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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – DCC
COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
JORNALISMO ESPORTIVO
A inserção da mulher jornalista no núcleo esportivo das emissoras de TV de Belo Horizonte
SHYMENNE COSTA SIQUEIRA
BELO HORIZONTE – MG.
DEZEMBRO DE 2005.
SHYMENNE COSTA SIQUEIRA
JORNALISMO ESPORTIVO
A inserção da mulher jornalista no núcleo esportivo das emissoras de TV de Belo Horizonte
Monografia apresentada ao curso de Comunicação
Social, do Departamento de Ciências da
Comunicação, do Centro Universitário de Belo
Horizonte - UNI-BH, como requisito parcial para
obtenção do título de bacharel em Jornalismo.
Sob orientação da professora Tacyana Arce.
BELO HORIZONTE – MG
DEZEMBRO DE 2005.
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.
Nenhum destino biológico, psíquico,
econômico define a forma que a fêmea humana
assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e a civilização
que qualificam de feminino.
Simone de Beauvoir
3
Sumário
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................5
CAPÍTULO 1:
1 A MULHER E O QUARTO PODER .....................................................................................9
1.1 A inserção da mulher na contemporaneidade ......................................................................9
1.1.1 A inserção da mulher na história .....................................................................................10
1.1.2 O feminismo no Brasil ....................................................................................................16
1.2. Gênero e trabalho ..............................................................................................................18
1.2.1 O crescimento da mulher no mercado de trabalho ..........................................................20
1.3 Os mitos e a concepção do feminismo ...............................................................................22
1.4 A imprensa feminina ..........................................................................................................30
CAPÍTULO 2:
2 TELEJORNALISMO E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE .........................................33
2.1 O poder da TV ....................................................................................................................33
2.2 Telejornalismo e a formação da identidade .......................................................................35
2.3 Telejornalismo Esportivo ...................................................................................................39
2.3.1 Jornalismo Esportivo no Brasil .......................................................................................42
2.3.2 As mulheres e o jornalismo esportivo .............................................................................45
CAPÍTULO 3:
3 MULHERES JORNALISTAS NO TELEJORNALISMO ESPORTIVO DE BELO
HORIZONTE ...........................................................................................................................50
3.1 Alterosa Esporte .................................................................................................................50
3.2 Globo Esporte ....................................................................................................................56
3.3 Minas Esporte ....................................................................................................................66
3.4 A identidade da mulher profissional no jornalismo esportivo............................................75
4 Conclusão .............................................................................................................................78
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .........................................................................................80
1 A MULHER E O QUARTO PODER
1.1 A inserção da mulher na contemporaneidade
Manuel Castells (2000) abrange a teoria da mudança social e as transformações da
sociedade, cultura e tecnologia1
. De acordo com o autor, as identidades são construídas e
desenvolvidas em contextos marcados por relações de poder. As manifestações identitárias
são caracterizadas pela história de cada grupo, o que não significa que todas essas
manifestações desenvolvam uma prática renovadora. Algumas se caracterizam pela
resistência à mudança, outros por projetos de futuro.
Para Castells, o mundo vem sendo construído pelas tendências globalizantes e pela
identidade. Segundo ele, as transformações tecnológicas, sociais e culturais criaram uma nova
sociedade: a sociedade em rede. Essa “sociedade em rede” tem como característica a
transformação das relações humanas, como por exemplo, o feminismo e a abertura do
mercado de trabalho para as mulheres.
De acordo com Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy (1984), o movimento
feminista, mesmo tendo surgido no passado, é construído diariamente e não possui um final,
ou uma chegada determinada. O feminismo surgiu no mesmo momento em que movimentos
de libertação, como homossexuais, negros, ecologistas, minorias étnicas, saíram em busca de
reconhecimento e luta contra a discriminação.
Ao se conscientizar que “o sexo é político” (ALVES e PITANGUY, 1984), justamente
por conter também relações de poder, o feminismo buscou ultrapassar as chamadas
organizações tradicionais, caracterizadas pelo autoritarismo. Dessa forma o movimento se
organizou de forma descentralizada, recusando uma única disciplina. Uma de suas maiores
1
A globalização, além de difundir uma mesma idéia produtiva, gera diferentes reações locais conseqüentes da
ampliação da comunicação e das novas tecnologias.
5
características era a capacidade de auto-organização de suas militantes, fruto do conhecimento
e experiência particular de cada mulher.
O feminismo busca readaptar a identidade dos sexos, em que não seja preciso a
criação de modelos sob uma hierarquia e a divisão de qualidades e especialidades como
“masculinas” e “femininas”.
1.1.1 A inserção da mulher na história
Na Grécia, assim como os escravos, as mulheres executavam aqueles trabalhos
desvalorizados pelos homens livres. De acordo com Alves e Pitanguy, “em Atenas, ser livre
era, primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não
escravo” (ALVES e PITANGUY, 1984: 11). As principais funções das mulheres eram a
reprodução, criação dos filhos, fiação, tecelagem, alimentação e também alguns serviços
pesados, como o trabalho agrícola e extração de minerais. Atividades como a política,
filosofia e artes eram consideradas trabalhos nobres e destinados somente aos homens livres.
O horizonte feminino era limitado e excluía as mulheres dos mundos valorizados pela
civilização grega, como o pensamento e o conhecimento. As únicas exceções eram as
chamadas hetairas, cortesãs que para se tornar agradáveis companheiras dos homens em seus
momentos de lazer tinham conhecimento das artes. Já à mulher grega, qualquer acesso à
educação era negado.
O código legal romano legitimava a discriminação da mulher. Entretanto, contam
Alves e Pitanguy, em 195 D.C., as mulheres se dirigiram ao Senado Romano para protestar
contra o privilégio masculino do uso dos transportes públicos e contra a obrigatoriedade de só
poder se locomoverem a pé. Um dos senadores se manifestou, expondo aos demais o
“perigo” de deixar as mulheres em igualdade com os homens, pois, de acordo com ele, as
6
mulheres seriam capazes de em pouco tempo desejar governar os homens. Para Alves e
Pitanguy, o Direito aparece nessa passagem como um instrumento de legitimação da posição
inferior da mulher romana.
Porém, em sociedades tribais, como na Gália e na Germânia, o regime comunitário
dava as mulheres o mesmo espaço de atuação que dava aos homens. “Conjuntamente faziam a
guerra, participavam dos Conselhos Tribais, ocupavam-se da agricultura e do gado,
construíam suas casas. As mulheres funcionavam também como juízas, inclusive de homens”
(ALVES e PITANGUY, 1984: 15).
Nos primeiros séculos da Idade Média, as mulheres possuíam alguns direitos
garantidos por costumes e pela Lei. Dessa maneira, contam Alves e Pitanguy, todas as
profissões, os direitos de propriedade e sucessão eram dados às mulheres. Estudos
demográficos da época demonstravam uma maioria de mulheres adultas, conseqüência de
guerras, longas viagens e, em alguns casos do recolhimento à vida monástica. Sendo assim, na
ausência dos homens, as mulheres se viam obrigadas a assumir os negócios e entender de
contabilidade e legislação. Alves e Pitanguy afirmam que o afastamento dos homens por
motivos de guerra era a principal razão da maior participação feminina fora da esfera
doméstica, fato que se repetiu também durante as duas grandes guerras do século passado.
Mas é válido lembrar que, mesmo conseguindo esse espaço, o trabalho feminino era
remunerado de forma inferior ao dos homens. Isso fez com que muitos trabalhadores homens
se voltassem contra o trabalho feminino, pois a desvalorização do segundo acirrava a
competição e, conseqüentemente, reduzia os salários de forma geral. Em conseqüência disso,
a participação das mulheres ficou restrita durante alguns períodos da Idade Média.
Esse período histórico também é marcado por um verdadeiro genocídio contra as
mulheres, a chamada “caça às bruxas”. Na Idade Média, influenciada pelo teologismo, a
mulher, mais do que nunca, vivia sobre a “maldição bíblica de Eva”. De acordo com a Igreja
7
da época, era a primeira mulher a “responsável pela queda do homem, (...) era considerada a
instigadora do mal” (ALVES e PITANGUY, 1984: 20).
De acordo com as autoras, a perseguição ocorrida durante a Inquisição sobre as
mulheres-bruxas foi pouco registrada e investigada pela história, diferentemente do que
aconteceu com os hebreus, perseguidos por serem considerados hereges. A perseguição às
bruxas pode ser explicada pelo fato de que essas mulheres, supostamente, possuíam
conhecimentos que lhe permitiriam ocupar espaços que não estavam no domínio masculino.
Durante o Renascimento, algumas atividades se tornaram exclusivamente masculinas.
Nesse período, contam Alves e Pitanguy, o trabalho da mulher passou a ser depreciado, ao
mesmo tempo em que o trabalho masculino se valorizou como transformador do mundo. Em
função da necessidade de se sustentar, as mulheres não deixaram de trabalhar, mesmo sendo
desvalorizadas. O que houve foi uma inclusão em outras áreas, menos qualificadas e com uma
remuneração mais baixa ainda.
Nos séculos XVII e XVIII, grande número de mulheres passou a realizar tarefas
domésticas para terceiros através de intermediários, como por exemplo, limpeza, preparação
de alimentos entre outras.
Nesse período, houve uma expansão do ensino público na Europa. Mesmo assim, nas
escolas, os currículos femininos apresentavam somente o conhecimento de afazeres
domésticos, o que não as preparava para um ensino superior, que também não lhes era
acessível. Até meados do século XIX, de acordo com Alves e Pitanguy, não se tem registro de
mulheres em universidades.
No século XVIII, mesmo marcado por revoluções, tanto na América como na Europa,
a mulher continuou excluída das principais decisões e sem que os direitos dos homens fossem
estendidos a elas. Na França, onde as mulheres participaram ao lado dos homens de processos
revolucionários, as conquistas políticas continuaram sendo direito somente dos homens. Para
8
Alves e Pitanguy foi nesse período que o feminismo adquiriu características de um
movimento político organizado, assumindo um discurso próprio e reivindicando os direitos de
cidadania.
A partir de então, revolucionárias francesas enviaram à Assembléia pedidos de
anulação de institutos legais que submetiam o sexo feminino à autoridade masculina. No
mesmo período surgiram inúmeras publicações que abordavam a situação da mulher, como a
desigualdade legal, trabalho, participação política e prostituição.
Já no século XIX, com a consolidação do capitalismo, as mulheres compartilharam
com os homens as difíceis condições de trabalho da época. Ainda assim saíram em
desvantagem. Apesar de fazerem o mesmo serviço, pelo mesmo tempo (que variava de 14 a
18 horas), continuavam ganhando menos que os colegas do sexo masculino. Alves e Pitanguy
contam que a justificativa para essa diferença salarial era que as mulheres não precisavam
tanto do trabalho como os homens, pois tinham quem as sustentassem.
Assim como aconteceu na Idade Média, essa desvalorização do trabalho feminino
acarretou uma baixa salarial para todos, o que, mais uma vez, causou revolta nos homens que
passaram a repudiar o ingresso delas no mercado de trabalho.
O século XIX ficou marcado pelos movimentos revolucionários e reivindicatórios.
Nesse período, contam Alves e Pitanguy, as mulheres, em busca de seus direitos, se fizeram
ouvir na esfera pública. Lutas operárias uniram homens e mulheres. Participaram juntos de
greves e sentiram o peso das repressões. O dia 8 de março de 1857 foi marcado por
manifestações de mulheres operárias em busca de seus direitos. Tempos depois, o dia 8 de
março foi proclamado o “Dia Internacional da Mulher”2
.
2
O Dia Internacional da Mulher foi criado em homenagem a 129 operárias que morreram queimadas numa ação
da polícia para conter uma manifestação numa fábrica de tecidos. Essas mulheres estavam pedindo a diminuição
da jornada de trabalho de 14 para 10 horas por dia e o direito à licença-maternidade. Isso aconteceu em 8 de
março de 1857, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Informação retirada do site
http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/home.html .
9
Outra luta feminista que marcou o século XIX foi o direito ao voto. Nos Estados
Unidos, a validação desse direito só se deu em 1920, 72 anos depois do início dessa luta. Já na
Inglaterra, o direito das mulheres ao voto ocorreu em 1928. Tanto nos Estados Unidos como
na Inglaterra, essa luta foi marcada por repressões violentas contra as militantes.
No Brasil, a luta pelo voto feminino não foi caracterizada por movimentos de massa.
Teve início em 1910, com a fundação do “Partido Republicano Feminino” 3
e com a “Liga da
Emancipação Intelectual da Mulher” 4
, em 1919. Em 1932, Getúlio Vargas estendeu o direito
de voto às mulheres em todo o país.
Nas décadas de 30 e 40, muitas das reivindicações das mulheres haviam sido
atendidas: tinham direito ao voto, a ingressar nas escolas e participavam do mercado de
trabalho. De alguma forma, a sociedade as aceitava como cidadãs. É nesse período também
que ocorre diminuição da luta dos movimentos feministas. Para Alves e Pitanguy, isso ocorre
devido a necessidade e valorização da mulher no mercado de trabalho, conseqüência da
ascensão do nazi-facismo e do início da Segunda Guerra Mundial.
Porém, com o término da guerra, a idéia de supremacia masculina volta ao cenário
mundial, atribuindo à mulher as atividades domésticas e as retirando do mercado de trabalho.
Contam Alves e Pitanguy que os meios de comunicação procuravam enfatizar a idéia de
“rainha do lar”, de que o lugar da mulher era em casa, exercendo os papéis de mãe, dona-de-
casa e esposa.
A grande exceção pela luta a favor do movimento feminista nas décadas de 30 e 40 foi
a escritora Simone de Beauvoir, com o livro “O Segundo Sexo”. A partir da década de 60,
vários livros e estudos sobre a condição das mulheres, com reflexões feministas, foram
3
O “Partido Republicano Feminino” foi fundado pela professora Deolinda Daltro. O objetivo do partido era
levar ao Congresso Nacional o debate sobre o voto feminino, que havia sido esquecido desde a Assembléia
Constituinte em 1891.
4
A “Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher” foi fundada em 1919 por Bertha Lutz. Tempos depois foi
denominada “Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”. As táticas usadas eram principalmente as
divulgações pela imprensa e mobilização da opinião pública.
10
publicados5
. No Brasil, “A Mulher na Sociedade de Classes” é publicado por Heleieth
Saffioti. O livro analisa a condição da mulher no sistema capitalista e sua evolução histórica
no Brasil. É também nos anos 60 que o movimento feminista reúne outras lutas, que incluem
o questionamento das raízes culturais das desigualdades entre homens e mulheres.
Já na década de 70, o feminismo volta como um movimento de massas, com força
política e como grande transformador social. Nesse período, contam Alves e Pitanguy, surgem
mulheres que desenvolvem grupos de trabalho e pesquisas. Além disso, o movimento
feminista leva para as ruas milhares de mulheres em busca de reivindicações especificas. Uma
dessas reivindicações diz respeito à formação profissional e o mercado de trabalho.
De acordo com Alves e Pitanguy, algumas profissões eram caracterizadas como
femininas e outras como masculinas. No Brasil, as mulheres se concentravam no setor de
prestação de serviços, como empregadas domésticas, no magistério, em escritórios, como
enfermeiras, entre outros. Essa divisão de funções, a diferença de níveis salariais e
principalmente os obstáculos à ascensão profissional das mulheres serviram para que o
movimento feminista levantasse novas bandeiras de luta: reivindicar salários e direitos iguais
e mais oportunidades de trabalho.
A partir de então, a mulher passou a se conscientizar de seu valor e de sua necessidade
de libertação. Sendo assim, argumentam Alves e Pitanguy, as mulheres passaram também a se
preocupar com sua dupla jornada: seu papel dentro e fora de casa, dividindo com o homem o
sustento da casa, mas não dividindo com ele os afazeres domésticos. As autoras acreditam já
haver algumas “tentativas individuais de estabelecimento de uma nova relação homem-
mulher” (ALVES e PITANGUY, 1984: 66), porém são tentativas isoladas.
5
Nos Estados Unidos Betty Friedan publica “A Mística feminina”. No fim dos anos 60 Kate Millet publica
“Política Sexual”. No mesmo período Juliet Mitchell lança “A Condição da Mulher”.
11
1.1.2 O feminismo no Brasil
Após a conquista pelo voto, o movimento feminista no Brasil também sofreu um
retrocesso. Muito disso foi conseqüência do quadro político que o país viveu com o Estado
Novo. Com a democratização do país a partir de 1945, as mulheres começaram a participar
de forma mais ativa em campanhas, como por exemplo, pela anistia e pela paz mundial.
Mesmo não tendo um cunho feminista, argumentam Alves e Pitanguy, a introdução das
mulheres nessas atividades acabava marcando sua presença na esfera pública.
Com o início do regime militar, a partir de 1964, os movimentos populares perderam
espaço. Mesmo assim as mulheres continuaram inseridas em movimentos contra o regime e
em manifestações públicas. De acordo com Alves e Pitanguy, o movimento pela anistia foi
aquele que mais teve a presença feminina6
.
No fim da década de 70, o feminismo se expandiu no Brasil com a criação de grupos e
núcleos de estudos sobre a mulher em alguns Estados. Assim como na Europa e nos Estados
Unidos, o movimento feminista brasileiro se colocou como uma organização autônoma, sem
vínculos com partidos políticos.
De acordo com Áurea Tomatis Petersen7
, no artigo “Homens e Mulheres: enfim, as
desigualdades estão acabando?” (1997), apesar da aparente igualdade, as relações entre os
gêneros continuam povoadas de desigualdades, tanto no Brasil como no restante do mundo.
No Brasil do início dos anos 90, afirma Petersen, cerca de 40% das mulheres estavam
no mercado de trabalho8
, desse percentual o número de mulheres bem sucedidas em carreiras
consideradas até pouco tempo masculinas, como economia, direito, medicina, jornalismo,
também era elevado.
6
Em 1975 o “Movimento Feminino pela Anistia” foi fundado em São Paulo.
7
Professora de Ciência Política da PUC-RS e do curso de Mestrado em Desenvolvimento Social e Econômico da
UCPEL. Doutora em História do Brasil na PUC-RS.
8
Dados do Relatório Estatístico do IBGE de 1992.
12
A partir de então não se tornou difícil encontrar mulheres ocupando cargos superiores
e de alta responsabilidade, como por exemplo, as reitoras de várias universidades do país. O
número de mulheres com curso superior também se tornou maior que o dos homens: em 1992
eram 52,3% de mulheres contra 47,7% de homens nas universidades do país, já em 1997 o
número de mulheres passava de 60%.
Petersen afirma que foi graças as alterações na sociedade brasileira que a Constituição
de 1988 teve importantes mudanças no que diz respeito à relação homem e mulher. Dessa
forma todos passaram a ser iguais perante a lei, e entre outras conquistas foi determinada a
proibição de diferenças salariais, de introdução ao mercado de trabalho sob critérios de
admissão por motivo de sexo entre outros.
Na IV Conferência Internacional da Mulher, promovida pela ONU – Organização das
Nações Unidas – em 1996, uma das grandes preocupações era acabar com a herança cultural
de desigualdade entre homens e mulheres. No Brasil, essa Conferência teve grandes efeitos,
pois foi a partir daí que as mulheres parlamentares conseguiram aprovar uma emenda na qual
seria obrigatória a cota mínima de 20% de mulheres candidatas a cargos legislativos.
Mesmo com essas importantes conquistas, Petersen relembra que ainda não é possível
se falar em igualdade entre homens e mulheres. O crescimento das oportunidades de emprego
e educação, a ampliação do espaço político e as mudanças constitucionais e jurídicas foram
um grande avanço para o gênero feminino, mas infelizmente não foram suficientes para
superar as desigualdades.
Até 19979
, mesmo sendo 51% da população brasileira, apenas 40% das oportunidades
de trabalho eram preenchidas por mulheres. Além disso, continuavam incorporadas a
atividades tidas como femininas e a remuneração continuava baixa. Petersen explica que
9
Ano da publicação do livro “Mulher: Estudos de Gênero”.
13
mesmo com a Constituição de 1988, os postos de maior remuneração continuavam em mãos
masculinas.
1.2 Gênero e trabalho
A introdução massiva das mulheres no mercado de trabalho assalariado fez com que
instituições como a família e o mercado de trabalho passassem por profundas modificações.
Castells afirma que a entrada das mulheres no mercado de trabalho se deve à informatização,
globalização e também à divisão do mercado de trabalho por gênero, que utiliza as “condições
sociais específicas” (CASTELLS, 2000: 197) que as mulheres têm para desenvolver
determinadas atividades.
Castells aponta que a participação das mulheres no mercado de trabalho se dá em
todos os níveis da estrutura, inclusive em cargos superiores. E justamente por ocuparem
cargos superiores, afirma Castells, é que as mulheres sofrem com a discriminação. Segundo
ele, as mulheres ocupam cargos que exigem qualificações semelhantes a dos homens, porém
com salários mais baixos e com menos segurança de estabilidade. Ao mesmo tempo, é
significativo o número de mulheres no mercado informal.
Em todo o mundo, a participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou,
enquanto a dos homens diminuiu. Para Castells, o que atrai os empregadores na contratação
de mulheres são as características sociais, que nada têm a ver com características biológicas,
já que muitas desempenham funções consideradas “masculinas” 10
. Castells crê que o atrativo
mais óbvio para a contratação das mulheres é a possibilidade de pagar um salário menor pelo
10
Outro atrativo é o fato de que as mulheres costumam ser empregadas em setores onde a atuação dos sindicatos
é nula ou restrita.
14
mesmo serviço. Porém, isso não significa que as mulheres não estão sendo reconhecidas por
seu trabalho.
É importante ressaltar que, na maioria dos casos, não se pode dizer que as mulheres
não tenham qualificações reconhecidas, ou que estejam fadadas a realizar tarefas
menores; ao contrário, estão sendo cada vez mais promovidas a cargos
multifuncionais que requerem iniciativa e bom nível de instrução, uma vez que as
novas tecnologias exigem uma força de trabalho dotada de autonomia, capaz de
adaptar-se e reprogramar suas próprias tarefas. (CASTELLS, 2000: 204)
A flexibilização do trabalho feminino - horários, saída, entrada, tempo – é outro ponto
citado por Castells como atrativo. Segundo ele, o tipo de trabalhador exigido pela economia
informacional se ajusta às mulheres, que procuram compatibilizar família e trabalho, e não se
importam em trabalhar apenas meio-horário, ou optar por empregos temporários.
A inserção das mulheres no mercado de trabalho trouxe significativas mudanças para a
instituição familiar. Para Castells, a contribuição financeira das mulheres é fundamental no
orçamento doméstico. Isso fez com que o regime patriarcalista passasse a ser questionado.
