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81
Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2008; 53(2):81-4
RELATO DE CASO
1. Acadêmico do 6º Ano de Medicina da Universidade Federal do
Piauí – UFPI
2. Acadêmico do 6º Ano de Medicina da Faculdade de Ciências
Médicas – FACIME-UESPI
3. Médico graduado pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ipiranga – São Paulo
4. Cirurgião Vascular do Hospital Getúlio Vargas – UFPI/UESPI
Trabalho realizado: Departamento de Cirurgia Geral do Hospi-
tal Getúlio Vargas – UFPI/UESPI
Endereço para correspondência: Luísa Abero Valle. Rua Depu-
tado Sousa Santos, 809/401 - CEP. 64052-370 - Teresina – Piauí.
E-mail: luisa_abero@yahoo.com.br
Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente
botrópico grave: relato de um caso
Bilateral amputation of inferior extremities due to serious Bothrops accident: a case report
Luísa Abero Valle(1)
, Danilo da Fonseca Reis Silva(1)
, Pedro Henrique Magalhães(2)
, Pablo Aloísio Mattos(3)
,
José Almeida Leal(4)
Resumo
As mordeduras de cobra são bastante prevalentes no Brasil
e, apesar de levarem ao óbito menos de 1% dos casos, podem
estar associadas a graves complicações, como perda do mem-
bro acometido. Os autores descrevem o caso de um paciente
vítima de picada por serpente do gênero Bothrops em am-
bos os membros inferiores e que evoluiu com síndrome
compartimental e gangrena local, tendo que ser submetido
à fasciotomia e amputação extensa bilateral. São discutidos
os aspectos clínico, epidemiológico e fisiopatológico desta
condição.
Descritores: Mordeduras de cobra, Bothrops, Amputação
Abstract
The snake bites are very prevalent in Brazil and, despite
leading to death less than 1% of the cases, may be associated
to serious complications, such as losing the envolved limb.
The authors describe a case of a patient that was victim of a
snake bite of the Bothrops genus in both lower limbs that
evolued to compartment syndrome and local gangrenous,
undergoing faciotomy and large bilateral amputation. The
main clinical, epidemiologic and physiopathologic aspects
are discussed.
Key words: Snake bites, Bothrops, Amputation
Introdução
Os acidentes ofídicos representam um sério pro-
blema de saúde pública em países tropicais em de-
senvolvimento, devido à sua freqüência e à morbi-
mortalidade que ocasionam1
.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) calcula
que ocorram cerca de 2.500.000 acidentes por serpen-
tes peçonhentas anualmente no mundo, com mortali-
dade de 125.000 casos2
. No Brasil, segundo dados do
Ministério da Saúde, ocorrem cerca de 22.000 aciden-
tes ofídicos por ano, com mortalidade de 0,45%1
.
Os acidentes por serpentes do gênero Bothrops são
os de maior importância epidemiológica no Brasil, res-
pondendo por 90% dos casos notificados. Seu veneno
possui fortes ações proteolítica, coagulante e
hemorrágica, cursando com graves manifestações lo-
cais e à distância que podem levar ao óbito ou a se-
qüelas importantes, como déficit funcional e amputa-
ção do membro afetado2
. O presente relato tem por
objetivo descrever um caso de acidente botrópico gra-
ve que levou à amputação extensa bilateral de mem-
bros inferiores, discutindo as características atuais
deste tipo de agravo.
Relato de Caso
Paciente do sexo masculino, 39 anos, pardo, natu-
ral e procedente de Uruçuí-PI, lavrador. Foi admitido
no Pronto Socorro do Hospital Getúlio Vargas (HGV)-
Piauí, em abril de 2007 vítima de acidente ofídico por
serpente do gênero Bothrops. O paciente referia pica-
da de Jararacuçu (Bothrops jararacussu) em ambos os
pés, há dois dias, tendo procurado serviço local, pou-
cas horas após a picada, onde foi medicado com nove
unidades de soro antiofídico. O paciente evoluiu, no
entanto, com piora do quadro, sendo encaminhado a
Teresina. Referia intensa dor local e, ao exame físico
apresentava edema, equimose, bolhas e gangrena ga-
sosa bilateral de extremidades inferiores (FIGURA 01),
sendo levado ao centro cirúrgico para realização de
amputação do local acometido, ao nível do terço infe-
82
Valle LA, Silva DFR, Magalhães PH, Mattos PA, Leal JA. Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um
caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2008; 53(2):81-4.
