O mago Artabam dedicou sua vida a encontrar o Rei recém-nascido adorado pelos outros reis magos. Ao longo de 33 anos, ele seguiu pistas e ajudou os necessitados, gastando seus tesouros nisso. Finalmente, em Jerusalém, Artabam usou sua última jóia para resgatar uma jovem da escravidão, momento em que um terremoto ocorreu.
2. Cada ano, no Natal, é um prazer seguir os passos dos reis magos saindo do Oriente a caminho de
Belém, onde adoraram o Rei recém-nascido e puseram seus tesouros aos seus pés. Mas Henry Van
Dyke nos contou sobre outro rei que também seguiu a estrela, não só até Belém mas durante toda a
sua vida, sem nunca ter encontrado o Rei.
Este outro rei mago se chamava Artabam. Ele era como um soldado desconhecido que nunca fez
notícia. Ele também era um mago e vivia na Pérsia, homem de grandes riquezas, conhecimentos e fé.
Junto com seus sábios companheiros, tinha buscado nas Escrituras a época em que o Salvador
nasceria. Eles sabiam que uma nova estrela apareceria e concordaram entre si que Artabam vigiaria os
céus da Pérsia e os outros observariam o céu da Babilônia.
* * *
Na noite em que seria dado o sinal, Artabam conversava com nove amigos magos em casa. E disse-
lhes: "Meus três irmãos estão vigiando no antigo templo das Sete Esferas, em Borsipa, na Babilônia, e
eu estou olhando daqui. Se a estrela aparecer, eles me esperarão por dez dias, depois todos iremos
juntos a Jerusalém. Acredito que o sinal virá hoje à noite. Já me preparei para a viagem vendendo
todas as minhas possessões e comprei estas três jóias - uma safira, um rubi e uma pérola. Vou dá-las
como tributo ao rei". Ele disse: "Convido-os a fazer esta peregrinação conosco, para que possamos
adorar o Rei recém-nascido juntos.“
Enquanto falava, meteu a mão na mais profunda dobra de seu manto e retirou as três pedras preciosas
de tão grande valor - uma azul como um fragmento do céu noturno, outra mais vermelha que um raio
do ocaso, e ainda outra tão pura como a neve no topo de uma montanha. Ele daria todas ao rei.
3. Então um dos amigos de Artabam disse: "Artabam, isso é um sonho fútil. Nenhum Rei jamais vai surgir
da raça quebrantada de Israel. Qualquer um que O procurar caça um vulto". E com isso disse adeus a
Artabam e deixou sua casa.
Cada um ofereceu a sua desculpa, até que por fim, só o seu mais velho e verdadeiro amigo
permaneceu. Ele disse: "Artabam, estou velho demais para esta ventura, mas o meu coração vai
contigo". E, com uma mão no ombro de Artabam, disse: "Os que querem ver coisas maravilhosas
muitas vezes têm que estar dispostos a viajar sozinhos".
Sozinho, Artabam pôs suas jóias de volta no manto. Depois partiu as cortinas e voltou ao teto para
vigiar o céu noturno.
À medida que Júpiter e Saturno se juntavam como gotas de chama que se fundiam em uma só, um raio
azulado se formou na escuridão abaixo deles, arredondando-se com esplendor púrpura numa esfera
vermelha.
Artabam curvou sua cabeça. "É um sinal", ele disse. "O Rei está chegando, e irei vê-lo".
Vasda, a égua mais rápida de Artabam, estava à sua espera, já selada e pronta a noite inteira no
estábulo, pateando o chão impacientemente e sacudindo a rédea como se estivesse tão ansiosa como
seu mestre. Ao montá-la, Artabam disse: "Que Deus abençoe nós dois. Guarde nossos pés de tropeçar
e nossas almas da morte".
Com este encorajamento, cada dia sua égua fiel percorria a distância certa e, na noite do décimo dia,
chegaram aos arredores da Babilônia. Numa pequena ilha de palmeiras desertas, Vasda sentiu
dificuldades e diminuiu o passo. Com um rápido fôlego de ansiedade, parou inteiramente, seus
músculos tremendo.
4. Artabam desmontou. Na luz fraca das estrelas dava para ver um homem deitado na estrada. Suas
vestes simples e o rosto abatido mostravam que era um dos pobres exilados hebreus que ainda viviam
na Babilônia. Sua pele pálida mostrava que tinha a febre fatal que consumia os pântanos da Babilônia
nesta época do ano. Sua mão magra revelava a frieza da morte.
Quando Artabam virou-se para partir, o homem suspirou e subitamente agarrou as vestes do mago
com suas mãos escuras e esqueléticas. Artabam sentiu pena de não poder ficar para cuidar deste
estrangeiro moribundo, mas esta era a hora para qual orientara toda a sua vida. Não podia renunciar a
recompensa pelos seus anos de estudo e fé para fazer uma única ação de misericórdia humana. Mas
também, como poderia deixar seu companheiro ali para morrer?
