiração” também se ofereciam aos nossos poetas locais. Com o fim da Segunda Guerra, a redemocratização trouxe, no campo político, um sopro de novidade: um mossoroense, Dix-Sept Rosado emergiu ao poder estadual, com seu companheiro de chapa Sílvio Pedroza. Um acidente aéreo levou o intelectual Pedroza ao poder, e uma de suas atitudes, contraditórias por demais, foi a de fechar o jornal oficial A República, grande incentivador da cultura no Estado48. Ao nosso ver, não se pode, em hipótese alguma, exigir que a literatura narre os acontecimentos históricos. Nesse sentido, ela tem uma maior liberdade, podendo construir idéias, imagens, quadros que se afastem por completo do universo de experiências de uma época. Portanto, ao tomarmos a literatura enquanto objeto de estudo, não podemos exigir que ela estabeleça uma relação de total atrelamento com os fatos históricos, ainda que a mesma possa vir a estabelecer um diálogo com os acontecimentos de sua época, ou mesmo, os tome como fonte de inspiração. A nossa preocupação, desde o início deste estudo, era a de verificar se os poetas locais emitiam algum sinal de evolução em seu discurso e em suas técnicas, e se essa evolução literária se dava no mesmo ritmo da verificada no contexto histórico. Assim foi que, a questão do uso dos acontecimentos históricos enquanto motivo condutor das obras, foi observada 47 . Mais informações sobre esse assunto ver: Nelson Pillet, História do Brasil, 18ª ed., São Paulo – SP: Editora Ática, 1996. pp. 264 -65 -66. 48 . Mais informações ver: Luiz Eduardo Brandão Suassuna, Anotações sobre a história do Rio Grande do Norte, 2ª ed., Natal – RN: Editora Clima, 1998. pp. 33 – 34. 42
  • 43. enquanto preocupação secundária. Logicamente que isso não implica dizer que não destinamos atenção para este aspecto, visto que no universo da produção literária nacional isso já vinha acontecendo há bastante tempo. Sempre à procura de indícios que nos permitissem afirmar que a nossa literatura já havia se sintonizado com a praticada nos grandes centros, fomos descobrindo que o material, até então publicado, só tratava do desenvolvimento econômico e social da nossa cidade, tais como a criação da Escola Normal Regional, do Hospital Maternidade Ana Bezerra, do Ginásio Comercial, do Trairi Clube, a construção da ponte Centro-Paraíso, a fundação do SESP. Algumas evoluções políticas, como a emancipação política de Lajes Pintadas, de São Bento do Trairi e de Tangará, pertencentes ao município de Santa Cruz49. A literatura, no eixo Rio-São Paulo, acompanhava o ritmo das mudanças verificadas nessa década no Brasil. A poesia dessa época foi muito rica em experimentalismos. Os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari propuseram a poesia concreta. Em 1954, Ferreira Gular lança o livro A luta Corporal, com experiências poéticas que levam em conta o espaço em branco do papel e as possibilidades de diagramação da palavra em poesia, unindo significado e significante. Em 1956, houve a Exposição Nacional de Arte Concreta e se destacaram Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gular e outros. É a década em que o grande poeta Carlos Drummond de Andrade se dedica totalmente à arte literária50. A literatura potiguar procurava sintonizar-se com a praticada nos grandes centros. De certa forma, essa sintonia já se percebia, na medida em que surgiam estudiosos e críticos literários, como o jornalista, poeta e crítico literário Antônio Pinto de Medeiros. Ele, em muitos casos, utilizava-se de sua coluna provocativa “Santo Ofício”, no jornal O Poti, para 49 Entrevistamos o senhor José Bezerra, historiador e contemporâneo dessa década, e dele ouvimos que os jornais A centelha e O Pif-Paf “noticiavam com muito entusiasmo os avanços políticos, sociais e econômicos da nossa cidade.” 50 . Sobre os experimentalismos na poesia desse período, o leitor encontrará mais elementos em Clenir Bellezi de Oliveira, op. cit., p. 558. 43
  • 44. condenar ao fogo da sua crítica implacável a mediocridade provinciana da produção literária da época. Medeiros assinava essa coluna com o pseudônimo de Torquemada – terrível inquisidor espanhol51. Não encontramos nenhum inquisidor literário na década de 50, em Santa Cruz. O que descobrimos foi um grande número de jovens poetas. José Letácio Pereira, José Iválter Ferreira, Gurgel, Valente, Dante Madri, Odete, Antônio Borges, Adonias Soares, Jorge Quintiliano, Alexandre Ferreira Neto foram os poetas que mais se destacaram nesse período em Santa Cruz. Esses jovens poetas e escritores, juntamente com os já consagrados veteranos ajudaram a construir a história de Santa Cruz, sua poesia, sua música, sua arte nos parâmetros até então utilizados. Os jornais A Centelha – de vida efêmera - e O Pif-Paf foram os canais para a exposição de suas obras. O Pif-Paf era dedicado à Santa Rita de Cássia e circulou em maio de 1952 sob a orientação das redatoras H2O, conforme sua própria indicação. Cleuse, apresentando o jornalzinho, dizia que o mesmo era dirigido pela poetisa Margarida Meireles Bezerra e outras auxiliares. Escreveram o jornal Cleuse S. Fiúza, C. S. F. e Carlos Antunes. As notícias preferidas, além das já citadas anteriormente, eram as atividades da Igreja, as notas “bolindo” com rapazes e moças de Santa Cruz. A seção literária servia apenas para divulgar os poemas. Como foi dito antes, ainda não havia inquisidores literários em Santa Cruz. Com certeza, a ausência de críticos contribuiu para a estagnação da literatura local. Ainda nessa década, a produção literária e musical ganhou um reforço: a chegada do padre Émerson Deodato Fernandes de Negreiros, que se estabelecera nessa cidade de 12 de julho de 1952 a 31 de janeiro de 1965. “Padre Emerso”, como era conhecido, tocava acordeom, piano, órgão, lutava boxe, arrancava dente, receitava remédios e compunha 51 . Mais elementos o leitor encontrará em Tarcísio Gurgel, op. cit., p.77. 44