rior das tíbias, e fasciotomia até o nível do quadril bi-
lateralmente (FIGURA 02), devido à síndrome
compartimental. Os exames de admissão mostraram:
creatinina de 1,4mg/dl; uréia de 59; sódio de 132mEq/
l; potássio de 4,3mEq/l; hematócrito de 25%;
hemoglobina de 8,5g/dl; leucócitos:24.000/ml, com
75% de segmentados e 16% de bastões; plaquetas de
133.000/ml; TAP: 50%; PTTA: 28,9”; TC: 6’30”; exame
de urina tipo I: albumina(+/4+), hemoglobina(+++/
4+), 6 piócitos/campo, e numerosas hemácias. Após
a cirurgia, o paciente foi transferido para a UTI, onde
recebeu medidas de suporte e cuidados locais, inclu-
indo elevação dos membros acometidos e antissepsia
da ferida operatória, além de hidratação, analgesia e
antibioticoterapia, com uso de penicilina G cristalina
(5.000.000 UI IV 4/4h) e clindamicina (900 mg IV de
8/8h) por oito dias. Em seguida, foi submetido à nova
cirurgia para fechamento da fasciotomia e extensão
da amputação até o terço médio das tíbias (FIGURA
03). Depois da segunda cirurgia, o paciente retornou
para a UTI, onde permaneceu por cinco dias, e iniciou
novo esquema antibiótico com ceftazidima (2g IV de
8/8h) e amicacina (500 mg IV de 12/12h) , sendo trans-
ferido para a enfermaria onde permaneceu por mais
dez dias, evoluindo com melhora e recebendo alta
hospitalar após esse período.
Discussão
Os acidentes ofídicos ocorrem no Brasil por todo
o território nacional, com média nacional de 13,9 aci-
dentes/100.000 habitantes, A região Centro-Oeste con-
tribui com o maior índice registrado (33 acidentes/
100.000 habitantes), seguida pelo Norte (24 acidentes/
100.000 habitantes), Sul (16 acidentes/100.000 habitan-
tes), Sudeste (13 acidentes/100.000 habitantes) e por
último o Nordeste (sete acidentes/100.000 habitantes),
por possível subnotificação em virtude da dificulda-
de de acesso à saúde nesta região1,3
.
A epidemiologia dos casos registrados manteve-
se inalterada nos últimos cem anos de acordo com ar-
tigo de revisão de Bochner, Struchiner (2003). Ocor-
rem com maior freqüência no início e no fim do ano,
em pessoas do sexo masculino, trabalhadores rurais,
na faixa etária produtiva de 15 a 49 anos, atingindo
principalmente membros inferiores e causados em sua
maioria por serpentes do gênero Bothrops4
. As serpen-
tes deste gênero são conhecidas popularmente por
jararaca, jararacuçu, cotiara, caiçara, combóia, malha-
de-sapo, urutu-cruzeira, surucucurana, ouricana, en-
tre outras denominações. Como características, pos-
suem a cabeça triangular, cauda lisa, presa inoculadora
de veneno bem desenvolvida e fosseta loreal, orifício
situado entre o olho e a narina. As espécies mais en-
contradas no Brasil são: Bothrops atrox, na região nor-
te; Bothrops erythromelas, no nordeste; Bothrops moojeni,
Figura 1 - Gangrena gasosa bilateral de extremidades inferi-
ores após acidente botrópico.
Figura 2 - Extremidades inferiores após realização de ampu-
tação e fasciotomia bilaterais.
Figura 3 - Resultado após nova cirurgia para fechamento da
fasciotomia e extensão da amputação.
83
Valle LA, Silva DFR, Magalhães PH, Mattos PA, Leal JA. Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um
caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2008; 53(2):81-4.
região centro-oeste e oeste de SP, PR E MG; Bothops
alternatus, na região sul; Bothrops neuwiedi, em todo o
país exceto amazônia; Bothrops jararaca, na Bahia, sul e
sudeste; e Bothops jararacussu, no centro-oeste, sul e
sudeste1,3
.