Esse processo de incorporação total das mulheres no mercado de trabalho
remunerado gera conseqüências muito importantes na família. A primeira é que
quase sempre a contribuição financeira das mulheres é decisiva para o orçamento
doméstico. Assim, o poder de barganha da mulher no ambiente doméstico tem
crescido significativamente. Sob o regime estritamente patriarcal, a dominação das
mulheres pelos homens era, antes de mais nada, uma questão de estilo de vida: o
seu trabalho era cuidar do lar. Conseqüentemente, uma rebelião contra a autoridade
patriarcal só podia ser uma medida extrema, levando com freqüência à
marginalização. Com as mulheres trazendo dinheiro para casa e, em muitos países
(...), os homens vendo seus contracheques minguar, as divergências passaram a ser
discutidas sem chegar necessariamente à repressão patriarcal. Além disso,a
ideologia do patriarcalismo legitimando a dominação com base na idéia de que o
provedor da família deve gozar de privilégios ficou terminantemente abalada.
(CASTELLS, 2000: 210)
15
1.2.1 O crescimento da mulher no mercado de trabalho
Gisele Camargo (2003), em A face oculta das jornalistas11
, acredita que a situação das
mulheres é hoje bem mais tranqüila se comparada aos últimos anos: estão inseridas no
mercado de trabalho, em grande parte tem um nível escolar mais alto que o dos homens e já
não sofrem preconceitos por serem divorciadas.
Em estudo realizado pela Fundação Carlos Chagas “Estatísticas e indicadores do
trabalho feminino: uma discussão conceitual” (1996), Cristina Bruschini aponta a explosão do
feminismo como peça chave para legitimar a condição feminina como estudo. Em um
primeiro momento, as Ciências Sociais escolheram o trabalho como temática predominante na
teoria sociológica, se junta a esse fator a questão da importância do trabalho para o
feminismo, visto como um transformador potencial do modo que as mulheres eram colocadas
perante a sociedade. De acordo com Bruschini, no Brasil, influenciadas pelos movimentos
norte-americanos e europeus, as mulheres encaravam o trabalho remunerado como o caminho
para se emanciparem do trabalho de dona de casa.
Em 199812
, a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) realizou um
estudo que evidenciou uma intensa participação feminina no mercado de trabalho a partir dos
anos 70. A ABEP considera o aumento do nível de escolaridade e principalmente a queda da
taxa de fecundidade, fruto do surgimento e popularização da pílula anticoncepcional, fatores
responsáveis por essa nova estrutura socioeconômica no país.
Durante os anos 70, a crescente urbanização e industrialização fizeram com que o
mercado abrisse novas oportunidades de trabalho, inclusive ao público feminino. Nos anos
11
http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/dedicacao/debate6.htm
12
Esse trabalho tem como objetivo fornecer elementos para a identificação do trabalho feminino nos anos 90. As
informações utilizadas abordam dados desde 1990. O trabalho completo encontra-se no site
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/PDF/1998/a224.pdf.
16
80, essas novas oportunidades do mercado ficaram mais abertas às mulheres com a expansão
de atividades ligadas a prestação de serviços, atividades administrativas, comércio, entre
outras.
Já nos anos 90, com suas transformações político-econômicas, as taxas de desemprego
ganharam destaque, e a participação feminina no mercado de trabalho passou a ser maior em
áreas informais, pouco ou não regulamentadas, e trabalhos domésticos ou familiares (donas de
casa). Esse estudo da ABEP destaca também que o aumento da informalidade atingiu não
somente as mulheres, mas muitos homens também passaram a desempenhar papéis nesses
setores. A informalidade, muitas vezes é vista como uma forma simplificada das mulheres se
inserirem no mercado de trabalho, porém pode muitas vezes dificultar a concorrência por
outros postos com os homens. Entre 1990 e 1995, a população feminina de trabalhadoras não-
agrícolas superou a masculina em quase 7%. Já os empregados com carteira assinada
diminuíram tanto para os gêneros masculino como feminino. Em compensação o setor de
prestação de serviços foi o que mais absorveu empregados de ambos os sexos.
Em recente estudo13
, Ana Flávia Machado, Ana Maria Hermeto Camilo e Simone
Wajnman (2005), mostram que no ano de 2003, os salários masculinos chegavam a ser até
60% maiores que a das mulheres. Para as autoras, o fato das mulheres terem uma maior
escolaridade não influencia o fator salarial, caso isso acontecesse, elas ganhariam até 20% a
mais que os homens.
Além disso, esse mesmo estudo mostra que no ano de 2003 o desemprego entre as
mulheres era 5% maior que entre os homens. Na faixa etária entre 35 e 45 anos, fase
considerada a mais produtiva da vida, o número de mulheres desempregadas dobra, enquanto
a dos homens cresce cerca de 50%. Outro fator que chama a atenção diz respeito ao maior
13
CAMILO, Ana Maria Hermeto; MACHADO, Ana Flávia; WAJNMAN, Simone . Sexo frágil? Evidências
sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro. 1ª edição. Belo Horizonte: Organização
Gelre, 2005.
17
nível de escolaridade no Brasil. No ano de 2003, 33,66% das desempregadas tinham nível
superior incompleto, enquanto a porcentagem de homens desempregados, nas mesmas
condições era de 25,04%. Porém, a maior escolarização feminina acaba por beneficiar parcela
das mulheres, já que, assim como para os homens, em cerca de 20 anos a participação de
mulheres com nível superior no mercado de trabalho praticamente dobrou.
No século XXI, como mostram as autoras, há uma concentração de mulheres nos
ramos de alimentação, educação, saúde e serviços sociais, incluindo também serviços
domésticos. Já os homens estão nas áreas de construção, transporte, armazenagem e
comunicação.
1.3 Os mitos e a concepção do feminismo
Em o Segundo Sexo, Simone de Beauvoir (1980) trabalha com as transformações do
universo feminino. A autora afirma que, hoje em dia, as mulheres estão transformando o
“mito da feminilidade”, pois começam a concretizar, com alguma dificuldade, sua
independência.
Para Beauvoir, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1980: 09), e é
a partir do momento que o indivíduo percebe a sua imagem no espelho, que inicia o processo
de formação de sua identidade. Segundo ela, a passividade que caracteriza a mulher é um
traço que se desenvolve nela desde o começo. A relação entre mãe e filha é vista como
complexa, já que a mãe impõe à filha o seu próprio destino, faz dela uma mulher semelhante a
si própria. A filha, quando criança, espelha-se nas atitudes e comportamentos da mãe,
identifica-se com ela.
18
Devido às conquistas do feminismo, as mulheres são encorajadas a desafiar caminhos
trilhados antes apenas pelos homens, como a prática de esportes. Mesmo assim, as mulheres
têm de conviver com a incansável cobrança de que não percam sua feminilidade.
Desde o nascimento, é perceptível a hierarquia entre homem e mulher. Beauvoir
afirma que desde a infância as mulheres têm “inveja” dos homens e das atividades
desempenhadas por eles14
.
Na mulher, há, no início, um conflito entre sua existência autônoma e seu “ser-
outro”; ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto;
ela deve, portanto, renunciar à sua autonomia. Tratam-na como uma boneca viva e
recusam-lhe a liberdade; fecha-se assim um círculo vicioso, pois quanto menos
exercer sua liberdade para compreender, apreender e descobrir o mundo que a
cerca, menos encontrará nele recursos, menos ousará afirmar-se como sujeito; se a
encorajassem a isso, ela poderia manifestar a mesma exuberância viva, a mesma
curiosidade, o mesmo espírito de iniciativa, a mesma ousadia que um menino.
(BEAUVOIR, 1980: 22)
Quando marcadas por um “impulso espontâneo pela vida”, as crianças são levadas a
encarar o círculo materno estreito e buscam escapar à autoridade da mãe. De acordo com
Beauvoir, essa autoridade é exercida com mais rigor com as mulheres. Isso faz com que
muitas meninas, durante a infância, “rebelem-se” contra a mãe. Na filha surge um sentimento
de repulsa, e passa a desejar escapar de assemelhar-se com a mãe; seu objeto de desejo passa
a assemelhar-se àquelas que “fugiram” à servidão feminina: atrizes, escritoras... Muitas dessas
meninas passam a dedicar-se com rigor aos esportes, estudos e a rivalizar com os meninos.
Para Beauvoir, a menina, ao se descobrir mulher, sente-se inferiorizada, pois a esfera a que
pertence é cercada e dominada pelo universo masculino15
.
De acordo com a autora, é por volta dos 13 anos que os meninos desenvolvem a
agressividade, a vontade pelo poder e o gosto pelo desafio. Nesse mesmo período, as meninas
renunciam aos jogos brutais e perdem o interesse pelos desafios esportivos, que em alguns
14
Essa situação faz com que elas sintam um desejo espontâneo de afirmar seu poder sobre o mundo e protestar
contra o sentimento de inferioridade.
15
A autora compara essa situação à dos negros na América do Norte, uma sociedade que os considera como
casta inferior. Porém, diferentemente dos negros as mulheres são convidadas a aceitar tal situação.
19
casos lhes são proibidos. Para Beauvoir, a atitude do desafio tem menor valor para as meninas
que para os meninos. Na adolescência, as mulheres têm seus sentimentos “reprimidos”, já os
homens podem colocar suas queixas e inquietações em discussão.
Quanto mais a criança cresce, mais o universo se amplia e mais a superioridade
masculina se afirma. Muitas vezes, a identificação com a mãe não mais se apresenta
como solução satisfatória; se a menina aceita, a princípio, sua vocação feminina,
não o faz porque pretende abdicar: é, ao contrário, para reinar; ela quer ser matrona
porque a sociedade das matronas parece-lhe privilegiada; mas quando suas
freqüentações, estudos, jogos e leituras a arrancam do círculo materno, ela
compreende que não são as mulheres e sim os homens os senhores do mundo.
(BEAUVOIR, 1980: 28)
As esportistas, segundo Beauvoir, são as que menos se sentem inferiorizadas em
relação aos homens, pois são interessadas em sua própria realização. Porém, para a autora, é a
fraqueza física que impede as mulheres conhecer os jogos e atividades violentas. Já durante a
adolescência, afirma, as mulheres perdem seu domínio intelectual e artístico, uma das razões é
que a “sociedade” lhes cobra um acúmulo de tarefas: ser profissional e ao mesmo tempo não
perder sua feminilidade.
Toda essa cobrança e fiscalização sobre as mulheres fazem com que muitas delas
aborreçam-se logo umas com as outras. Muitas mulheres consideram que os “trabalhos
brilhantes” são destinados somente aos homens e deixam de almejar grandes conquistas. Tudo
isso incita um sentimento de derrotismo, que tem como razão o sentimento que a mulher tem
de que não é responsável por seu futuro e julga inútil exigir muito de si mesma.
Beauvoir acredita que é moldando-se aos sonhos dos homens que as mulheres se
valorizarão aos olhos deles. Para agradar aos homens, elas percebem que é preciso abdicar de
certas coisas. Segundo a autora, os homens temem e recriminam mulheres que sabem o que
querem: cultas, ousadas, inteligentes, com caráter. Toda afirmação feminina faz com que as
mulheres diminuam sua feminilidade e probabilidades de sedução, diferentemente do que
20
acontece com os homens, que, desde o início de sua existência, afirmam-se como machos e
são aceitos por suas atitudes.
Ao ser criticada, a mulher mostra sua fragilidade com mais clareza. É mais suscetível
às críticas por dar maior valor a vaidade. Acredita que tem seu valor diminuído quando se
torna demasiada comum. É durante a adolescência que a mulher expõe com maior
transparência essa característica. De acordo com Beauvoir, é também na adolescência que as
mulheres percebem que seus impulsos são freados.
Nos dias atuais, é possível “tomar o destino nas mãos” (BEAUVOIR, 1980:107).
Absorvida por outras atividades, como estudos, esportes ou uma profissão, as mulheres
podem deixar de lado o casamento e as atividades domésticas, que antes eram cobradas pela
sociedade e principalmente pela família. Mesmo assim, o caminho percorrido pelas mulheres
é mais árduo que o dos homens. Até mesmo porque, apesar de escolher o caminho da
independência, muitas mulheres sentem medo de “falhar de seu destino de mulher”
(BEAUVOIR, 1980:107), e reservam em sua vida um espaço para o homem, o casamento e os
filhos. Em todo caso, afirma Beauvoir, as mulheres têm a preocupação de conciliar sua vida
profissional com êxitos femininos. Essa preocupação, afirma a autora, só terá fim quando
houver uma igualdade econômica e social que permitirá as mulheres realizarem seus desejos e
objetivos sem a recriminação da sociedade.
Para Beauvoir, cada vez que a mulher se conduz de forma independente a sociedade a
identifica como macho. Atividades consideradas masculinas, quando realizadas por mulheres,
são interpretadas como um protesto. A “sociedade” deixa de lado os fatores que a levaram a
desenvolver determinada atividade. Segundo a autora, conciliar a personalidade ativa de
mulher com seu papel de fêmea passiva não é uma tarefa fácil, tanto que muitas renunciam a
essa personalidade ao invés de encarar suas conseqüências.
21
De acordo com a autora, a sociedade propõe tradicionalmente à mulher o casamento.
Mas com a evolução econômica da mulher, o casamento vem sofrendo algumas
transformações. Por muito tempo, a liberdade de escolha de uma jovem mulher foi restrita: o
casamento era considerado seu único meio de sobrevivência e razão de sua existência. Porém,
para Beauvoir, a “tutela masculina” (BEAUVOIR, 1980:166) vem perdendo espaço no
casamento.
Muitas são as mulheres que buscam sua “liberdade” após o casamento, se entregando
aos estudos ou a uma profissão. Mesmo assim, afirma Beauvoir, são raras as que continuam a
desenvolver tais atividades, pois sabem que o interesse de seu trabalho será sacrificado ao do
marido. Há mulheres que realmente encontram sua independência no trabalho, mas as
atividades do casamento acabam por impedir que a maioria conquiste essa independência.
De acordo com Beauvoir, a maternidade é considerada o “destino fisiológico”
(BEAUVOIR, 1980:248) das mulheres. Porém, a função reprodutora não é mais controlada
pelo simples caso biológico e sim pela vontade e necessidades, como por exemplo, o trabalho.
A autora afirma que as mulheres reivindicam e ao mesmo tempo detestam sua condição
feminina. A responsabilidade da maternidade faz com que a sociedade considere inadequada
às mulheres toda atividade pública, as carreiras masculinas e proclame sua incapacidade em
todos os terrenos.
Nos dias atuais, grande parte das mulheres passaram a escolher desempenhar ou não o
papel da maternidade. A mulher ocidental moderna deseja mais do que ser notada como dona
de casa, esposa e mãe, procura também a satisfação na vida social. Apesar de se opor muitas
vezes ao universo masculino, o “mundo feminino” (BEAUVOIR, 1980:363), de acordo com
Beauvoir, está integrado na coletividade governada por homens, na qual ocupam lugar de
subordinadas. Mesmo pertencendo a um universo masculino, as mulheres contestam esse
mundo.
22
Para a autora, a ignorância das mulheres é que fazem com que tenham respeito e
admiração pelos “heróis e leis masculinas” (BEAUVOIR, 1980:367). Em civilizações e
classes fortemente integradas, as mulheres apresentam-se irredutíveis: sua fé cega e
obediência fazem com que elas reconheçam nos homens o heroísmo e o respeito
inquestionável. De acordo com Beauvoir, algumas mulheres preferem a rotina à aventura,
preferem se contentar com uma suposta felicidade dentro de casa a saírem em busca de outros
ideais. É talvez por nunca terem experimentado a liberdade que tanto medo tem dela.
“Ensinaram-lhe a aceitar a autoridade masculina; renuncia, pois a criticar, a examinar, a julgar
por sua conta. Confia na casta superior. Eis porque o mundo masculino se apresenta a ela
como uma realidade transcendente, um absoluto” (BEAUVOIR, 1980:366).
Entretanto, quando incitadas a desafiar novos rumos, as mulheres são muitas vezes tão
ou mais corajosas que os homens. Para a autora, o homem possui mais possibilidades
concretas de projetar sua liberdade do que as mulheres. É talvez por isso que muitos
considerem as conquistas masculinas maiores e mais importantes que as femininas. Cumpre a
mulher, diante dessa situação, recusar os limites impostos a ela e procurar caminhos para abrir
no futuro, trabalhar em busca de sua libertação.
Essa libertação só pode ser coletiva e exige, antes de tudo, que se acabe a evolução
econômica da condição feminina. Entretanto, houve, há ainda, numerosas mulheres
que buscam solitariamente realizar sua salvação individual. Tentam justificar sua
existência no seio de sua imanência, isto é, realizar a transcendência na imanência.
É este último esforço – por vezes ridículo, por vezes patético – da mulher
encarcerada para converter sua prisão em céu de glória, sua servidão em liberdade
soberana, que encontramos na narcisista, na amorosa, na mística. (BEAUVOIR,
1980: 393)
De acordo com Beauvoir, as situações impostas às mulheres fazem com que se voltem
para o narcisismo. É a forma que ela encontra de “fugir de si”. Impedida de realizar atividades
viris, a mulher encontra no espelho, em seu reflexo, uma forma de reinar sobre o mundo e
sobre os homens. Muitas mulheres procuram na arte uma maneira de exercer seu narcisismo.
23
Para algumas, é uma mera profissão, para outras é o acesso à fama, o triunfo de seu
narcisismo. Em todas as atividades desenvolvidas, essas mulheres buscam de alguma forma
conduzir-se à glória.
Beauvoir afirma que é através do trabalho que a mulher diminuiu, em grande parte, a
distância que a separa do homem. É o trabalho que lhe assegura a liberdade concreta. Como
produtora, a mulher reconquista sua transcendência, afirma-se concretamente como sujeito e
põe á prova sua responsabilidade. “Desde que ela deixa de ser um parasita, o sistema baseado
em sua dependência desmorona; entre o universo e ela não há mais necessidade de um
mediador masculino” (BEAUVOIR, 1980:449).
É possível perceber que, mesmo nos dias atuais, em sua maioria, as mulheres que
trabalham não recebem dos patrões, da família e da sociedade o apoio necessário para se
tornarem iguais aos homens. Por isso, a tentação de serem sustentadas por um homem ainda é
tão forte. Entretanto, é possível encontrar mulheres que através de sua profissão conseguem
sua autonomia financeira e social. É certo que essa minoria de mulheres está apenas
começando a conquistar seu espaço, porém, não é possível afirmar se seu comportamento é
certo ou errado16
.
Em verdade, nada autoriza a dizer que seguem um caminho errado, e, no entanto é
certo que não se acham tranquilamente instaladas em sua nova condição: não
passaram ainda a metade do caminho. A mulher que se liberta economicamente do
homem nem por isso alcança uma situação moral, social e psicológica idêntica à do
homem. (BEAUVOIR, 1980:451)
Mesmo conseguindo sua autonomia financeira e social, as mulheres não alcançam a
mesma situação dos homens. Para Beauvoir, desde a infância o homem convive com o fato de
que sua “vocação de ser humano não contraria o seu destino de homem” (BEAUVOIR,
1980:452). Já a mulher é condenada a abdicar de suas reivindicações para que possa realizar
sua feminilidade. Esse conflito acaba fazendo parte da vida da mulher libertada: ela acredita
16
Anti-feministas afirmam que essas mulheres nada conseguem no mundo e têm dificuldade em encontrar seu
equilíbrio interior.
24
que renunciar a sua feminilidade é renunciar, em parte, sua humanidade. De acordo com
Beauvoir, mesmo recusando atributos femininos, a mulher nunca irá adquirir atributos viris.
Vivendo sem uma completa segurança no universo masculino, a mulher busca em
tradições femininas - como o narcisismo, o trabalho de dona de casa, a maternidade - se
refugiar. Para Beauvoir, a mulher quer viver como homem e mulher ao mesmo tempo, e com
isso multiplica suas tarefas.
Para a autora, uma vez conquistadas a fortuna e a celebridade, essas se apresentam
como virtudes imanentes e podem aumentar a atração sexual da mulher, porém por
desenvolver uma atividade autônoma, essa situação acaba contradizendo sua feminilidade.
Para Beauvoir, os homens estão se acostumando com essa condição de independência das
mulheres. E esta aprendeu que trabalhar fora de casa não significa ter de negligenciar sua
feminilidade.
Mesmo assim, a autora acredita que, quando preocupada em “ser mulher”, a condição
de independente cria na mulher um complexo de inferioridade. Para ela, a feminilidade leva
as mulheres a duvidar de suas possibilidades profissionais17
.
Beauvoir constata também que nem mulheres e nem homens gostam de receber ordens
de uma mulher. A princípio, a mulher é sempre questionada de sua capacidade e honestidade.
Para isso, precisa conquistar seu espaço e respeito, precisa dar provas. Esse complexo de
inferioridade inicial gera muitas vezes uma reação de defesa, um afastamento.
A mulher, diferentemente do homem, não tem o hábito de se impor. Nesse sentido,
não transmite segurança em suas decisões. É comum, também, que valorize por demais êxitos
modestos e pequenos malogros, ou enche-se de vaidade, ou logo se desanima18
.
De acordo com a autora, há uma categoria de mulheres que com sua feminilidade
fortaleceram suas carreiras. São elas atrizes, dançarinas, cantoras19
. Essas artistas, afirma
17
Essa situação leva ao que Beauvoir chama de “derrotismo”, o que faz com que muitas mulheres se
acomodem com um êxito medíocre, têm medo de alçar vôos mais altos.
18
Para Beauvoir, o que falta nas mulheres de hoje é “esquecer-se um pouco de si”.
25
Beauvoir, têm a vantagem de encontrar em seu êxito profissional sua valorização sexual,
encontram em sua atividade uma justificativa para seu narcisismo.
Em sua maioria, acredita Beauvoir, as mulheres não conseguem compreender seus
desejos de comunicação com o mundo, o que para ela explica em grande parte a preguiça
feminina. Muitas consideram que seus méritos surgiram “de graça”, sem qualquer esforço ou
dedicação. E é justamente por isso que, logo na primeira crítica, muitas desanimam de
prosseguir sua profissão. Ao invés de enriquecer, o narcisismo feminino pode muitas vezes
empobrecê-la. Para a autora, a mulher tem medo de desagradar, de ofender, falta-lhe coragem
para desempenhar certas atividades ligadas até mesmo à sua profissão. A modéstia e o medo
definem os limites do talento feminino.
1.4 A imprensa feminina
Em A imprensa de salto alto20
, Daniel Liidtke (2003) explica que a história da
imprensa é marcada pela participação dos homens. Enquanto às mulheres, coube, por vários
anos, a função de escrever sobre culinária e similares.
A participação feminina na imprensa teve inicio a partir do século XIX. A baiana
Violante Ataliba Ximenes de Bivar e Velasco lançou o Jornal das Senhoras em 1852. O
impresso circulou até meados de 1855, em seguida, Velasco lançou O Domingo, com sonetos,
cartas de amor e modas, que circulou até a morte de sua fundadora, em 187521
.
A partir de 1969, com a regulamentação do jornalismo, Liidtke acredita que as
oportunidades para as mulheres no jornalismo aumentaram, isso porque tinham maior acesso
às faculdades.
