Proibição de partos naturais em hospital de Uberlândia fere direitos e ameaça saúde de mães e bebês
1. São Paulo, 24 de Setembro de 2014.
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À
Secretaria de Saúde de Uberlândia/MG
At. Sr. Almir Fernando Loureiro Fontes
sms@uberlandia.mg.gov.br
C/C Vigilância Sanitária de Uberlândia
vigsanit@uberlandia.mg.gov.br
C/C Ministério da Saúde
Coordenadoria da Área Técnica de Saúde da Mulher
At.: Sra. Esther Vilela
esther.vilela@saude.gov.br
C/C ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar
At.: Sr. André Longo Araújo de Melo
andre.longo@ans.gov.br
C/C ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
At.: Sr. Dirceu Brás Aparecido Barbano
gabinete.presidencia@anvisa.gov.br
C/C Procuradoria Federal junto à ANVISA
At.: Sr. Procurador Maxiliano D’Ávila Cândido de Souza
procuradoriafederal@anvisa.gov.br
Ref.: REALIZAÇÃO DE PARTOS EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO
Prezados Senhores,
A Associação Artemis, pessoa jurídica de direito privado,
inscrita no CNPJ sob o nº 19.490.725/0001-33, com sede na Rua Ramo de Rumos, nº 66, Lapa,
nesta Capital, CEP 05065-060, por sua representante legal Raquel de Almeida Marques, no uso
de suas atribuições estatutárias, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Senhoria, expor e
ao final requerer o quanto segue.
A Artemis é uma associação que visa atuar como aceleradora
social com vistas à igualdade de gênero, realizando projetos que promovam a autonomia
feminina e a erradicação de todas as formas de violência contra a mulher.
Dentre seus objetivos sociais, o primeiro é o de prevenir e
erradicar a violência obstétrica. Em razão de sua atuação, a Artemis tem recebido da
sociedade civil denúncias e relatos de ocorrência severas de violência obstétrica.
2. Tem sido amplamente divulgado pela mídia que na cidade de
Uberlândia/MG vêm sendo sistematicamente reduzido o atendimento ao parto fisiológico
pelos estabelecimentos de saúde da região, notadamente com a proibição de realização de
“partos naturais” pelo Hospital Santa Clara, e mais recentemente pela expressa proibição de
atendimento humanizado ao parto no Hospital MadreCor.
Este último emitiu em 23/09/2014 uma nota oficial da
instituição, informando a população de Uberlândia que não mais realizará “a modalidade de
parto humanizado”, apenas serão realizados no estabelecimento partos “normais
convencionais” e cirurgias cesarianas.
Por parto “normal convencional” entenda-se aquele parto
vaginal em que a mulher recebe hormônios sintéticos para aumentar as contrações (ocitocina
sintética) e é praticada a episiotomia (corte na musculatura do períneo, da vagina até o ânus)
para retirada do bebê.
A notícia da proibição foi amplamente noticiada nesta data
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pelos jornais:
Portal de Notícias do Estado de Minas “UAI”:
http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/09/23/noticia_saudeple
na,150511/hospital-em-uberlandia-veta-parto-humanizado-motivo-seria-reclamacao.
shtml
“O Tempo”:
http://www.otempo.com.br/cidades/maternidade-de-uberl%C3%A2ndia-pro%
C3%ADbe-realiza%C3%A7%C3%A3o-de-partos-humanizados-1.920481
“Correio de Uberlândia”:
http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/mpe-diz-que-partos-humanizados-
devem-continuar-em-hospital/
Coluna “Hoje em Dia” do portal de notícias R.7:
http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/hospital-gera-polemica-ao-proibir-parto-humanizado-
em-uberlandia-1.270082
Coluna “Maternar” do Jornal “Folha de São Paulo”:
http://maternar.blogfolha.uol.com.br/2014/09/24/hospital-que-lidera-cesareas-proibe-
parto-humanizado-em-minas-gerais/
Queremos chamar à atenção dos senhores para o fato de que
o ATENDIMENTO HUMANIZADO AO PARTO É POLÍTICA NACIONAL DE COMBATE À
MORTALIDADE MATERNA E NEONATAL.
Humanização não é uma modalidade de parto, como
posiciona o Hospital MadreCor, sugerindo que seus dirigente não conhecem as diretrizes
terapêuticas definidas no país e há muitos anos adotadas pelo Ministério da Saúde como
orientação de trabalho dos estabelecimentos que atendem a saúde da população.