O veneno botrópico apresenta ações proteolítica,
responsável por intensa destruição tecidual local;
coagulante, através de atividade trombina símile, com
ativação de protrombina e fator X, podendo levar à
incoagulabilidade sanguínea por consumo de fibrino-
gênio; promove liberação de substâncias hipotensoras,
além da ação hemorrágica, decorrente da produção de
hemorraginas responsáveis por destruir a membrana
basal dos capilares, que associada à plaquetopenia e
alterações da coagulação, levam a manifestações
hemorrágicas freqüentes neste tipo de acidente2
.
Os acidentes podem ser classificados quanto à gra-
vidade em leve, com dor e edema local pouco intenso
ou ausente; moderado, com dor e edema que ultrapas-
sa o segmento anatômico picado, acompanhados ou
não de alterações hemorrágicas leves e discretas; e gra-
ve, caracterizado por edema local endurado intenso e
extenso, podendo atingir todo o membro picado, ge-
ralmente acompanhado de dor intensa e, eventualmen-
tecompresençadebolhas.Otempodecoagulaçãopode
estar normal ou alterado em todos os casos. Manifesta-
ções sistêmicas como hipotensão arterial, choque,
oligoanúria ou hemorragias intensas definem o caso
como grave independentemente do quadro local1,3
.
O quadro clínico local é o predominante, cursan-
do com dor intensa, edema, equimoses, sangramento
no local da picada, além de lesões bolhosas de con-
teúdo hemorrágico. Pode evoluir com abscesso,
necrose, infecção secundária e síndrome comparti-
mental, e apresentar seqüelas graves, com incapaci-
dade funcional ou mesmo anatômica do membro afe-
tado. As complicações sistêmicas são menos freqüen-
tes e incluem manifestações hemorrágicas, hipotensão,
choque, insuficiência renal, sepse e coagulação
intravascular disseminada, podendo levar ao óbito3,4,5
.
Nosso paciente desenvolveu complicações locais
evidentes em ambos os membros inferiores, e teve de
ser submetido à fasciotomia por síndrome comparti-
mental. García et al. descreve em sua série de casos
um paciente com síndrome compartimental que evo-
luiu ao óbito após desenvolver choque hipovolêmico,
o que demonstra a gravidade desta complicação5
. A
abordagem inicial do paciente deve incluir dosagens
de eletrólitos, função renal e provas de coagulação,
para avaliar possíveis repercussões sistêmicas do
evento3
. Nosso paciente apresentou aumento inicial
da creatinina, por possível insuficiência pré-renal, visto
ter revertido após hidratação venosa.
Quanto aos fatores prognósticos envolvidos, Jor-
ge et al. , avaliaram, através de estudo caso-controle,
pacientes vítimas de acidentes por Bothops que havi-
am sido submetidos à amputação por acidente
botrópico e comparou com os que não tinham sido
submetidos à tal procedimento. Verificou que houve
associação entre amputação e fatores como o mês do
acidente, o horário da picada, o comprimento do ani-
mal, o local da picada, sangramentos sistêmicos e/ou
insuficiência renal. Pacientes que sofreram a amputa-
ção apresentaram características como: picadas nos
dedos, durante os meses mais frios, no horário de 00:00
às 12:00, serpentes com mais de 60 cm de comprimen-
to, bolhas ou abscessos no local da picada e/ou insu-
ficiência renal6
. Estudos semelhantes foram realizados
para avaliar os fatores envolvidos no desenvolvimento
de necrose e óbito. Para necrose observou-se, além dos
elementos já citado, condições como bolhas, equimose,
dor, edema e uso de torniquetes. Quanto ao óbito, as
principais alterações encontradas foram às manifes-
tações sistêmicas, sendo a maior parte por falência
renal7
. Nosso paciente apresentava fatores de risco
para necrose e para amputação, de acordo com os es-
tudos.
O tratamento inclui medidas gerais de suporte,
devendo-se deixar o paciente em repouso, com
analgesia e hidratação, mantendo-se débito urinário de
30 a 40 ml/h em adultos e 1ml/kg/h em crianças, além
de cuidados locais, com assepsia do sítio de inoculação
do veneno, elevação do membro acometido, antibio-
ticoterapia em caso de infecção, debridamentos, drena-
gem de abscessos, fasciotomia em caso de síndrome
compartimental e cirurgias reparadoras nas perdas ex-
tensas de tecidos1,3
. O soro antiofídico (antibotrópico-
SAB; antibotrópico-crotálico-SABC; ou antibotrópico-
laquético-SABL) deve ser administrado o mais precoce
possível, em ambiente hospitalar, via endovenosa, na
dose preconizada pelo Ministério da Saúde, segundo a
gravidade do acidente, devendo ser de duas a quatro
ampolas no leve, de quatro a oito ampolas no modera-
do, e de doze ampolas no grave. Caso o tempo de coa-
gulação permaneça alterado 24 horas após a soro-
terapia, está indicada dose adicional de antiveneno1,3,8
.