19
Por mais de três séculos, essa categoria foi a única que conseguiu realmente sua independência em relação aos
homens.
20
http://www.canaldaimprena.com.br/debate/dedicacao/debate1.htm
21
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª edição. Rio de Janeiro:Mauad, 1999.
26
Após 153 anos da primeira edição de um jornal dirigido por uma mulher no Brasil,
estima-se haver mais mulheres do que homens no meio jornalístico. De acordo com Jorge
Werthein22
no artigo “As Mulheres e o Quarto Poder” (2000), o espaço conquistado pelas
mulheres na imprensa, além de significativo, parece ser definitivo.
Werthein cita o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado
em fevereiro de 2000, que aponta a crescente oferta de trabalho para as mulheres no meio
jornalístico.Apesar do aumento da participação feminina no jornalismo, assim como em
grande parte da sociedade contemporânea, os cargos mais altos nas empresas jornalísticas
continuam sendo ocupados por homens No mesmo ano de divulgação do Relatório, a
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) homenageou a
mulher jornalista no Dia Internacional da Mulher. O Diretor Geral da organização, Koichiro
Matsura, lançou um apelo internacional: “As Mulheres Fazem a Notícia”, no qual defendia a
ocupação de cargos de chefia na imprensa por mulheres jornalistas.
Durante muito tempo, o trabalho das mulheres jornalistas foi considerado um trabalho
direcionado ao público feminino: revistas, jornais e programas de televisão que destinavam
seus assuntos às mulheres e abordavam temas como moda, culinária entre outros. Em
“Imprensa Feminina” (1990), Dulcília Schroeder desmistifica esse conceito afirmando que o
que vai definir o tipo ou editoria jornalística é o público consumidor, e não o sexo do produtor
e/ou redator de determinado assunto, como se pensava há tempos.
Na América Latina, o número de mulheres nas escolas de comunicação é bem maior
que o número de homens. De acordo com dados do economista Nelson Sato, do Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo, 73,16% das mulheres que atuam nas redações possuem curso
superior em jornalismo, já entre os homens, apenas 53,91% possuem o diploma. Para Sato
essa diferença pode ser explicada pelo fato de que os homens têm mais tempo na profissão e
22
Sociólogo argentino e representante da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura –
UNESCO – no Brasil.
27
ingressaram em uma época na qual não era necessário um curso específico para ser
jornalista23
.
Gisele Camargo (2003), em A face oculta das jornalistas24
, acredita que assim como
em outras áreas de trabalho, a mulher jornalista também sofre algumas restrições e
discriminações. Segundo ela, reflexo de uma sociedade na qual a mulher ainda é tratada como
um objeto.
No Brasil, aponta Camargo, entre os jornalistas, não há diferença salarial quando
homens e mulheres ocupam o mesmo cargo. O que acontece, porém, é que dificilmente
encontram-se mulheres ocupando cargos de chefia dentro das empresas de comunicação. A
conclusão de Camargo é que, justamente por essas dificuldades, o número de mulheres é cada
vez maior nas escolas de comunicação, pois é necessário que se preparem mais e melhor que
os homens.
Os altos cargos nas empresas jornalísticas continuam sendo maciçamente ocupados
por homens. A inserção das mulheres nas atividades jornalísticas, mesmo crescente, não
acompanha o acesso aos níveis mais elevados de hierarquização25
.
23
Após 1979 o diploma de jornalista passou a ser obrigatório nas redações do país. Porém, a obrigatoriedade do
diploma de Jornalismo foi suspensa em todo o Brasil pela juíza federal Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara
Cível de São Paulo em 10 de janeiro de 2003. Porém, quatro anos depois, em 26 de outubro de 2005, o diploma
voltou a ser exigência para o exercício da profissão de jornalista, por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, em São Paulo. http://www.sjpdf.org.br/internas/noticias_details.cfm?id_noticia=271
24
http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/dedicacao/debate6.htm
25
As revistas voltadas ao público feminino são a exceção no que se refere a ocupação de cargos de chefia. Mas é
válido lembrar que é grande o número de revistas e cadernos voltados para o público feminino.
28
2 TELEJORNALISMO E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE
2.1 O poder da TV
A televisão é um dos meios de comunicação mais populares do Brasil, tanto como
parte de entretenimento, como também atualização e obtenção de informações. Sebastião
Squirra (1990) acredita ser impossível a realidade contemporânea sem a presença da televisão,
que nunca, e muito dificilmente, deixará de ser um veículo de grandes massas. Boa parte
dessa popularização se deve ao fato de ser um veículo que mobiliza dois dos mais importantes
sentidos do corpo humano ao mesmo tempo: a audição e a visão.
Para o professor Ricardo Ferreira Freitas (1999), a predominância da imagem na
linguagem televisiva é um dos principais motivos que contribuem para a maneira superficial e
espetacularizada como as informações produzidas por esse veículo.
Freitas acredita que, mesmo sendo considerado um veículo democrático, a televisão
oferece pouco espaço para um pensamento crítico, produzindo em alguns casos a alienação do
telespectador. Segundo ele, a televisão dá aos fatos proporções espetaculares, mas sem
profundidade.
(...) Com isso, as notícias assumem um caráter efêmero e que, como show, se bastam
por si só. Nesse sentido, a informação não chega ao público de forma precisa, apesar
de a televisão contar com todos os ingredientes para oferecer um jornalismo de alto
nível informacional devido às imagens, aos textos coloquiais e à instantaneidade da
transmissão. (Freitas, 1999: 14)
Denise da Costa Oliveira Siqueira (1999) acredita que a programação da TV é feita de
forma ritualizada e espetacularizada para absorver uma audiência diversificada. Segundo ela,
a repetição, característica da televisão, é uma analogia aos rituais. “O fato de haver uma
29
programação que obedece a horários de início e encerramento que inclui um esquema de
blocos e intervalos já evoca o ritual” (SIQUEIRA, 1999:71).
Pedro Maciel (1995) aponta que é a visão a responsável pela relação de credibilidade
que a televisão tem com as pessoas. Segundo ele, “a relação olho-a olho estabelece a verdade
e a credibilidade” (MACIEL, 1995:15). E é justamente por ser a imagem o fator de maior
importância na televisão que essa relação de confiança se torna ainda maior. Mas é válido
lembrar que sem um bom texto, essa mesma imagem que gera um sentimento de credibilidade
pode se tornar vazia.
Para Maciel, a imagem é muitas vezes a própria notícia. Segundo ele, o telespectador é
seduzido por acreditar naquilo que vê na tela. “É uma relação quase mágica que o olhar
estabelece entre o fato que é mostrado na tela da televisão e o telespectador que recebe a
informação” (MACIEL, 1995:16). Para o autor, na televisão, o “ver” é muito mais importante
que o “contar” de outros veículos de comunicação. Além disso, considera a TV o veículo
informativo mais poderoso que já foi inventado, principalmente no Brasil, onde é o principal
meio de comunicação de massa.
Mas se não é ainda o veículo massivo predominante em termos estatísticos entre a
população brasileira, a televisão é, certamente, o veículo mais poderoso e o que
abrange o maior arco da sociedade. Há quem não leia jornais nem ouça rádio, mas
dificilmente se encontrará, pelo menos nas sociedades com razoável nível de
desenvolvimento, quem não veja televisão. (MACIEL, 1995: 20)
Maciel acredita que por ter a necessidade de ser um veículo intimista, que “fala”
diretamente ao telespectador, a TV acaba conquistando a cumplicidade e confiança de sua
audiência. Para o autor, o apelo do diálogo aliado aos jogos e efeitos de imagens faz com que
o telespectador se emocione e se sensibilize com facilidade aos fatos apresentados na TV.
Para Eugênio Bucci (1997), o jornalismo de televisão, em alguns casos, procura ser tão
envolvente como uma história da ficção, como uma novela. O autor acredita ser inevitável a
30
veia melodramática usada muitas vezes pelo jornalismo, pois segundo é preciso emoção para
garantir a audiência do telespectador. Bucci caracteriza o telejornalismo brasileiro como
dramático, mais até do que factual na opinião do autor. É como se o telejornalismo criasse
personagens, definisse o bem e o mal de um fato.
E é também a TV, segundo Bucci, uma espécie de ponto de encontro de
telespectadores com os mais diversos gostos e opiniões. Acredita que de certa maneira a TV
consegue “integrar a nacionalidade” do País (BUCCI, 1997: 46).
2.2 Telejornalismo e a formação da identidade
Guilherme Jorge de Rezende (2000) faz uma abordagem sobre as características do
telejornalismo brasileiro26
. O autor discute o papel que a televisão representa no Brasil e quais
fatores contribuem para que esse veículo tenha tanta importância e destaque na sociedade
brasileira27
.
Para tratar o aspecto do público, Rezende faz uma pequena comparação entre os
leitores de um impresso e os telespectadores. Para ele, o espectador de um telejornal é, (pelo
menos a maior parte deles), passivo, ou seja, ele assiste o jornal enquanto espera a novela ou
algum outro programa de entretenimento. Esse aspecto acaba fazendo com que o papel da
televisão e de seus telejornais aumente mais ainda, pois passam a ser considerados os
democratizadores da informação.
O telejornalismo cumpre uma função social e política tão relevante porque atinge
um público, em grande parte iletrado ou pouco habituado à leitura, desinteressado
pela notícia, mas que tem de vê-la, enquanto espera a novela. Em relação aos meios
26
O autor defende a importância da junção entre o professor - pesquisador e o profissional. Para Rezende, no
campo da comunicação é inconcebível a desvinculação entre teoria e prática, pois é nessa área que os fenômenos
têm se tornado cada vez mais público.
27
O telespectador é um dos grandes objetos de estudo do autor, já que é sua passividade que faz com que a TV
seja a maior conscientizadora das massas.
31
impressos, acontece o contrário: o leitor só lê o que lhe interessa. É justamente por
causa desse telespectador passivo que o telejornalismo torna-se mais importante do
que se imagina, a ponto de representar a principal forma de democratizar a
informação. (REZENDE, 2000: 24)
Um dos fatores apontados por Rezende como causa da fidelidade dos brasileiros à
televisão está no predomínio da oralidade sobre a escrita e principalmente o predomínio das
imagens em relação às outras duas. Na televisão, o visual é priorizado em relação à palavra.
Escrita e oralidade passaram a fazer um papel quase secundário no jornalismo brasileiro.
Além de privilegiar as imagens, o tempo destinado para cada assunto é limitado, o que faz
com que uma redução vocabular seja inevitável. Rezende constata que está ocorrendo um
empobrecimento dos textos jornalísticos, principalmente nas redes de canais abertas.
Rezende trata a TV como um objeto hipnótico, um aparelho que consegue prender a
atenção dos espectadores durante horas. A gama de opções apresentada por esse veículo deixa
o telespectador em uma situação na qual, em alguns casos, é quase impossível separar ficção
de realidade.
O formato espetacular, comum às emissões de ficção e de realidade, representa a
fórmula mágica capaz de magnetizar a atenção de um público tão diversificado. O
espetáculo destina-se basicamente à contemplação, combinando, na produção
telejornalística uma forma que privilegia o aproveitamento de imagens atraentes –
muitas vezes desconsiderando o seu real valor jornalístico – com um conjunto de
notícias constituído essencialmente de fait divers. A prioridade que dá ao
componente visual das mensagens de maneira a causar uma grande fascinação ao
público, acentua a progressiva desvalorização do poder expressivo das palavras
(...). (REZENDE, 2000: 25 - 26)
O ritmo é outra característica incorporada ao mundo televisivo. Essa é uma
característica tão forte que grande parte das pessoas consegue tratar a TV como um marcador
de tempo, delimitador de horários. Rezende acredita que a redundância é outro traço marcante
da televisão. É utilizada como forma de manter o telespectador atento aos programas. A
repetição também é necessária nos programas jornalísticos, o que é inclusive recomendado
nos manuais de telejornalismo, que primam pela clareza e simplicidade.
32
Sempre em busca de altos índices de audiência, a TV, de acordo com Rezende, apela
para uma percepção mais sensorial e afetiva, nem que para isso tenha que misturar real e
ficção. O discurso da TV entrou de tal forma na vida dos brasileiros que muitos espectadores
esperam, ao ligar seus aparelhos, encontrar o mesmo clima de intimidade e simpatia. O
diálogo adotado pela televisão leva o telespectador a criar a idéia de uma conversa entre ele e
o aparelho.
Rezende utiliza o exemplo do escritor Umberto Eco para definir a linguagem
televisiva. Para Eco essa linguagem é resultante da combinação de três códigos: o icônico
lingüístico e sonoro.
O código icônico refere-se à percepção visual. Isso significa que a TV utiliza formas e
símbolos para fazer com que o telespectador adote e aplique alguns significados. Já o código
lingüístico se divide em “jargões especializados”, próprios de uma linguagem técnica, e
“sintagmas estilísticos”, que correspondem a imagens relacionadas ao código icônico. O
código sonoro, por sua vez, pode-se manifestar isolado ou como parte de uma montagem.
Podem ter como objetivo transmitir determinadas sensações, consistir algum valor musical ou
trazer algum valor conotativo.
É indiscutível a soberania do código icônico na televisão. De acordo com Rezende, a
televisão possui uma linha de raciocínio universal e ao reproduzir imagens em movimento
desperta uma maior participação e atenção dos telespectadores.
Para Rezende, a relação verbal X icônico é mais fácil de ser percebida no campo do
telejornalismo, já que, nesse caso, a função primordial cabe à imagem, e a secundária, à
palavra. No telejornalismo, a palavra assume uma posição submissa em relação ao visual.
Essa prioridade dada às imagens exige do jornalista de TV maior cuidado e potencialidade na
codificação e decodificação de mensagens visuais. Em qualquer situação, lembra Rezende, a
33
construção de uma mensagem de TV necessita que haja uma comunhão entre imagens e
palavras.
Rezende também aponta o fato da hierarquia oscilante, ou seja, em alguns casos a
hierarquia dos códigos é móvel, o que é o caso da TV. Vários são os fatores que podem alterar
essa hierarquia – horário do telejornal, cobertura de um fato, entre outros. Nem mesmo a
evolução tecnológica conseguiu eliminar a forma mais comum de se dar uma notícia: a leitura
do texto por uma jornalista. A falta de uma imagem pode sacrificar a importância de uma
notícia, e é nessa hora que o jornalista deve ter o cuidado em codificar e decodificar uma
informação com uma mensagem visual sem movimento.
O telejornalismo também utiliza intensamente o coloquialismo como recurso de
comunicação para conquistar o público28
. Segundo Rezende, o domínio da simplicidade é
fundamental em uma transmissão telejornalística, isso significa também que não se pode
esquecer que as mensagens devem aliar o compromisso com a inteligibilidade, a assimilação e
a possibilidade de elaboração de uma opinião crítica a respeito daquilo que foi recebido.
O jornalismo televisivo, assim como o rádio, tem a velocidade e o imediatismo como
aliados. Cabe aos telejornais a transmissão, em “primeira mão”, dos fatos ocorridos. A TV
propicia aos telespectadores uma participação aparentemente instantânea e sem interferências.
E conta como “prova” a imagem. Rezende conclui que esses talvez possam ser considerados
os reais motivos responsáveis pela popularização e preferência do público pela TV em relação
aos outros meios de comunicação.
28
Essa tendência pode ser justificada pelo fato de que o Brasil é um país considerado “pouco letrado”, onde a
oralidade prevalece em relação à escrita.
34
2.3 Telejornalismo Esportivo
Para Mauro Betti (2003), a partir da década de 90, é perceptível o aumento de uma
cultura baseada na prática de esportes e de culto ao corpo. Segundo Betti essa cultura se
tornou um fenômeno entre os meios de comunicação e até mesmo com reflexos na economia.
O esporte, as ginásticas, a dança, as artes marciais e as práticas de aptidão física
tornaram-se, cada vez mais, produtos de consumo (mesmo que apenas como
imagens) e objetos de conhecimento e informações amplamente divulgados para o
grande público. Jornais, revistas, videogames, rádio e televisão difundem idéias
sobre a cultura corporal de movimento. (BETTI, 2003: 17)
A divulgação dos meios de comunicação fez com que torcedores e telespectadores se
tornassem potenciais consumidores do chamado esporte-espetáculo. Betti afirma ser
praticamente impossível “referir-se ao esporte contemporâneo sem associá-los aos meios de
comunicação de massa” (BETTI, 2003: 31). Segundo ele os meios de comunicação,
principalmente a televisão, alteraram a forma com os espectadores praticam e percebem os
esportes.
O espectador é apontado como principal causador da transformação do esporte em
espetáculo. Data do século XIX, na Inglaterra, o surgimento dos primeiros espectadores, até
então apostadores de jogos de boxe e de corridas. Já no início do século XX, os apostadores
foram substituídos pelos torcedores, mas só a partir da década de 60, com os meios de
comunicação e com o aumento das transmissões ao vivo, surgiram os telespectadores, talvez a
figura mais proeminente nos eventos e divulgação dos esportes.
Betti acredita que o esporte se transformou em espetáculo com o objetivo de agradar e
ser consumido pelo telespectador. Além disso, o esporte é hoje uma das maiores indústrias de
lazer, conseqüência em grande parte das transmissões televisivas. Betti cita Eric Midwinter
35
(1986)29
, que acredita que a televisão faz com que os telespectadores se tornem “autoridades”
em temas esportivos, pois permite que acompanhem os eventos, equipes e personalidades
importantes em destaque.
A partir de 1950, as transmissões esportivas pela televisão se tornaram regulares nas
emissoras de TV. Inicialmente, em grande parte do mundo, o relacionamento entre televisão e
dirigentes esportivos foi marcado pela rivalidade, pois os dirigentes temiam que a TV pudesse
diminuir o público pagante de ingressos nos jogos. A partir dos anos 60, com as transmissões
via satélite a longa distância, esporte e televisão passaram a se apoiar e desde então mantêm
um relacionamento, segundo Betti, dependente, principalmente no que se refere ao quadro
econômico, já que a televisão injeta dinheiro no sistema esportivo através de patrocinadores, o
que pode ser apontado como fator crucial à profissionalização do esporte.
Para Betti, a televisão também é responsável por moldar novas maneiras de percepção.
O tempo adquire primazia sobre o espaço, daí a importância dada às transmissões “ao vivo”.
O esporte, de acordo com Betti, soube se moldar à essa necessidade do telespectador de
instantaneidade e velocidade. Tanto a forma como o conteúdo dos esportes são de suma
importância para a televisão, em conseqüência disso, esse meio de comunicação fornece ao
telespectador “um ‘certo’ modelo do que é o ‘esporte’ e ‘ser esportista’” (BETTI, 2003: 34).
Tudo isso faz com que o telespectador se sinta mais próximo da realidade apresentada por ele
através do televisor.
Porém, mesmo defendendo a idéia de realidade e objetividade, Betti lembra que
durante a fase de produção dos programas, há uma seleção e interpretação dos fatos que
chegaram aos telespectadores. Isso significa que a televisão constrói sua própria realidade
diante das câmeras.
29
MIDWINTER, Eric Fair Game: Myth and reality in sport. Londres: Allen and Unwin, 1986.
36
Durante a década de 80 o esporte espetáculo foi identificado pela sociologia, para Betti
cabe agora falar em esporte telespetáculo, fruto da televisão, e que se mostra bem diferente da
experiência de se assistir um jogo em um estádio ou quadra. Essas diferenças, de acordo com
o autor, podem ser explicadas tanto pela natureza dos eventos esportivos como pelas
produções dos meios de comunicação.
A imagem que o telespectador vê é uma reprodução daquilo que a câmera mostra, são
limites dos meios televisivos, no qual ele só assiste aquilo que o cinegrafista focalizou. Já no
estádio ele (telespectador) possui a percepção do original, focalizando aquilo que lhe
interessa, contando também com a participação da torcida ao seu redor, que com suas reações
influencia na avaliação e qualidade do que se está assistindo.
“E, insensivelmente, a televisão que se pretende um instrumento de registro torna-se
um instrumento de criação da realidade. Caminha-se cada vez mais rumo a universos
em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão. A televisão se torna
árbitro do acesso à existência social e política.” ( Bourdieu, 1997: 29)
Ao oferecer ao telespectador uma gama de ângulos, repetições, imagens de torcedores,
demonstrações de violência, fanatismo e comemorações, a televisão facilita a comercialização
dos esportes. Além de servir como vitrine para a venda de produtos esportivos ou sendo
associado à venda de outros produtos, como no caso das cervejas, as transmissões esportivas
se tornaram um produto tão consumido pelos telespectadores como as novelas e/ou programas
de auditório. Exemplo disso são as transmissões dos Jogos Olímpicos e principalmente da
Copa do Mundo.
O esporte faz parte de quase toda a programação televisiva: jogos, programa de
debate, novelas, programas de entrevistas e humorísticos, seriados e filmes. De acordo com
Betti, nos telejornais notícias sobre esportes aparecem em meio a noticias de economia,
política, cotidiano, segundo ele não há um bloco necessariamente dedicado aos esportes.
Atletas e treinadores estão em diversos programas de TV. Os esportistas se tornaram pessoas
37
públicas, comparados com artistas famosos. São figuras presentes em campanhas publicitárias
e de utilidade pública divulgadas pela televisão, em participações especiais em programas de
auditório e em novelas.
2.3.1 Jornalismo Esportivo no Brasil
A editoria de esportes é uma das mais populares do jornalismo brasileiro. Tanto a sua
versão impressa como televisionada consegue alcançar um público diversificado. Paulo
Vinícius Coelho (2003), analisa como, desde o começo, a editoria de esportes sofreu
preconceitos no jornalismo brasileiro. No início do século XX, segundo Coelho, os
profissionais do País acreditavam que jamais uma manchete esportiva ocuparia a primeira
página de um jornal. Até mesmo profissionais experientes que escreviam para cadernos
especializados duvidavam da capacidade de o esporte se tornar uma publicação inteiramente
dedicada ao assunto. Só a partir da década de 60 começaram a surgir cadernos especializados
em esportes no Brasil. O que não significou um trabalho de qualidade.
No jornalismo esportivo, segundo Coelho, há uma mistura entre o que é verdade, o
que é opinião e o que é lenda. Segundo ele, o jornalismo esportivo carrega atualmente uma
enorme carga de realidade, o que torna sua cobertura qualificada. Porém, defende Coelho, a
noção da realidade é às vezes exagerada e mereceria um pouco mais de romantismo, como no
passado.
De acordo com Coelho, até o início dos anos 70 era quase impossível ver mulheres no
jornalismo esportivo. Nos dias atuais, a presença de mulheres jornalistas nas redações se
tornou comum, mas nada que se compare à masculina. Essa presença feminina, de acordo
com Coelho, é reflexo do interesse da população brasileira pelos esportes.
38
Para o autor, é inaceitável o preconceito contra mulheres jornalistas que trabalham
com esportes. Segundo Coelho, mulheres que entendem sobre esportes são vistas de forma
“curiosa”. Coelho afirma que as redações de esporte do País possuem 10% de mulheres, o
que significa que, em relação ao passado, o preconceito diminuiu.
