PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
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1. Os novos pastores
Com menos ênfase no sobrenatural e mais
investimento em técnicas de auto-ajuda,
a nova geração de pregadores evangélicos
multiplica o rebanho protestante e aumenta
a sua penetração na classe média
Camila Pereira e Juliana Linhares
Valéria Gonçalves/AE
REBANHO QUE CRESCE
Evangélicos na Marcha para Jesus, evento que reuniu 3 milhões
de pessoas em São Paulo em junho
A informação foi divulgada pela primeira vez no
último mês de maio, para perplexidade dos 320
bispos católicos reunidos na 44ª Assembléia Geral da
NESTA EDIÇÃO
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
Como se forma um pregador
em Indaiatuba, no interior de São Paulo: nas últimas
décadas, a Igreja Católica brasileira perdeu nada
menos do que 15 milhões de almas, segundo pesquisa de mobilidade religiosa feita
pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris). O trabalho,
coordenado pela socióloga Sílvia Regina Fernandes, abrangeu cinqüenta municípios
brasileiros, sendo 23 capitais, e foi realizado entre agosto e novembro de 2004. De
acordo com o estudo, o primeiro motivo pelo qual o católico vem abandonando a
doutrina é a discordância em relação aos seus princípios. O segundo é a sensação
de não ser acolhido pela igreja e o terceiro é o fato de não ter encontrado nela
apoio para os momentos difíceis. Os resultados da pesquisa do Ceris embutiam um
desconcertante corolário: de que, de cada dez ex-católicos, sete se tornaram
evangélicos. De 2000, ano do último censo, a 2003, o número de evangélicos
brasileiros passou de 15% para quase 18% da população, conforme estudo inédito
feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenado pelo economista Marcelo
Neri. Em valores absolutos, isso significa dizer que, em três anos, quase 6 milhões
de brasileiros aderiram ao protestantismo, que continua crescendo com fôlego
renovado graças ao trabalho de uma nova geração de pastores.
2. Das três grandes correntes evangélicas presentes hoje no Brasil(veja quadro), a
neopentecostal é a que mais cresce. Surgida na década de 70, ela teve como
principais expoentes pregadores como o pastor Romildo Ribeiro Soares, conhecido
como R.R. Soares, e o bispo Edir Macedo. Juntos, eles fundaram a Universal do
Reino de Deus e lotaram estádios com seus brados de cura e suas performances
exorcistas. Eram tempos muito diferentes para os evangélicos: no início dos anos
90, eles não passavam de 9% da população brasileira. Na tentativa, então, de abrir
portas para o neopentecostalismo nascente, alguns pastores acabaram por
arrombá-las. Um dos episódios mais famosos ocorreu em 1995, durante a
transmissão do programa Despertar da Fé, na TV Record. Para salientar a diferença
entre os evangélicos e os "adoradores de imagem" católicos, o pastor Sergio
vonHelde, da Universal do Reino de Deus, desferiu socos e pontapés em uma
estátua de Nossa Senhora Aparecida. A cena foi ao ar no dia 12 de outubro, data
que os católicos devotam à santa, e ganhou tamanha repercussão que, quatro dias
depois, o bispo Edir Macedo foi obrigado a ir à TV pedir desculpas públicas aos
católicos. Embora Macedo continue a ocupar o posto de líder máximo da Universal e
R.R. Soares, hoje líder de uma igreja dissidente, mantenha no ar seu programa
religioso há mais de 25 anos, ambos os religiosos pertencem a uma geração
passada. Na pregação das novas estrelas evangélicas não há espaço para
destruição de santos ou descrições sobre o apocalipse e o demônio. O Deus que
pregam os telepastores da segunda geração não tem na ira sua característica
principal. Tampouco cultiva o hábito de espreitar as carteiras de fiéis à procura de
tostões secretamente sonegados, como sugeriam, ameaçadores, muitos dos
pastores antigos, defensores da tese de que uma boa graça tem seu preço.
Claudio Rossi
VELHA-GUARDA
Decano dos televangelistas brasileiros, o pastor R.R.