É importante que o paciente seja questionado quanto
às características da serpente agressora, levando o ani-
mal ao serviço de saúde quando possível, para indica-
ção mais precisa do anti-veneno a ser administrado. Na
impossibilidade de identificação do animal, pode ser
realizada confirmação laboratorial dos antígenos do
veneno botrópico através de ensaio imunoenzi-
mático(ELISA) no sangue ou outros líquidos corporais
do paciente recentemente picado1,3
. O soro deve ser
administrado nas primeiras seis horas do acidente, com
o objetivo de evitar as graves repercussões sistêmicas.
No entanto, não evita a ação miotóxica do veneno, de
forma que não previne as repercussões locais9
. Isso ex-
plica o quadro desenvolvido por nosso paciente, ape-
84
Valle LA, Silva DFR, Magalhães PH, Mattos PA, Leal JA. Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um
caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2008; 53(2):81-4.
sardeelereferirterprocuradoserviçomédicolocalcerca
de 4 horas após o acidente. Outra justificativa seria a
subdose utilizada, que deveria ter sido de doze ampo-
las, tendo em vista a gravidade do quadro, com edema
até porção proximal dos membros, e o fato de a lesão
ser bilateral.
Por fim, ressaltamos a importância da assistência
adequada em acidentes ofídicos, tendo-se em vista a
possível gravidade do quadro. Medidas de proteção
individual devem ser estimuladas, através da orien-
tação da população de risco, além de esclarecimento
quanto aos cuidados básicos em casos de acidentes,
desencorajando medidas que possam agravar o qua-
dro, e estimulando a procura médica precoce. A po-
pulação acometida se encontra em sua maioria na fase
produtiva da vida, sendo geralmente homens jovens,
acarretando grandes perdas familiares e para a socie-
dade.
Referências bibliográficas
1. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde Ma-
nual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais
peçonhentos. [on line] Brasília (D.F.): Fundação Nacional de
Saúde; 2001. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/por-
tal/arquivos/pdf/manu_peconhentos.pdf [23 jan 2008]
2. Ribeiro LA, Albuquerque MJ, Pires de Campos VAF, Katz G,
Takaoka NY, Lebräo ML, et al. Óbitos por serpentes peçonhentas
no Estado de São Paulo: avaliação de 43 casos, 1988/93. Rev
Assoc Med Bras. 1998; 44(4):312-8.
3. Pinho FMO, Pereira, ID. Ofidismo. Rev Assoc Med Bras. 2001;
47(1):24-9.
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nos últimos 100 anos no Brasil: uma revisão. Cad Saude Publi-
ca. 2003;19(1):7-16.
5. Morejón García M, Salup Diaz RR. Ofidismo. Estudio de 30 ca-
sos en Brasil. [periódico on line] Rev Cubana Med Gen Integr.
2006; 22(2). Disponível em: http://scielo.sld.cu/pdf/mgi/
v22n2/mgi18206.pdf [23 jan 2008]
6. Jorge MT, Ribeiro LA, O’Connell JL. Prognostic factors for
amputation in the case of envenoming by snakes of the Bothrops
genus (Viperidae). Ann Trop Med Parasitol. 1999; 93(4):401-8.
7. Ribeiro LA, Jorge MT, Lebrão ML. Prognostic factors for local
necrosis in Bothrops jararaca (Brazilian pit viper) bites. Trans R
Soc Trop Med Hyg. 2001; 95(6):630-4.
8. Silva NM, Arruda EZ, Murakami YL, Moraes RA, El-Kik CZ,
Tomaz MA, et.al. Evaluation of three Brazilian antivenom
ability to antagonize myonecrosis and hemorrhage induced by
Bothrops snake venoms in a mouse model. Toxicon. 2007;
50(2):196-205.