O fato (...) é que as mulheres na maior parte são encaminhadas para as editorias de
esportes amadores. É mais fácil demonstrar conhecimento sobre vôlei, basquete e
tênis do que sobre futebol e automobilismo. Territórios onde o machismo ainda
impera. Mas também onde menos mulheres do que homens demonstram
conhecimento. (COELHO, 2003: 35)
Em uma editoria de esportes, a equipe de futebol é normalmente separada das que
cobrem outras modalidades. Assim como a equipe que cobre automobilismo, isso porque
exige um bom nível de especialização desses profissionais. Segundo Coelho, o mercado
permite a criação apenas de jornalistas de futebol e de automobilismo, nos outros esportes,
como vôlei, basquete, atletismo e judô, são poucos os jornalistas especializados.
Coelho considera que nem sempre o indivíduo interessado por determinado esporte
será um bom jornalista da área. Antes de tudo, segundo ele, é preciso ter um bom
conhecimento de jornalismo e de suas técnicas.
O que importa é saber construir uma boa história, priorizar a informação, ter noção
exata de qual é o lide da matéria que está por nascer e o encadeamento de idéias
para tornar a história suficientemente atraente. Tudo isso é bom jornalismo. (...). O
que não exclui que quanto mais bem formado for o jornalista, mas fácil será de
adquirir técnica. (COELHO, 2003: 41)
Mas é claro que um conhecimento anterior a respeito de determinado esporte, segundo
Coelho, pode trazer inúmeras vantagens. Esse conhecimento adquirido permite ao jornalista
um maior entendimento dos fatos e um melhor relacionamento com fontes. Para o autor, a
experiência jornalística é fator principal na hora de checar determinada informação e definir
qual será o rumo tomado na produção da notícia.
39
Ao se interessar pelo aperfeiçoamento em outras modalidades que não sejam o futebol
e o automobilismo, o jornalista consegue ganhar respeitabilidade em pouco tempo. Segundo
Coelho, em esportes como vôlei, basquete e atletismo, os esportistas, por carecerem de
divulgação, acabam colaborando com o jornalista30
.
Coelho aponta que até 2002 somente as emissoras de TV a cabo investiam em na
formação de jornalistas especializados para trabalharem como comentaristas. O autor
argumenta que o melhor é mesclar criatividade com conhecimento, segundo ele o melhor
seria “colocar lado a lado jornalistas famosos pelo alto nível de informação específica e outros
com rigor jornalístico, técnico e conhecimento em diversas áreas da profissão” (COELHO,
2003: 54).
Outra característica dos jornalistas esportivos apontada por Coelho é o interesse,
paixão, por determinada equipe de futebol. Para o autor, o conhecimento esportivo é mais
relevante que as escolhas pessoais do profissional31
. Coelho acredita que não é preciso negar e
muito menos reforçar a escolha pessoal por determinado time de futebol. Outro erro apontado
pelo autor é o fato de alguns profissionais negarem suas escolhas, para ele, o jornalista pode
perder a credibilidade por não divulgar suas preferências no esporte.
Em relação ao esporte na TV, Coelho aponta a Rede Globo como o grande e até
mesmo único nome quando o assunto é a transmissão de jogos de futebol. Segundo ele, a
transmissão da emissora se confunde com um show: em muitos casos o telespectador não
percebe que o estádio está vazio, que o gramado não está bom, ou que o nível técnico é baixo.
A discussão sobre onde termina o show e começa o jornalismo, no entanto, não
existe na Globo. Também não existe discussão sobre concorrência. Nesse caso, o
que vale é a lógica de quem tem mais dinheiro e pode sufocar as demais emissoras.
(COELHO, 2003: 67)
30
Para o autor, esse tipo de colaboração dada pelos atletas acaba fazendo com que o repórter ganhe
respeitabilidade, mais pelo reconhecimento dos esportistas do que pelo conhecimento técnico de que dispõe.
31
Ainda segundo ele, é em Minas Gerais o estado mais fácil de encontrar jornalistas declarando amor eterno a
seus times de coração.
40
O autor conta que, por ser a dona dos direitos de transmissão dos jogos, a Globo só
libera imagens para outras emissoras após a divulgação em seus programas esportivos. Para
compensar, TVs abertas e fechadas vêm investindo na qualidade do jornalismo por não
poderem transmitir os jogos.
2.3.2 As mulheres e o jornalismo esportivo
Há pouco tempo, os homens predominavam no jornalismo esportivo. Dificilmente
uma mulher conseguia espaço e respeito nessa editoria. Porém, essa situação vem mudando
nos últimos tempos. Nos Estados Unidos, além de apresentadoras e repórteres, muitas
mulheres se tornaram comentaristas de partidas de tênis, golfe, basquete e até mesmo futebol
americano.
Durante as décadas de 70 e 80, as jornalistas norte-americanas conviviam quase que
diariamente com o preconceito dos esportistas e, em alguns casos, até mesmo de colegas
homens de profissão. Em meados de 1984, a então repórter esportiva Claire Smith32
foi
expulsa do vestiário de um time de beisebol profissional durante o Campeonato da Liga
Nacional. De acordo com Smith, a Associação dos Cronistas de Beisebol dos Estados Unidos
protestou veementemente, mas não por ter sido uma mulher quem foi expulsa, mas sim uma
cronista. Atualmente a entrada de mulheres jornalistas nas dependências de estádios de
beisebol, basquete e futebol americano é totalmente liberada nos Estados Unidos.
No Brasil, a jornalista Isabela Scalabrini33
foi a primeira mulher na equipe de esportes
da Rede Globo. No início dos anos 80, após participar do programa de estágios da emissora,
Scalabrini foi contratada e iniciou suas atividades na apuração, seis meses depois, passou a
32
Editora de esportes adjunta do “Philadelphia Inquier”, da Filadélfia, Pensilvânia, EUA.
33
A jornalista, hoje editora e apresentadora do MG TV da Rede Globo Minas, concedeu uma entrevista sobre a
inserção da mulher jornalista no jornalismo esportivo no dia 28 de outubro de 2005.
41
integrar o departamento de esportes. “Foi uma época que não tinha nenhuma mulher
trabalhando lá dentro. Quando eu cheguei, eu era a única mulher no departamento. Não tinha
tradição de mulher no esporte. Isso foi em 1980, sabia que ia ser muito difícil!”
(SCALABRINI, 2005), comenta a jornalista.
Isabela conta que, por ter passado pelo programa de estágio da emissora aprendeu
muito sobre telejornalismo, e justamente por isso não demorou muito para aparecer no vídeo.
Em pouco tempo já fazia matérias para o “Globo Esporte”. A jornalista começou fazendo
reportagens para o programa local, no Rio de Janeiro. Cobria diversas modalidades esportivas,
com exceção do futebol, que era sempre destinado aos homens da redação.
Não pegava matéria do “Jornal Nacional” e nem pegava futebol. Eu notava que
tinha essa resistência mesmo sabe! Uma mulher em campo? O que ela vai poder
fazer?! Isso demorou bastante, eu entrei em 80, mas só consegui começar a fazer
matéria boa, de rede, em 83. ( SCALABRINI: 2005)
Foi nos jogos Pan-Americanos na Venezuela, em 1983, que Scalabrini teve sua
primeira oportunidade de realizar um trabalho de destaque. De acordo com a própria
jornalista, ela só foi escalada para cobrir a competição porque tinha um chefe “muito
moderno”. Durante a competição, o Brasil conseguiu várias medalhas nos esportes amadores,
justamente aquele que Scalabrini era designada a cobrir, como remo e natação. Dessa forma a
jornalista conseguiu, pela primeira vez, que suas matérias entrassem no “Jornal Nacional”, um
dos principais programas da emissora.
Foi lá na Venezuela que eu consegui fazer as matérias que entraram na rede.
Nesse Pan-Americano, eles começaram a ver: “Nossa! Ela sabe né?! Ela pode
né?” . Fazendo esporte amador, nada de futebol! Mas aí que eles viram que eu
sabia fazer. Foi fora do Brasil que as minhas matérias começaram a lucrar! E
quando eu voltei eles já começaram a me dar matérias de futebol, da seleção. Me
lembro que teve uma convocação da seleção que eles me colocaram no meio da
tarde pra fazer! Até me espantei! Porque eu notava que até os meninos tinham
resistência! (SCALABRINI: 2005)
42
A jornalista fala que nunca escutou diretamente comentários preconceituosos
relacionados à sua profissão, porém percebia certa resistência de colegas e chefes. “Eles não
falavam, mas eu notava que os melhores trabalhos nunca vinham pra mim, estavam sempre
com eles, que também estavam começando. Era turma jovem! Eles podiam e eu não podia”
(SCALABRINI: 2005).
Após o bom desempenho no Pan-Americano de 1983 na Venezuela, Scalabrini foi
escalada pra cobrir os Jogos Olímpicos de 84, em Los Angeles, e a Copa do Mundo de 1986,
no México.
Na Copa de 86, no México, cada jornalista tinha que ficar com um time ou dois.
Eu fiquei com a Argentina. Teve um dia que eu cheguei ao treinamento e todos
os repórteres ficaram me olhando! Nunca tive medo, sempre perguntei muito,
sempre cheguei segura e perguntei: “O Maradona tá aí?” Alguns reportes vieram
e falaram: “Tá, tá ali ó, esperando você!”, como quem diz, “quem essa
menininha que chegou aqui achando que o Maradona vai atender ela?”. “Tá ali
ó, na entrada do vestiário, tá lá te esperando” um repórter argentino falou pra
mim. Então eu fui caminhando pra porta da entrada do vestiário e quando ele
saiu eu falei: “Oi Maradona! Tudo bem? Eu sou do Brasil. Queria ver se você
conversava comigo!” e comecei a fazer a entrevista. Mais ou menos trinta
segundos depois todo mundo tava lá fazendo a entrevista com o Maradona
(risos)! Essa imagem é ótima! Porque eu comecei sozinha e de repente todo
mundo na entrevista. Então, quer dizer, até os repórteres de lá, em 1986, só tinha
homem né! E eu notei porque eles falaram isso ! Aí comecei a conversar com o
Maradona, o Zico tinha mandado um recado pra ele. Depois disso acabei ficando
amiga dele e todo treino que eu chegava o pessoal já vinha junto comigo e já
sabia que o Maradona vinha falar comigo. Mas o Maradona não veio falar
comigo porque eu sou mulher não, eu que esperei ele na porta do vestiário. Ele
viu que eu era uma repórter, que estava trabalhando sério cobrindo o treino.
Nessa Copa do Mundo eu não vi outra mulher no jornalismo, eu fui a única.
(SCALABRINI, 2005)
Mas nem sempre foi assim com a jornalista. Já cobrindo futebol, Scalabrini enfrentou
outras resistências, como na época em que os estádios não estavam preparados para receber
mulheres jornalistas e era complicado entrevistar os jogadores após as partidas, pois estes
ficavam, muitas vezes, nus nos vestiários.
Era difícil! Eram pouquíssimas mulheres. Eu, por exemplo, ia fazer campo, ia
fazer jogo, não entrava no vestiário. Eles não estavam acostumados com
mulheres lá dentro, e eu também não ia. Então era assim, a gente nunca discutia
43
“Será que eu entro? Será que não entro?”, “Não! Eu não vou entrar!” era assim...
Então o câmera trazia os jogadores pra mim, e falava “ Espera aí Isabela que eu
vou buscar o fulano!”. E nunca se falou assim “Poxa, será que você deve entrar?”
“Não!”. Então era uma coisa assim: mulher não entra ali , você não vai entrar!
Não se discutia isso! Era uma coisa clara! O que não deixa de ser um preconceito
(SCALABRINI,2005).
Apesar dessa resistência, Scalabrini afirma que nenhum desses acontecimentos
impediu que ela realizasse um bom trabalho ou fez com que perdesse algum “furo” de
reportagem.
Com os torcedores, a aceitação inicial também não foi fácil. De acordo com
Scalabrini, em várias situações a repórter foi ofendida por torcedores, principalmente dentro
dos estádios.
No futebol teve muita resistência. Várias vezes, quando eu ia pros estádios cobrir
algum jogo eu ouvia muita coisa feia. Aqueles corinhos com nomes feios pra
gente, gritavam: “Ei menina! Vai pra casa! O que você tá fazendo aqui?”. Mas
teve um dia específico que eu pensei em largar, eu fui entrando e tinha aquele
corinho: “Piranha, piranha, piranha!”. Nesse dia eu pedi um repórter de rádio e
um de televisão para entrar junto com eles. Eu estava começando! Ai eu falei:
“Gente, será que eu vou ter que agüentar isso? Será que vale a pena? Será que
não é melhor investir mais em esporte amador?”. Era chato as pessoas ainda não
entendiam. No meu tempo eles reagiam muito mal. (SCALABRINI, 2005)
Outro fato marcante e incômodo na carreira da jornalista aconteceu quando ela ainda
era a única mulher no departamento de esportes. Scalabrini conta que deu uma entrevista para
uma revista sensacionalista da época sobre sua profissão, mas quando a revista chegou nas
bancas teve a manchete: “Conheça a mulher que marca encontro com os jogadores todos os
dias”.
Era uma manchete muito maldosa! Meu pai pegou aquela revista e falou “O que
é isso? O que você tá fazendo com os jogadores?”. Na verdade foi uma maldade
de um jornalista, porque a entrevista não tinha nada disso. Isso foi um incidente
e que na época meu pai falou “Minha filha, tá valendo a pena? O que é isso
né?!” Então quer dizer, até meu pai né! Ele ficou chateado com aquilo, mas na
verdade ele estava tendo uma resistência ! Afinal de contas, “O que minha filha
tá fazendo no campo? Eu quero ver meu futebol! Quero ver os homens
narrando!” E essa reportagem foi muito maldosa! Foi uma capa muito maldosa e
meu pai acabou falando isso pra mim. Eu senti um pouco de preconceito por
44
parte do meu pai, mas depois que eu passei a aparecer na televisão, ele viu que
eu tava fazendo certo. ( SCALABRINI, 2005)
Para Scalabrini, o importante para uma jornalista esportiva é mostrar competência e
respeito. “Eles dizem que é bom ter uma mulher bonita pra chamar a atenção no esporte, eu
não concordo! Acho que a mulher tem que saber, tem que ter informação. Se você chegar
num estádio, de saia ou de bermuda, toda bonita ou com “jeitinho”, isso pra mim não é
jornalismo esportivo!” (SCALABRINI, 2005). Para a jornalista, o próprio ambiente no qual a
repórter esportiva convive é um campo complicado, ou seja, grande parte das pessoas que
estão naquele local são homens, o que poderia causar certos enganos e confusões dependendo
da maneira como a profissional se apresenta.
Scalabrini trabalhou no departamento de esporte da Rede Globo por doze anos. De
acordo com ela, o desafio de criar matérias interessantes sobre treinos e outras rotinas do
futebol estavam lhe cansando. Em 1992, surgiu uma vaga para a editoria de “Gerais” e desde
então Scalabrini deixou de ser repórter esportiva. Hoje, é editora e apresentadora do MG TV,
Segunda Edição, da Rede Globo Minas.
45
3 MULHERES JORNALISTAS NO TELEJORNALISMO ESPORTIVO DE
BELO HORIZONTE
Para a construção desse capítulo foram feitas visitas em três dos programas esportivos
mais populares de Belo Horizonte34
para uma observação participante e para a realização de
entrevistas com as jornalistas e equipe da editoria de esportes dos veículos estudados. As
jornalistas Adriana Spinelli, Dimara Oliveira, Érika Gimenes e Letícia Renna foram
entrevistadas e acompanhadas em sua rotina de trabalho, para que houvesse uma percepção
do que realmente acontece com elas em cada editoria. Além disso, foram detalhados desde os
cenários até o comportamento dos colegas de trabalho com as jornalistas da editoria de
esportes de cada emissora.
À luz das teorias apresentadas nos capítulos 1 e 2, vamos analisar como é o
comportamento das jornalistas dos programas esportivos das emissoras de Belo Horizonte e
como é o tratamento dado à elas pelos colegas, fontes e telespectadores a partir da visão
dessas profissionais e daqueles que trabalham junto com elas na editoria.
3.1 Alterosa Esporte
O “Alterosa Esporte” vai ao ar de segunda à sexta, às 12h45, pela TV Alterosa,
afiliada ao SBT em Minas Gerais. O programa é apresentado pelo jornalista Leopoldo
Siqueira35
e tem a participação de três comentaristas36
que defendem cada um seu time de
34
“Minas Esporte”: visita realizada no dia 05 de outubro de 2005.
“Globo Esporte”: visita realizada no dia 25 de outubro de 2005.
“Alterosa Esporte”; visita realizada no dia 01 de novembro de 2005.
As visitas foram marcadas de acordo com a disponibilidade de cada emissora.
35
Leopoldo Siqueira é apresentador e o editor responsável pelo “Alterosa Esporte”
36
Luiz Eduardo Schechtel (Dudu), representante do Clube Atlético Mineiro. Otávio Di Toledo, representante do
América Futebol Clube. Serginho, representante do Cruzeiro Esporte Clube.
46
preferência. Fazem parte da equipe também os repórteres Álvaro Damião, Érika Gimenes, e o
produtor Rogério Berto.
Gimenes é atualmente a única mulher na equipe do programa, que já teve as jornalistas
Adrianna Spinelli, Daniela Diniz e Fabíola Andrade. Spinelli foi a primeira mulher a
apresentar o “Alterosa Esporte”, fato que acontecia em determinados finais de semana ou
quando o apresentador tirava férias. Com Gimenes não é diferente, a jornalista também
assume a apresentação do programa na ausência de Siqueira.
O interesse da jornalista Gimenes37
pela editoria de esportes começou no primeiro
período da faculdade de jornalismo, quando surgiu uma oportunidade para estagiar na rádio
da universidade. Nesse período, a vaga disponível era no departamento de esportes, segundo
Gimenes (2005), por falta de opção, ela resolveu aceitar a vaga.
No “Alterosa Esporte” desde julho de 2004 , Gimenes (2005) conta que por mais que
sempre estivesse lendo e acompanhando o assunto, a exigência de informações de uma
editoria de esportes é sempre muito grande. De acordo com ela, o público percebe facilmente
se o jornalista domina ou não o assunto. Mas a maior dificuldade que a jornalista afirma ter
vivenciado foi a desconfiança que algumas pessoas tinham em relação ao seu trabalho.
Quando você escreve alguma coisa que é um pouco da sua visão daquilo que
você tá acompanhando, a outra pessoa, porque tem uma visão diferente, ao invés
discutir com você utilizando dois pontos de vista diferentes, discute com você
como se o seu, porque você é mulher, fosse errado porque você é mulher! Então,
até você provar que tem competência, até você provar que sabe o que tá fazendo,
é uma caminhada!Sempre duvidam da sua capacidade. Acham que você é burra
sem ao menos achar que aquela é a sua visão, que não bate, é normal as pessoas
terem opiniões conflitantes! Principalmente quando move paixão de torcedor,
porque aí ele sempre vai puxar pro lado do seu time! Mas isso assim, foi mais no
começo, com o pouco tempo que eu fui mostrando o meu trabalho e a qualidade
das coisas que eu tava fazendo e do meu material, as pessoas foram, as pessoas
são obrigadas a te engolir! (GIMENES, 2005)
Gimenes (2005) acredita que o principal motivo da desconfiança das pessoas com
quem trabalhou no início era justamente por ela ser mulher. Em relação aos torcedores, a
37
Entrevista concedida no dia 01 de novembro de 2005.
47
jornalista afirma nunca ter passado por nenhuma situação difícil. Já com atletas a situação é
diferente. No encerramento de um jogo de futebol, Gimenes (2005) afirma ter passado por
uma situação constrangedora, na qual sofreu preconceito por ser uma mulher jornalista na
editoria de esportes.
Um dos primeiros jogos que eu cobri do Cruzeiro, tinha um jogador que já era
problemático por si só, o Guilherme que era atacante do Cruzeiro e também jogou
no Atlético. A gente tava lá no gramado e eu saí correndo no final do jogo pra
fazer uma entrevista com ele ali no final e perguntei alguma coisa que eu nem me
recordo mais o que era, aí ele virou, olhou com aquele desdém e falou: “Só podia
ser você mesmo né pra perguntar um negócio desse!”, ou seja, esse “só podia ser
você mesmo” é na verdade um, “só podia ser mulher!”. Aí eu virei as costas e não
continuei fazendo a entrevista. Com o tempo ele também percebeu!
Mesmo assim, nenhuma dessas dificuldades fez com que a jornalista pensasse em
desistir da editoria de esportes, pelo contrário, segundo Gimenes (2005), quanto mais
desafiador um trabalho melhor. Esse fato remete a idéia de Beauvoir (1980), que afirma que a
mulher é em certas situações mais corajosa que os homens.
Para Siqueira38
(2005), a presença de mulheres na editoria de esportes não é novidade.
De acordo com ele, durante sua carreira, sempre conviveu com mulheres nessa editoria. Ainda
de acordo com Siqueira (2005), uma das grandes dificuldades de se trabalhar em uma editoria
de esportes é a disponibilidade que o profissional tem que ter para trabalhar a noite, em
feriados e principalmente nos fins de semana. Castels (2000) considera que é a flexibilização
do trabalho feminino - horários, saída, entrada, tempo – um dos maiores atrativos para a
contratação das mulheres, que em sua maioria estão dispostas a compatibilizar o horário de
trabalho com a vida pessoal.
Uma das estratégias do “Alterosa Esporte” é sempre ter uma mulher na equipe.
Siqueira (2005) conta que quando surgiu a oportunidade de aumentar a equipe do programa,
ficou decidido que uma mulher passaria a fazer parte do grupo.
38
Entrevista concedida em 01 de novembro de 2005.
48
A gente tem como estratégia no programa sempre ter uma mulher na
reportagem porque nos interessa o olhar feminino sobre o futebol e sobre os
outros esportes. E também porque a gente sabe através de pesquisas e tudo mais
que há um público cada vez maior de mulheres assistindo ao programa. Hoje, há
uma supremacia masculina no nosso público, mas de um ou dois anos pra cá
essa diferença vem diminuindo, então a gente tá observando que algumas
abordagens que a gente faz estão interessando mais as mulheres. Se tem mulher
assistindo, porque não ter mulher fazendo a cobertura esportiva né? Então é uma
estratégia e um sucesso que a gente tem né! Então antes da Érika Gimenes a
gente tinha a Adriana Spinelli, que tinha dez anos de experiência, passou pela
Globo e tudo mais. Já tinha sido uma estratégia quando o programa aumentou as
equipes ter uma equipe com um repórter e outra com uma repórter pra haver aí
um equilíbrio na cobertura, na forma de ver e captar as informações.