"Deus de verdade e misericórdia", orou Artabam, "guie-me no caminho sagrado da sabedoria que
somente Tu conheces". E então soube que não podia seguir. Os magos eram médicos tanto quanto
astrônomos. Tirou seu manto e começou a curar. Várias horas depois, o paciente voltou a si. Com isto,
Artabam lhe deu tudo o que tinha de pão e vinho. Deixou uma poção de ervas medicinais e instruções
para o seu cuidado.
Embora ele tenha cavalgado o mais rápido possível pelo resto do caminho, o sol já raiara ao chegar ao
ponto de encontro. Seus amigos não estavam lá. Finalmente, viu um pedaço de pergaminho deixado
para trás de modo a atrair a sua atenção. Ele o pegou e leu. Dizia: "Esperamos até depois da meia-
noite, não podemos tardar mais. Vamos encontrar o Rei. Siga-nos pelo deserto".
Artabam se sentou no chão, desesperado, e cobriu o rosto com as mãos. "Como posso atravessar o
deserto sem comida e com um cavalo cansado? Devo voltar a Babilônia, vender minha safira e comprar
uma caravana de camelos e provisões para a viagem. Talvez nunca alcance meus amigos. Somente o
Deus misericordioso sabe se perderei ou não o propósito por que vim, por ter parado para demonstrar
misericórdia".
5. Vários dias depois, quando a
caravana de camelos de Artabam
chegou a Belém, as ruas estavam
desertas. Rumores diziam que
Herodes enviara seus soldados,
talvez para cobrar algum novo
imposto, e os homens tinham
levado seus rebanhos e manadas
para as colinas, além do seu alcance.
A porta de uma casinha estava
aberta, e Artabam ouviu uma mãe
cantando uma canção de ninar para
o seu filho. Ele entrou e se
apresentou. A mulher lhe disse que
já fazia três dias desde que os três
reis magos tinham chegado a
Belém. Eles encontraram José,
Maria e o Menino, e puseram seus
presentes aos Seus pés. Depois,
desapareceram tão
misteriosamente como vieram.
José também tinha tomado a sua
esposa e filho e fugido
secretamente. Dizia-se que iam à
longínqua terra do Egito.
6. Enquanto Artabam escutava, o bebê levantou as mãos fofinhas,
tocou-lhe no rosto e sorriu. O seu coração se acalentou com o
toque. De repente, lá fora surgiu uma gritaria selvagem. Mulheres
gritavam. Um grito desesperado anunciou: "Os soldados de
Herodes estão matando os meninos".
Artabam foi até a porta da casinha. Um bando de soldados vinha
rua abaixo, suas espadas e mãos gotejando sangue. O capitão se
aproximou da porta para afastar Artabam, mas ele não se mexeu.
Seu rosto estava calmo como se ainda estivesse olhando as estrelas.
Finalmente, sua mão estendida revelou o rubi gigante. Ele disse:
"Estou esperando para dar esta jóia ao capitão que irá embora e
deixará esta casa em paz".
O capitão, maravilhado com o esplendor da jóia, pegou-a e disse
aos seus homens: "Vamos embora! Não há crianças aqui".
Artabam então orou: "Oh, Deus, perdoe o meu pecado. Gastei com
homens o que era para Deus. Será que algum dia vou ser digno de
ver o rosto do Rei?“
Mas a mulher que chorava de alegria na sombra atrás dele disse
brandamente: "Por ter salvado a vida do meu menino, que o
Senhor lhe abençoe e guarde. O Senhor faça o Seu rosto
resplandecer e seja bondoso com você. O Senhor levante o seu
rosto sobre você e lhe dê paz".
7. Depois disso Artabam, ainda seguindo o rei, foi para o Egito, buscando em toda a parte rastros da
pequena família que fugira de Belém antes dele. Durante muitos anos, seguimos Artabam na sua
busca. Nós o vimos nas pirâmides, o vimos numa casa obscura em Alexandria, buscando conselhos
com um rabino judeu que lhe disse para buscar o Rei entre os pobres, não entre os ricos. Então o
seguimos de um a outro lugar.
Ele passou por países que a fome afligia fortemente e os pobres clamavam por pão. Fixou moradia em
cidades praguejadas, onde os enfermos pereciam em meio a um amargo e interminável sofrimento.
Visitou os oprimidos e afligidos na escuridão de prisões subterrâneas. Buscou entre multidões
atormentadas de mercados de escravos. Embora não tenha encontrado ninguém para adorar,
encontrou muitos para servir. Com o passar dos anos alimentou os famintos, vestiu os que não tinham
roupas, curou os enfermos e consolou os cativos.