9. Picolo G, Chacur GM, Gutiérrez JM, Teixeira CFP, Cury Y.
Evaluation of antivenoms in the neutralization of hyperalgesia
and edema induced by Bothrops jararaca and Bothrops asper
snake venoms. Braz J Med Biol Res. 2002; 35(10): 1221-8.
Trabalho recebido: 07/04/2008
Trabalho aprovado: 21/05/2008

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Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente

  • 1. 81 Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2008; 53(2):81-4 RELATO DE CASO 1. Acadêmico do 6º Ano de Medicina da Universidade Federal do Piauí – UFPI 2. Acadêmico do 6º Ano de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas – FACIME-UESPI 3. Médico graduado pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ipiranga – São Paulo 4. Cirurgião Vascular do Hospital Getúlio Vargas – UFPI/UESPI Trabalho realizado: Departamento de Cirurgia Geral do Hospi- tal Getúlio Vargas – UFPI/UESPI Endereço para correspondência: Luísa Abero Valle. Rua Depu- tado Sousa Santos, 809/401 - CEP. 64052-370 - Teresina – Piauí. E-mail: luisa_abero@yahoo.com.br Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um caso Bilateral amputation of inferior extremities due to serious Bothrops accident: a case report Luísa Abero Valle(1) , Danilo da Fonseca Reis Silva(1) , Pedro Henrique Magalhães(2) , Pablo Aloísio Mattos(3) , José Almeida Leal(4) Resumo As mordeduras de cobra são bastante prevalentes no Brasil e, apesar de levarem ao óbito menos de 1% dos casos, podem estar associadas a graves complicações, como perda do mem- bro acometido. Os autores descrevem o caso de um paciente vítima de picada por serpente do gênero Bothrops em am- bos os membros inferiores e que evoluiu com síndrome compartimental e gangrena local, tendo que ser submetido à fasciotomia e amputação extensa bilateral. São discutidos os aspectos clínico, epidemiológico e fisiopatológico desta condição. Descritores: Mordeduras de cobra, Bothrops, Amputação Abstract The snake bites are very prevalent in Brazil and, despite leading to death less than 1% of the cases, may be associated to serious complications, such as losing the envolved limb. The authors describe a case of a patient that was victim of a snake bite of the Bothrops genus in both lower limbs that evolued to compartment syndrome and local gangrenous, undergoing faciotomy and large bilateral amputation. The main clinical, epidemiologic and physiopathologic aspects are discussed. Key words: Snake bites, Bothrops, Amputation Introdução Os acidentes ofídicos representam um sério pro- blema de saúde pública em países tropicais em de- senvolvimento, devido à sua freqüência e à morbi- mortalidade que ocasionam1 . A OMS (Organização Mundial de Saúde) calcula que ocorram cerca de 2.500.000 acidentes por serpen- tes peçonhentas anualmente no mundo, com mortali- dade de 125.000 casos2 . No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, ocorrem cerca de 22.000 aciden- tes ofídicos por ano, com mortalidade de 0,45%1 . Os acidentes por serpentes do gênero Bothrops são os de maior importância epidemiológica no Brasil, res- pondendo por 90% dos casos notificados. Seu veneno possui fortes ações proteolítica, coagulante e hemorrágica, cursando com graves manifestações lo- cais e à distância que podem levar ao óbito ou a se- qüelas importantes, como déficit funcional e amputa- ção do membro afetado2 . O presente relato tem por objetivo descrever um caso de acidente botrópico gra- ve que levou à amputação extensa bilateral de mem- bros inferiores, discutindo as características atuais deste tipo de agravo. Relato de Caso Paciente do sexo masculino, 39 anos, pardo, natu- ral e procedente de Uruçuí-PI, lavrador. Foi admitido no Pronto Socorro do Hospital Getúlio Vargas (HGV)- Piauí, em abril de 2007 