Soares está há mais de 25 anos no ar
A nova geração de líderes evangélicos achou um caminho muito mais certeiro e útil
de chegar ao coração dos fiéis: o da auto-ajuda. A promessa é a mesma que
ofereciam pentecostais e neopentecostais da geração passada: o da felicidade e
prosperidade aqui e agora. Só que, para alcançá-las, os novos pastores sugerem
outras ferramentas: além da fé, o bom senso; somado à intervenção divina, o
esforço individual. "O discurso atual dá mais ênfase ao pragmatismo e à próatividade do fiel do que ao sobrenatural", avalia o pesquisador da PUC-SP Adilson
José Francisco. "Em vez de pregar, como fazem algumas igrejas, a libertação de
todos os males por meio do exorcismo, por exemplo, esses pastores adotam alguns
conceitos da psicologia: para se livrar dos problemas, é preciso uma mudança de
3. atitude, na maneira de ver o mundo", explica o antropólogo Flávio Conrado,
pesquisador do Instituto de Estudos da Religião. Um indicativo claro dessa
transformação está na comparação da produção literária dos velhos e dos novos
pastores. Títulos comoA Fé de Abraão ou Estudo do Apocalipse, assinados pelo
bispo Edir Macedo, abrem lugar nas prateleiras das livrarias evangélicas para obras
com títulos como Jamais Desista!, do pastor metodista Silmar Coelho, ou Vencendo
Obstáculos e Conquistando Vitórias, de autoria de Silas Malafaia. Um dos nomes
mais conhecidos da Assembléia de Deus, o pastor Malafaia chega a vender, por
ano, 1 milhão de DVDs e CDs de pregações de conteúdo motivacional. Em seus
discursos, as parábolas bíblicas dão lugar à objetividade de um Lair Ribeiro. Conflito
amoroso? "Vem cá, minha filha: o sujeito é bonitão e sarado, mas não trabalha
nem estuda? Então, fica com o magrinho narigudo que é melhor! Ele pode ser feio
mas é trabalhador", brada o pastor. Perda de emprego? "Meu amigo, você ganhava
700 reais e viu abrir uma porta de 300 reais? Mete a cara! Não fica dizendo que
Deus está olhando, que vai abrir uma porta melhor... Deus tá vendo o quê, rapaz?
Vai trabalhar!" "Os neopentecostais pregam o faça-você-mesmo", afirma o
historiador e especialista em religiões da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Eduardo Bastos de Albuquerque. "E, muitas vezes, a técnica funciona. Ao deixar de
beber, fumar, brigar dentro de casa e ao passar a trabalhar, o fiel alcança, de fato,
uma melhoria de vida."
Para o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do Sul, o sucesso do
discurso dos novos pastores está diretamente relacionado ao que ele chama de
"desencanto" dos fiéis em relação à idéia da "barganha" com Deus proposta pelos
antigos pregadores. "Há certa decepção com esse discurso fácil de que bastaria dar
o dízimo e orar que Deus deixaria todo mundo feliz, vitorioso e saudável", diz. O
sociólogo chama ainda atenção para o fato de que, ao enfatizarem a importância da
racionalidade em detrimento da magia, os novos pastores estão mirando um
segmento que, embora ainda incipiente, começa a crescer: o dos fiéis de classe
média. As últimas pesquisas indicam que a maior parte dos evangélicos ainda
pertence às classes econômicas mais pobres. O estudo "Retratos das religiões no
Brasil", divulgado no ano passado pela FGV, mostra que, enquanto o porcentual de
evangélicos em todo o país, em 2000, era de 15%, na periferia das regiões
metropolitanas ele chegava a 20%. Na comparação com fiéis de outras religiões, a
situação socioeconômica dos evangélicos também é desfavorável. Em média, eles
ganham 7% a menos do que os trabalhadores católicos, diz a pesquisa. Alguns
indícios, no entanto, sugerem que as igrejas evangélicas começam a penetrar de
forma mais intensa nas classes econômicas mais altas. A formação dos próprios
pregadores é um desses indicativos. O decano R.R. Soares, por exemplo, é filho de
pedreiro, não tem curso superior e, antes de ingressar na carreira religiosa, era
comerciante, assim como Edir Macedo. Dos cinco pastores da nova geração ouvidos
por VEJA, quatro têm curso superior e dois deles possuem pós-graduação: Malafaia,
da Assembléia de Deus, é teólogo e psicólogo; Rinaldo de Seixas Pereira, da Bola
de Neve Church, é formado em propaganda e marketing, com pós-graduação em
marketing; Silmar Coelho, da Igreja Metodista Wesleyana, é teólogo, com
doutorado em teologia e liderança; e Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, é
físico, com especialização em ressonância magnética nuclear.
