Bloqueio político e económico na esquerda portuguesa
1. TEXTOS ESQUERDA DESALINHADA
Bloqueio político e económico. Política de esquerda
1 - A actual situação de bloqueio empobrecedor
Sobretudo para as pessoas menos inseridas na política institucional, a realidade está aí, bem
em frente e doendo bem na carne.
Ano após ano a ladainha dos mandarins mantém-se; atrás do pano, o empresariato sussurra o
texto. É a ladainha do sacrifício para pobres e trabalhadores, da crença na retoma da
economia, considerada, inevitavelmente dependente da exportação, que depende da
competitividade, dependendo esta da produtividade, que depende da flexibilidade do “mercado
de trabalho” que equivale a despedimentos e perda de salários reais os quais, por sua vez,
originam redução do poder de compra, do consumo.... Neste circuito fechado e que tresanda a
banha da cobra. não entra o sacrifício dos ricos, o investimento privado produtivo, uma menor
corrupção dos mandarins, nem contam os fechos de empresas, o desemprego ou a
precariedade. Ninguém vê as exportações a aumentar, o investimento estrangeiro (sempre
virtuoso!) a chegar; o que é patente são os sacrifícios que continuam a ser pedidos, em
paralelo com o não crescimento do PIB. No entanto, os trabalhadores trabalham mais, perdem
poder de compra, vêm a riqueza a ser produzida e o produto do seu esforço a acumular-se nos
bolsos de alguns. Um espectáculo, um regabofe.
Sondagem recente (dando de barato a sua representatividade) indicava que os inquiridos não
consideravam a mafia socratóide capaz de equilibrar o barco mas, também dava como
evidente não ser vista uma alternativa saída do actual sistema partidário, mormente no PSD,
agora capitaneado pela Balela Ferreira Leite, alter ego de Cavaco. Cheira a podre, parece
indicarem os inquiridos.
De facto,a tralha PS/PSD já deu o que tinha a dar e nada há a esperar senão uma maior
pulsão cleptocrática, à medida que forem chegando novas fornadas de gente, mais
incompetente, mais servil e mais cúpida. Não sabemos, como o professor Marcelo, se o
transgénico Jaime é ou não o mais incompetente ministro da agricultura do mundo mas, ... de
facto, no actual governo não abundam as competências. E, se em alguns casos, há secretários
de estado tecnicamente competentes, isso em nada contribui para a felicidade do povo, uma
vez que essas competências estão hipotecadas à satisfação dos interesses do capital. As
nossas avozinhas também diziam que Salazar era inteligente... E quem se aproveitou disso?
De facto, não há saida no actual quadro institucional de democracia de mercado, alicerçado no
capitalismo globalizado em que vivemos, guiados ambos pela axiomática do mercado, da livre
concorrência, funcionando esta como garante do funcionamento das sociedades, das
economias e, porque não, da própria reprodução humana. Sem esquecer a total
instrumentalização do Estado e do dinheiro dos impostos, a despeito da poeira de anti-
estatismo lançada pelo mandarinato lançada e pelo telecomando de alguns parasitas auto-
designados empresários.
2 - O bloqueio resulta da incompetência ou é estrutural ?
2. Os governos em Portugal são, naturalmente, incompetentes e é mera ilusão esperar que
poderão vir aí uns que o não sejam, no capítulo dos interesses da multidão. A probabilidade de
a Senhora de Fátima aparecer no Rossio é maior.
Umas dessas razões são comuns a todos os governos europeus, tais como:
A política económica é determinada do exterior, com o PEC imposto por Bruxelas, com
as taxas de juro e os níveis de inflação decretadas pelo BCE, restando apenas o detalhe
da política fiscal, num quadro devidamente auditado pelo FMI, pela OCDE e pelas
empresas de “rating”;
O enquadramento estratégico, político e ideológico é fornecido pelo G-8, pelas cimeiras
de Davos, pelo grupo Bilderberg e alicerça-se na liberalização do comércio, na
desregulamentação do trabalho, na despudorada integração e instrumentalização do
Estado, na criminalização dos imigrantes, na liberdade dos movimentos de capitais, na
financiarização da economia, no acentuar das desigualdades, na luta “anti-terrorista”,
etc;
O mandarinato não se pretende particularmente competente na gestão da res publica,
pela sua visão e iniciativa mas, pelas suas funções de domésticos atentos e
cumpridores das instruções das multinacionais e do capital financeiro. O seu manual de
instruções – o tal tratado de Lisboa – ajusta-se perfeitamente ao perfil de um Cherne
fedorento retirado da lixeira após três dias ao sol, com um bando de moscas a esvoaçar
à sua volta;
O aumento do custo da energia, independentemente das flutuações conjunturais, é um
factor estrutural descurado totalmente pelo mandarinato, mais atento às necessidades
da indústria em amortizar as suas linhas de montagem, à distribuição dos lucros ou à
valorização das acções, do que pela investigação ou pela inovação.