vítima de acidente ofídico por serpente do gênero Bothrops. O paciente referia pica- da de Jararacuçu (Bothrops jararacussu) em ambos os pés, há dois dias, tendo procurado serviço local, pou- cas horas após a picada, onde foi medicado com nove unidades de soro antiofídico. O paciente evoluiu, no entanto, com piora do quadro, sendo encaminhado a Teresina. Referia intensa dor local e, ao exame físico apresentava edema, equimose, bolhas e gangrena ga- sosa bilateral de extremidades inferiores (FIGURA 01), sendo levado ao centro cirúrgico para realização de amputação do local acometido, ao nível do terço infe-
  • 2. 82 Valle LA, Silva DFR, Magalhães PH, Mattos PA, Leal JA. Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2008; 53(2):81-4. rior das tíbias, e fasciotomia até o nível do quadril bi- lateralmente (FIGURA 02), devido à síndrome compartimental. Os exames de admissão mostraram: creatinina de 1,4mg/dl; uréia de 59; sódio de 132mEq/ l; potássio de 4,3mEq/l; hematócrito de 25%; hemoglobina de 8,5g/dl; leucócitos:24.000/ml, com 75% de segmentados e 16% de bastões; plaquetas de 133.000/ml; TAP: 50%; PTTA: 28,9”; TC: 6’30”; exame de urina tipo I: albumina(+/4+), hemoglobina(+++/ 4+), 6 piócitos/campo, e numerosas hemácias. Após a cirurgia, o paciente foi transferido para a UTI, onde recebeu medidas de suporte e cuidados locais, inclu- indo elevação dos membros acometidos e antissepsia da ferida operatória, além de hidratação, analgesia e antibioticoterapia, com uso de penicilina G cristalina (5.000.000 UI IV 4/4h) e clindamicina (900 mg IV de 8/8h) por oito dias. Em seguida, foi submetido à nova cirurgia para fechamento da fasciotomia e extensão da amputação até o terço médio das tíbias (FIGURA 03). Depois da segunda cirurgia, o paciente retornou para a UTI, onde permaneceu por cinco dias, e iniciou novo esquema antibiótico com ceftazidima (2g IV de 8/8h) e amicacina (500 mg IV de 12/12h) , sendo trans- ferido para a enfermaria onde permaneceu por mais dez dias, evoluindo com melhora e recebendo alta hospitalar após esse período. Discussão Os acidentes ofídicos ocorrem no Brasil por todo o território nacional, com média nacional de 13,9 aci- dentes/100.000 habitantes, A região Centro-Oeste con- tribui com o maior índice registrado (33 acidentes/ 100.000 habitantes), seguida pelo Norte (24 acidentes/ 100.000 habitantes), Sul (16 acidentes/100.000 habitan- tes), Sudeste (13 acidentes/100.000 habitantes) e por último o Nordeste (sete acidentes/100.000 habitantes), por possível subnotificação em virtude da dificulda- de de acesso à saúde nesta região1,3 . A epidemiologia dos casos registrados manteve- se inalterada nos últimos cem anos de acordo com ar- tigo de revisão de Bochner, Struchiner (2003). Ocor- rem com maior freqüência no início e no fim do ano, em pessoas do sexo masculino, trabalhadores rurais, na faixa etária produtiva de 15 a 49 anos, atingindo principalmente membros inferiores e causados em sua maioria por serpentes do gênero Bothrops4 . As serpen- tes deste gênero são conhecidas popularmente por jararaca, jararacuçu, cotiara, caiçara, combóia, malha- de-sapo, urutu-cruzeira, surucucurana, ouricana, en- tre outras denominações. Como características, pos- suem a cabeça triangular, cauda lisa, presa inoculadora de veneno bem desenvolvida e fosseta loreal, orifício situado entre o olho e a narina. As espécies mais en- contradas no Brasil são: Bothrops atrox, na região nor- te; Bothrops erythromelas, no nordeste; Bothrops moojeni, Figura 1 - Gangrena gasosa bilateral de extremidades inferi- ores após acidente botrópico. Figura 2 - Extremidades inferiores após realização de ampu- tação e fasciotomia bilaterais. Figura 3 - Resultado após nova cirurgia para fechamento da fasciotomia e extensão da amputação.