(SIQUEIRA, 2005)
Mesmo assim, a presença de mulheres no “Alterosa Esporte” sempre foi na produção,
apresentação e reportagem. Com exceção de programas especiais, o programa não teve na
bancada de comentaristas uma mulher. De acordo com Siqueira (2005), somente em duas
situações houve a presença de mulheres como comentaristas: a primeira foi em comemoração
no Dia Internacional das Mulheres, a qual o apresentador considera uma homenagem
machista, e uma segunda foi quando o comentarista Otávio Di Toledo convidou uma
torcedora do América a representar o time na bancada. De acordo com Siqueira (2005), a
representante do América não conseguiu um bom desempenho no programa, talvez porque se
sentisse constrangida em comentar ao lado de outros dois homens, o que também não deixa
de ser uma observação extremamente preconceituosa.
Luiz Eduardo Schechtel39
(2005) acredita que a mulher jornalista, ao entrar em uma
editoria de esportes, já sabe que enfrentará preconceitos, justamente por isso se dedica mais
que os homens. Para Toledo40
(2005) a mulher já está ocupando seu espaço no telejornalismo
esportivo, porém , segundo ele, é preciso se conscientizar de que as mulheres vêm lutando há
muitos anos por uma igualdade, e que não devem aproveitar de sua condição para serem
39
Entrevista concedida em 01 de novembro de 2005.
40
Entrevista concedida em 01 de novembro de 2005.
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  • 1. CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – DCC COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO JORNALISMO ESPORTIVO A inserção da mulher jornalista no núcleo esportivo das emissoras de TV de Belo Horizonte SHYMENNE COSTA SIQUEIRA BELO HORIZONTE – MG. DEZEMBRO DE 2005.
  • 2. SHYMENNE COSTA SIQUEIRA JORNALISMO ESPORTIVO A inserção da mulher jornalista no núcleo esportivo das emissoras de TV de Belo Horizonte Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social, do Departamento de Ciências da Comunicação, do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Sob orientação da professora Tacyana Arce. BELO HORIZONTE – MG DEZEMBRO DE 2005.
  • 3. Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e a civilização que qualificam de feminino. Simone de Beauvoir 3
  • 4. Sumário INTRODUÇÃO .........................................................................................................................5 CAPÍTULO 1: 1 A MULHER E O QUARTO PODER .....................................................................................9 1.1 A inserção da mulher na contemporaneidade ......................................................................9 1.1.1 A inserção da mulher na história .....................................................................................10 1.1.2 O feminismo no Brasil ....................................................................................................16 1.2. Gênero e trabalho ..............................................................................................................18 1.2.1 O crescimento da mulher no mercado de trabalho ..........................................................20 1.3 Os mitos e a concepção do feminismo ...............................................................................22 1.4 A imprensa feminina ..........................................................................................................30 CAPÍTULO 2: 2 TELEJORNALISMO E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE .........................................33 2.1 O poder da TV ....................................................................................................................33 2.2 Telejornalismo e a formação da identidade .......................................................................35 2.3 Telejornalismo Esportivo ...................................................................................................39 2.3.1 Jornalismo Esportivo no Brasil .......................................................................................42 2.3.2 As mulheres e o jornalismo esportivo .............................................................................45 CAPÍTULO 3: 3 MULHERES JORNALISTAS NO TELEJORNALISMO ESPORTIVO DE BELO HORIZONTE ...........................................................................................................................50 3.1 Alterosa Esporte .................................................................................................................50 3.2 Globo Esporte ....................................................................................................................56 3.3 Minas Esporte ....................................................................................................................66 3.4 A identidade da mulher profissional no jornalismo esportivo............................................75 4 Conclusão .............................................................................................................................78 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .........................................................................................80
  • 5. 1 A MULHER E O QUARTO PODER 1.1 A inserção da mulher na contemporaneidade Manuel Castells (2000) abrange a teoria da mudança social e as transformações da sociedade, cultura e tecnologia1 . De acordo com o autor, as identidades são construídas e desenvolvidas em contextos marcados por relações de poder. As manifestações identitárias são caracterizadas pela história de cada grupo, o que não significa que todas essas manifestações desenvolvam uma prática renovadora. Algumas se caracterizam pela resistência à mudança, outros por projetos de futuro. Para Castells, o mundo vem sendo construído pelas tendências globalizantes e pela identidade. Segundo ele, as transformações tecnológicas, sociais e culturais criaram uma nova sociedade: a sociedade em rede. Essa “sociedade em rede” tem como característica a transformação das relações humanas, como por exemplo, o feminismo e a abertura do mercado de trabalho para as mulheres. De acordo com Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy (1984), o movimento feminista, mesmo tendo surgido no passado, é construído diariamente e não possui um final, ou uma chegada determinada. O feminismo surgiu no mesmo momento em que movimentos de libertação, como homossexuais, negros, ecologistas, minorias étnicas, saíram em busca de reconhecimento e luta contra a discriminação. Ao se conscientizar que “o sexo é político” (ALVES e PITANGUY, 1984), justamente por conter também relações de poder, o feminismo buscou ultrapassar as chamadas organizações tradicionais, caracterizadas pelo autoritarismo. Dessa forma o movimento se organizou de forma descentralizada, recusando uma única disciplina. Uma de suas maiores 1 A globalização, além de difundir uma mesma idéia produtiva, gera diferentes reações locais conseqüentes da ampliação da comunicação e das novas tecnologias. 5
  • 6. características era a capacidade de auto-organização de suas militantes, fruto do conhecimento e experiência particular de cada mulher. O feminismo busca readaptar a identidade dos sexos, em que não seja preciso a criação de modelos sob uma hierarquia e a divisão de qualidades e especialidades como “masculinas” e “femininas”. 1.1.1 A inserção da mulher na história Na Grécia, assim como os escravos, as mulheres executavam aqueles trabalhos desvalorizados pelos homens livres. De acordo com Alves e Pitanguy, “em Atenas, ser livre era, primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não escravo” (ALVES e PITANGUY, 1984: 11). As principais funções das mulheres eram a reprodução, criação dos filhos, fiação, tecelagem, alimentação e também alguns serviços pesados, como o trabalho agrícola e extração de minerais. Atividades como a política, filosofia e artes eram consideradas trabalhos nobres e destinados somente aos homens livres. O horizonte feminino era limitado e excluía as mulheres dos mundos valorizados pela civilização grega, como o pensamento e o conhecimento. As únicas exceções eram as chamadas hetairas, cortesãs que para se tornar agradáveis companheiras dos homens em seus momentos de lazer tinham conhecimento das artes. Já à mulher grega, qualquer acesso à educação era negado. O código legal romano legitimava a discriminação da mulher. Entretanto, contam Alves e Pitanguy, em 195 D.C., as mulheres se dirigiram ao Senado Romano para protestar contra o privilégio masculino do uso dos transportes públicos e contra a obrigatoriedade de só poder se locomoverem a pé. Um dos senadores se manifestou, expondo aos demais o “perigo” de deixar as mulheres em igualdade com os homens, pois, de acordo com ele, as 6
  • 7. mulheres seriam capazes de em pouco tempo desejar governar os homens. Para Alves e Pitanguy, o Direito aparece nessa passagem como um instrumento de legitimação da posição inferior da mulher romana. Porém, em sociedades tribais, como na Gália e na Germânia, o regime comunitário dava as mulheres o mesmo espaço de atuação que dava aos homens. “Conjuntamente faziam a guerra, participavam dos Conselhos Tribais, ocupavam-se da agricultura e do gado, construíam suas casas. As mulheres funcionavam também como juízas, inclusive de homens” (ALVES e PITANGUY, 1984: 15). Nos primeiros séculos da Idade Média, as mulheres possuíam alguns direitos garantidos por costumes e pela Lei. Dessa maneira, contam Alves e Pitanguy, todas as profissões, os direitos de propriedade e sucessão eram dados às mulheres. Estudos demográficos da época demonstravam uma maioria de mulheres adultas, conseqüência de guerras, longas viagens e, em alguns casos do recolhimento à vida monástica. Sendo assim, na ausência dos homens, as mulheres se viam obrigadas a assumir os negócios e entender de contabilidade e legislação. Alves e Pitanguy afirmam que o afastamento dos homens por motivos de guerra era a principal razão da maior participação feminina fora da esfera doméstica, fato que se repetiu também durante as duas grandes guerras do século passado. Mas é válido lembrar que, mesmo conseguindo esse espaço, o trabalho feminino era remunerado de forma inferior ao dos homens. Isso fez com que muitos trabalhadores homens se voltassem contra o trabalho feminino, pois a desvalorização do segundo acirrava a competição e, conseqüentemente, reduzia os salários de forma geral. Em conseqüência disso, a participação das mulheres ficou restrita durante alguns períodos da Idade Média. Esse período histórico também é marcado por um verdadeiro genocídio contra as mulheres, a chamada “caça às bruxas”. Na Idade Média, influenciada pelo teologismo, a mulher, mais do que nunca, vivia sobre a “maldição bíblica de Eva”. De acordo com a Igreja 7
  • 8. da época, era a primeira mulher a “responsável pela queda do homem, (...) era considerada a instigadora do mal” (ALVES e PITANGUY, 1984: 20). De acordo com as autoras, a perseguição ocorrida durante a Inquisição sobre as mulheres-bruxas foi pouco registrada e investigada pela história, diferentemente do que aconteceu com os hebreus, perseguidos por serem considerados hereges. A perseguição às bruxas pode ser explicada pelo fato de que essas mulheres, supostamente, possuíam conhecimentos que lhe permitiriam ocupar espaços que não estavam no domínio masculino. Durante o Renascimento, algumas atividades se tornaram exclusivamente masculinas. Nesse período, contam Alves e Pitanguy, o trabalho da mulher passou a ser depreciado, ao mesmo tempo em que o trabalho masculino se valorizou como transformador do mundo. Em função da necessidade de se sustentar, as mulheres não deixaram de trabalhar, mesmo sendo desvalorizadas. O que houve foi uma inclusão em outras áreas, menos qualificadas e com uma remuneração mais baixa ainda. Nos séculos XVII e XVIII, grande número de mulheres passou a realizar tarefas domésticas para terceiros através de intermediários, como por exemplo, limpeza, preparação de alimentos entre outras. Nesse período, houve uma expansão do ensino público na Europa. Mesmo assim, nas escolas, os currículos femininos apresentavam somente o conhecimento de afazeres domésticos, o que não as preparava para um ensino superior, que também não lhes era acessível. Até meados do século XIX, de acordo com Alves e Pitanguy, não se tem registro de mulheres em universidades. No século XVIII, mesmo marcado por revoluções, tanto na América como na Europa, a mulher continuou excluída das principais decisões e sem que os direitos dos homens fossem estendidos a elas. Na França, onde as mulheres participaram ao lado dos homens de processos revolucionários, as conquistas políticas continuaram sendo direito somente dos homens. Para 8
  • 9. Alves e Pitanguy foi nesse período que o feminismo adquiriu características de um movimento político organizado, assumindo um discurso próprio e reivindicando os direitos de cidadania. A partir de então, revolucionárias francesas enviaram à Assembléia pedidos de anulação de institutos legais que submetiam o sexo feminino à autoridade masculina. No mesmo período surgiram inúmeras publicações que abordavam a situação da mulher, como a desigualdade legal, trabalho, participação política e prostituição. Já no século XIX, com a consolidação do capitalismo, as mulheres compartilharam com os homens as difíceis condições de trabalho da época. Ainda assim saíram em desvantagem. Apesar de fazerem o mesmo serviço, pelo mesmo tempo (que variava de 14 a 18 horas), continuavam ganhando menos que os colegas do sexo masculino. Alves e Pitanguy contam que a justificativa para essa diferença salarial era que as mulheres não precisavam tanto do trabalho como os homens, pois tinham quem as sustentassem. Assim como aconteceu na Idade Média, essa desvalorização do trabalho feminino acarretou uma baixa salarial para todos, o que, mais uma vez, causou revolta nos homens que passaram a repudiar o ingresso delas no mercado de trabalho. O século XIX ficou marcado pelos movimentos revolucionários e reivindicatórios. Nesse período, contam Alves e Pitanguy, as mulheres, em busca de seus direitos, se fizeram ouvir na esfera pública. Lutas operárias uniram homens e mulheres. Participaram juntos de greves e sentiram o peso das repressões. O dia 8 de março de 1857 foi marcado por manifestações de mulheres operárias em busca de seus direitos. Tempos depois, o dia 8 de março foi proclamado o “Dia Internacional da Mulher”2 . 2 O Dia Internacional da Mulher foi criado em homenagem a 129 operárias que morreram queimadas numa ação da polícia para conter uma manifestação numa fábrica de tecidos. Essas mulheres estavam pedindo a diminuição da jornada de trabalho de 14 para 10 horas por dia e o direito à licença-maternidade. Isso aconteceu em 8 de março de 1857, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Informação retirada do site http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/home.html . 9
  • 10. Outra luta feminista que marcou o século XIX foi o direito ao voto. Nos Estados Unidos, a validação desse direito só se deu em 1920, 72 anos depois do início dessa luta. Já na Inglaterra, o direito das mulheres ao voto ocorreu em 1928. Tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, essa luta foi marcada por repressões violentas contra as militantes. No Brasil, a luta pelo voto feminino não foi caracterizada por movimentos de massa. Teve início em 1910, com a fundação do “Partido Republicano Feminino” 3 e com a “Liga da Emancipação Intelectual da Mulher” 4 , em 1919. Em 1932, Getúlio Vargas estendeu o direito de voto às mulheres em todo o país. Nas décadas de 30 e 40, muitas das reivindicações das mulheres haviam sido atendidas: tinham direito ao voto, a ingressar nas escolas e participavam do mercado de trabalho. De alguma forma, a sociedade as aceitava como cidadãs. É nesse período também que ocorre diminuição da luta dos movimentos feministas. Para Alves e Pitanguy, isso ocorre devido a necessidade e valorização da mulher no mercado de trabalho, conseqüência da ascensão do nazi-facismo e do início da Segunda Guerra Mundial. Porém, com o término da guerra, a idéia de supremacia masculina volta ao cenário mundial, atribuindo à mulher as atividades domésticas e as retirando do mercado de trabalho. Contam Alves e Pitanguy que os meios de comunicação procuravam enfatizar a idéia de “rainha do lar”, de que o lugar da mulher era em casa, exercendo os papéis de mãe, dona-de- casa e esposa. A grande exceção pela luta a favor do movimento feminista nas décadas de 30 e 40 foi a escritora Simone de Beauvoir, com o livro “O Segundo Sexo”. A partir da década de 60, vários livros e estudos sobre a condição das mulheres, com reflexões feministas, foram 3 O “Partido Republicano Feminino” foi fundado pela professora Deolinda Daltro. O objetivo do partido era levar ao Congresso Nacional o debate sobre o voto feminino, que havia sido esquecido desde a Assembléia Constituinte em 1891. 4 A “Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher” foi fundada em 1919 por Bertha Lutz. Tempos depois foi denominada “Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”. As táticas usadas eram principalmente as divulgações pela imprensa e mobilização da opinião pública. 10
  • 11. publicados5 . No Brasil, “A Mulher na Sociedade de Classes” é publicado por Heleieth Saffioti. O livro analisa a condição da mulher no sistema capitalista e sua evolução histórica no Brasil. É também nos anos 60 que o movimento feminista reúne outras lutas, que incluem o questionamento das raízes culturais das desigualdades entre homens e mulheres. Já na década de 70, o feminismo volta como um movimento de massas, com força política e como grande transformador social. Nesse período, contam Alves e Pitanguy, surgem mulheres que desenvolvem grupos de trabalho e pesquisas. Além disso, o movimento feminista leva para as ruas milhares de mulheres em busca de reivindicações especificas. Uma dessas reivindicações diz respeito à formação profissional e o mercado de trabalho. De acordo com Alves e Pitanguy, algumas profissões eram caracterizadas como femininas e outras como masculinas. No Brasil, as mulheres se concentravam no setor de prestação de serviços, como empregadas domésticas, no magistério, em escritórios, como enfermeiras, entre outros. Essa divisão de funções, a diferença de níveis salariais e principalmente os obstáculos à ascensão profissional das mulheres serviram para que o movimento feminista levantasse novas bandeiras de luta: reivindicar salários e direitos iguais e mais oportunidades de trabalho. A partir de então, a mulher passou a se conscientizar de seu valor e de sua necessidade de libertação. Sendo assim, argumentam Alves e Pitanguy, as mulheres passaram também a se preocupar com sua dupla jornada: seu papel dentro e fora de casa, dividindo com o homem o sustento da casa, mas não dividindo com ele os afazeres domésticos. As autoras acreditam já haver algumas “tentativas individuais de estabelecimento de uma nova relação homem- mulher” (ALVES e PITANGUY, 1984: 66), porém são tentativas isoladas. 5 Nos Estados Unidos Betty Friedan publica “A Mística feminina”. No fim dos anos 60 Kate Millet publica “Política Sexual”. No mesmo período Juliet Mitchell lança “A Condição da Mulher”. 11
  • 12. 1.1.2 O feminismo no Brasil Após a conquista pelo voto, o movimento feminista no Brasil também sofreu um retrocesso. Muito disso foi conseqüência do quadro político que o país viveu com o Estado Novo. Com a democratização do país a partir de 1945, as mulheres começaram a participar de forma mais ativa em campanhas, como por exemplo, pela anistia e pela paz mundial. Mesmo não tendo um cunho feminista, argumentam Alves e Pitanguy, a introdução das mulheres nessas atividades acabava marcando sua presença na esfera pública. Com o início do regime militar, a partir de 1964, os movimentos populares perderam espaço. Mesmo assim as mulheres continuaram inseridas em movimentos contra o regime e em manifestações públicas. De acordo com Alves e Pitanguy, o movimento pela anistia foi aquele que mais teve a presença feminina6 . No fim da década de 70, o feminismo se expandiu no Brasil com a criação de grupos e núcleos de estudos sobre a mulher em alguns Estados. Assim como na Europa e nos Estados Unidos, o movimento feminista brasileiro se colocou como uma organização autônoma, sem vínculos com partidos políticos. De acordo com Áurea Tomatis Petersen7 , no artigo “Homens e Mulheres: enfim, as desigualdades estão acabando?” (1997), apesar da aparente igualdade, as relações entre os gêneros continuam povoadas de desigualdades, tanto no Brasil como no restante do mundo. No Brasil do início dos anos 90, afirma Petersen, cerca de 40% das mulheres estavam no mercado de trabalho8 , desse percentual o número de mulheres bem sucedidas em carreiras consideradas até pouco tempo masculinas, como economia, direito, medicina, jornalismo, também era elevado. 6 Em 1975 o “Movimento Feminino pela Anistia” foi fundado em São Paulo. 7 Professora de Ciência Política da PUC-RS e do curso de Mestrado em Desenvolvimento Social e Econômico da UCPEL. Doutora em História do Brasil na PUC-RS. 8 Dados do Relatório Estatístico do IBGE de 1992. 12
  • 13. A partir de então não se tornou difícil encontrar mulheres ocupando cargos superiores e de alta responsabilidade, como por exemplo, as reitoras de várias universidades do país. O número de mulheres com curso superior também se tornou maior que o dos homens: em 1992 eram 52,3% de mulheres contra 47,7% de homens nas universidades do país, já em 1997 o número de mulheres passava de 60%. Petersen afirma que foi graças as alterações na sociedade brasileira que a Constituição de 1988 teve importantes mudanças no que diz respeito à relação homem e mulher. Dessa forma todos passaram a ser iguais perante a lei, e entre outras conquistas foi determinada a proibição de diferenças salariais, de introdução ao mercado de trabalho sob critérios de admissão por motivo de sexo entre outros. Na IV Conferência Internacional da Mulher, promovida pela ONU – Organização das Nações Unidas – em 1996, uma das grandes preocupações era acabar com a herança cultural de desigualdade entre homens e mulheres. No Brasil, essa Conferência teve grandes efeitos, pois foi a partir daí que as mulheres parlamentares conseguiram aprovar uma emenda na qual seria obrigatória a cota mínima de 20% de mulheres candidatas a cargos legislativos. Mesmo com essas importantes conquistas, Petersen relembra que ainda não é possível se falar em igualdade entre homens e mulheres. O crescimento das oportunidades de emprego e educação, a ampliação do espaço político e as mudanças constitucionais e jurídicas foram um grande avanço para o gênero feminino, mas infelizmente não foram suficientes para superar as desigualdades. Até 19979 , mesmo sendo 51% da população brasileira, apenas 40% das oportunidades de trabalho eram preenchidas por mulheres. Além disso, continuavam incorporadas a atividades tidas como femininas e a remuneração continuava baixa. Petersen explica que 9 Ano da publicação do livro “Mulher: Estudos de Gênero”. 13
  • 14. mesmo com a Constituição de 1988, os postos de maior remuneração continuavam em mãos masculinas. 1.2 Gênero e trabalho A introdução massiva das mulheres no mercado de trabalho assalariado fez com que instituições como a família e o mercado de trabalho passassem por profundas modificações. Castells afirma que a entrada das mulheres no mercado de trabalho se deve à informatização, globalização e também à divisão do mercado de trabalho por gênero, que utiliza as “condições sociais específicas” (CASTELLS, 2000: 197) que as mulheres têm para desenvolver determinadas atividades. Castells aponta que a participação das mulheres no mercado de trabalho se dá em todos os níveis da estrutura, inclusive em cargos superiores. E justamente por ocuparem cargos superiores, afirma Castells, é que as mulheres sofrem com a discriminação. Segundo ele, as mulheres ocupam cargos que exigem qualificações semelhantes a dos homens, porém com salários mais baixos e com menos segurança de estabilidade. Ao mesmo tempo, é significativo o número de mulheres no mercado informal. Em todo o mundo, a participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou, enquanto a dos homens diminuiu. Para Castells, o que atrai os empregadores na contratação de mulheres são as características sociais, que nada têm a ver com características biológicas, já que muitas desempenham funções consideradas “masculinas” 10 . Castells crê que o atrativo mais óbvio para a contratação das mulheres é a possibilidade de pagar um salário menor pelo 10 Outro atrativo é o fato de que as mulheres costumam ser empregadas em setores onde a atuação dos sindicatos é nula ou restrita. 14
