1. A Fúria de Gaia
CAPÍTULO I
O dia estava quente como nunca esteve antes, nenhuma nuvem conseguia se formar no
céu, o Sol solitário castigava todo ser vivo que se atrevia a sair sob ele sem proteção, como se
quisesse se vingar de todos, culpando-os pela sua solidão no infinito. De lá do alto ele podia ver
os seres que mais admirava e odiava ao mesmo tempo: os humanos. Eles não eram de todo
maus, mas eles tinham uma coisa que o Sol, o Astro Rei, não tinha: a companhia de seus
semelhantes, todas as outras estrelas, suas irmãs e irmãos, estavam longe dele, podia apenas
observá-los à distância, percebendo e sentindo suas luzes e tentando adivinhar se pereceram ou
ainda iluminam e dão vida a plantas e animais que às vezes nem dão importância à razão de
suas existências. A única companhia que tinha era a da Terra, tão perto e tão distante ao mesmo
tempo, queria poder tê-la o que era impossível então ele se contentava em vê-la, desejava saber
se algum de seus irmãos e irmãs já amara dessa forma? Sem barreiras, sem interesse, apenas
amar. Não tinha como saber. No início fez seu trabalho muito contente, ajudar a dar vida a
milhares de seres para povoarem algum planeta que se dispusesse aguardá-los, viu-os crescer,
evoluir. Se alegrou quando os primeiros seres (ancestrais dos homens) se comunicaram com
dialetos e não mais com sons guturais, quando usaram pela primeira vez ferramentas, mas tudo
isso foi esquecido quando pela primeira vez o sangue de um inocente banhou o chão, morto por
um semelhante por ganância e inveja. Viu sem poder interferir a gradativa destruição do
planeta. A Terra apesar de ter o poder de destruir a todas as criaturas que a habitavam não tinha
coragem suficiente para dizimar suas crianças. O Sol não conseguia entender isso, eles a
estavam matando e ela não os odiava, ainda tinha a esperança de que eles se dessem conta do
que estavam fazendo,era o que dizia quando questionada pelo Sol.
_De que adianta insistir, Gaia? Eles não merecem a vida que demos a eles, estão te
infestando como pragas, usam e abusar da natureza, mas nada dão em troca, acham que podem
pegar sem recolocar no lugar. Não entendem que a própria sobrevivência depende disso!_
Reclama o Sol.
_Ainda acredito neles, meu querido. E mesmo arriscando minha vida irei até o fim com
eles, não suportaria vê-los deixar de existir. Ouvi um homem dizer, na ocasião do enterro e um
filho, que os pais não devem sobreviver a suas crianças._ Falou suavemente Gaia.
_Isso é loucura, Terra!_exclama o Sol. _Você não pode perecer, é minha companheira
há séculos, não suportaria te ver partir. _lamenta.
_Tu és o Astro Rei! Logo me esquecerá e tomarás outro planeta sob tua guarda. _
Argumentou Gaia.
_Não! _bradou o Sol. _Se não os destruíres não terei alternativa se fazê-lo eu mesmo!
Irei expandir até que te destruas junto com ele e morrerei em seguida. Não permitirei que partas
sem mim, não permitirei que esses ingratos te matem aos poucos!
_Sei que não farias isso contra minha vontade, meu querido. Também sei que como eu,
tu os ama. Nós dois demos vida a todos os humanos. _ falou Gaia.Essa conversa foi esquecida
durante muitos séculos. Os homens, pelo menos uma parte deles, perceberam o que estava por
vir, mas muitos ainda ignoravam os sinais que a Terra enviava, seus tormentos e suas dores
eram já muito grandes para suportar sem causar danos a populações humanas. Catástrofes
começaram a ocorrer. Gaia não agüentava mais todo esse tormento. Os humanos tinham
explorado todos os recursos naturais disponíveis, ela que um dia foi bela e vistosa agora estava
velha e sentindo que dentro de alguns séculos não suportaria mais e morreria. Não podia estar
mais errada.
Pela primeira vez a Lua falou:
_Gaia, já esta mais do que na hora de perceberes que se não expulsares o que te
incomoda morrerás.
Gaia nunca ouvira a Lua falar e ficou impressionada, achava que ele era apenas um
corpo sem vida de algum planeta que foi minguando até se tornar o que é hoje: apenas um
satélite natural que só serve para controlar as marés.
_Por que nunca tinhas falado? Pensei que nesse vasto sistema apenas o Sol e eu
tínhamos vida! _exclamou Gaia.