A qualificação desses novos pregadores não contribuiu apenas para que eles
modernizassem seus discursos, mas, em alguns casos, para que aprimorassem
técnicas de gerenciamento de suas igrejas também. O conceito de segmentação
está presente nos espaços e eventos dedicados ao público jovem da igreja Sara
Nossa Terra. "Dar um tratamento diferenciado a jovens ou idosos é uma
preocupação que não existe nas igrejas evangélicas mais antigas", diz o professor e
pesquisador da Universidade de Brasília Rogério Rodrigues da Silva. Os evangélicos
são hoje o grupo religioso que mais cresce no Brasil – e nada indica que isso vá
mudar. Basta ver a rapidez com que a igreja cria novas lideranças. Atualmente, o
4. número de pastores evangélicos por fiel é dezoito vezes maior que a proporção de
padres por católico. Enquanto a Igreja Católica não consegue ordenar mais do que
900 padres por ano, só um único instituto evangélico de São Paulo forma, no
mesmo período, 200 pastores(veja reportagem). O sucesso da doutrina, a
facilidade de comunicação com os fiéis e a eficiência na gestão das igrejas
permitem vislumbrar templos evangélicos cada vez mais cheios. Projeção feita pelo
economista Marcelo Neri indica que em 2015 mais de 20% da população brasileira
será evangélica. É o rebanho cada vez mais satisfeito com o que lhe proporciona
sua fé.
Lailson Santos
SANDY DOS EVANGÉLICOS
A pastora e cantora batista Ana Paula Valadão, entre o
pai, Márcio (à esq.), e o irmão André: show para um 1
milhão de fiéis
Nélio Rodrigues/1º Plano
Nome: Ana Paula Valadão
Idade: 30 anos
Formação: superior incompleto
Igreja: Igreja Batista (Convenção Batista Nacional)
Sede: Brasília (DF)
Número de templos: 2 200
Com seu rosto bonito, voz afinada, ar de moça comportada
e sorriso eternamente pregado no rosto, Ana Paula Valadão
mais parece uma estrela pop de público adolescente do que
pastora da Igreja Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte –
função que exerce há seis anos. Na verdade, ela é as duas
coisas. À frente da banda Diante do Trono, essa mineira de
30 anos se tornou uma das maiores estrelas brasileiras da
5. música gospel. Dos oito CDs lançados por seu grupo, sete já
ultrapassaram a marca de 400 000 cópias vendidas. Em
2004, em uma apresentação em Salvador, a banda reuniu 1
milhão de pessoas. Nos shows, as músicas (quase todas
compostas por ela) são acompanhadas em uníssono pelo
público. Em ritmos que vão de baladas românticas a
animadas canções pop, as letras falam de um Deus bom,
que ama a todos e oferece proteção. Nenhuma referência
ao demônio ou ao mau-olhado, comuns no receituário dos
primeiros superpregadores. Filha do pastor Márcio Valadão,
que preside a Igreja da Lagoinha há 35 anos, Ana Paula
começou a cantar em hospitais, festas familiares e no coral
da igreja. Hoje, também faz sucesso na TV. Seu programa,
que tem o mesmo nome da banda, é um dos mais vistos da
Rede Super, canal de sua igreja. O irmão e o marido – a
família é formada por quatro gerações de evangélicos –
também são pastores e têm seus próprios programas. Ana
Paula, no entanto, faz questão de ressaltar que o sucesso
não passa de uma conseqüência menor de sua missão.
Como diz, docemente, a pastora: "Nós não fazemos
entretenimento. Queremos que as pessoas se divirtam, mas
louvando ao Senhor, e não a nós".
Fotos Lailson Santos
FÉ SOBRE AS ONDAS
Rinaldo Pereira, fundador da Church Bola de Neve: entre
pranchas de surfe (acima) e pregando para a "galera"
6. Nome: Rinaldo de Seixas Pereira
Idade: 34 anos
Formação: publicitário
Igreja: Bola de Neve Church
Sede: São Paulo (SP)
Número de templos: 26
Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, o pastor Rina, gosta de dizer
que a coisa que mais gosta de fazer na vida é orar – e, em
segundo lugar, surfar. Aos 34 anos, cabelo espetado,
figurino surfwear, ele é o fundador da igreja neopentecostal
Bola de Neve Church. Com seis anos de existência, ela tem
um público formado essencialmente por jovens, em sua
maioria surfistas e skatistas – e vem daí o seu nome,
explica Rina. "Bola de Neve é porque eu sabia que seria
uma coisa que cresceria. Church porque era como os
primeiros freqüentadores, esportistas que costumam usar
muitas palavras em inglês, chamavam carinhosamente o
templo. Acabei incorporando", conta o pastor. Pouca coisa
na Bola de Neve lembra uma igreja evangélica tradicional.
