1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - Escola de Comunicações e Artes
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
Área: Interfaces Sociais da Comunicação
Linha: Educomunicação
Disciplina: Educomunicação – Fundamentos, Áreas e Metodologias
Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares
Pensamento dos Pesquisadores da ECA sobre a relação
Comunicação / Educação.
Entrevista com a Profa. Dra. Brasilina Passarelli.
Autores
Margareth Bianchini
Rui Santo
M. Salete P. Soares.
Sumário
1. Introdução........................................................................................................................1
2. A Profa. Passarelli avalia sua trajetória.......................................................................2
1) Introdução:
A Profª. Dra. Brasilina Passarelli está entre as pioneiras no
trabalho voltado às tecnologias da informação. Sua passagem
pela Apple – computadores, com softwares educacionais e o
seu próprio trabalho em 1993, “Ray's Packard” – peça multimídia
em um videodisco, misto de software interativo com vídeos e
imagens, mostra que ela sempre esteve preocupada com o
papel das tecnologias na educação.
Desenvolveu, ao longo de sua carreira, práticas de comunicação
/ educação, nas quais acrescentou o item informação, formando
o tripé - educação, comunicação e informação -, que se
manifesta em seus principais projetos educacionais,
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2. direcionados para
jovens do ensino fundamental (projeto ToLigado), graduandos (projeto Nexus – da
informação ao conhecimento) e mestrandos (Criando Comunidades Virtuais de
Aprendizagem e de Prática), na modalidade de ensino a distância (EaD) tema no qual,
inclui-se entre as grandes especialistas e pesquisadoras nacionais.
Possui relevantes características que é a de ser mutável e de ter a percepção de futuro.
Caminha um passo à frente, intuitivamente, nem sempre sendo compreendida no trajeto
que trilha, com sua versatilidade e flexibilidade, capacidade de apreensão do novo e de
colocar em ação suas idéias.
Palavras Chave: Educomunicação, Educação, Comunicação, Informação, EaD – ensino à
distancia, Escola do Futuro.
A Profa. Dra. Brasilina Passareli avalia sua trajetória:
Professora livre-docente da ECA – Escola de comunicação e Artes ministra a disciplina
“Criando Comunidades Virtuais de Aprendizagem e de Prática” na pós-graduação, para
mestrandos e doutorandos.
Brasilina Passarelli considera sua trajetória ligada à Comunicação, Educação e Informação,
embora sinta um certo “desconforto” com a palavra “Educomunicação”. Além do problema
semântico, acredita que seu trabalho é mais amplo que o da Educomunicação, termo que atribui
ao argentino-uruguaio Mário Kaplún.
Foi aprovada na graduação da ECA em 1973. Embora seu objetivo inicial tenha sido a arte
do Cinema, o mundo da informação a atraiu de modo irresistível, levando-a a formar-se em
biblioteconomia (1976).
Recém-formada, deixou de prestar concurso público para atuar na área, uma vez que a
data do exame coincidiu com sua lua de mel nos Estados Unidos.
Ao regressar, foi trabalhar em uma empresa internacional, (Themag Engenharia1)
subordinada à Diretoria Comercial, tornando-se gerente do Centro de Documentação do setor e
única mulher no nível executivo da empresa. O desafio da Diretoria Comercial era vender
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Themag Engenharia. Empresa Brasileira com sede em São Paulo e filiais em várias capitais de estados brasileiros, França e Estados
Unidos, especializada em prestação de serviços de engenharia - planejamento e estudos de viabilidade técnica, projetos básicos e
executivos, especificações, inspeções, gerenciamento de obras, estudos especiais, pesquisas e pareceres técnicos. Efetivo superior a
3.000 funcionários, dos quais, 1050 de nível universitário, na década de 80.
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3. “cabeças” que se transformavam em projetos, que viravam propostas para se transformarem em
contratos de obras / serviços reais. Ou seja, a transformação de conhecimentos contidos nas
cabeças dos especialistas – engenheiros (expressos nos currículos) em obras e serviços
governamentais reais.
Para atender e agilizar essa demanda da década de 80, desenvolveu um projeto de
automação da biblioteca2 e Centro de Documentação, utilizando a metodologia de Base de
Dados, cujo projeto era análise documental com utilização do DBASE.
Ficou nesse cargo até 1990, onde trabalhou para atender às exigências de editais para
concorrências de projetos de engenharia, através dos currículos de engenheiros.
Seu projeto de automação do banco de dados levou a Themag a participar de quase 15
concorrências por mês3, em média, contribuindo para que se tornasse uma das maiores
empresas de engenharia do Brasil.
Na concepção peculiar da Profa. Dra. Brasilina, o mundo “real” é o mercado - que
realmente oferece um emprego. Com bom humor, acrescenta que a Universidade é o mundo
“virtual”.