_As aparências enganam, não é?_ Disse sorrindo a Lua. _Aceita meu conselho e te
surpreenderás.
_Não matarei meus filhos!
_Faz o que digo e verás.
Assim calou-se a Lua, e por muitos milhões de anos sua voz não foi ouvida novamente.
O Sol, que ouvira a conversa, disse:
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2. A Fúria de Gaia
_ Ele tem razão, Gaia. Nós realmente não sabemos o que irá acontecer com todos eles, é
imprevisível. E se para que eles descubram a importância que tu tens na vida deles, não terão
que passar por uma provação?
_Mesmo assim não gosto da idéia de fazer isso voluntariamente.
_Não quero perdê-la, sem ti não saberei o que fazer e irei morrer com a esperança de te
encontrar. _lamentou o Sol _Mas fazes o que achares que deve ser feito. Amo te, Gaia, e sabes
disso trocaria tudo para poder te sentir apenas uma vez.
_Meu querido. _chorou Gaia, e suas lágrimas caíram na superfície em forma de chuva,
seu pranto aumentou até se tornar uma tempestade em vários lugares do planeta. Nas regiões
próximas aos extremos norte e sul uma nevasca cobriu cidades inteiras, ocorreram enchentes e
naufrágios, o mar varreu a costa dos continentes. Em regiões vulcânicas o magma foi expelido
com violência nunca vista, usinas nucleares vazaram causando desastres maiores. Terremotos
causaram a destruição do que as águas deixaram passar. Furacões varreram o que as águas e os
terremotos deixaram para trás tudo o que sobrou foram escombros do que um dia foi a
civilização humana. E foi assim que os humanos foram quase dizimados, digo quase, pois
muitos sobreviveram, mas Gaia não tomou conhecimento desse fato. Achando que seus filhos
estavam mortos, ela silenciou-se durante dois bilhões de anos, pois apesar de salva sentia que o
preço fora alto demais. O Sol a via de longe e nada podia fazer a não ser esperar que ela esteja
pronta para recomeçar e talvez dessa vez dê certo.
Muitas mudanças ocorreram, aos poucos enquanto Gaia sarava suas feridas, sua
aparência se modificava principalmente sua geografia; o continente antártico migrou para o
norte parando entre a América do Sul e a África, formando uma enorme floresta tropical. A
América do Norte e a Europa e parte da Ásia uniram-se bem acima deste último formando um
continente gelado, a outra parte da Ásia tornou-se um continente isolado ao leste, a América
Central foi quase toda engolida pelas águas formando uma ilha a oeste, toda a Oceania foi
coberta pelas águas do pacífico. Gaia já havia recuperado todas suas forças, mas não se
manifestou mesmo assim. E sem que ela se desse conta, os remanescentes já estavam
novamente se agrupando em vilas, mas toda tecnologia fora perdida, dela só restaram alguns
poucos livros que contavam como tinha sido a civilização dos homens. Eles eram agora mais
fortes e sua pele era de cor morena em sua maioria, mas os que viviam no continente gelado
eram de uma pele clara formavam uma minoria e não mantinham quase nenhum contato,
apenas comerciais. Mas apesar de estarem separados todos os humanos sabiam da lenda que
seus avôs contavam sobre quando Gaia se cansou dos humanos e como foi bondosa em não
destruir a todos.
Longe, onde o Sol estava, viu os humanos se erguerem novamente e se alegrou, pois eles
eram também seus filhos.
_Gaia, minha querida, acorde! Olhe, eles estão vivos! Acorde! _dito isso ele iluminou e
enviando raios para a Terra tentando acordá-la. Aos poucos ela foi acordando de seu sono,
olhando para seus filhos se surpreendeu.
_Oh! Minhas crianças, elas estão vivas, sobreviveram!
_Te esquecestes da habilidade dos homens de superarem os desafios e levantarem mais
fortes do que eram antes, Mãe Terra? Falou de repente a Lua.
_Subestimei meus próprios filhos, admito. Mas isso não tira minha felicidade, pois não
os queria mortos. Não era minha intenção matá-los a todos. Depois que comecei não consegui
mais parar.
_O que importa é que eles estão bem agora e creio que eles aprenderam a lição, minha
querida. _disse o Sol. _Obrigado Lua. Sem seu conselho nunca Gaia teria começado o que fez.
_Não precisa agradecer. Há muito estava inquieto, não pude mais olhar apenas, não
podia deixar de interferir. Em toda minha existência nunca tinha visto um povo tão belo, tão
inteligente e tão estúpido ao mesmo tempo. As regras são de não interferir, mas é injusto que
apenas possa olhar e ser testemunha do que acontece no universo.