No púlpito, uma prancha de surfe faz as vezes de altar. Na
platéia, o que se vê são jovens de boné, tatuagem e
piercing. Imagens de paisagens e animais são projetadas
nas paredes do templo enquanto Rina fala. "Está
estressado? Anda tomando Yakult com o chinelo na mão
para matar os lactobacilos vivos? Pensa, 'cabeção'! Em vez
de estourar uma 'bucha' (fumar um cigarro grande de
maconha, na gíria do surfe) e ficar 'doidão' por aí, ora para
Deus." Se, na forma, a pregação de Rina soa moderna, no
conteúdo é mais tradicional. O pastor defende a
manutenção da virgindade até o casamento, é favorável ao
aborto apenas em casos de estupro e só aceita no templo
gays dispostos a "converter-se" ao heterossexualismo.
Fotos Anderson Schneider
PREGAÇÃO DE RESULTADOS
Robson Rodovalho: rombo no cartão de crédito se
resolve com economia, e não com oração
7. Nome: Robson Rodovalho
Idade: 50 anos
Formação: físico
Igreja: Sara Nossa Terra
Sede: Brasília (DF)
Número de templos: 650
"Quem aqui está com o cartão de crédito estourado que
levante a mão", pede o bispo Robson Rodovalho, fundador
da igreja Sara Nossa Terra. Depois de observar as dezenas
de braços erguidos na platéia, ele diz: "Então, hoje nós
vamos fazer uma lista dos gastos que podemos cortar e
planejar nossas contas para os próximos três meses". Na
igreja do bispo Rodovalho – dono da Rádio Sara Brasil FM e
da Rede Gênesis, canal de programação gospel em que ele
é a principal estrela –, cartão de crédito no vermelho se
resolve com aperto de cinto, e não com oração. Judoca,
praticante de corrida e musculação, o bispo conta com a
ajuda da mulher, Maria Lúcia, para administrar os negócios
e a igreja que fundou em 1992 – e que, por causa de
incursões ocasionais de atrizes como Deborah Secco e de
cantores como Rodolfo (ex-integrante da banda de rock
Raimundos), ficou conhecida como "a igreja dos famosos".
A também bispa Maria Lúcia é a encarregada do segmento
jovem da Sara Nossa Terra. Além de introduzir nos templos
aulas de hip hop, capoeira e funk – tudo embalado ao som
de música gospel –, a bispa criou o que batizou de "point",
um encontro dominical de jovens. "Lá, eles podem cantar,
dançar e até beijar na boca", explica.
8. "CASAMENTO É COMO CONTA BANCÁRIA"
"Só saca quem deposita", diz o pastor Silmar
Coelho(acima, na academia de seu prédio)
Nome: Silmar Coelho
Idade: 55 anos
Formação: teólogo
Igreja: Igreja Metodista Wesleyana
Sede: Petrópolis (RJ)
Número de templos: 500
Em arrastado sotaque carioca, o pastor Silmar Coelho
provoca os fiéis do sexo masculino: "Meu irrrrmão,
casamento é que nem conta bancária. Só saca quem
deposita. Tem de dar flores, elogiar todo dia. Depois, não
adianta reclamar que o saldo tá zerado". Foi assim,
recorrendo mais a conselhos práticos do que a citações
bíblicas, que esse pastor metodista se tornou uma
celebridade do mundo evangélico. Seu sucesso é tão grande
que ele hoje é convidado a dar palestras para as mais
diferentes correntes evangélicas do país: virou uma espécie
de consultor para pastores com dificuldades de ibope. O
segredo de Silmar está na capacidade de usar piadas, cenas
de cinema e metáforas futebolísticas para ilustrar os
preceitos da doutrina evangélica e dar suas receitas de
felicidade conjugal, resumidas em livros como Manual de
Namoro e Sexo e Quanto Vale Quem Você Ama, dois dos
dezoito títulos que ele publicou nos últimos anos.
9. Fotos Roberto Setton
CAMPEÃO DE VENDAS
Silas Malafaia, que vende 1 milhão de CDs e DVDs de
pregação: "Naquilo que o homem pode resolver, Deus
não move uma palha"
Nome: Silas Malafaia
Idade: 48 anos
Formação: psicólogo
Igreja: Assembléia de Deus
Sede: Rio de Janeiro (RJ)
Número de templos: 180 000
Há 24 anos no ar, o telepastor Silas Malafaia, da Assembléia
de Deus, tem idade e tempo de estrada suficientes para ser
considerado um pregador da antiga geração. Basta que
comece a falar, no entanto, para que se perceba que sua
oratória não poderia ser mais atual. Malafaia tornou-se o
campeão brasileiro de venda de DVDs e CDs de pregação (1
milhão de unidades comercializadas por ano) com o
discurso evangélico da moda: aquele que defende que, na
busca pela felicidade, recorrer ao bom senso e ao esforço
individual pode ser muito mais eficaz do que ficar
aguardando a providência divina. Seu grande ensinamento
é: "Deus move o céu inteiro naquilo que o ser humano é
incapaz de fazer. Mas não move uma palha naquilo que a
capacidade humana pode resolver".