As burguesias europeias inserem-se neste contexto, com variáveis margens de
manobra, de acordo com o seu poder económico e político, saindo umas mais
beneficiadas que outras, de acordo com uma hierarquia conhecida, encimada pela
Alemanha;
Outras razões prendem-se com as específicidades da formação económica e social portuguesa,
tais como:
A crescente periferização no contexto europeu e ibérico torna Portugal cada vez mais
impotente face às exigências e ao poder das multinacionais; desarmado perante a
lotaria dos mercados financeiros, o endividamento externo, a subida do preço do
dinheiro, o custo crescente da energia; mais acantonado em actividades excluidas da
concorrência mundial, abandonando a indústria e a agricultura, para se centrar, nas
áreas financeiras, no imobiliário e no turismo, etc;
A economia tem um perfil produtivo atrasado em termos europeus, com fraca
incorporação de capital ou conhecimento, muito marcado pelos ciclos baseados na
despesa pública, mormente em infraestruturas e no imobiliário, por seu turno
3. fornecedores de empresas, partidos e dignitários políticos, alargando assumidamente as
desigualdades;
Há uma hipertrofia do capital financeiro que detém um papel determinante no
encaminhamento de capitais para o exterior e na lavagem do dinheiro obtido na
corrução e em tráfegos diversos, em paralelo com um sistema fiscal labiríntico e uma
administração tributária convenientemente complacente;
o custo da energia é um factor de fragilização da economia que pouco se alterou depois
dos choques petrolíferos dos anos 70 do século passado, mantendo-se intocável o
império do carro individual para todo e qualquer trajecto;
A corrupção é histórica, endémica, impune e assumida, numa escala que só encontra
paralelo europeu na Itália e na Grécia, que tem o cuidado de pagar bem aos juizes para
garantir a sua neutralidade “técnica” como elementos centrais de um sistema de
justiça, burocrático e ineficaz. Sócrates ao elogiar o prestígio de Angola e do seu
presidente mais não revela que o seu sonho cleptocrático;
Após mais de 20 anos de diluição na UE, dos gastos pouco criteriosos dos fundos
comunitários, Portugal é um caso único de não aproximação aos padrões médios, um
país cujos nacionais, particularmente jovens, continuam a procurar empregos precários
e mal pagos no resto da Europa Ocidental, tal como aconteceu nas décadas de 60 e 70;
com a diferença de que os que emigram não são apenas os elementos sem
qualificações;
O perfil educativo e de formação para o trabalho é manifestamente inadequado em
qualquer estratégia de desenvolvimento, como se pode espelhar no seguinte quadro:
Estrutura do nível de formação de trabalhadores e patrões em 2006 (%)
Trabalhadores ocupados Patrões com assalariados
Superior Secundário Primário e Superior Secundário Primário e
superior e pré- secundário superior e pré- secundário
universitário inferior universitário inferior
Portugal 14 15 71 10 14 76
Espanha 34 23 43 29 23 48
UE - 27 26 49 25 32 44 24
Fonte: INE, A Península Ibérica em Números, 2007
e revela à saciedade o modelo económico baseado nos baixos salários, hoje sob o
pseudónimo de flexisegurança, nunca assumido pelo empresariato nem pelos partidos
do poder, que procuram mascarar a sua nefasta acção com o facilitismo escolar para
retocar a fotografia no plano europeu;
No contexto europeu, é em Portugal que melhor se manifesta e se desenvolve a pulsão
4. genocida do capitalismo mundial, onde cerca de cinco milhões de adultos são tratados
como elementos descartáveis, factores de custo não reprodutivo, objecto de uma
programada degradação das condições de vida (vide “A pulsão genocida da burguesia
portuguesa” e “O novo fascismo que está em marcha”, neste blog);
3 – Política de esquerda e esquerdas institucionais
Apesar do reconhecimento do esgotamento das capacidades do PS/PSD, da polarização de
todas as responsabilidades para o governo em exercício, a multidão em Portugal acaba por se
contradizer, participando por rotina, no folclore eleitoral, sabendo de antemão que com a
substituição do gang governamental, não surgirão mudanças substantivas.
Para essa contradição contribuem vários elementos:
A ausência de um debate sobre o contexto europeu e a escassa articulação das lutas
populares a nível europeu acentuam a noção de solidão, de isolamento e de impotência
junto dos trabalhadores portugueses;
A deficiente compreensão do carácter subalterno e executivo do governo português
resulta do não enraizamento da existência de um capitalismo global e das suas
instituições de normalização, com prerrogativas de Estado, como as da UE, a OMC, o
FMI, o G-8, que surgem como distantes, como que isentos de responsabilidades da
situação em Portugal;
Os dois elementos anteriores caracterizam também o discurso e a prática da esquerda
institucional que ao afunilarem as análises da situação e as responsabilidades no
quadro nacional contribuem, e de que maneira, para o bloqueio político e social e para a
desesperança que grassa na multidão;
E dessa desesperança beneficia o mandarinato, à direita ou à esquerda, que se arroga
da sua “especialização” remetendo implicitamente, a esmagadora maioria da população
para um alheamento da realidade política, confundida com o enjoo da política
institucional e dos arrotos mandarínicos nos media.