Certa ocasião, vimos Artabam sentado por um momento sozinho ao nascer do sol, esperando no
portão de uma prisão romana. Do seu esconderijo secreto no seu seio, ele tirou a última das jóias que
guardava para o Rei. Traços brilhantes de azul e rosa cintilavam na sua superfície. Ela parecia ter
absorvido as cores da safira e do rubi perdidos. Da mesma maneira que uma vida nobre atrai para si o
seu profundo propósito, de modo que tudo que a ajudou passa a fazer parte do seu âmago, assim a
pérola se tornara ainda mais preciosa, porque há muito tempo era carregada perto do calor de um
coração humano palpitante.
Trinta e três anos se passaram desde que Artabam começou sua busca. Ele ainda era um peregrino, e
os seus cabelos estavam brancos como a neve. Ele sabia que a sua vida estava terminando mas estava
desesperado com a esperança de que encontraria o Rei. Viera pela última vez a Jerusalém.
8. Era época da Páscoa, e a cidade estava cheíssima de estrangeiros. Havia uma particular agitação visível
na multidão. Um fluxo secreto de pessoas atraía a multidão para o portão de Damasco.
Artabam perguntou onde iam. Alguém respondeu: "Vamos ver a execução em Gólgota, fora dos
muros da cidade. Dois ladrões vão ser crucificados, e com eles outro que se chama Jesus de Nazaré,
um homem que fez muitas coisas maravilhosas entre o povo. Mas os sacerdotes e anciãos dizem que
ele deve morrer porque diz ser o Filho de Deus. Pilatos permitiu-se ser convencido por eles a enviar
Jesus para a cruz, porque Ele disse que era o "Rei dos Judeus".
Que modo estranho essas palavras familiares atingiram o coração cansado de Artabam. Elas o haviam
guiado durante toda a sua vida por terra e mar e agora chegavam a ele sombria e misteriosamente
como uma mensagem de desespero. O Rei fora negado e lançado fora. Agora estava para morrer.
Talvez já estivesse morrendo. Será que Este era o mesmo por quem a estrela aparecera há trinta e três
longos anos?
O coração de Artabam batia fortemente. Ele pensou: "Os caminhos de Deus são mais estranhos que
os pensamentos dos homens, e pode ser que eu ainda encontre o Rei e possa salvá-Lo da morte
dando o meu tesouro aos seus inimigos".
Mas quando Artabam começou a andar em direção ao Calvário, viu uma tropa de soldados descendo
a rua, arrastando consigo uma jovem mulher com o vestido rasgado e o cabelo bagunçado. Quando
Artabam parou, ela escapuliu de seus atormentadores e se jogou a seus pés, agarrando seus joelhos.
"Tenha misericórdia de mim!" chorou. "Salve-me, por amor ao Deus da pureza! Meu pai também era
um mago, mas agora está morto, e eu vou ser vendida como escrava para pagar suas dívidas".
9. Artabam tremeu ao sentir mais
uma vez o conflito surgir em sua
alma. Era o mesmo que ele
vivenciara na Babilônia e na
casinha em Belém. Duas vezes o
presente que ele consagrou para o
Rei tinha sido usado para servir a
humanidade. Ele agora falharia de
novo? Uma coisa era certa: ele
tinha que resgatar essa jovem
indefesa do mal.
Tirou a pérola de seu seio. Ela
nunca antes parecera tão
luminosa, tão radiante, tão cheia
de brilho terno e vivo. Ele a pôs na
mão da escrava e disse: "Filha, eis
o pagamento. É o último dos meus
tesouros que esperava guardar
para o Rei".
Enquanto ele ainda falava, a
escuridão do céu engrossou e os
tremores de um terremoto
abalaram o chão. Casas sacudiam.
Soldados fugiram em terror.
10. Artabam se refugiou contra uma parede protetora. O que
tinha a temer? O que tinha a esperar? Tinha dado a última
parte que lhe restara do seu tributo ao Rei. A busca
terminara e ele falhara. O que mais importava? Com uma
última sacudida do terremoto, uma telha pesada, solta de
cima do teto, caiu e atingiu-lhe na cabeça. Ele caiu, pálido e
sem fôlego.
A garota resgatada se inclinou sobre ele, temendo que
estivesse morto. Depois ouviu-se uma voz calma e suave no
escurecer. Era como uma música distante, as notas eram
claras, mas a garota não entendia as palavras.
E os lábios de Artabam começaram a se mover como que
respodendo à voz, e ela o ouviu dizer: "Quando Te vi com
fome e Te dei de comer? Ou com sede e Te dei de beber?
Quando Te vi forasteiro e Te hospedei? Ou nu e Te vesti?
Quando Te vi enfermo, ou preso e fui visitar-Te? Há trinta e
três anos procurei por Ti, mas nunca vi o Teu rosto, nem
ministrei a Ti, meu Rei".
Quando ele parou, a doce voz voltou. E, novamente, a moça
a ouvia, mas baixinho e à distância. Mas agora entendia as
palavras que diziam: "Na verdade vos digo, quando o
fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos, a Mim o
fizestes".
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