http://veja.abril.com.br/120706/p_076.html
Edição 1964 . 12 de julho de 2006
10. "É possível acreditar em Deus usando a razão", afirma
William Lane Craig
O filósofo e teólogo defende o cristianismo, a ressurreição de Jesus e a
veracidade da Bíblia a partir de construção lógica e racional, e se destaca
em debates com pensadores ateus
Marco Túlio Pires, de Águas de Lindóia
William Lane Craig: "Sem Deus, não é possível explicar a existência de valores e deveres morais
objetivos" (Divulgação)
"Se você acha que a religião é um conto de fadas, não acredite. Mas se o cristianismo é a
verdade — como penso que é — temos que acreditar nele independente das
consequências. É o que as pessoas racionais fazem, elas acreditam na verdade. A via
contrária é o pragmatismo. 'Isso Funciona? Não importa se é verdade, quero saber se
funciona'"
William Lane Craig
Quando o escritor britânico Christopher Hitchens, um dos maiores defensores do ateísmo,
travou um longo debate nos Estados Unidos, em abril de 2009, com o filósofo e teólogo
William Lane Craig sobre a existência de Deus, seus colegas ateus ficaram tensos.
Momentos antes de subir ao palco, Hitchens — que morreu em dezembro de 2011. aos
62 anos — falou a jornalistas sobre a expectativa de enfrentar Craig.
"Posso dizer que meus colegas ateus o levam bem a sério", disse. "Ele é considerado um
adversário muito duro, rigoroso, culto e formidável", continuou. "Normalmente as pessoas
não me dizem 'boa sorte' ou 'não nos decepcione' antes de um debate — mas hoje, é o
tipo de coisa que estão me dizendo". Difícil saber se houve um vencedor do debate. O
certo é que Craig se destaca pela elegância com que apresenta seus argumentos, mesmo
quando submetido ao fogo cerrado.
11. O teólogo evangélico é considerado um dos maiores defensores da doutrina cristã na
atualidade. Craig, que vive em Atlanta (EUA) com a esposa, sustenta que a existência de
Deus e a ressurreição de Jesus, por exemplo, não são apenas questões de fé, mas
passíveis de prova lógica e racional. Em seu currículo de debates estão o famoso químico
e autor britânico Peter Atkins e o neurocientista americano Sam Harris (veja lista com
vídeos legendados de Craig). Basta uma rápida procura no Youtube para encontrar uma
vastidão de debates travados entre Craig e diversos estudiosos. Richard Dawkins, um
dos maiores críticos do teísmo, ainda se recusa a discutir com Craig sobre a existência de
Deus.
Em artigo publicado no jornal inglês The Guardian, Dawkins afirma que Craig faz
apologia ao genocídio, por defender passagens da Bíblia que justificam a morte de
homens, mulheres e crianças por meio de ordens divinas. "Vocês apertariam a mão de um
homem que escreve esse tipo de coisa? Vocês compartilhariam o mesmo palco que ele?
Eu não, eu me recuso", escreveu. Na entrevista abaixo, Craig fala sobre o assunto.
Autor de diversos livros — entre eles Em Guarda – Defenda a fé cristã com razão e
precisão(Ed. Vida Nova), lançado no fim de 2011 no Brasil, — Craig é doutor em filosofia
pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e em teologia pela Universidade de
Munique, Alemanha. O filósofo esteve no Brasil para o 8º Congresso de Teologia da
Editora Vida Nova, em Águas de Lindóia, entre 13 e 16 de março. Durante o simpósio,
Craig deu palestras e dedicou a última apresentação a atacar, ponto a ponto, os
argumentos de Richard Dawkins sobre a inexistência de Deus.
Perfil
Nome: William Lane Craig
Profissão: Filósofo, teólogo e professor universitário na Universidade de Biola, Califórnia
Nascimento: 23 de agosto de 1949
Livros destacados: Apologética Contemporânea – A veracidade da Fé Cristã; Em Guarda, Defenda a fé
cristã com razão e precisão; ambos publicados no Brasil pela editora Vida Nova
Principal contribuição para a filosofia: Craig foi responsável por reformular o Argumento Cosmológico
Kalam (variação do argumento cosmológico que defende a existência de uma primeira causa para o
universo) nos seguintes termos: 1) Tudo que começa a existir tem uma causa de existência. 2) O universo
começou a existir. 3) Portanto, o universo tem uma causa para sua existência.