Na experiência do mundo “real”, acabou perdendo os amigos bibliotecários, que não
entenderam sua nova postura de encaminhamento de vida profissional.
Decidiu voltar à ECA, com a idéia do fazer mestrado e dissertar sobre o Projeto de
Automação. Mas a área de Biblioteconomia, entretanto, estava muito distante do que desejava,
os professores - doutores não se sentiam motivados a orientá-la, pois esse assunto era muito
moderno.
A exceção foi o Prof. Dr. Frederic Michael Litto, que a orientou na dissertação de mestrado,
cujo titulo era: “Editoração Automatizada de Arquivos de Informação: Um Estudo de Caso de
Currículos de Engenharia” – 1987.
Em seu percurso de vida e atuação transdisciplinar, sua “bagagem” profissional lhe permitiu
desenvolver uma dissertação que aliasse a Educação e a Comunicação.
O destino tem-lhe colocado desafios, como atuar em cargo como gerente em empresa de
engenharia sem ser engenheira; sua competência sempre legitimou suas escolhas.
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Contribui para o desenvolvimento do projeto, os diversos cursos realizados entre outros O&M (Organização & Métodos)
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Um número extraordinário para a época, considerando-se que o conjunto de currículos para atender o edital deviam ser “garimpados” e
compostos de acordo com as características de cada projeto; que os currículos dos 1050 profissionais estão em constante mudança;
além de outras alterações pertinentes a cada edital, nacional ou internacional. Lembremos que os concorrentes faziam esse trabalho de
maneira manual.
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4. Foi a partir do mestrado com o Prof. Litto, quando trabalhou com microcomputadores
Macintosh, utilizando base de dados em multimídia, que começou a pensar em suas possíveis
aplicações, isto é, “hipermídia’.
Em 1990, iniciou seu doutorado na ECA e apaixonou-se pela Educação, que passou a ser o
embrião da Escola do Futuro, onde trabalhava também com Informação e Comunicação. Não
atribui, entretanto, ao Professor Litto a responsabilidade por essa paixão:
- “Ele tem outras culpas, mas esta não... temos que ter honestidade intelectual...”.
Aos 40 anos, quando solicitou seu desligamento da empresa de engenharia para se
dedicar ao doutorado, seu superior lhe disse:
- “Você deve estar tendo uma menopausa precoce, a crise dos quarenta. Como deixar uma
empresa, onde você tem uma remuneração satisfatória para ir à Academia fazer
doutorado”?
- ” Vou lhe dar uma licença não remunerada por três meses”.
Apesar dessa proposta, passou a dedicar-se integralmente à academia. Re-ingressa na
USP como aluna de doutorado, bolsista do CNPq, mas a ECA entrou e permaneceu em greve por
seis meses.
Voltou a procurar emprego e encontrou em uma empresa de projetos culturais que se
utilizava dos benefícios da Lei Sarney de Incentivo à Cultura, onde seu desafio era levar lazer às
indústrias através da área de recursos humanos.
No final do segundo semestre de 1990, a greve na USP se encerrou e ela voltou ao
doutorado, interessada em multimídia na educação. Viajou aos Estados Unidos, devido à
oportunidade de realizar estágio de 6 meses com “bolsa sanduíche” na Michigan State University,
onde teve seu primeiro contato com um Macintosch da Apple Computer. Até então, só tinha
trabalhado com microcomputador e softwares de programação / digitação de dados, ainda distante
do atual conceito do Windows e similares.
Ao chegar a Michigan State University, recebeu a seguinte orientação:
- Sente-se e trabalhe com algum computador.
Não tinha nem idéia de como se ligava essa máquina, mas rapidamente aprendeu, usando
a estratégia de mimetização, pela observação e repetição das ações de seus colegas.
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5. Como na maioria do tempo que esteve nos Estados Unidos, 6 meses, isolada e sem
amigos, e era época de inverno, restou-lhe mergulhar em seus estudos e produção cientifica. A
Internet ainda estava indisponível no início da década de 90.
Esse estágio foi um grande aprendizado. Aprendeu por si mesma, por tentativas e erros. Foi
um período valioso para a produção da tese de doutorado em Ciências da Comunicação,
defendida em 1993, cujo titulo era: Hipermídia na Aprendizagem – Construção de um Protótipo
Interativo: A Escravidão no Brasil. 1993.
O tema, sobre a escravidão no Brasil, foi realizado com Aldemir Martins, os Cem anos de
Castro Alves, e entrevistas com negros e pintores românticos do Século XIX. Rugendas e Debret.
Brasilina conta que se surpreendeu com o interesse dos americanos em aprender.