  • 15. mesmo serviço. Porém, isso não significa que as mulheres não estão sendo reconhecidas por seu trabalho. É importante ressaltar que, na maioria dos casos, não se pode dizer que as mulheres não tenham qualificações reconhecidas, ou que estejam fadadas a realizar tarefas menores; ao contrário, estão sendo cada vez mais promovidas a cargos multifuncionais que requerem iniciativa e bom nível de instrução, uma vez que as novas tecnologias exigem uma força de trabalho dotada de autonomia, capaz de adaptar-se e reprogramar suas próprias tarefas. (CASTELLS, 2000: 204) A flexibilização do trabalho feminino - horários, saída, entrada, tempo – é outro ponto citado por Castells como atrativo. Segundo ele, o tipo de trabalhador exigido pela economia informacional se ajusta às mulheres, que procuram compatibilizar família e trabalho, e não se importam em trabalhar apenas meio-horário, ou optar por empregos temporários. A inserção das mulheres no mercado de trabalho trouxe significativas mudanças para a instituição familiar. Para Castells, a contribuição financeira das mulheres é fundamental no orçamento doméstico. Isso fez com que o regime patriarcalista passasse a ser questionado. Esse processo de incorporação total das mulheres no mercado de trabalho remunerado gera conseqüências muito importantes na família. A primeira é que quase sempre a contribuição financeira das mulheres é decisiva para o orçamento doméstico. Assim, o poder de barganha da mulher no ambiente doméstico tem crescido significativamente. Sob o regime estritamente patriarcal, a dominação das mulheres pelos homens era, antes de mais nada, uma questão de estilo de vida: o seu trabalho era cuidar do lar. Conseqüentemente, uma rebelião contra a autoridade patriarcal só podia ser uma medida extrema, levando com freqüência à marginalização. Com as mulheres trazendo dinheiro para casa e, em muitos países (...), os homens vendo seus contracheques minguar, as divergências passaram a ser discutidas sem chegar necessariamente à repressão patriarcal. Além disso,a ideologia do patriarcalismo legitimando a dominação com base na idéia de que o provedor da família deve gozar de privilégios ficou terminantemente abalada. (CASTELLS, 2000: 210) 15
  • 16. 1.2.1 O crescimento da mulher no mercado de trabalho Gisele Camargo (2003), em A face oculta das jornalistas11 , acredita que a situação das mulheres é hoje bem mais tranqüila se comparada aos últimos anos: estão inseridas no mercado de trabalho, em grande parte tem um nível escolar mais alto que o dos homens e já não sofrem preconceitos por serem divorciadas. Em estudo realizado pela Fundação Carlos Chagas “Estatísticas e indicadores do trabalho feminino: uma discussão conceitual” (1996), Cristina Bruschini aponta a explosão do feminismo como peça chave para legitimar a condição feminina como estudo. Em um primeiro momento, as Ciências Sociais escolheram o trabalho como temática predominante na teoria sociológica, se junta a esse fator a questão da importância do trabalho para o feminismo, visto como um transformador potencial do modo que as mulheres eram colocadas perante a sociedade. De acordo com Bruschini, no Brasil, influenciadas pelos movimentos norte-americanos e europeus, as mulheres encaravam o trabalho remunerado como o caminho para se emanciparem do trabalho de dona de casa. Em 199812 , a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) realizou um estudo que evidenciou uma intensa participação feminina no mercado de trabalho a partir dos anos 70. A ABEP considera o aumento do nível de escolaridade e principalmente a queda da taxa de fecundidade, fruto do surgimento e popularização da pílula anticoncepcional, fatores responsáveis por essa nova estrutura socioeconômica no país. Durante os anos 70, a crescente urbanização e industrialização fizeram com que o mercado abrisse novas oportunidades de trabalho, inclusive ao público feminino. Nos anos 11 http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/dedicacao/debate6.htm 12 Esse trabalho tem como objetivo fornecer elementos para a identificação do trabalho feminino nos anos 90. As informações utilizadas abordam dados desde 1990. O trabalho completo encontra-se no site http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/PDF/1998/a224.pdf. 16
  • 17. 80, essas novas oportunidades do mercado ficaram mais abertas às mulheres com a expansão de atividades ligadas a prestação de serviços, atividades administrativas, comércio, entre outras. Já nos anos 90, com suas transformações político-econômicas, as taxas de desemprego ganharam destaque, e a participação feminina no mercado de trabalho passou a ser maior em áreas informais, pouco ou não regulamentadas, e trabalhos domésticos ou familiares (donas de casa). Esse estudo da ABEP destaca também que o aumento da informalidade atingiu não somente as mulheres, mas muitos homens também passaram a desempenhar papéis nesses setores. A informalidade, muitas vezes é vista como uma forma simplificada das mulheres se inserirem no mercado de trabalho, porém pode muitas vezes dificultar a concorrência por outros postos com os homens. Entre 1990 e 1995, a população feminina de trabalhadoras não- agrícolas superou a masculina em quase 7%. Já os empregados com carteira assinada diminuíram tanto para os gêneros masculino como feminino. Em compensação o setor de prestação de serviços foi o que mais absorveu empregados de ambos os sexos. Em recente estudo13 , Ana Flávia Machado, Ana Maria Hermeto Camilo e Simone Wajnman (2005), mostram que no ano de 2003, os salários masculinos chegavam a ser até 60% maiores que a das mulheres. Para as autoras, o fato das mulheres terem uma maior escolaridade não influencia o fator salarial, caso isso acontecesse, elas ganhariam até 20% a mais que os homens. Além disso, esse mesmo estudo mostra que no ano de 2003 o desemprego entre as mulheres era 5% maior que entre os homens. Na faixa etária entre 35 e 45 anos, fase considerada a mais produtiva da vida, o número de mulheres desempregadas dobra, enquanto a dos homens cresce cerca de 50%. Outro fator que chama a atenção diz respeito ao maior 13 CAMILO, Ana Maria Hermeto; MACHADO, Ana Flávia; WAJNMAN, Simone . Sexo frágil? Evidências sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro. 1ª edição. Belo Horizonte: Organização Gelre, 2005. 17
  • 18. nível de escolaridade no Brasil. No ano de 2003, 33,66% das desempregadas tinham nível superior incompleto, enquanto a porcentagem de homens desempregados, nas mesmas condições era de 25,04%. Porém, a maior escolarização feminina acaba por beneficiar parcela das mulheres, já que, assim como para os homens, em cerca de 20 anos a participação de mulheres com nível superior no mercado de trabalho praticamente dobrou. No século XXI, como mostram as autoras, há uma concentração de mulheres nos ramos de alimentação, educação, saúde e serviços sociais, incluindo também serviços domésticos. Já os homens estão nas áreas de construção, transporte, armazenagem e comunicação. 1.3 Os mitos e a concepção do feminismo Em o Segundo Sexo, Simone de Beauvoir (1980) trabalha com as transformações do universo feminino. A autora afirma que, hoje em dia, as mulheres estão transformando o “mito da feminilidade”, pois começam a concretizar, com alguma dificuldade, sua independência. Para Beauvoir, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1980: 09), e é a partir do momento que o indivíduo percebe a sua imagem no espelho, que inicia o processo de formação de sua identidade. Segundo ela, a passividade que caracteriza a mulher é um traço que se desenvolve nela desde o começo. A relação entre mãe e filha é vista como complexa, já que a mãe impõe à filha o seu próprio destino, faz dela uma mulher semelhante a si própria. A filha, quando criança, espelha-se nas atitudes e comportamentos da mãe, identifica-se com ela. 18
  • 19. Devido às conquistas do feminismo, as mulheres são encorajadas a desafiar caminhos trilhados antes apenas pelos homens, como a prática de esportes. Mesmo assim, as mulheres têm de conviver com a incansável cobrança de que não percam sua feminilidade. Desde o nascimento, é perceptível a hierarquia entre homem e mulher. Beauvoir afirma que desde a infância as mulheres têm “inveja” dos homens e das atividades desempenhadas por eles14 . Na mulher, há, no início, um conflito entre sua existência autônoma e seu “ser- outro”; ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve, portanto, renunciar à sua autonomia. Tratam-na como uma boneca viva e recusam-lhe a liberdade; fecha-se assim um círculo vicioso, pois quanto menos exercer sua liberdade para compreender, apreender e descobrir o mundo que a cerca, menos encontrará nele recursos, menos ousará afirmar-se como sujeito; se a encorajassem a isso, ela poderia manifestar a mesma exuberância viva, a mesma curiosidade, o mesmo espírito de iniciativa, a mesma ousadia que um menino. (BEAUVOIR, 1980: 22) Quando marcadas por um “impulso espontâneo pela vida”, as crianças são levadas a encarar o círculo materno estreito e buscam escapar à autoridade da mãe. De acordo com Beauvoir, essa autoridade é exercida com mais rigor com as mulheres. Isso faz com que muitas meninas, durante a infância, “rebelem-se” contra a mãe. Na filha surge um sentimento de repulsa, e passa a desejar escapar de assemelhar-se com a mãe; seu objeto de desejo passa a assemelhar-se àquelas que “fugiram” à servidão feminina: atrizes, escritoras... Muitas dessas meninas passam a dedicar-se com rigor aos esportes, estudos e a rivalizar com os meninos. Para Beauvoir, a menina, ao se descobrir mulher, sente-se inferiorizada, pois a esfera a que pertence é cercada e dominada pelo universo masculino15 . De acordo com a autora, é por volta dos 13 anos que os meninos desenvolvem a agressividade, a vontade pelo poder e o gosto pelo desafio. Nesse mesmo período, as meninas renunciam aos jogos brutais e perdem o interesse pelos desafios esportivos, que em alguns 14 Essa situação faz com que elas sintam um desejo espontâneo de afirmar seu poder sobre o mundo e protestar contra o sentimento de inferioridade. 15 A autora compara essa situação à dos negros na América do Norte, uma sociedade que os considera como casta inferior. Porém, diferentemente dos negros as mulheres são convidadas a aceitar tal situação. 19
  • 20. casos lhes são proibidos. Para Beauvoir, a atitude do desafio tem menor valor para as meninas que para os meninos. Na adolescência, as mulheres têm seus sentimentos “reprimidos”, já os homens podem colocar suas queixas e inquietações em discussão. Quanto mais a criança cresce, mais o universo se amplia e mais a superioridade masculina se afirma. Muitas vezes, a identificação com a mãe não mais se apresenta como solução satisfatória; se a menina aceita, a princípio, sua vocação feminina, não o faz porque pretende abdicar: é, ao contrário, para reinar; ela quer ser matrona porque a sociedade das matronas parece-lhe privilegiada; mas quando suas freqüentações, estudos, jogos e leituras a arrancam do círculo materno, ela compreende que não são as mulheres e sim os homens os senhores do mundo. (BEAUVOIR, 1980: 28) As esportistas, segundo Beauvoir, são as que menos se sentem inferiorizadas em relação aos homens, pois são interessadas em sua própria realização. Porém, para a autora, é a fraqueza física que impede as mulheres conhecer os jogos e atividades violentas. Já durante a adolescência, afirma, as mulheres perdem seu domínio intelectual e artístico, uma das razões é que a “sociedade” lhes cobra um acúmulo de tarefas: ser profissional e ao mesmo tempo não perder sua feminilidade. Toda essa cobrança e fiscalização sobre as mulheres fazem com que muitas delas aborreçam-se logo umas com as outras. Muitas mulheres consideram que os “trabalhos brilhantes” são destinados somente aos homens e deixam de almejar grandes conquistas. Tudo isso incita um sentimento de derrotismo, que tem como razão o sentimento que a mulher tem de que não é responsável por seu futuro e julga inútil exigir muito de si mesma. Beauvoir acredita que é moldando-se aos sonhos dos homens que as mulheres se valorizarão aos olhos deles. Para agradar aos homens, elas percebem que é preciso abdicar de certas coisas. Segundo a autora, os homens temem e recriminam mulheres que sabem o que querem: cultas, ousadas, inteligentes, com caráter. Toda afirmação feminina faz com que as mulheres diminuam sua feminilidade e probabilidades de sedução, diferentemente do que 20
  • 21. acontece com os homens, que, desde o início de sua existência, afirmam-se como machos e são aceitos por suas atitudes. Ao ser criticada, a mulher mostra sua fragilidade com mais clareza. É mais suscetível às críticas por dar maior valor a vaidade. Acredita que tem seu valor diminuído quando se torna demasiada comum. É durante a adolescência que a mulher expõe com maior transparência essa característica. De acordo com Beauvoir, é também na adolescência que as mulheres percebem que seus impulsos são freados. Nos dias atuais, é possível “tomar o destino nas mãos” (BEAUVOIR, 1980:107). Absorvida por outras atividades, como estudos, esportes ou uma profissão, as mulheres podem deixar de lado o casamento e as atividades domésticas, que antes eram cobradas pela sociedade e principalmente pela família. Mesmo assim, o caminho percorrido pelas mulheres é mais árduo que o dos homens. Até mesmo porque, apesar de escolher o caminho da independência, muitas mulheres sentem medo de “falhar de seu destino de mulher” (BEAUVOIR, 1980:107), e reservam em sua vida um espaço para o homem, o casamento e os filhos. Em todo caso, afirma Beauvoir, as mulheres têm a preocupação de conciliar sua vida profissional com êxitos femininos. Essa preocupação, afirma a autora, só terá fim quando houver uma igualdade econômica e social que permitirá as mulheres realizarem seus desejos e objetivos sem a recriminação da sociedade. Para Beauvoir, cada vez que a mulher se conduz de forma independente a sociedade a identifica como macho. Atividades consideradas masculinas, quando realizadas por mulheres, são interpretadas como um protesto. A “sociedade” deixa de lado os fatores que a levaram a desenvolver determinada atividade. Segundo a autora, conciliar a personalidade ativa de mulher com seu papel de fêmea passiva não é uma tarefa fácil, tanto que muitas renunciam a essa personalidade ao invés de encarar suas conseqüências. 21
  • 22. De acordo com a autora, a sociedade propõe tradicionalmente à mulher o casamento. Mas com a evolução econômica da mulher, o casamento vem sofrendo algumas transformações. Por muito tempo, a liberdade de escolha de uma jovem mulher foi restrita: o casamento era considerado seu único meio de sobrevivência e razão de sua existência. Porém, para Beauvoir, a “tutela masculina” (BEAUVOIR, 1980:166) vem perdendo espaço no casamento. Muitas são as mulheres que buscam sua “liberdade” após o casamento, se entregando aos estudos ou a uma profissão. Mesmo assim, afirma Beauvoir, são raras as que continuam a desenvolver tais atividades, pois sabem que o interesse de seu trabalho será sacrificado ao do marido. Há mulheres que realmente encontram sua independência no trabalho, mas as atividades do casamento acabam por impedir que a maioria conquiste essa independência. De acordo com Beauvoir, a maternidade é considerada o “destino fisiológico” (BEAUVOIR, 1980:248) das mulheres. Porém, a função reprodutora não é mais controlada pelo simples caso biológico e sim pela vontade e necessidades, como por exemplo, o trabalho. A autora afirma que as mulheres reivindicam e ao mesmo tempo detestam sua condição feminina. A responsabilidade da maternidade faz com que a sociedade considere inadequada às mulheres toda atividade pública, as carreiras masculinas e proclame sua incapacidade em todos os terrenos. Nos dias atuais, grande parte das mulheres passaram a escolher desempenhar ou não o papel da maternidade. A mulher ocidental moderna deseja mais do que ser notada como dona de casa, esposa e mãe, procura também a satisfação na vida social. Apesar de se opor muitas vezes ao universo masculino, o “mundo feminino” (BEAUVOIR, 1980:363), de acordo com Beauvoir, está integrado na coletividade governada por homens, na qual ocupam lugar de subordinadas. Mesmo pertencendo a um universo masculino, as mulheres contestam esse mundo. 22
  • 23. Para a autora, a ignorância das mulheres é que fazem com que tenham respeito e admiração pelos “heróis e leis masculinas” (BEAUVOIR, 1980:367). Em civilizações e classes fortemente integradas, as mulheres apresentam-se irredutíveis: sua fé cega e obediência fazem com que elas reconheçam nos homens o heroísmo e o respeito inquestionável. De acordo com Beauvoir, algumas mulheres preferem a rotina à aventura, preferem se contentar com uma suposta felicidade dentro de casa a saírem em busca de outros ideais. É talvez por nunca terem experimentado a liberdade que tanto medo tem dela. “Ensinaram-lhe a aceitar a autoridade masculina; renuncia, pois a criticar, a examinar, a julgar por sua conta. Confia na casta superior. Eis porque o mundo masculino se apresenta a ela como uma realidade transcendente, um absoluto” (BEAUVOIR, 1980:366). Entretanto, quando incitadas a desafiar novos rumos, as mulheres são muitas vezes tão ou mais corajosas que os homens. Para a autora, o homem possui mais possibilidades concretas de projetar sua liberdade do que as mulheres. É talvez por isso que muitos considerem as conquistas masculinas maiores e mais importantes que as femininas. Cumpre a mulher, diante dessa situação, recusar os limites impostos a ela e procurar caminhos para abrir no futuro, trabalhar em busca de sua libertação. Essa libertação só pode ser coletiva e exige, antes de tudo, que se acabe a evolução econômica da condição feminina. Entretanto, houve, há ainda, numerosas mulheres que buscam solitariamente realizar sua salvação individual. Tentam justificar sua existência no seio de sua imanência, isto é, realizar a transcendência na imanência. É este último esforço – por vezes ridículo, por vezes patético – da mulher encarcerada para converter sua prisão em céu de glória, sua servidão em liberdade soberana, que encontramos na narcisista, na amorosa, na mística. (BEAUVOIR, 1980: 393) De acordo com Beauvoir, as situações impostas às mulheres fazem com que se voltem para o narcisismo. É a forma que ela encontra de “fugir de si”. Impedida de realizar atividades viris, a mulher encontra no espelho, em seu reflexo, uma forma de reinar sobre o mundo e sobre os homens. Muitas mulheres procuram na arte uma maneira de exercer seu narcisismo. 23
  • 24. Para algumas, é uma mera profissão, para outras é o acesso à fama, o triunfo de seu narcisismo. Em todas as atividades desenvolvidas, essas mulheres buscam de alguma forma conduzir-se à glória. Beauvoir afirma que é através do trabalho que a mulher diminuiu, em grande parte, a distância que a separa do homem. É o trabalho que lhe assegura a liberdade concreta. Como produtora, a mulher reconquista sua transcendência, afirma-se concretamente como sujeito e põe á prova sua responsabilidade. “Desde que ela deixa de ser um parasita, o sistema baseado em sua dependência desmorona; entre o universo e ela não há mais necessidade de um mediador masculino” (BEAUVOIR, 1980:449). É possível perceber que, mesmo nos dias atuais, em sua maioria, as mulheres que trabalham não recebem dos patrões, da família e da sociedade o apoio necessário para se tornarem iguais aos homens. Por isso, a tentação de serem sustentadas por um homem ainda é tão forte. Entretanto, é possível encontrar mulheres que através de sua profissão conseguem sua autonomia financeira e social. É certo que essa minoria de mulheres está apenas começando a conquistar seu espaço, porém, não é possível afirmar se seu comportamento é certo ou errado16 . Em verdade, nada autoriza a dizer que seguem um caminho errado, e, no entanto é certo que não se acham tranquilamente instaladas em sua nova condição: não passaram ainda a metade do caminho. A mulher que se liberta economicamente do homem nem por isso alcança uma situação moral, social e psicológica idêntica à do homem. (BEAUVOIR, 1980:451) Mesmo conseguindo sua autonomia financeira e social, as mulheres não alcançam a mesma situação dos homens. Para Beauvoir, desde a infância o homem convive com o fato de que sua “vocação de ser humano não contraria o seu destino de homem” (BEAUVOIR, 1980:452). Já a mulher é condenada a abdicar de suas reivindicações para que possa realizar sua feminilidade. Esse conflito acaba fazendo parte da vida da mulher libertada: ela acredita 16 Anti-feministas afirmam que essas mulheres nada conseguem no mundo e têm dificuldade em encontrar seu equilíbrio interior. 24
  • 25. que renunciar a sua feminilidade é renunciar, em parte, sua humanidade. De acordo com Beauvoir, mesmo recusando atributos femininos, a mulher nunca irá adquirir atributos viris. Vivendo sem uma completa segurança no universo masculino, a mulher busca em tradições femininas - como o narcisismo, o trabalho de dona de casa, a maternidade - se refugiar. Para Beauvoir, a mulher quer viver como homem e mulher ao mesmo tempo, e com isso multiplica suas tarefas. Para a autora, uma vez conquistadas a fortuna e a celebridade, essas se apresentam como virtudes imanentes e podem aumentar a atração sexual da mulher, porém por desenvolver uma atividade autônoma, essa situação acaba contradizendo sua feminilidade. Para Beauvoir, os homens estão se acostumando com essa condição de independência das mulheres. E esta aprendeu que trabalhar fora de casa não significa ter de negligenciar sua feminilidade. Mesmo assim, a autora acredita que, quando preocupada em “ser mulher”, a condição de independente cria na mulher um complexo de inferioridade. Para ela, a feminilidade leva as mulheres a duvidar de suas possibilidades profissionais17 . Beauvoir constata também que nem mulheres e nem homens gostam de receber ordens de uma mulher. A princípio, a mulher é sempre questionada de sua capacidade e honestidade. Para isso, precisa conquistar seu espaço e respeito, precisa dar provas. Esse complexo de inferioridade inicial gera muitas vezes uma reação de defesa, um afastamento. A mulher, diferentemente do homem, não tem o hábito de se impor. Nesse sentido, não transmite segurança em suas decisões. É comum, também, que valorize por demais êxitos modestos e pequenos malogros, ou enche-se de vaidade, ou logo se desanima18 . De acordo com a autora, há uma categoria de mulheres que com sua feminilidade fortaleceram suas carreiras. São elas atrizes, dançarinas, cantoras19 . Essas artistas, afirma 17 Essa situação leva ao que Beauvoir chama de “derrotismo”, o que faz com que muitas mulheres se acomodem com um êxito medíocre, têm medo de alçar vôos mais altos. 18 Para Beauvoir, o que falta nas mulheres de hoje é “esquecer-se um pouco de si”. 25