_Então você está por aí há mais tempo que eu? _perguntou surpreso o Sol.
_Sim. E existem muito mais de minha espécie do que vocês imaginam, e pelas regras
não podemos interferir, apenas observar. Vivemos num lugar que os humanos, e outras espécies
também, chamam de plano superior. Estamos interligados e agora todos sabem o que fiz. E
virão até mim, para me castigarem.
_Não podem fazer isso! _exclamou Gaia. _Não entendo por que tens que ser castigado
por ajudar.
_O que irão fazer a ti, amigo? Pergunta o Sol.
_Irão destruir meu corpo físico, não poderei mais vir a esse plano.
_Como eles virão até aqui? Vocês podem se mover?
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3. A Fúria de Gaia
_Não, não com nossos corpos, temos o que chamamos de avatares, podemos fazer um
de cada vez e destruí-los quando bem entendermos, também podemos escolher a forma deles,
com que espécie eles se parecerão. São como uma extensão de nossas mentes e viajam pelo
espaço em cometas, para conhecer mais sobre as outras criaturas e descobrir espécies novas
para serem observadas, quando descobrem algo novo um de nós é enviado para o local através
do que chamamos de transmutação que consiste no seguinte: ao ser escolhido quem irá
observar, um avatar é produzido por ele e enviado ao local chegando lá o avatar se implode e
transmuta-se num corpo maior e imóvel e toda mente do escolhido e dono do avatar é
automaticamente transferida para lá, nesses casos o avatar não tem mente própria é uma
simples marionete, não pensa. Agora milhares deles dirigem-se para cá. Quebrei uma regra e
não poderei voltar a esse plano.
_Deve haver algo que possamos fazer, não somos móveis e não temos avatares, mas
posso com meu campo gravitacional fazer com que eles mudem sua rota. _disse Gaia.
_Isso! Você os manda para mim, não resistirão ao calor do meu corpo. Alegrou-se o Sol.
_Não queremos de forma nenhuma que você seja destruído!
_Agradeço a preocupação. Mas isso não adiantará, virão mais e mais, além disso, sei que
errei e devo ser punido. Irei com muita tristeza, pois como vocês, também amo os humanos,
tenho até uma pequena participação na evolução deles. Se não tivesse enviado meu avatar à
Terra, os dinossauros não teriam sido extintos e a evolução humana teria sido para simples
animais primitivos, não seria eles a dominarem o planeta. Fui perdoado daquela vez por ter
interferido, não fui destruído, mas me proibiram de proibiram de interferir novamente. E se o
fizesse minha punição seria realizada. Eles estão vindo na maior velocidade possível, chegarão
em uma semana terrestre.
O sol e a Terra não sabiam o que dizer ou fazer. Graças a Lua, Gaia estava viva e também
seus filhos. Tinham uma divida com ele, mas estavam impotentes diante dessa situação. Alguns
dias terrestres passaram e até esse dia a Lua tinha ficado calada.
_Eles chegaram ao nosso sistema solar. “Nosso”, vejam só há tanto tempo que moro
aqui que já me considero um nativo.
_Você faz parte disso tudo, pode ter certeza, amigo. Consolou-o Gaia.
_Você tem razão, querida. E não importa o que você diga, nós iremos protegê-lo.
Declarou o Sol.
_Não façam nada, por favor, meus queridos amigos! Pediu a Lua.
_Mas você tem o direito de se defender! Argumentou o Sol.
_Não estamos num tribunal humano. As coisas não funcionam assim para nossa
espécie. Quando quebramos nossas regras, todos ficam sabendo, por isso não precisamos de
julgamento, somos punidos de imediato.
_Então tudo que podemos fazer é esperar?! Gaia Falou indignada.
_Isso mesmo. Disse a Lua, e ficou pensativa durante os dois dias que se seguiram.
Ao final do terceiro, os avatares já tinham cruzado Marte. Chegaram próximos a Terra
no inicio da quarta volta em torno de si mesma. Estava tudo pronto, mesmo que a Lua não
quisesse o Sol e Gaia iriam fazer algo para impedir que seu amigo fosse destruído. A fase lunar
beneficiava a Lua, eles teriam que passar bem próximos a Gaia. Ao se aproximarem, ela deu
inicio ao plano. Utilizando a sua atração gravitacional, apenas o suficiente para modificar a
trajetória dos avatares, teve uma surpresa: eles não foram desviados de seu destino, ao invés
disso, eles simplesmente pararam na órbita da Terra.
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