Ao pedir emprestada uma câmara a um amigo para gravar uma entrevista na Universidade,
este respondeu que não só emprestaria como também gravaria para ela porque queria conhecer o
assunto.
Terminada essa etapa, já no Brasil, na Escola do Futuro, recebeu professores das
Universidades de Harvard, Texas, Canadá, Europa, MIT – Massachussetts Institute of Tecnolgy,
que aqui ministravam cursos e traziam conhecimentos em tecnologia e em educação. O Prof.
Carey fez um grande trabalho sobre produção com multimídia em educação com dez
microcomputadores Macintosch, chamando a atenção da Profa. Brasilina.
Como o programa de “intercâmbio” de professores pagava apenas a passagem, os docentes
visitantes eram hospedados pela profa. Brasilina e o prof. Litto, num esforço pessoal de ambos
pela educação.
Em 1993, criou uma peça multimídia em “Ray's Packard” – um videodisco que é um software
interativo com vídeos e imagens. Infelizmente, hoje não existe mais o aparelho que o reproduzia.
Na tese de doutorado produziu um projeto piloto para contar o que estava fazendo para os
professores de escolas públicas. Vieram à Escola do Futuro “classes inteiras de alunos” para
conheceram a peça em multimídia. Depois, estes respondiam a um questionário.
Em 1994, a Escola do Futuro recebeu entre sessenta e setenta bolsas do CNPq. A
Professora Brasilina coordenou o 1º grupo de LINGUAGENS INTERATIVAS, mas como as bolsas
têm prazos para terminar (dois anos), acabava-se “perdendo-se” os professores pesquisadores e
principalmente os coordenadores dos projetos. Isso representa uma perda muito grande para a
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6. pesquisa científica, uma vez que nem sempre os projetos terminam dentro do prazo das bolsas
dos pesquisadores.
No período de 93 a 95, fez vários projetos, mas dois ficaram marcados, ambos sobre
“Desmistificando o Micro em PC”.
A Apple Computer procurou o Professor Litto na mesma época e fez uma doação de
microcomputadores Macintosch para a Escola do Futuro que eram “up to date”. Com eles,
produziram um CD ROM, desmistificando o micro em 3 D, com pesquisadores em engenharia,
utilizando equipamentos da MTV. Brasilina é enfática ao explicar o projeto:
“- Foi criada uma nave Geodésica dos mundos. “Foi tão bom o projeto que ainda não
envelheceu, isso desde 94”.
Para a concepção do projeto, for formada uma equipe transdisciplinar de pesquisadores,
composta de publicitários, educadores, arquitetos, designers.
Para reiterar a importância da Escola do Futuro, a CESP – Central Energética de São Paulo,
solicitou o desenvolvimento de um CD Rom para aprimorar a capacitação dos operadores
(técnicos) com o intuito de ajudar na sustentabilidade do projeto deles.
Este é um modelo híbrido que a Escola do Futuro tem até hoje.
A Professora Brasilina foi então convidada pela Faculdade de Educação da USP – FEUSP a
ministrar aulas como professora convidada sobre “Mídias Alternativas”.
Entre julho de 1995 a 1998 foi Diretora Educacional para América Latina na Apple Computer.
Considera esses três anos como verdadeiro Pós Doc. Posteriormente, foi Diretora de
Marketing para Educação – também a única mulher em cargo de gestão.
Viajou por seis meses, visitando diversas escolas nos Estados Unidos, Canadá e Europa
para conhecer como e o que a Apple realizava em diversas culturas, conversava com executivos e
reitores.
A Apple é uma organização diferente porque fabrica hardware e produz software, tem uma
grife, por isso ela é mais cara que um microcomputador em PC. A empresa vem de uma realidade
americana e canadense, e seus diretores não conseguiam entender como não podiam participar
de licitações no Brasil porque não tinham o chip da INTEL. Os executivos não conseguiam avaliar
o que era reserva de mercado.
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7. A Apple queria que Brasilina criasse um projeto para o Brasil. Na época do Governo
Fernando Henrique, foram comprados cem mil computadores e ela teve clientes como a Anhembi
Morumbi, FAAP, ESPM, mas o projeto ficava muito caro, o que acabava inviabilizando o uso da
Apple em escolas de menor poder financeiro.
O trabalho nesta área era intenso. Em formato de “jobs”, ou seja, cada briefing/job ficava
quinze dias nos Estados Unidos, acompanhando os donos das instituições nas visitas à Apple, na
Califórnia, além do trabalho de preparação do projeto, anterior à viagem. O próprio governador do
Estado do Tocantins passou um dia na Califórnia, visitando escolas públicas para conhecer o
funcionamento e benefícios desta nova ferramenta chamada Macintosch. Em curtíssimo prazo, o
CEO - Chief Executive Officer e a Professora Brasilina, então Diretora de Marketing, passaram a
morar em aviões.