Informações pessoais: William Lane Craig é conhecido pelo trabalho na filosofia do tempo e na filosofia
da religião, especificamente sobre a existência de Deus e na defesa do teísmo cristão. Escreveu e editou
mais de 30 livros, é doutor em filosofia e teologia em universidades inglesa e alemã e desde 1996 é
pesquisador e professor de filosofia na Universidade de Biola, na Califórnia. Atualmente vive em Atlanta,
nos EUA, com a esposa. Craig pratica exercícios regularmente como forma de combater a APM (Atrofia
Peronial Muscular) uma doença degenerativa do sistema nervoso que lhe causou atrofiamento dos nervos
das mãos e pernas. Especialista em debates desde o ensino médio, o filósofo passa a maior parte do
tempo estudando.
Por que deveríamos acreditar em Deus?Porque os argumentos e evidências que
apontam para a Sua existência são mais plausíveis do que aqueles que apontam para a
negação. Vários argumentos dão força à ideia de que Deus existe. Ele é a melhor
explicação para a existência de tudo a partir de um momento no passado finito, e também
a para o ajuste preciso do universo, levando ao surgimento de vida inteligente. Deus
também é a melhor explicação para a existência de deveres e valores morais objetivos no
mundo. Com isso, quero dizer valores e deveres que existem independentemente da
opinião humana.
12. Se Deus é bondade e justiça, por que ele não criou um universo perfeito onde todas
as pessoas vivem felizes? Acho que esse é o desejo de Deus. É o que a Bíblia ensina. O
fato de que o desejo de Deus não é realizado implica que os seres humanos possuem
livre-arbítrio. Não concordo com os teólogos que dizem que Deus determina quem é salvo
ou não. Parece-me que os próprios humanos determinam isso. A única razão pela qual
algumas pessoas não são salvas é porque elas próprias rejeitam livremente a vontade de
Deus de salvá-las.
Alguns cientistas argumentam que o livre-arbítrio não existe. Se esse for o caso, as
pessoas poderiam ser julgadas por Deus? Não, elas não poderiam. Acredito que esses
autores estão errados. É difícil entender como a concepção do determinismo pode ser
racional. Se acreditarmos que tudo é determinado, então até a crença no determinismo foi
determinada. Nesse contexto, não se chega a essa conclusão por reflexão racional. Ela
seria tão natural e inevitável como um dente que nasce ou uma árvore que dá galhos.
Penso que o determinismo, racionalmente, não passa de absurdo. Não é possível
acreditar racionalmente nele. Portanto, a atitude racional é negá-lo e acreditar que existe o
livre-arbítrio.
O senhor defende em seu site uma passagem do Velho Testamento em que Deus
ordena a destruição da cidade de Canaã, inclusive autorizando o genocídio,
argumentando que os inocentes mortos nesse massacre seriam salvos pela graça
divina. Esse não é um argumento perigosamente próximo daqueles usados por
terroristas motivados pela religião? A teoria ética desses terroristas não está errada.
Isso, contudo, não quer dizer que eles estão certos. O problema é a crença deles no deus
errado. O verdadeiro Deus não ordena atos terroristas e, portanto, eles estariam
cometendo uma atrocidade moral. Quero dizer que se Deus decide tirar a vida de uma
pessoa inocente, especialmente uma criança, a Sua graça se estende a ela.
Se o terrorista é cristão o ato terrorista motivado pela religião é justificável, por ele
acreditar no Deus ‘certo’? Não é suficiente acreditar no deus certo. É preciso garantir
que os comandos divinos estão sendo corretamente interpretados. Não acho que Deus dê
esse tipo de comando hoje em dia. Os casos do Velho Testamento, como a conquista de
Canaã, não representam a vontade normal de Deus.
O sr. está querendo dizer que Deus também está sujeito a variações de humor? Não
é plausível esperar que pelo menos Ele seja consistente? Penso que Deus pode fazer
exceções aos comandos morais que dá. O principal exemplo no Velho Testamento é a
ordem que ele dá a Abraão para sacrificar seu filho Isaque. Se Abraão tivesse feito isso
por iniciativa própria, isso seria uma abominação. O deus do Velho Testamento condena o
sacrifício infantil. Essa foi uma das razões que o levou a ordenar a destruição das nações
pagãs ao redor de Israel. Elas estavam sacrificando crianças aos seus deuses. E, no
entanto, Deus dá essa ordem extraordinária a Abraão: sacrificar o próprio filho Isaque. Isso
serviu para verificar a obediência e fé dele. Mas isso é a exceção que prova a regra. Não é
a forma normal com que Deus conduz os assuntos humanos. Mas porque Deus é Deus,
Ele tem a possibilidade de abrir exceções em alguns casos extremos, como esse.