  • 3. 83 Valle LA, Silva DFR, Magalhães PH, Mattos PA, Leal JA. Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2008; 53(2):81-4. região centro-oeste e oeste de SP, PR E MG; Bothops alternatus, na região sul; Bothrops neuwiedi, em todo o país exceto amazônia; Bothrops jararaca, na Bahia, sul e sudeste; e Bothops jararacussu, no centro-oeste, sul e sudeste1,3 . O veneno botrópico apresenta ações proteolítica, responsável por intensa destruição tecidual local; coagulante, através de atividade trombina símile, com ativação de protrombina e fator X, podendo levar à incoagulabilidade sanguínea por consumo de fibrino- gênio; promove liberação de substâncias hipotensoras, além da ação hemorrágica, decorrente da produção de hemorraginas responsáveis por destruir a membrana basal dos capilares, que associada à plaquetopenia e alterações da coagulação, levam a manifestações hemorrágicas freqüentes neste tipo de acidente2 . Os acidentes podem ser classificados quanto à gra- vidade em leve, com dor e edema local pouco intenso ou ausente; moderado, com dor e edema que ultrapas- sa o segmento anatômico picado, acompanhados ou não de alterações hemorrágicas leves e discretas; e gra- ve, caracterizado por edema local endurado intenso e extenso, podendo atingir todo o membro picado, ge- ralmente acompanhado de dor intensa e, eventualmen- tecompresençadebolhas.Otempodecoagulaçãopode estar normal ou alterado em todos os casos. Manifesta- ções sistêmicas como hipotensão arterial, choque, oligoanúria ou hemorragias intensas definem o caso como grave independentemente do quadro local1,3 . O quadro clínico local é o predominante, cursan- do com dor intensa, edema, equimoses, sangramento no local da picada, além de lesões bolhosas de con- teúdo hemorrágico. Pode evoluir com abscesso, necrose, infecção secundária e síndrome comparti- mental, e apresentar seqüelas graves, com incapaci- dade funcional ou mesmo anatômica do membro afe- tado. As complicações sistêmicas são menos freqüen- tes e incluem manifestações hemorrágicas, hipotensão, choque, insuficiência renal, sepse e coagulação intravascular disseminada, podendo levar ao óbito3,4,5 . Nosso paciente desenvolveu complicações locais evidentes em ambos os membros inferiores, e teve de ser submetido à fasciotomia por síndrome comparti- mental. García et al. descreve em sua série de casos um paciente com síndrome compartimental que evo- luiu ao óbito após desenvolver choque hipovolêmico, o que demonstra a gravidade desta complicação5 . A abordagem inicial do paciente deve incluir dosagens de eletrólitos, função renal e provas de coagulação, para avaliar possíveis repercussões sistêmicas do evento3 . Nosso paciente apresentou aumento inicial da creatinina, por possível insuficiência pré-renal, visto ter revertido após hidratação venosa. Quanto aos fatores prognósticos envolvidos, Jor- ge et al. , avaliaram, através de estudo caso-controle, pacientes vítimas de acidentes por Bothops que havi- am sido submetidos à amputação por acidente botrópico e comparou com os que não tinham sido submetidos à tal procedimento. Verificou que houve associação entre amputação e fatores como o mês do acidente, o horário da picada, o comprimento do ani- mal, o local da picada, sangramentos sistêmicos e/ou insuficiência renal. Pacientes que sofreram a amputa- ção apresentaram características como: picadas nos dedos, durante os meses mais frios, no horário de 00:00 às 12:00, serpentes com mais de 60 cm de comprimen- to, bolhas ou abscessos no local da picada e/ou insu- ficiência renal6 . Estudos semelhantes foram realizados para avaliar os fatores envolvidos no desenvolvimento de necrose e óbito. Para necrose observou-se, além dos elementos já citado, condições como bolhas, equimose, dor, edema e uso de torniquetes. Quanto ao óbito, as principais alterações encontradas foram às manifes- tações sistêmicas, sendo a maior parte por falência renal7 . Nosso paciente apresentava fatores de risco para necrose e para amputação, de acordo com os es- tudos. O tratamento inclui medidas gerais de suporte, devendo-se deixar o paciente em repouso, com analgesia e hidratação, mantendo-se débito urinário de 30 a 40 ml/h em adultos e 1ml/kg/h em crianças, além de cuidados locais, com assepsia do sítio de inoculação do veneno, elevação do membro acometido, antibio- ticoterapia em caso de infecção, debridamentos, drena- gem