Após essa fase, a profª. Brasilina demitiu-se e voltou para a universidade como docente.
A Professora Brasilina vê desde sempre que Educação e Comunicação são como a
nascente de um rio que não estão separados. Desde 1993, quando ninguém faria um projeto
ousado de multimídia, interligando teconologia à educação, caminhava com seu vídeodisco para
cima e para baixo, como um troféu. Se há quinze anos atrás se questionava que futuro a escola
teria, hoje é intrínseco.
A história e os produtos que a professora Brasilina produziu representam a inter-relação
entre informação, educação e comunicação.
Quanto a perspectivas e impasses da área, pela sua própria trajetória, ela não vê problemas
em relação aos impasses e entende que as pessoas tendem a fugir dos embates, sendo que eles
são como molas propulsoras para uma nova época. Encontramos isso na música, na arte. Para
ela, sempre existem rupturas para novos movimentos.
Como livre docente, tem um olhar de pesquisadora etnográfica, tenta entender o
comportamento e público como estudantes de graduação e estudantes de pós-graduação.
Tem como objetivo ser arquiteta em diferentes ambientes virtuais, proporcionando
oportunidades aos alunos com a responsabilidade de publicar na Internet, ou seja, remove o
“segredo” entre o professor e o aluno, a produção do aluno passa a ser do aluno, dela e do mundo.
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8. Comenta que a escola não trabalha o coletivo, na pós-graduação procura desenvolver os
textos coletivamente para que possam ser publicados em seu site: http:bpassarelli.futuro.usp.br
criando comunidades virtuais.
Sua vida tem sido um embate com a realidade, não adianta fazer em cima do que foi feito,
acredita em ações “primeiro se faz para depois refletir”. A tendência marcante de sua
personalidade é de concretizar sua intuição.
O ambiente da WEB é igual à produção do conhecimento, tem uma linguagem não linear,
pós-moderna com profundas rupturas. Os sites “Nexus” (para alunos de graduação), “Tôligado”
(para o ensino fundamental e médio) e “Criando Comunidades Virtuais de Aprendizagem e de
Prática” (alunos de pós – graduação, EaD e produção do conhecimento) estão trabalhando com a
construção coletiva do conhecimento.
A tendência está como os ingleses dizem “openness” (“open acess”), software aberto a era
da desmistificação, da inclusão, da democracia, nunca se teve tanta oportunidade de ter tantos
autores com as facilidades da Internet. Uma mídia moderna, mídia de massa. A indústria cultural
está sendo afetada, a fonografia, conceito de autor, normas técnicas, o coletivo sem a instituição,
embates pré e pós Internet na Era da Comunicação - Informação e Educação.
Ou seja, teremos as Instituições de Ensino Superior mudando o seu paradigma, o que já está
ocorrendo, profissões sumindo, profissões aparecendo.
Há quinze anos faz palestras sobre essas mudanças, polemizando o assunto porque quando
se fala em convergência de mídia, as pessoas perdem o chão.
Os fatos são as nossas percepções. O ato de olhar é diferente do enxergar. Será que quem
está só olhando está preparado para a mudança cultural? Enxergar / ver é pressentir o formato da
onda antes dela acontecer.
Existe uma convergência de sabores, e talvez por isso uma resistência grande em relação à
semântica “Educomunicador” – certos domínios voltariam para a ECA como antes? Através da
trajetória das fontes, é natural amalgamar o cientificismo do Século XIX, com um entendimento
racional. A idéia de grandes feudos, centros de poder impossibilita que as pessoas quebrem seus
paradigmas.
- O Mundo é em 3D, mas as pessoas lidam como se fosse em dois eixos. A informação
permeia o mundo.
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9. Houve uma fragmentação dos saberes, é necessário resgatar o conhecimento como o todo e
não em partes. A Informação fica mais generalista, sendo que o que será divulgado é a mesma
coisa, mas existem interseções.
Não se pode perder a perspectiva, o interesse, a curiosidade. O professor deve ser o
administrador da curiosidade e o aluno o arquiteto das informações. Curiosidade e sedução devem
andar juntos.
A Professora Brasilina veio do mundo “real”, então aprendeu a solucionar os problemas de
forma mais concreta e menos romântica. Trabalha muito como os pensamentos dos designers,
com conteúdos abertos, com novos papéis, com a relação do conhecimento e novas percepções,
com as teias da complexidade.
É sincera e aberta ao novo, valendo-se de seu feeling, primeiro faz e depois vai ver o que fez,
mal termina um projeto e já está pensando no próximo, é muito intuitiva, traço comum encontrado
em grandes personagens da história da humanidade.
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