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Tiragem: 5000
País: Portugal
Period.: Bimestral
Âmbito: Outros Assuntos
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Cores: Cor
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Corte: 1 de 1ID: 52702962 01-01-2014
Pode Portugal
ser competitivo no
mercado global de vinho?
Manuel Rocha
CEO Adega de Borba
Muito se tem falado no sector do vinho em
Portugal. Inclusive o seu peso no PIB e nas
exportações. Mas será que Portugal pode,
realmente ser competitivo no sector do vinho no
mercado global?
A Europa tem visto, nos últimos 10 anos, uma
significativa redução da área de vinha, sendo os
protagonistas a França, a Itália e a Espanha. Esta
tendência de redução também se tem vindo a
observar em Portugal. Por outro lado, os países do
Novo Mundo (Argentina, Chile, EUA, Austrália,
Nova Zelândia e África do Sul) têm aumentado
as suas áreas de vinha. Nos chamados países
tradicionalmente não produtores de vinho, a
China é, de longe, a que maior área de vinha tem,
sendo igualmente quem apresenta maiores taxas
de crescimento na sua plantação. Outros países
como o Peru, o Brasil, a Índia, o Egito e o Canadá
também têm investido fortemente no aumento
das áreas de vinha nos últimos anos. Em termos
globais, a tendência é de diminuição da área de
vinha mas esta não se repercute diretamente na
produção de uva, pois o rendimento médio de
produção das vinhas no continente Americano,
Asiático, Africano e Oceânia são, na totalidade
dos casos, superiores aos rendimentos de
vinhas na Europa. Só para dar um exemplo, o
rendimento das vinhas no continente Americano
é, em média, o dobro das vinhas na Europa.
No entanto, e apesar de estar a perder terreno
nos últimos anos para os países do Novo Mundo,
a Europa ainda é responsável por quase 2/3
da produção mundial de vinho. França, Itália e
Espanha, além de serem os maiores produtores de
vinho da Europa, também o são a nível mundial.
Seguem-se os EUA, a China, a Austrália, o
Chile, a Argentina, a África do Sul e a Alemanha.
Portugal aparece em 10.º lugar, à frente da
Roménia, Grécia e Brasil.
Volto a colocar a questão inicial, e sendo Portugal
o 10.º maior produtor de vinho, pode ser
competitivo à escala global? Para ser competitivo,
há que ter vantagens competitivas. E só existem
duas estratégias possíveis: ou em termos de
custo, ou em termos de diferenciação.
Uma breve e rápida análise permite verificar que
Portugal dificilmente é competitivo com uma
estratégia suportada nos custos.
Em média, o rendimento de uma vinha em
Portugal é de 23 hl/ha. Em França é de 63 hl/
ha, em Itália é de 55 hl/ha e em Espanha é de
32 hl/ha. Analisando o continente Americano,
temos rendimentos de vinha na ordem dos 71
hl/ha na Argentina e de 51 hl/ha no Chile. A
África do Sul apresenta rendimentos de 71 hl/
ha e a Austrália e a Nova Zelândia, 64 hl/ha.
Resumindo, nunca poderemos ambicionar ter
uma estratégia suportada no custo, quando
temos o pior rendimento de produção quando
comparado com os nossos concorrentes
produtores de vinho, ou seja, provavelmente
Portugal é o país que tem a viticultura mais
ineficiente e com um dos maiores custos de
produção de uva de todos os países referidos.
Mas porquê?
A estrutura fundiária do sector é o reflexo
da propriedade do país. Portugal tem uma
exploração média de vinha de 0,8 ha, enquanto
em França e Espanha as explorações são, pelo
menos, cinco vezes maiores, isto é, 5,4 ha e 4,3
ha, respetivamente. Nem ouso comparar a nossa
estrutura fundiária com a dos países do Novo
Mundo. Como se pode imaginar é impossível
Portugal ter uma viticultura eficiente com esta
dimensão de parcelas de vinha. Por exemplo,
nas Beiras, a área média de parcela é 0,14 ha
e no Minho é de 0,17 ha. Mas a dimensão das
parcelas não é o único problema. A idade das
vinhas é de igual modo importante. Por exemplo,
no Minho mais de 70% das vinhas tem mais de
40 anos e no Douro e Beiras este valor é superior
a 60%. Em média, metade das vinhas em
Portugal tem mais de 30 anos. Mas este padrão
não é transversal a todas as regiões.
Sem dúvida que o Alentejo consegue apresentar
alguma vantagem em termos de eficiência na
viticultura, a começar pela estrutura fundiária
tipicamente com uma área de cultivo de maior
dimensão. Ainda que muito abaixo da média
espanhola e francesa, a parcela média no Alentejo
é de 1,5 ha, quase o dobro da média nacional.
Também, e devido ao facto de ser uma das
regiões demarcadas mais recentes, mais de 50%
das suas vinhas tem uma idade média inferior a
25 anos, evidenciando-se um maior rendimento
das explorações mas, acima de tudo, uma
produção com uma qualidade acima da média.
Sem dúvida que o aumento da dimensão
das parcelas, a sua mecanização, incluindo
necessariamente a vindima, a melhoria do sistema
de condução, a instalação de rega de acordo
com o tipo de solo e a escolha de castas com
potencial de qualidade são obrigatórios para a
sustentabilidade da atividade vitivinícola, ou seja,
a reestruturação das vinhas velhas é um caminho
obrigatório. Infelizmente, não se vislumbra de
todo que a viticultura evolua neste sentido de
uma forma geral, o que, inevitavelmente, vai
levar ao definhamento de muitas explorações
e, consequentemente, regiões. Mas a dimensão
da parcela e idade das vinhas é apenas uma das
variáveis em jogo na competitividade do sector,
muitas outras importantes existem, mas essa
análise fica para uma próxima oportunidade.
OPINIÃOn.º25/2014 | JANEIRO/FEVEREIRO
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Por exemplo, no Minho mais de 70% das vinhas tem mais de 40 anos e no Douro e Beiras este valor é superior a 60%. Em média, metade das vinhas em Portugal tem mais de 30 anos. Mas este padrão não é transversal a todas as regiões. Sem dúvida que o Alentejo consegue apresentar alguma vantagem em termos de eficiência na viticultura, a começar pela estrutura fundiária tipicamente com uma área de cultivo de maior dimensão. Ainda que muito abaixo da média espanhola e francesa, a parcela média no Alentejo é de 1,5 ha, quase o dobro da média nacional. Também, e devido ao facto de ser uma das regiões demarcadas mais recentes, mais de 50% das suas vinhas tem uma idade média inferior a 25 anos, evidenciando-se um maior rendimento das explorações mas, acima de tudo, uma produção com uma qualidade acima da média. 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