  • 26. Beauvoir, têm a vantagem de encontrar em seu êxito profissional sua valorização sexual, encontram em sua atividade uma justificativa para seu narcisismo. Em sua maioria, acredita Beauvoir, as mulheres não conseguem compreender seus desejos de comunicação com o mundo, o que para ela explica em grande parte a preguiça feminina. Muitas consideram que seus méritos surgiram “de graça”, sem qualquer esforço ou dedicação. E é justamente por isso que, logo na primeira crítica, muitas desanimam de prosseguir sua profissão. Ao invés de enriquecer, o narcisismo feminino pode muitas vezes empobrecê-la. Para a autora, a mulher tem medo de desagradar, de ofender, falta-lhe coragem para desempenhar certas atividades ligadas até mesmo à sua profissão. A modéstia e o medo definem os limites do talento feminino. 1.4 A imprensa feminina Em A imprensa de salto alto20 , Daniel Liidtke (2003) explica que a história da imprensa é marcada pela participação dos homens. Enquanto às mulheres, coube, por vários anos, a função de escrever sobre culinária e similares. A participação feminina na imprensa teve inicio a partir do século XIX. A baiana Violante Ataliba Ximenes de Bivar e Velasco lançou o Jornal das Senhoras em 1852. O impresso circulou até meados de 1855, em seguida, Velasco lançou O Domingo, com sonetos, cartas de amor e modas, que circulou até a morte de sua fundadora, em 187521 . A partir de 1969, com a regulamentação do jornalismo, Liidtke acredita que as oportunidades para as mulheres no jornalismo aumentaram, isso porque tinham maior acesso às faculdades. 19 Por mais de três séculos, essa categoria foi a única que conseguiu realmente sua independência em relação aos homens. 20 http://www.canaldaimprena.com.br/debate/dedicacao/debate1.htm 21 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª edição. Rio de Janeiro:Mauad, 1999. 26
  • 27. Após 153 anos da primeira edição de um jornal dirigido por uma mulher no Brasil, estima-se haver mais mulheres do que homens no meio jornalístico. De acordo com Jorge Werthein22 no artigo “As Mulheres e o Quarto Poder” (2000), o espaço conquistado pelas mulheres na imprensa, além de significativo, parece ser definitivo. Werthein cita o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em fevereiro de 2000, que aponta a crescente oferta de trabalho para as mulheres no meio jornalístico.Apesar do aumento da participação feminina no jornalismo, assim como em grande parte da sociedade contemporânea, os cargos mais altos nas empresas jornalísticas continuam sendo ocupados por homens No mesmo ano de divulgação do Relatório, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) homenageou a mulher jornalista no Dia Internacional da Mulher. O Diretor Geral da organização, Koichiro Matsura, lançou um apelo internacional: “As Mulheres Fazem a Notícia”, no qual defendia a ocupação de cargos de chefia na imprensa por mulheres jornalistas. Durante muito tempo, o trabalho das mulheres jornalistas foi considerado um trabalho direcionado ao público feminino: revistas, jornais e programas de televisão que destinavam seus assuntos às mulheres e abordavam temas como moda, culinária entre outros. Em “Imprensa Feminina” (1990), Dulcília Schroeder desmistifica esse conceito afirmando que o que vai definir o tipo ou editoria jornalística é o público consumidor, e não o sexo do produtor e/ou redator de determinado assunto, como se pensava há tempos. Na América Latina, o número de mulheres nas escolas de comunicação é bem maior que o número de homens. De acordo com dados do economista Nelson Sato, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, 73,16% das mulheres que atuam nas redações possuem curso superior em jornalismo, já entre os homens, apenas 53,91% possuem o diploma. Para Sato essa diferença pode ser explicada pelo fato de que os homens têm mais tempo na profissão e 22 Sociólogo argentino e representante da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO – no Brasil. 27
  • 28. ingressaram em uma época na qual não era necessário um curso específico para ser jornalista23 . Gisele Camargo (2003), em A face oculta das jornalistas24 , acredita que assim como em outras áreas de trabalho, a mulher jornalista também sofre algumas restrições e discriminações. Segundo ela, reflexo de uma sociedade na qual a mulher ainda é tratada como um objeto. No Brasil, aponta Camargo, entre os jornalistas, não há diferença salarial quando homens e mulheres ocupam o mesmo cargo. O que acontece, porém, é que dificilmente encontram-se mulheres ocupando cargos de chefia dentro das empresas de comunicação. A conclusão de Camargo é que, justamente por essas dificuldades, o número de mulheres é cada vez maior nas escolas de comunicação, pois é necessário que se preparem mais e melhor que os homens. Os altos cargos nas empresas jornalísticas continuam sendo maciçamente ocupados por homens. A inserção das mulheres nas atividades jornalísticas, mesmo crescente, não acompanha o acesso aos níveis mais elevados de hierarquização25 . 23 Após 1979 o diploma de jornalista passou a ser obrigatório nas redações do país. Porém, a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo foi suspensa em todo o Brasil pela juíza federal Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível de São Paulo em 10 de janeiro de 2003. Porém, quatro anos depois, em 26 de outubro de 2005, o diploma voltou a ser exigência para o exercício da profissão de jornalista, por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo. http://www.sjpdf.org.br/internas/noticias_details.cfm?id_noticia=271 24 http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/dedicacao/debate6.htm 25 As revistas voltadas ao público feminino são a exceção no que se refere a ocupação de cargos de chefia. Mas é válido lembrar que é grande o número de revistas e cadernos voltados para o público feminino. 28
  • 29. 2 TELEJORNALISMO E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE 2.1 O poder da TV A televisão é um dos meios de comunicação mais populares do Brasil, tanto como parte de entretenimento, como também atualização e obtenção de informações. Sebastião Squirra (1990) acredita ser impossível a realidade contemporânea sem a presença da televisão, que nunca, e muito dificilmente, deixará de ser um veículo de grandes massas. Boa parte dessa popularização se deve ao fato de ser um veículo que mobiliza dois dos mais importantes sentidos do corpo humano ao mesmo tempo: a audição e a visão. Para o professor Ricardo Ferreira Freitas (1999), a predominância da imagem na linguagem televisiva é um dos principais motivos que contribuem para a maneira superficial e espetacularizada como as informações produzidas por esse veículo. Freitas acredita que, mesmo sendo considerado um veículo democrático, a televisão oferece pouco espaço para um pensamento crítico, produzindo em alguns casos a alienação do telespectador. Segundo ele, a televisão dá aos fatos proporções espetaculares, mas sem profundidade. (...) Com isso, as notícias assumem um caráter efêmero e que, como show, se bastam por si só. Nesse sentido, a informação não chega ao público de forma precisa, apesar de a televisão contar com todos os ingredientes para oferecer um jornalismo de alto nível informacional devido às imagens, aos textos coloquiais e à instantaneidade da transmissão. (Freitas, 1999: 14) Denise da Costa Oliveira Siqueira (1999) acredita que a programação da TV é feita de forma ritualizada e espetacularizada para absorver uma audiência diversificada. Segundo ela, a repetição, característica da televisão, é uma analogia aos rituais. “O fato de haver uma 29
  • 30. programação que obedece a horários de início e encerramento que inclui um esquema de blocos e intervalos já evoca o ritual” (SIQUEIRA, 1999:71). Pedro Maciel (1995) aponta que é a visão a responsável pela relação de credibilidade que a televisão tem com as pessoas. Segundo ele, “a relação olho-a olho estabelece a verdade e a credibilidade” (MACIEL, 1995:15). E é justamente por ser a imagem o fator de maior importância na televisão que essa relação de confiança se torna ainda maior. Mas é válido lembrar que sem um bom texto, essa mesma imagem que gera um sentimento de credibilidade pode se tornar vazia. Para Maciel, a imagem é muitas vezes a própria notícia. Segundo ele, o telespectador é seduzido por acreditar naquilo que vê na tela. “É uma relação quase mágica que o olhar estabelece entre o fato que é mostrado na tela da televisão e o telespectador que recebe a informação” (MACIEL, 1995:16). Para o autor, na televisão, o “ver” é muito mais importante que o “contar” de outros veículos de comunicação. Além disso, considera a TV o veículo informativo mais poderoso que já foi inventado, principalmente no Brasil, onde é o principal meio de comunicação de massa. Mas se não é ainda o veículo massivo predominante em termos estatísticos entre a população brasileira, a televisão é, certamente, o veículo mais poderoso e o que abrange o maior arco da sociedade. Há quem não leia jornais nem ouça rádio, mas dificilmente se encontrará, pelo menos nas sociedades com razoável nível de desenvolvimento, quem não veja televisão. (MACIEL, 1995: 20) Maciel acredita que por ter a necessidade de ser um veículo intimista, que “fala” diretamente ao telespectador, a TV acaba conquistando a cumplicidade e confiança de sua audiência. Para o autor, o apelo do diálogo aliado aos jogos e efeitos de imagens faz com que o telespectador se emocione e se sensibilize com facilidade aos fatos apresentados na TV. Para Eugênio Bucci (1997), o jornalismo de televisão, em alguns casos, procura ser tão envolvente como uma história da ficção, como uma novela. O autor acredita ser inevitável a 30
  • 31. veia melodramática usada muitas vezes pelo jornalismo, pois segundo é preciso emoção para garantir a audiência do telespectador. Bucci caracteriza o telejornalismo brasileiro como dramático, mais até do que factual na opinião do autor. É como se o telejornalismo criasse personagens, definisse o bem e o mal de um fato. E é também a TV, segundo Bucci, uma espécie de ponto de encontro de telespectadores com os mais diversos gostos e opiniões. Acredita que de certa maneira a TV consegue “integrar a nacionalidade” do País (BUCCI, 1997: 46). 2.2 Telejornalismo e a formação da identidade Guilherme Jorge de Rezende (2000) faz uma abordagem sobre as características do telejornalismo brasileiro26 . O autor discute o papel que a televisão representa no Brasil e quais fatores contribuem para que esse veículo tenha tanta importância e destaque na sociedade brasileira27 . Para tratar o aspecto do público, Rezende faz uma pequena comparação entre os leitores de um impresso e os telespectadores. Para ele, o espectador de um telejornal é, (pelo menos a maior parte deles), passivo, ou seja, ele assiste o jornal enquanto espera a novela ou algum outro programa de entretenimento. Esse aspecto acaba fazendo com que o papel da televisão e de seus telejornais aumente mais ainda, pois passam a ser considerados os democratizadores da informação. O telejornalismo cumpre uma função social e política tão relevante porque atinge um público, em grande parte iletrado ou pouco habituado à leitura, desinteressado pela notícia, mas que tem de vê-la, enquanto espera a novela. Em relação aos meios 26 O autor defende a importância da junção entre o professor - pesquisador e o profissional. Para Rezende, no campo da comunicação é inconcebível a desvinculação entre teoria e prática, pois é nessa área que os fenômenos têm se tornado cada vez mais público. 27 O telespectador é um dos grandes objetos de estudo do autor, já que é sua passividade que faz com que a TV seja a maior conscientizadora das massas. 31
  • 32. impressos, acontece o contrário: o leitor só lê o que lhe interessa. É justamente por causa desse telespectador passivo que o telejornalismo torna-se mais importante do que se imagina, a ponto de representar a principal forma de democratizar a informação. (REZENDE, 2000: 24) Um dos fatores apontados por Rezende como causa da fidelidade dos brasileiros à televisão está no predomínio da oralidade sobre a escrita e principalmente o predomínio das imagens em relação às outras duas. Na televisão, o visual é priorizado em relação à palavra. Escrita e oralidade passaram a fazer um papel quase secundário no jornalismo brasileiro. Além de privilegiar as imagens, o tempo destinado para cada assunto é limitado, o que faz com que uma redução vocabular seja inevitável. Rezende constata que está ocorrendo um empobrecimento dos textos jornalísticos, principalmente nas redes de canais abertas. Rezende trata a TV como um objeto hipnótico, um aparelho que consegue prender a atenção dos espectadores durante horas. A gama de opções apresentada por esse veículo deixa o telespectador em uma situação na qual, em alguns casos, é quase impossível separar ficção de realidade. O formato espetacular, comum às emissões de ficção e de realidade, representa a fórmula mágica capaz de magnetizar a atenção de um público tão diversificado. O espetáculo destina-se basicamente à contemplação, combinando, na produção telejornalística uma forma que privilegia o aproveitamento de imagens atraentes – muitas vezes desconsiderando o seu real valor jornalístico – com um conjunto de notícias constituído essencialmente de fait divers. A prioridade que dá ao componente visual das mensagens de maneira a causar uma grande fascinação ao público, acentua a progressiva desvalorização do poder expressivo das palavras (...). (REZENDE, 2000: 25 - 26) O ritmo é outra característica incorporada ao mundo televisivo. Essa é uma característica tão forte que grande parte das pessoas consegue tratar a TV como um marcador de tempo, delimitador de horários. Rezende acredita que a redundância é outro traço marcante da televisão. É utilizada como forma de manter o telespectador atento aos programas. A repetição também é necessária nos programas jornalísticos, o que é inclusive recomendado nos manuais de telejornalismo, que primam pela clareza e simplicidade. 32
  • 33. Sempre em busca de altos índices de audiência, a TV, de acordo com Rezende, apela para uma percepção mais sensorial e afetiva, nem que para isso tenha que misturar real e ficção. O discurso da TV entrou de tal forma na vida dos brasileiros que muitos espectadores esperam, ao ligar seus aparelhos, encontrar o mesmo clima de intimidade e simpatia. O diálogo adotado pela televisão leva o telespectador a criar a idéia de uma conversa entre ele e o aparelho. Rezende utiliza o exemplo do escritor Umberto Eco para definir a linguagem televisiva. Para Eco essa linguagem é resultante da combinação de três códigos: o icônico lingüístico e sonoro. O código icônico refere-se à percepção visual. Isso significa que a TV utiliza formas e símbolos para fazer com que o telespectador adote e aplique alguns significados. Já o código lingüístico se divide em “jargões especializados”, próprios de uma linguagem técnica, e “sintagmas estilísticos”, que correspondem a imagens relacionadas ao código icônico. O código sonoro, por sua vez, pode-se manifestar isolado ou como parte de uma montagem. Podem ter como objetivo transmitir determinadas sensações, consistir algum valor musical ou trazer algum valor conotativo. É indiscutível a soberania do código icônico na televisão. De acordo com Rezende, a televisão possui uma linha de raciocínio universal e ao reproduzir imagens em movimento desperta uma maior participação e atenção dos telespectadores. Para Rezende, a relação verbal X icônico é mais fácil de ser percebida no campo do telejornalismo, já que, nesse caso, a função primordial cabe à imagem, e a secundária, à palavra. No telejornalismo, a palavra assume uma posição submissa em relação ao visual. Essa prioridade dada às imagens exige do jornalista de TV maior cuidado e potencialidade na codificação e decodificação de mensagens visuais. Em qualquer situação, lembra Rezende, a 33
  • 34. construção de uma mensagem de TV necessita que haja uma comunhão entre imagens e palavras. Rezende também aponta o fato da hierarquia oscilante, ou seja, em alguns casos a hierarquia dos códigos é móvel, o que é o caso da TV. Vários são os fatores que podem alterar essa hierarquia – horário do telejornal, cobertura de um fato, entre outros. Nem mesmo a evolução tecnológica conseguiu eliminar a forma mais comum de se dar uma notícia: a leitura do texto por uma jornalista. A falta de uma imagem pode sacrificar a importância de uma notícia, e é nessa hora que o jornalista deve ter o cuidado em codificar e decodificar uma informação com uma mensagem visual sem movimento. O telejornalismo também utiliza intensamente o coloquialismo como recurso de comunicação para conquistar o público28 . Segundo Rezende, o domínio da simplicidade é fundamental em uma transmissão telejornalística, isso significa também que não se pode esquecer que as mensagens devem aliar o compromisso com a inteligibilidade, a assimilação e a possibilidade de elaboração de uma opinião crítica a respeito daquilo que foi recebido. O jornalismo televisivo, assim como o rádio, tem a velocidade e o imediatismo como aliados. Cabe aos telejornais a transmissão, em “primeira mão”, dos fatos ocorridos. A TV propicia aos telespectadores uma participação aparentemente instantânea e sem interferências. E conta como “prova” a imagem. Rezende conclui que esses talvez possam ser considerados os reais motivos responsáveis pela popularização e preferência do público pela TV em relação aos outros meios de comunicação. 28 Essa tendência pode ser justificada pelo fato de que o Brasil é um país considerado “pouco letrado”, onde a oralidade prevalece em relação à escrita. 34
  • 35. 2.3 Telejornalismo Esportivo Para Mauro Betti (2003), a partir da década de 90, é perceptível o aumento de uma cultura baseada na prática de esportes e de culto ao corpo. Segundo Betti essa cultura se tornou um fenômeno entre os meios de comunicação e até mesmo com reflexos na economia. O esporte, as ginásticas, a dança, as artes marciais e as práticas de aptidão física tornaram-se, cada vez mais, produtos de consumo (mesmo que apenas como imagens) e objetos de conhecimento e informações amplamente divulgados para o grande público. Jornais, revistas, videogames, rádio e televisão difundem idéias sobre a cultura corporal de movimento. (BETTI, 2003: 17) A divulgação dos meios de comunicação fez com que torcedores e telespectadores se tornassem potenciais consumidores do chamado esporte-espetáculo. Betti afirma ser praticamente impossível “referir-se ao esporte contemporâneo sem associá-los aos meios de comunicação de massa” (BETTI, 2003: 31). Segundo ele os meios de comunicação, principalmente a televisão, alteraram a forma com os espectadores praticam e percebem os esportes. O espectador é apontado como principal causador da transformação do esporte em espetáculo. Data do século XIX, na Inglaterra, o surgimento dos primeiros espectadores, até então apostadores de jogos de boxe e de corridas. Já no início do século XX, os apostadores foram substituídos pelos torcedores, mas só a partir da década de 60, com os meios de comunicação e com o aumento das transmissões ao vivo, surgiram os telespectadores, talvez a figura mais proeminente nos eventos e divulgação dos esportes. Betti acredita que o esporte se transformou em espetáculo com o objetivo de agradar e ser consumido pelo telespectador. Além disso, o esporte é hoje uma das maiores indústrias de lazer, conseqüência em grande parte das transmissões televisivas. Betti cita Eric Midwinter 35
  • 36. (1986)29 , que acredita que a televisão faz com que os telespectadores se tornem “autoridades” em temas esportivos, pois permite que acompanhem os eventos, equipes e personalidades importantes em destaque. A partir de 1950, as transmissões esportivas pela televisão se tornaram regulares nas emissoras de TV. Inicialmente, em grande parte do mundo, o relacionamento entre televisão e dirigentes esportivos foi marcado pela rivalidade, pois os dirigentes temiam que a TV pudesse diminuir o público pagante de ingressos nos jogos. A partir dos anos 60, com as transmissões via satélite a longa distância, esporte e televisão passaram a se apoiar e desde então mantêm um relacionamento, segundo Betti, dependente, principalmente no que se refere ao quadro econômico, já que a televisão injeta dinheiro no sistema esportivo através de patrocinadores, o que pode ser apontado como fator crucial à profissionalização do esporte. Para Betti, a televisão também é responsável por moldar novas maneiras de percepção. O tempo adquire primazia sobre o espaço, daí a importância dada às transmissões “ao vivo”. O esporte, de acordo com Betti, soube se moldar à essa necessidade do telespectador de instantaneidade e velocidade. Tanto a forma como o conteúdo dos esportes são de suma importância para a televisão, em conseqüência disso, esse meio de comunicação fornece ao telespectador “um ‘certo’ modelo do que é o ‘esporte’ e ‘ser esportista’” (BETTI, 2003: 34). Tudo isso faz com que o telespectador se sinta mais próximo da realidade apresentada por ele através do televisor. Porém, mesmo defendendo a idéia de realidade e objetividade, Betti lembra que durante a fase de produção dos programas, há uma seleção e interpretação dos fatos que chegaram aos telespectadores. Isso significa que a televisão constrói sua própria realidade diante das câmeras. 29 MIDWINTER, Eric Fair Game: Myth and reality in sport. Londres: Allen and Unwin, 1986. 36
  • 37. Durante a década de 80 o esporte espetáculo foi identificado pela sociologia, para Betti cabe agora falar em esporte telespetáculo, fruto da televisão, e que se mostra bem diferente da experiência de se assistir um jogo em um estádio ou quadra. Essas diferenças, de acordo com o autor, podem ser explicadas tanto pela natureza dos eventos esportivos como pelas produções dos meios de comunicação. A imagem que o telespectador vê é uma reprodução daquilo que a câmera mostra, são limites dos meios televisivos, no qual ele só assiste aquilo que o cinegrafista focalizou. Já no estádio ele (telespectador) possui a percepção do original, focalizando aquilo que lhe interessa, contando também com a participação da torcida ao seu redor, que com suas reações influencia na avaliação e qualidade do que se está assistindo. “E, insensivelmente, a televisão que se pretende um instrumento de registro torna-se um instrumento de criação da realidade. Caminha-se cada vez mais rumo a universos em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão. A televisão se torna árbitro do acesso à existência social e política.” ( Bourdieu, 1997: 29) Ao oferecer ao telespectador uma gama de ângulos, repetições, imagens de torcedores, demonstrações de violência, fanatismo e comemorações, a televisão facilita a comercialização dos esportes. Além de servir como vitrine para a venda de produtos esportivos ou sendo associado à venda de outros produtos, como no caso das cervejas, as transmissões esportivas se tornaram um produto tão consumido pelos telespectadores como as novelas e/ou programas de auditório. Exemplo disso são as transmissões dos Jogos Olímpicos e principalmente da Copa do Mundo. O esporte faz parte de quase toda a programação televisiva: jogos, programa de debate, novelas, programas de entrevistas e humorísticos, seriados e filmes. De acordo com Betti, nos telejornais notícias sobre esportes aparecem em meio a noticias de economia, política, cotidiano, segundo ele não há um bloco necessariamente dedicado aos esportes. Atletas e treinadores estão em diversos programas de TV. Os esportistas se tornaram pessoas 37
  • 38. públicas, comparados com artistas famosos. São figuras presentes em campanhas publicitárias e de utilidade pública divulgadas pela televisão, em participações especiais em programas de auditório e em novelas. 2.3.1 Jornalismo Esportivo no Brasil A editoria de esportes é uma das mais populares do jornalismo brasileiro. Tanto a sua versão impressa como televisionada consegue alcançar um público diversificado. Paulo Vinícius Coelho (2003), analisa como, desde o começo, a editoria de esportes sofreu preconceitos no jornalismo brasileiro. No início do século XX, segundo Coelho, os profissionais do País acreditavam que jamais uma manchete esportiva ocuparia a primeira página de um jornal. Até mesmo profissionais experientes que escreviam para cadernos especializados duvidavam da capacidade de o esporte se tornar uma publicação inteiramente dedicada ao assunto. Só a partir da década de 60 começaram a surgir cadernos especializados em esportes no Brasil. O que não significou um trabalho de qualidade. No jornalismo esportivo, segundo Coelho, há uma mistura entre o que é verdade, o que é opinião e o que é lenda. Segundo ele, o jornalismo esportivo carrega atualmente uma enorme carga de realidade, o que torna sua cobertura qualificada. Porém, defende Coelho, a noção da realidade é às vezes exagerada e mereceria um pouco mais de romantismo, como no passado. De acordo com Coelho, até o início dos anos 70 era quase impossível ver mulheres no jornalismo esportivo. Nos dias atuais, a presença de mulheres jornalistas nas redações se tornou comum, mas nada que se compare à masculina. Essa presença feminina, de acordo com Coelho, é reflexo do interesse da população brasileira pelos esportes. 38