O sr. disse que não é suficiente ter o deus certo, é preciso fazer a interpretação
correta dos comandos divinos. Como garantir que a sua interpretação é
objetivamente correta? As coisas que digo são baseadas no que Deus nos deu a
conhecer sobre si mesmo e em preceitos registrados na Bíblia, que é a palavra d‟Ele.
Refiro-me a determinações sobre a vida humana, como “não matarás”. Deus condena o
13. sacrifício de crianças, Seu desejo é que amemos uns ao outros. Essa é a Sua moral geral.
Seria apenas em casos excepcionalmente extremos, como o de Abraão e Isaque, que
Deus mudaria isso. Se eu achar que Deus me comandou a fazer algo que é contra o Seu
desejo moral geral, revelado na escritura, o mais provável é que eu tenha entendido
errado. Temos a revelação do desejo moral de Deus e é assim que devemos nos
comportar.
O sr. deposita grande parte da sua argumentação no conteúdo da Bíblia. Contudo,
ela foi escrita por homens em um período restrito, em uma área restrita do mundo,
em uma língua restrita, para um grupo específico de pessoas. Que evidência se tem
de que a Bíblia é a palavra de um ser sobrenatural? A razão pela qual acreditamos na
Bíblia e sua validade é porque acreditamos em Cristo. Ele considerava as escrituras
hebraicas como a palavra de Deus. Seus ensinamentos são extensões do que é ensinado
no Velho Testamento. Os ensinamentos de Jesus são direcionados à era da Igreja, que o
sucederia. A questão, então, se torna a seguinte: temos boas razões para acreditar em
Jesus? Ele é quem ele diz ser, a revelação de Deus? Acredito que sim. A ressurreição dos
mortos, por exemplo, mostra que ele era quem afirmava.
Existem provas que confirmem a ressurreição de Jesus? Temos boas bases
históricas. A palavra „prova‟ pode ser enganosa porque muitos a associam com
matemática. Certamente, não temos prova matemática de qualquer coisa que tenha
acontecido na história do homem. Não temos provas, nesse sentido, de que Júlio César foi
assassinado no senado romano, por exemplo, mas temos boas bases históricas para isso.
Meu argumento é que se você considera os documentos do Novo Testamento como fontes
da história antiga, — como os historiadores gregos Tácito, Heródoto ou Tucídides — o
evangelho aparece como uma fonte histórica muito confiável para a vida de Jesus de
Nazaré. A maioria dos historiadores do Novo Testamento concorda com os fatos
fundamentais que balizam a inferência sobre a ressurreição de Cristo. Coisas como a sua
execução sob autoridade romana, a descoberta das tumbas vazias por um grupo de
mulheres no domingo depois da crucificação e o relato de vários indivíduos e grupos sobre
os aparecimentos de Jesus vivo após sua execução. Com isso, nos resta a seguinte
pergunta: qual é a melhor explicação para essa sequência de acontecimentos? Penso que
a melhor explicação é aquela que os discípulos originais deram — Deus fez Jesus
renascer dos mortos. Não podemos falar de uma prova, mas podemos levantar boas
bases históricas para dizer que a ressurreição é a melhor explicação para os fatos. E como
temos boas razões para acreditar que Cristo era quem dizia ser, portanto temos boas
razões para acreditar que seus ensinamentos eram verdade. Sendo assim, podemos ver
que a Bíblia não foi criação contingente de um tempo, de um lugar e de certas pessoas,
mas é a palavra de Deus para a humanidade.
O textos da Bíblia passaram por diversas revisões ao longo do tempo. Como
podemos ter certeza de que as informações às quais temos acesso hoje são as
mesmas escritas há 2.000 anos? Além disso, como lidar com o fato de que
informações podem ser perdidas durante a tradução? Você tem razão quanto a
variedade de revisões e traduções. Por isso, é imperativo voltar às línguas originais nas
quais esses textos foram escritos. Hoje, os críticos textuais comparam diferentes
manuscritos antigos de modo a reconstruir o que os originais diziam. O Novo Testamento
é o livro mais atestado da história antiga, seja em termos de manuscritos encontrados ou
em termos de quão próximos eles estão da data original de escrita. Os textos já foram
reconstruídos com 99% de precisão em relação aos originais. As incertezas que restam
são trivialidades. Por exemplo, na Primeira Epístola de João, ele diz: “Estas coisas vos
14. escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra”. Mas alguns manuscritos dizem: “Estas
coisas vos escrevemos, para que o nosso gozo se cumpra”. Não temos certeza se o texto
original diz „vosso‟ ou „nosso‟. Isso ilustra como esse 1% de incerteza é trivial. Alguém que
realmente queira entender os textos deverá aprender grego, a língua original em que o
Novo Testamento foi escrito. Contudo, as pessoas também podem comprar diferentes
traduções e compará-las para perceber como o texto se comporta em diferentes versões.