Na verdade, o atendimento humanizado ao parto é instituído
no país pelas Portarias 569/2000 e 1.067/2005 do Ministério da Saúde, conforme atribuição
legal definida pelo art. 19-Q da Lei Federal nº 8.080/1990, e se define pela atenção centrada
3. nas necessidades físicas e psicológicas da gestante/parturiente, que envolve os seguintes
direitos:
a) que a mulher seja consultada sobre os procedimentos para compartilhar das decisões
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sobre os procedimentos médicos a serem realizados;
b) que seja respeita a evolução fisiológica do parto vaginal;
c) que sejam utilizados métodos e procedimentos seguros e de comprovada eficiência
pelas evidências científicas;
d) que a mulher tenha direito ao acompanhante de sua escolha durante todo o pré-parto,
parto e pós-parto imediato;
e) que a mulher tenha acesso a ingestão de líquidos/alimentos durante o trabalho de
parto;
f) que a mulher tenha escolha a melhor a posição para o parto, preferencialmente
verticalizada e evitando posições supinas (com as pernas para cima, em estribos);
g) que seja usada restritivamente a episiotomia (somente com indicação precisa);
h) que sejam oferecidos métodos para alívio da dor e executados os procedimentos
anestésicos;
i) que seja estimulada a amamentação na primeira meia hora após o parto;
j) que o bebê tenha contato olho a olho com os pais ANTES de se realizar a credeização;
k) que o cordão umbilical do bebê seja cortado somente após parar de pulsar.
Todos estes direitos tem seu fundamento nas garantias
constitucionais à vida, saúde, dignidade, segurança e não violência, bem como nos tratados e
convenções internacionais de proteção à pessoa humana dos quais o Brasil é signatário.
Já num ambiente de partos “normais convencionais” ou por
cirurgia cesariana, muitos desses direitos não serão cumpridos, como por exemplo a
amamentação na primeira hora de vida fica comprometida quando a mãe, após o parto,
precisa aguardar o efeito da anestesia ou fica segregada para procedimentos como sutura de
pontos, impossibilitando a amamentação da criança e prejudicando o vínculo afetivo que é a
base para a redução da mortalidade na primeira infância.
A garantia desses direitos a toda a população é DEVER DAS
AUTORIDADES SANITÁRIAS, a teor do que dispõe o art. 2º, inciso VII da Portaria 1.067/2005 do
Ministério da Saúde.
Todos estes direitos são reproduzidos na Resolução da
Diretoria Colegiada – RDC 36/2008 da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a qual
dispõe sobre o Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica
e Neonatal.
Isso equivale dizer que todo estabelecimento de saúde NO
PAÍS que preste atendimento obstétrico DEVE OBRIGATORIAMENTE SEGUIR O PROTOCOLO
DE ATENÇÃO HUMANIZADA AO PARTO.
O descumprimento das determinações da RDC 36/2008
sujeita o Hospital à penalidade de MULTA e outras providências previstas na Lei 6.437/1977.
Outro ponto que chama a atenção é o fato de que os referidos
hospitais registrem altos índices de nascimentos por cirurgias cesarianas, o que nos leva a crer
que haja uma preferência das instituições por este tipo de atendimento que pode ser
agendado com antecedência e permite ao estabelecimento atender um maior número de
partos com menor tempo de utilização da sua estrutura.
4. Porém, as cirurgias cesarianas agendadas são uma forma de
interrupção da gravidez, o que somente deve ocorrer quando houver comprovada necessidade
terapêutica e por decisão tomada em junta médica, conforme dispõe o Decreto nº
20.931/1932, art. 16, alínea “f”:
Art. 16 É vedado ao médico:
(...)
f) dar-se a práticas que tenham por fim impedir a concepção ou interromper a
gestação, só sendo admitida a provocação do aborto e o parto prematuro, uma
vez verificada, por junta médica, sua necessidade terapêutica;
Aliás, é da natureza do parto não ter a data certa para o
nascimento do bebê. Data certa para nascimento só ocorre com a indicação de cesariana
eletiva cujas consequências, em sua grande maioria, são ruins para a mãe e para o bebê e
contribuem para o aumento dos índices de mortalidade materna e infantil.