de abscessos, fasciotomia em caso de síndrome compartimental e cirurgias reparadoras nas perdas ex- tensas de tecidos1,3 . O soro antiofídico (antibotrópico- SAB; antibotrópico-crotálico-SABC; ou antibotrópico- laquético-SABL) deve ser administrado o mais precoce possível, em ambiente hospitalar, via endovenosa, na dose preconizada pelo Ministério da Saúde, segundo a gravidade do acidente, devendo ser de duas a quatro ampolas no leve, de quatro a oito ampolas no modera- do, e de doze ampolas no grave. Caso o tempo de coa- gulação permaneça alterado 24 horas após a soro- terapia, está indicada dose adicional de antiveneno1,3,8 . É importante que o paciente seja questionado quanto às características da serpente agressora, levando o ani- mal ao serviço de saúde quando possível, para indica- ção mais precisa do anti-veneno a ser administrado. Na impossibilidade de identificação do animal, pode ser realizada confirmação laboratorial dos antígenos do veneno botrópico através de ensaio imunoenzi- mático(ELISA) no sangue ou outros líquidos corporais do paciente recentemente picado1,3 . O soro deve ser administrado nas primeiras seis horas do acidente, com o objetivo de evitar as graves repercussões sistêmicas. No entanto, não evita a ação miotóxica do veneno, de forma que não previne as repercussões locais9 . Isso ex- plica o quadro desenvolvido por nosso paciente, ape-
  • 4. 84 Valle LA, Silva DFR, Magalhães PH, Mattos PA, Leal JA. Amputação bilateral de extremidades inferiores após acidente botrópico grave: relato de um caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2008; 53(2):81-4. sardeelereferirterprocuradoserviçomédicolocalcerca de 4 horas após o acidente. Outra justificativa seria a subdose utilizada, que deveria ter sido de doze ampo- las, tendo em vista a gravidade do quadro, com edema até porção proximal dos membros, e o fato de a lesão ser bilateral. Por fim, ressaltamos a importância da assistência adequada em acidentes ofídicos, tendo-se em vista a possível gravidade do quadro. Medidas de proteção individual devem ser estimuladas, através da orien- tação da população de risco, além de esclarecimento quanto aos cuidados básicos em casos de acidentes, desencorajando medidas que possam agravar o qua- dro, e estimulando a procura médica precoce. A po- pulação acometida se encontra em sua maioria na fase produtiva da vida, sendo geralmente homens jovens, acarretando grandes perdas familiares e para a socie- dade. Referências bibliográficas 1. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde Ma- nual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. [on line] Brasília (D.F.): Fundação Nacional de Saúde; 2001. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/por- tal/arquivos/pdf/manu_peconhentos.pdf [23 jan 2008] 2. Ribeiro LA, Albuquerque MJ, Pires de Campos VAF, Katz G, Takaoka NY, Lebräo ML, et al. Óbitos por serpentes peçonhentas no Estado de São Paulo: avaliação de 43 casos, 1988/93. Rev Assoc Med Bras. 1998; 44(4):312-8. 3. Pinho FMO, Pereira, ID. Ofidismo. Rev Assoc Med Bras. 2001; 47(1):24-9. 4. Bochner R, Struchiner CJ. Epidemiologia dos acidentes ofídicos nos últimos 100 anos no Brasil: uma revisão. Cad Saude Publi- ca. 2003;19(1):7-16. 5. Morejón García M, Salup Diaz RR. Ofidismo. Estudio de 30 ca- sos en Brasil. [periódico on line] Rev Cubana Med Gen Integr. 2006; 22(2). Disponível em: http://scielo.sld.cu/pdf/mgi/ v22n2/mgi18206.pdf [23 jan 2008] 6. Jorge MT, Ribeiro LA, O’Connell JL. Prognostic factors for amputation in the case of envenoming by snakes of the Bothrops genus (Viperidae). Ann Trop Med Parasitol. 1999; 93(4):401-8. 7. Ribeiro LA, Jorge MT, Lebrão ML. Prognostic factors for local necrosis in Bothrops jararaca (Brazilian pit viper) bites. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2001; 95(6):630-4. 8. Silva NM, Arruda EZ, Murakami YL, Moraes RA, El-Kik CZ, Tomaz MA, et.al. Evaluation of three Brazilian antivenom ability to antagonize myonecrosis and hemorrhage induced by Bothrops snake venoms in a mouse model. Toxicon. 2007; 50(2):196-205. 9. Picolo G, Chacur GM, Gutiérrez JM, Teixeira CFP, Cury Y. Evaluation of antivenoms in the neutralization of hyperalgesia and edema induced by Bothrops jararaca and Bothrops asper snake venoms. Braz J Med Biol Res. 2002; 35(10): 1221-8. Trabalho recebido: 07/04/2008 Trabalho aprovado: 21/05/2008