A actuação da esquerda institucional, mesmo nesse limitado quadro, não visa que não a
perpetuação da sua existência como simulacro de oposição e de esquerda. Vejamos como:
A sistemática recusa de assunção do PS como uma formação política de direita, gémea
do PSD num paralelo contraditório com a constante acentuação, das suas políticas de
direita. Tal atitude visa gerar uma esperança na regeneração do PS, secção portuguesa
do PSE, conglomerado que agrega os diversos partidos mais ou menos socialistas
nacionais. Toda a história do PS, desde a sua fundação revela um monótono
posicionamento à direita no contexto português que é, na realidade, uma emanação da
sua composição genética. Sem volta a dar;
Pretende-se com isso pressionar alguns elementos do PS a adoptar posições frontais de
5. oposição de esquerda, o que nunca aconteceu desde o 25 de Abril, com um significado
político útil e duradouro; pelo contrário, o que se tem assistido é a movimentação em
sentido contrário, da defecção no sentido do “tacho”, do PS. O crescimento de uma
esquerda faz-se através do enraizamento e consolidação de uma base social de
trabalhadores e não na cooptação ou convencimento de elementos isolados do PS sobre
a grandiosidade das lutas populares;
Pretende agitar a possibilidade de uma maioria de “esquerda” na AR que, de facto,
nunca serviu para nada a não ser para que a esquerda institucional (PC/BE) apresente,
responsáveis com que possa encobrir a sua própria e rotineira inoperância, para obviar
às dificuldades sentidas pelos trabalhadores e pela multidão. Fazê-lo é enredar os
trabalhadores, os desempregados e os precários em torno de uma quimera, que é a
retirada de benefícios pela actuação dos “seus representantes” nas instituições da
democracia cleptocrática de mercado;
Essa prática tem fundas raízes históricas. Durante o regime fascista foi alimentada a
ficção da existência de uma burguesia liberal susceptível de uma aliança com os
trabalhadores para a adopção de formas eficazes de combate anti-fascista. E, como se
sabe, a queda do regime saiu de uma das mais representativas instituições do poder, a
tropa, aproveitada e de que maneira, por um movimento de massas multiforme que
escapou aos esforços repressivos e disciplinadores, até estes se congregarem no 25 de
Novembro de 1975. Ficou aí institucionalizada a democracia de mercado, e consolidado
o caminho da “Europa connosco”, da CEE, de Maastricht, da UE, do euro, do PEC e do
actual tratado de Lisboa.
Atribuem demasiada dignidade à AR que mais não é que um palco que encobre a sede
da instância política que conta - o governo que tudo decide e os partidos que controlam
os deputados a eleger e mesmo depois de eleitos, pagando em contrapartida
escandalosas mordomias a esse conjunto de advogados, juristas e professores que
constituem mais de metade do hemiciclo(131 em 230 deputados).
Se a AR é um palco de mau teatro de revista, as suas sessões são um entretenimento
barato para a multidão que assim fica “convencida” da representatividade dos seus
interesses por aquela gente e que, portanto, se esquece que a resolução dos seus
problemas só pode surgir das suas próprias mãos, do seu esforço e não através da
delegação em marionetas políticos;
As experiências governativas de “esquerda” em alianças com o PS, em Lisboa,
naturalmente, em nada resultaram de bem estar para a população da cidade, nem
geraram qualquer movimento de apoio de massas capaz de criar uma alternativa
credível. Não foi estranho, portanto, que João Soares tenha sido derrotado por um
imbecil como o Santana; que a base eleitoral do PC se tenha esboroado, entretanto; e
que o BE pouco tenha para apresentar como fruto do seu acordo com o Costa, para
além da integração dos precários, estando ainda por ver a mais-valia do pusilânime Sá
Fernandes como candidato do partido. Estão bem à vista os resultados da gestão
autárquica do PS/PSD que transformou Lisboa numa das cidades portuguesas com
menos qualidade de vida e verdadeira montra do desleixo nacional para os turistas,
onde coabitam alegremente quarteirões abandonados, habitações degradadas,
conglomerados de prédios de escritórios e condomínios fechados, envolvidos por uma
teia caótica de trânsito.
Reafirmamos aqui, os nossos princípios:
6. 1 – Aposta principal na acção política fora das instituições da democracia de mercado com o
desmascaramento do seu papel de anestesiante e de factor resignativo e de diversão
para os reais interesses da multidão;
2 – Amplificação dos protestos, da desobediência, da contestação permanente como formas de
desgastar o inimigo socratóide ou quem lhe possa vir a suceder e dificultar, prejudicar ou
evitar o saque capitalista;
3 – Organização autónoma, troca de experiências, colaboração e coordenação dos grupos e
colectiivos de perfil anti-capitalista e anti-autoritário
4 – Integração dessa prática de luta com uma melhor compreensão do mundo actual, através
da discussão franca e descomplexada, sem protagonismos e sem atitudes religiosas de
posse da verdade, sobre temas como o capitalismo de hoje, o Estado, a representação
democrática, o papel do Estado-nação, etc
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt 17/7/08