Conforme nota informativa publicada no Portal Eletrônico da
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Agência Nacional de Saúde – disponível em seu website pelo link
http://www.ans.gov.br/portal/upload/home/humanizacao_parto.pdf :
Os partos por cesariana podem influenciar a taxa de mortalidade entre mães e
bebês. A cesárea é uma cirurgia, com todos os riscos de uma intervenção desse tipo
e representa uma chance seis vezes maior de a mulher morrer do que com o parto é
normal. A cesariana também aumenta a possibilidade de a parturiente contrair
uma infecção ou sofrer uma hemorragia. Para os bebês, o risco de eles terem que
ir para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) quadruplica. No caso dos nascidos de
parto normal, esse índice é de 3% e pula para 12% entre os nascidos por cesariana.
Sabendo desses indicadores de risco, a decisão dos
estabelecimentos por deixar de atender os partos naturais ou não adotar o protocolo
humanizado de atendimento ao parto, levas as mulheres À ÚNICA ALTERANATIVA DE
AGENDAR UMA CIRURGIA CESARIANA, procedimento que notoriamente acarreta maiores
riscos à vida e à saúde da mãe e do bebê, e vai na contramão do que determina a legislação
específica da saúde, que determina que o atendimento à saúde deve ser pautado por
procedimentos seguros e confirmados por evidências científicas, conforme dispõe o artigo
19-Q, §2º., incisos I e II da Lei nº 8.080/1990.
Considerando ainda os indicadores de mortalidade materna e
infantil do Ministério da Saúde, é bastante questionável a decisão dos estabelecimentos de
saúde que se sentem tão à vontade até mesmo para divulgar por escrito a proibição ao parto
natural.
Não à toa, o Jornal Folha de São Paulo deu à notícia o título
“HOSPITAL QUE LIDERA CESÁREAS PROÍBE PARTO HUMANIZADO EM MINAS GERAIS”, um vez
que o índice de nascimentos cirúrgicos no Hospital MadreCor é de 97% (NOVENTA E SETE
POR CENTO).
Mães que passaram por uma cirurgia permanecem no hospital
mais tempo que as que tiveram parto normal, utilizam mais diárias e gastam mais
medicamentos para o pós cirúrgico, mais curativos que precisam ser trocados e mais
honorários dos profissionais que visitam a mulher recém operada.
5. Nascidos de cesariana, a grande maioria dos bebês vai passar
por outros tantos procedimentos decorrentes do nascimento por cirurgia, geralmente
incorrendo nas repercussões da prematuridade (e não são poucos os casos de bebês que
nascem prematuros por erro de avaliação gestacional), os quais precisarão de uns dias na UTI
Neonatal do estabelecimento para ter o pulmão maduro e respirar com autonomia.
Destarte, a conduta dos estabelecimentos de saúde ao
impedirem o parto natural ou o atendimento humanizado e fornecendo apenas um modelo
“convencional” para o parto vaginal, acaba constrangendo as mulheres a contratar uma
cirurgia contra sua vontade, o que é ilegal por variados pontos de vista.
Ao condicionar o atendimento digno da mulher e o seu acesso
à saúde a um determinado tipo de parto (cirúrgico) a decisão do estabelecimento infringe o
artigo 15 do Código Civil:
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Infringe também o artigo 39 do Código de Defesa do
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Consumidor:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de
outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de
suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e
costumes;
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua
idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos
ou serviços;
VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo
consumidor no exercício de seus direitos;
IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se
disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de
intermediação regulados em leis especiais.
Nesse sentido ainda, a decisão do estabelecimento de saúde
configura também infração ao artigo 10 da Lei 6.437/1977, sendo aplicáveis as sanções
previstas no art. 2º, incisos I a XIII do mesmo diploma, considerando como AGRAVANTES a
tentativa de obtenção de vantagem pecuniária decorrente do consumo do produto mais caro
(cirurgia) e por se utilizar de constrangimento para execução da infração (art. 8º. Incisos II e
III).
Além de tudo isso, induzir a usuária a agendar uma cirurgia
cesariana, com risco à sua vida e à sua saúde, configura VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA porquanto
fica caracterizada a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos
profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e
patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de
decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na
qualidade de vida das mulheres.
6. Diante de tudo quanto exposto, requeremos suas urgentes
providências para averiguação do ocorrido e tomada das providências cabíveis, inclusive
penalizações pertinentes em cumprimento da legislação vigente, a fim de restabelecer o
adequado atendimento à saúde das mulheres de Uberlândia e região, prevenindo a prática
de violência obstétrica.
Sendo só para o momento, reiteramos nossos votos de elevada
estima e consideração e colocamo-nos à disposição para os esclarecimentos que se fizerem
necessários.
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Atenciosamente,
Associação Artemis