É possível explicar a existência de Deus apenas com a razão? Qual o papel da
ciência na explicação das causas do universo? A razão é muito mais ampla do que a
ciência. A ciência é uma exploração do mundo físico e natural. A razão, por outro lado,
inclui elementos como a lógica, a matemática, a metafísica, a ética, a psicologia e assim
por diante. Parte da cegueira de cientistas naturalistas, como Richard Dawkins, é que eles
são culpados de algo chamado „cientismo‟. Como se a ciência fosse a única fonte da
verdade. Não acho que podemos explicar Deus em sua plenitude, mas a razão é suficiente
para justificar a conclusão de que um criador transcendente do universo existe e é a fonte
absoluta de bondade moral.
Por que o cristianismo deveria ser mais importante do que outras religiões que
ensinam as mesmas questões fundamentais, como o amor e a caridade? As pessoas
não entendem o que é o cristianismo. É por isso que alguns ficam tão ofendidos quando se
prega que Jesus é a única forma de salvação. Elas pensam que ser cristão é seguir os
ensinamentos éticos de Jesus, como amar ao próximo como a si mesmo. É claro que não
é preciso acreditar em Jesus para se fazer isso. Isso não é o cristianismo. O evangelho diz
que somos moralmente culpados perante Deus. Espiritualmente, somos separados d‟Ele.
É por isso que precisamos experimentar Seu perdão e graça. Para isso, é preciso ter um
substituto que pague a pena dos nossos pecados. Jesus ofereceu a própria vida como
sacrifício por nós. Ao aceitar o que ele fez em nosso nome, podemos ter o perdão de Deus
e a limpeza moral. A partir disso, nossa relação com Deus pode ser restaurada. Isso
evidencia por que acreditar em Cristo é tão importante. Repudiá-lo é rejeitar a graça de
Deus e permanecer espiritualmente separado d‟Ele. Se você morre nessa condição você
ficará eternamente separado de Deus. Outras religiões não ensinam a mesma coisa.
A crença em Deus é necessária para trazer qualidade de vida e felicidade? Penso que
a crença em Deus ajuda, mas não é necessária. Ela pode lhe dar uma fundação para
valores morais, propósito de vida e esperança para o futuro. Contudo, se você quiser viver
inconsistentemente, é possível ser um ateu feliz, contanto que não se pense nas
implicações do ateísmo. Em última análise, o ateísmo prega que não existem valores
morais objetivos, que tudo é uma ilusão, que não há propósito e significado para a vida e
que somos um subproduto do acaso.
Por que importa se acreditamos no deus do cristianismo ou na ‘mãe natureza’ se na
prática as pessoas podem seguir, fundamentalmente, os mesmos
ensinamentos?Deveríamos acreditar em uma mentira se isso for bom para a sociedade?
As pessoas devem acreditar em uma falsa teoria, só por causa dos benefícios sociais? Eu
acho que não. Isso seria uma alucinação. Algumas pessoas passam a acreditar na religião
por esse motivo. Já que a religião traz benefícios para a sociedade, mesmo que o
indivíduo pense que ela não passa de um „conto de fadas‟, ele passa a acreditar. Digo que
não. Se você acha que a religião é um conto de fadas, não acredite. Mas se o cristianismo
é a verdade — como penso que é — temos que acreditar nele independente das
consequências. É o que as pessoas racionais fazem, elas acreditam na verdade. A via
contrária é o pragmatismo. “Isso Funciona?", perguntam elas. "Não importa se é verdade,
15. quero saber se funciona”. Não estou preocupado se na Suécia alguns são felizes sem
acreditar em Deus ou se há alguma vantagem em acreditar n‟Ele. Como filósofo, estou
interessado no que é verdade e me parece que a existência desse ser transcendente que
criou e projetou o universo, fonte dos valores morais, é a verdade.
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/e-possivel-acreditar-em-deus-usando-a-razao-afirmawilliam-lane-craig