  • 39. Para o autor, é inaceitável o preconceito contra mulheres jornalistas que trabalham com esportes. Segundo Coelho, mulheres que entendem sobre esportes são vistas de forma “curiosa”. Coelho afirma que as redações de esporte do País possuem 10% de mulheres, o que significa que, em relação ao passado, o preconceito diminuiu. O fato (...) é que as mulheres na maior parte são encaminhadas para as editorias de esportes amadores. É mais fácil demonstrar conhecimento sobre vôlei, basquete e tênis do que sobre futebol e automobilismo. Territórios onde o machismo ainda impera. Mas também onde menos mulheres do que homens demonstram conhecimento. (COELHO, 2003: 35) Em uma editoria de esportes, a equipe de futebol é normalmente separada das que cobrem outras modalidades. Assim como a equipe que cobre automobilismo, isso porque exige um bom nível de especialização desses profissionais. Segundo Coelho, o mercado permite a criação apenas de jornalistas de futebol e de automobilismo, nos outros esportes, como vôlei, basquete, atletismo e judô, são poucos os jornalistas especializados. Coelho considera que nem sempre o indivíduo interessado por determinado esporte será um bom jornalista da área. Antes de tudo, segundo ele, é preciso ter um bom conhecimento de jornalismo e de suas técnicas. O que importa é saber construir uma boa história, priorizar a informação, ter noção exata de qual é o lide da matéria que está por nascer e o encadeamento de idéias para tornar a história suficientemente atraente. Tudo isso é bom jornalismo. (...). O que não exclui que quanto mais bem formado for o jornalista, mas fácil será de adquirir técnica. (COELHO, 2003: 41) Mas é claro que um conhecimento anterior a respeito de determinado esporte, segundo Coelho, pode trazer inúmeras vantagens. Esse conhecimento adquirido permite ao jornalista um maior entendimento dos fatos e um melhor relacionamento com fontes. Para o autor, a experiência jornalística é fator principal na hora de checar determinada informação e definir qual será o rumo tomado na produção da notícia. 39
  • 40. Ao se interessar pelo aperfeiçoamento em outras modalidades que não sejam o futebol e o automobilismo, o jornalista consegue ganhar respeitabilidade em pouco tempo. Segundo Coelho, em esportes como vôlei, basquete e atletismo, os esportistas, por carecerem de divulgação, acabam colaborando com o jornalista30 . Coelho aponta que até 2002 somente as emissoras de TV a cabo investiam em na formação de jornalistas especializados para trabalharem como comentaristas. O autor argumenta que o melhor é mesclar criatividade com conhecimento, segundo ele o melhor seria “colocar lado a lado jornalistas famosos pelo alto nível de informação específica e outros com rigor jornalístico, técnico e conhecimento em diversas áreas da profissão” (COELHO, 2003: 54). Outra característica dos jornalistas esportivos apontada por Coelho é o interesse, paixão, por determinada equipe de futebol. Para o autor, o conhecimento esportivo é mais relevante que as escolhas pessoais do profissional31 . Coelho acredita que não é preciso negar e muito menos reforçar a escolha pessoal por determinado time de futebol. Outro erro apontado pelo autor é o fato de alguns profissionais negarem suas escolhas, para ele, o jornalista pode perder a credibilidade por não divulgar suas preferências no esporte. Em relação ao esporte na TV, Coelho aponta a Rede Globo como o grande e até mesmo único nome quando o assunto é a transmissão de jogos de futebol. Segundo ele, a transmissão da emissora se confunde com um show: em muitos casos o telespectador não percebe que o estádio está vazio, que o gramado não está bom, ou que o nível técnico é baixo. A discussão sobre onde termina o show e começa o jornalismo, no entanto, não existe na Globo. Também não existe discussão sobre concorrência. Nesse caso, o que vale é a lógica de quem tem mais dinheiro e pode sufocar as demais emissoras. (COELHO, 2003: 67) 30 Para o autor, esse tipo de colaboração dada pelos atletas acaba fazendo com que o repórter ganhe respeitabilidade, mais pelo reconhecimento dos esportistas do que pelo conhecimento técnico de que dispõe. 31 Ainda segundo ele, é em Minas Gerais o estado mais fácil de encontrar jornalistas declarando amor eterno a seus times de coração. 40
  • 41. O autor conta que, por ser a dona dos direitos de transmissão dos jogos, a Globo só libera imagens para outras emissoras após a divulgação em seus programas esportivos. Para compensar, TVs abertas e fechadas vêm investindo na qualidade do jornalismo por não poderem transmitir os jogos. 2.3.2 As mulheres e o jornalismo esportivo Há pouco tempo, os homens predominavam no jornalismo esportivo. Dificilmente uma mulher conseguia espaço e respeito nessa editoria. Porém, essa situação vem mudando nos últimos tempos. Nos Estados Unidos, além de apresentadoras e repórteres, muitas mulheres se tornaram comentaristas de partidas de tênis, golfe, basquete e até mesmo futebol americano. Durante as décadas de 70 e 80, as jornalistas norte-americanas conviviam quase que diariamente com o preconceito dos esportistas e, em alguns casos, até mesmo de colegas homens de profissão. Em meados de 1984, a então repórter esportiva Claire Smith32 foi expulsa do vestiário de um time de beisebol profissional durante o Campeonato da Liga Nacional. De acordo com Smith, a Associação dos Cronistas de Beisebol dos Estados Unidos protestou veementemente, mas não por ter sido uma mulher quem foi expulsa, mas sim uma cronista. Atualmente a entrada de mulheres jornalistas nas dependências de estádios de beisebol, basquete e futebol americano é totalmente liberada nos Estados Unidos. No Brasil, a jornalista Isabela Scalabrini33 foi a primeira mulher na equipe de esportes da Rede Globo. No início dos anos 80, após participar do programa de estágios da emissora, Scalabrini foi contratada e iniciou suas atividades na apuração, seis meses depois, passou a 32 Editora de esportes adjunta do “Philadelphia Inquier”, da Filadélfia, Pensilvânia, EUA. 33 A jornalista, hoje editora e apresentadora do MG TV da Rede Globo Minas, concedeu uma entrevista sobre a inserção da mulher jornalista no jornalismo esportivo no dia 28 de outubro de 2005. 41
  • 42. integrar o departamento de esportes. “Foi uma época que não tinha nenhuma mulher trabalhando lá dentro. Quando eu cheguei, eu era a única mulher no departamento. Não tinha tradição de mulher no esporte. Isso foi em 1980, sabia que ia ser muito difícil!” (SCALABRINI, 2005), comenta a jornalista. Isabela conta que, por ter passado pelo programa de estágio da emissora aprendeu muito sobre telejornalismo, e justamente por isso não demorou muito para aparecer no vídeo. Em pouco tempo já fazia matérias para o “Globo Esporte”. A jornalista começou fazendo reportagens para o programa local, no Rio de Janeiro. Cobria diversas modalidades esportivas, com exceção do futebol, que era sempre destinado aos homens da redação. Não pegava matéria do “Jornal Nacional” e nem pegava futebol. Eu notava que tinha essa resistência mesmo sabe! Uma mulher em campo? O que ela vai poder fazer?! Isso demorou bastante, eu entrei em 80, mas só consegui começar a fazer matéria boa, de rede, em 83. ( SCALABRINI: 2005) Foi nos jogos Pan-Americanos na Venezuela, em 1983, que Scalabrini teve sua primeira oportunidade de realizar um trabalho de destaque. De acordo com a própria jornalista, ela só foi escalada para cobrir a competição porque tinha um chefe “muito moderno”. Durante a competição, o Brasil conseguiu várias medalhas nos esportes amadores, justamente aquele que Scalabrini era designada a cobrir, como remo e natação. Dessa forma a jornalista conseguiu, pela primeira vez, que suas matérias entrassem no “Jornal Nacional”, um dos principais programas da emissora. Foi lá na Venezuela que eu consegui fazer as matérias que entraram na rede. Nesse Pan-Americano, eles começaram a ver: “Nossa! Ela sabe né?! Ela pode né?” . Fazendo esporte amador, nada de futebol! Mas aí que eles viram que eu sabia fazer. Foi fora do Brasil que as minhas matérias começaram a lucrar! E quando eu voltei eles já começaram a me dar matérias de futebol, da seleção. Me lembro que teve uma convocação da seleção que eles me colocaram no meio da tarde pra fazer! Até me espantei! Porque eu notava que até os meninos tinham resistência! (SCALABRINI: 2005) 42
  • 43. A jornalista fala que nunca escutou diretamente comentários preconceituosos relacionados à sua profissão, porém percebia certa resistência de colegas e chefes. “Eles não falavam, mas eu notava que os melhores trabalhos nunca vinham pra mim, estavam sempre com eles, que também estavam começando. Era turma jovem! Eles podiam e eu não podia” (SCALABRINI: 2005). Após o bom desempenho no Pan-Americano de 1983 na Venezuela, Scalabrini foi escalada pra cobrir os Jogos Olímpicos de 84, em Los Angeles, e a Copa do Mundo de 1986, no México. Na Copa de 86, no México, cada jornalista tinha que ficar com um time ou dois. Eu fiquei com a Argentina. Teve um dia que eu cheguei ao treinamento e todos os repórteres ficaram me olhando! Nunca tive medo, sempre perguntei muito, sempre cheguei segura e perguntei: “O Maradona tá aí?” Alguns reportes vieram e falaram: “Tá, tá ali ó, esperando você!”, como quem diz, “quem essa menininha que chegou aqui achando que o Maradona vai atender ela?”. “Tá ali ó, na entrada do vestiário, tá lá te esperando” um repórter argentino falou pra mim. Então eu fui caminhando pra porta da entrada do vestiário e quando ele saiu eu falei: “Oi Maradona! Tudo bem? Eu sou do Brasil. Queria ver se você conversava comigo!” e comecei a fazer a entrevista. Mais ou menos trinta segundos depois todo mundo tava lá fazendo a entrevista com o Maradona (risos)! Essa imagem é ótima! Porque eu comecei sozinha e de repente todo mundo na entrevista. Então, quer dizer, até os repórteres de lá, em 1986, só tinha homem né! E eu notei porque eles falaram isso ! Aí comecei a conversar com o Maradona, o Zico tinha mandado um recado pra ele. Depois disso acabei ficando amiga dele e todo treino que eu chegava o pessoal já vinha junto comigo e já sabia que o Maradona vinha falar comigo. Mas o Maradona não veio falar comigo porque eu sou mulher não, eu que esperei ele na porta do vestiário. Ele viu que eu era uma repórter, que estava trabalhando sério cobrindo o treino. Nessa Copa do Mundo eu não vi outra mulher no jornalismo, eu fui a única. (SCALABRINI, 2005) Mas nem sempre foi assim com a jornalista. Já cobrindo futebol, Scalabrini enfrentou outras resistências, como na época em que os estádios não estavam preparados para receber mulheres jornalistas e era complicado entrevistar os jogadores após as partidas, pois estes ficavam, muitas vezes, nus nos vestiários. Era difícil! Eram pouquíssimas mulheres. Eu, por exemplo, ia fazer campo, ia fazer jogo, não entrava no vestiário. Eles não estavam acostumados com mulheres lá dentro, e eu também não ia. Então era assim, a gente nunca discutia 43
  • 44. “Será que eu entro? Será que não entro?”, “Não! Eu não vou entrar!” era assim... Então o câmera trazia os jogadores pra mim, e falava “ Espera aí Isabela que eu vou buscar o fulano!”. E nunca se falou assim “Poxa, será que você deve entrar?” “Não!”. Então era uma coisa assim: mulher não entra ali , você não vai entrar! Não se discutia isso! Era uma coisa clara! O que não deixa de ser um preconceito (SCALABRINI,2005). Apesar dessa resistência, Scalabrini afirma que nenhum desses acontecimentos impediu que ela realizasse um bom trabalho ou fez com que perdesse algum “furo” de reportagem. Com os torcedores, a aceitação inicial também não foi fácil. De acordo com Scalabrini, em várias situações a repórter foi ofendida por torcedores, principalmente dentro dos estádios. No futebol teve muita resistência. Várias vezes, quando eu ia pros estádios cobrir algum jogo eu ouvia muita coisa feia. Aqueles corinhos com nomes feios pra gente, gritavam: “Ei menina! Vai pra casa! O que você tá fazendo aqui?”. Mas teve um dia específico que eu pensei em largar, eu fui entrando e tinha aquele corinho: “Piranha, piranha, piranha!”. Nesse dia eu pedi um repórter de rádio e um de televisão para entrar junto com eles. Eu estava começando! Ai eu falei: “Gente, será que eu vou ter que agüentar isso? Será que vale a pena? Será que não é melhor investir mais em esporte amador?”. Era chato as pessoas ainda não entendiam. No meu tempo eles reagiam muito mal. (SCALABRINI, 2005) Outro fato marcante e incômodo na carreira da jornalista aconteceu quando ela ainda era a única mulher no departamento de esportes. Scalabrini conta que deu uma entrevista para uma revista sensacionalista da época sobre sua profissão, mas quando a revista chegou nas bancas teve a manchete: “Conheça a mulher que marca encontro com os jogadores todos os dias”. Era uma manchete muito maldosa! Meu pai pegou aquela revista e falou “O que é isso? O que você tá fazendo com os jogadores?”. Na verdade foi uma maldade de um jornalista, porque a entrevista não tinha nada disso. Isso foi um incidente e que na época meu pai falou “Minha filha, tá valendo a pena? O que é isso né?!” Então quer dizer, até meu pai né! Ele ficou chateado com aquilo, mas na verdade ele estava tendo uma resistência ! Afinal de contas, “O que minha filha tá fazendo no campo? Eu quero ver meu futebol! Quero ver os homens narrando!” E essa reportagem foi muito maldosa! Foi uma capa muito maldosa e meu pai acabou falando isso pra mim. Eu senti um pouco de preconceito por 44
  • 45. parte do meu pai, mas depois que eu passei a aparecer na televisão, ele viu que eu tava fazendo certo. ( SCALABRINI, 2005) Para Scalabrini, o importante para uma jornalista esportiva é mostrar competência e respeito. “Eles dizem que é bom ter uma mulher bonita pra chamar a atenção no esporte, eu não concordo! Acho que a mulher tem que saber, tem que ter informação. Se você chegar num estádio, de saia ou de bermuda, toda bonita ou com “jeitinho”, isso pra mim não é jornalismo esportivo!” (SCALABRINI, 2005). Para a jornalista, o próprio ambiente no qual a repórter esportiva convive é um campo complicado, ou seja, grande parte das pessoas que estão naquele local são homens, o que poderia causar certos enganos e confusões dependendo da maneira como a profissional se apresenta. Scalabrini trabalhou no departamento de esporte da Rede Globo por doze anos. De acordo com ela, o desafio de criar matérias interessantes sobre treinos e outras rotinas do futebol estavam lhe cansando. Em 1992, surgiu uma vaga para a editoria de “Gerais” e desde então Scalabrini deixou de ser repórter esportiva. Hoje, é editora e apresentadora do MG TV, Segunda Edição, da Rede Globo Minas. 45
  • 46. 3 MULHERES JORNALISTAS NO TELEJORNALISMO ESPORTIVO DE BELO HORIZONTE Para a construção desse capítulo foram feitas visitas em três dos programas esportivos mais populares de Belo Horizonte34 para uma observação participante e para a realização de entrevistas com as jornalistas e equipe da editoria de esportes dos veículos estudados. As jornalistas Adriana Spinelli, Dimara Oliveira, Érika Gimenes e Letícia Renna foram entrevistadas e acompanhadas em sua rotina de trabalho, para que houvesse uma percepção do que realmente acontece com elas em cada editoria. Além disso, foram detalhados desde os cenários até o comportamento dos colegas de trabalho com as jornalistas da editoria de esportes de cada emissora. À luz das teorias apresentadas nos capítulos 1 e 2, vamos analisar como é o comportamento das jornalistas dos programas esportivos das emissoras de Belo Horizonte e como é o tratamento dado à elas pelos colegas, fontes e telespectadores a partir da visão dessas profissionais e daqueles que trabalham junto com elas na editoria. 3.1 Alterosa Esporte O “Alterosa Esporte” vai ao ar de segunda à sexta, às 12h45, pela TV Alterosa, afiliada ao SBT em Minas Gerais. O programa é apresentado pelo jornalista Leopoldo Siqueira35 e tem a participação de três comentaristas36 que defendem cada um seu time de 34 “Minas Esporte”: visita realizada no dia 05 de outubro de 2005. “Globo Esporte”: visita realizada no dia 25 de outubro de 2005. “Alterosa Esporte”; visita realizada no dia 01 de novembro de 2005. As visitas foram marcadas de acordo com a disponibilidade de cada emissora. 35 Leopoldo Siqueira é apresentador e o editor responsável pelo “Alterosa Esporte” 36 Luiz Eduardo Schechtel (Dudu), representante do Clube Atlético Mineiro. Otávio Di Toledo, representante do América Futebol Clube. Serginho, representante do Cruzeiro Esporte Clube. 46
  • 47. preferência. Fazem parte da equipe também os repórteres Álvaro Damião, Érika Gimenes, e o produtor Rogério Berto. Gimenes é atualmente a única mulher na equipe do programa, que já teve as jornalistas Adrianna Spinelli, Daniela Diniz e Fabíola Andrade. Spinelli foi a primeira mulher a apresentar o “Alterosa Esporte”, fato que acontecia em determinados finais de semana ou quando o apresentador tirava férias. Com Gimenes não é diferente, a jornalista também assume a apresentação do programa na ausência de Siqueira. O interesse da jornalista Gimenes37 pela editoria de esportes começou no primeiro período da faculdade de jornalismo, quando surgiu uma oportunidade para estagiar na rádio da universidade. Nesse período, a vaga disponível era no departamento de esportes, segundo Gimenes (2005), por falta de opção, ela resolveu aceitar a vaga. No “Alterosa Esporte” desde julho de 2004 , Gimenes (2005) conta que por mais que sempre estivesse lendo e acompanhando o assunto, a exigência de informações de uma editoria de esportes é sempre muito grande. De acordo com ela, o público percebe facilmente se o jornalista domina ou não o assunto. Mas a maior dificuldade que a jornalista afirma ter vivenciado foi a desconfiança que algumas pessoas tinham em relação ao seu trabalho. Quando você escreve alguma coisa que é um pouco da sua visão daquilo que você tá acompanhando, a outra pessoa, porque tem uma visão diferente, ao invés discutir com você utilizando dois pontos de vista diferentes, discute com você como se o seu, porque você é mulher, fosse errado porque você é mulher! Então, até você provar que tem competência, até você provar que sabe o que tá fazendo, é uma caminhada!Sempre duvidam da sua capacidade. Acham que você é burra sem ao menos achar que aquela é a sua visão, que não bate, é normal as pessoas terem opiniões conflitantes! Principalmente quando move paixão de torcedor, porque aí ele sempre vai puxar pro lado do seu time! Mas isso assim, foi mais no começo, com o pouco tempo que eu fui mostrando o meu trabalho e a qualidade das coisas que eu tava fazendo e do meu material, as pessoas foram, as pessoas são obrigadas a te engolir! (GIMENES, 2005) Gimenes (2005) acredita que o principal motivo da desconfiança das pessoas com quem trabalhou no início era justamente por ela ser mulher. Em relação aos torcedores, a 37 Entrevista concedida no dia 01 de novembro de 2005. 47
  • 48. jornalista afirma nunca ter passado por nenhuma situação difícil. Já com atletas a situação é diferente. No encerramento de um jogo de futebol, Gimenes (2005) afirma ter passado por uma situação constrangedora, na qual sofreu preconceito por ser uma mulher jornalista na editoria de esportes. Um dos primeiros jogos que eu cobri do Cruzeiro, tinha um jogador que já era problemático por si só, o Guilherme que era atacante do Cruzeiro e também jogou no Atlético. A gente tava lá no gramado e eu saí correndo no final do jogo pra fazer uma entrevista com ele ali no final e perguntei alguma coisa que eu nem me recordo mais o que era, aí ele virou, olhou com aquele desdém e falou: “Só podia ser você mesmo né pra perguntar um negócio desse!”, ou seja, esse “só podia ser você mesmo” é na verdade um, “só podia ser mulher!”. Aí eu virei as costas e não continuei fazendo a entrevista. Com o tempo ele também percebeu! Mesmo assim, nenhuma dessas dificuldades fez com que a jornalista pensasse em desistir da editoria de esportes, pelo contrário, segundo Gimenes (2005), quanto mais desafiador um trabalho melhor. Esse fato remete a idéia de Beauvoir (1980), que afirma que a mulher é em certas situações mais corajosa que os homens. Para Siqueira38 (2005), a presença de mulheres na editoria de esportes não é novidade. De acordo com ele, durante sua carreira, sempre conviveu com mulheres nessa editoria. Ainda de acordo com Siqueira (2005), uma das grandes dificuldades de se trabalhar em uma editoria de esportes é a disponibilidade que o profissional tem que ter para trabalhar a noite, em feriados e principalmente nos fins de semana. Castels (2000) considera que é a flexibilização do trabalho feminino - horários, saída, entrada, tempo – um dos maiores atrativos para a contratação das mulheres, que em sua maioria estão dispostas a compatibilizar o horário de trabalho com a vida pessoal. Uma das estratégias do “Alterosa Esporte” é sempre ter uma mulher na equipe. Siqueira (2005) conta que quando surgiu a oportunidade de aumentar a equipe do programa, ficou decidido que uma mulher passaria a fazer parte do grupo. 38 Entrevista concedida em 01 de novembro de 2005. 48
  • 49. A gente tem como estratégia no programa sempre ter uma mulher na reportagem porque nos interessa o olhar feminino sobre o futebol e sobre os outros esportes. E também porque a gente sabe através de pesquisas e tudo mais que há um público cada vez maior de mulheres assistindo ao programa. Hoje, há uma supremacia masculina no nosso público, mas de um ou dois anos pra cá essa diferença vem diminuindo, então a gente tá observando que algumas abordagens que a gente faz estão interessando mais as mulheres. Se tem mulher assistindo, porque não ter mulher fazendo a cobertura esportiva né? Então é uma estratégia e um sucesso que a gente tem né! Então antes da Érika Gimenes a gente tinha a Adriana Spinelli, que tinha dez anos de experiência, passou pela Globo e tudo mais. Já tinha sido uma estratégia quando o programa aumentou as equipes ter uma equipe com um repórter e outra com uma repórter pra haver aí um equilíbrio na cobertura, na forma de ver e captar as informações. (SIQUEIRA, 2005) Mesmo assim, a presença de mulheres no “Alterosa Esporte” sempre foi na produção, apresentação e reportagem. Com exceção de programas especiais, o programa não teve na bancada de comentaristas uma mulher. De acordo com Siqueira (2005), somente em duas situações houve a presença de mulheres como comentaristas: a primeira foi em comemoração no Dia Internacional das Mulheres, a qual o apresentador considera uma homenagem machista, e uma segunda foi quando o comentarista Otávio Di Toledo convidou uma torcedora do América a representar o time na bancada. De acordo com Siqueira (2005), a representante do América não conseguiu um bom desempenho no programa, talvez porque se sentisse constrangida em comentar ao lado de outros dois homens, o que também não deixa de ser uma observação extremamente preconceituosa. Luiz Eduardo Schechtel39 (2005) acredita que a mulher jornalista, ao entrar em uma editoria de esportes, já sabe que enfrentará preconceitos, justamente por isso se dedica mais que os homens. Para Toledo40 (2005) a mulher já está ocupando seu espaço no telejornalismo esportivo, porém , segundo ele, é preciso se conscientizar de que as mulheres vêm lutando há muitos anos por uma igualdade, e que não devem aproveitar de sua condição para serem 39 Entrevista concedida em 01 de novembro de 2005. 40 Entrevista concedida em 01 de novembro de 2005. 49