1. Raça e acesso às ações prioritárias na
agenda da saúde reprodutiva
Ignez Helena Oliva Perpétuo1
Junho 2000
1
UFMG/Departamento de Demografia/CEDEPLAR;
Bolsista do CNPq (Pós-doutoramento na Maternal and Child Epidemiology Unit/London School of
Hygiene and Tropical Medicine, London, UK)
2. Raça e acesso às ações prioritárias na
agenda da saúde reprodutiva
Introdução
Durante um longo período a questão racial no Brasil foi dominada pelo mito da
democracia racial, segundo o qual o preconceito e discriminação contra o negro seriam
um problema de estratificação social, ou seja, seriam decorrentes da posição sócioeconômica inferior da população negra, herança do nosso passado escravista. Uma
perspectiva de análise mais recente, e menos otimista, assume que a inserção social de
um indivíduo na sociedade é diretamente relacionada à sua cor, e que a persistência
histórica da raça como princípio classificatório não deve ser encarada como herança do
passado mas como um mecanismo social de reprodução da desigualdade racial, servindo
aos interesses do grupo racialmente hegemônico2. Ou, em palavras mais simples, a
posição sócio-econômica inferior da população negra seria decorrente de sua menor
oportunidade de ascensão social e econômica em função do preconceito e discriminação
raciais existentes na sociedade brasileira.
Uma série de estudos tributários dessa segunda abordagem têm documentado a
segregação da população negra em dimensões variadas, tais como a distribuição
espacial, o acesso à educação, a inserção no mercado de trabalho3. Análises da dinâmica
demográfica, por outro lado, indicam a existência de grandes diferenciais de
mortalidade e de fecundidade entre brancos e negros (Berquó, Bercovich, Garcia 1986;
Garcia 1987; Berquó 1988; Pinto da Cunha 1990). Trabalhos que abordam temas
relativos à saúde reprodutiva são mais raros. Alguns deles sugerem que as mulheres
negras estão mais expostas à infertilidade e à mortalidade materna, como resultado de
2
Para uma revisão da questão racial no Brasil ver, por exemplo, Haselberg (1991), Ianni (1991),
Skimore (1991) ou a revisão apresentada por Porcaro 1988:172-4.
3
Ver, por exemplo, Hasenbalg, Vale Silva (1988), Hasenbalg (1990), Rosemberg (1990), Telles
(1990), Batista, Galvão (1992), Castro, Guimarães (1993), entre inúmeros outros.
2
3. sua predisposição biológica para algumas doenças - como a hipertensão arterial e a
miomatose - vis a vis `a sua maior dificuldade de acesso a serviços de saúde, fruto da
discriminação racial que determinaria sua maior concentração em áreas de periferia,
onde a infraestrutura de serviços é ausente ou deficiente (Rolnik, 1989; Oliveira, 1993;
Souza 1994; Oliveira 2000). Outros autores vão mais além, denunciando que a
discriminação contra o negro no Brasil se traduziria em intervenções específicas, como
a cirurgia de laqueadura tubária, que estaria sendo praticada por motivações eugênicas
(Geledés, 1991). Entretanto, pesquisa em São Paulo que realizada especificamente para
investigar esse tema não detectou diferenciais de prevalência do uso do método entre
mulheres negras e não-negras (Berquó 1992).
A literatura internacional, por outro lado, principalmente nos EUA, tem
mostrado que a raça continua a impedir acesso a serviços de saúde, com os brancos os
usando mais, e por mais tempo, mesmo quando todas as variáveis sócio-econômicas
pertinentes são mantidas constantes (Falcone and Broyles 1994, Becker et al 1993,
Wenneker and Epstein 1989).
No Brasil a ausência da variável cor em muitas dos sistemas existentes de
informação demográfica e de saúde tem dificultado a investigação do tema da
desigualdade racial. Neste sentido, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde
(PNDS), de 1996, é uma fonte valiosa não apenas porque dispor desta variável mas
também por conter informações sobre algumas dimensões essenciais da saúde e direitos
reprodutivos: o contexto sócio-econômico, a experiência sexual e reprodutiva, a
assistência à anticoncepção, a assistência pré-natal, o atendimento obstétrico e o
atendimento ginecológico voltado para a prevenção do câncer cervical e de mama.
O presente trabalho lança mão dessas informações para, em primeiro lugar,
documentar diferenciais entre mulheres brancas e negras em relação à sua inserção
sócio-econômica, seu risco reprodutivo e seu acesso a serviços de saúde e, em segundo
lugar, para investigar se o diferencial no acesso a serviços de saúde estariam associadas
à cor ou se seriam um reflexo do maior nível de pobreza das mulheres negras.
O universo de análise é composto pelas 7541 mulheres entrevistadas pela PNDS
que na data da pesquisa tinham de 15 a 49 anos, se encontravam em uma união estável
(formal ou consensual) e se auto-declararam brancas (44%) ou negras (parda, mulata,
3
4. morena, cabocla e pretas). O atendimento pré-natal e ao parto é investigado com base
nas 3025 mulheres que tiveram filho(s) nos 5 anos antes da pesquisa, o que representa
42,7% das mulheres negras e 36,8% das brancas.
Desigualdades entre mulheres brancas e negras
Os dados sobre a distribuição das entrevistadas segundo região e situação de
residência, nível educacional e classe social4 confirmam que um enorme abismo sócioeconômico separa as mulheres brancas e negras. Através do Gráfico 1 podemos
verificar que a proporção das mulheres negras que residem nas regiões menos
desenvolvidas e que se encontram nos estratos educacionais e sócio-econômicas
inferiores é dobro que a das mulheres brancas. A diferença na sua distribuição por
situação de residência é menor, mas ainda assim significativa, principalmente
considerando que a população negra se concentra na periferia das cidades onde são o
acesso a bens e serviços urbanos é muito mais precário.
G rá fic o 1
B ras il, 1 99 6: D is trib u iç ão d e m u lh e res b ran c as e n e g ras , se g u n d o ca rac te ríistic as só c io ec o n ô m ica s s elecio na d as
R esidentes no N orte, N ordeste e C entro-oeste
N eg ras
R esidentes na área rural
N eg ras
S em instruç ão ou p rim ário incom p leto
N eg ras
C lasse D e E
N eg ras
0 .0
2 0 .0
4 0 .0
6 0 .0
8 0 .0
P ro p o rçã o (% )
F o n te : M icro d a d o s d a P N D S /9 6
4
É um indicador de renda ou de poder aquisitivo, calculado de acordo com metodologia
desenvolvida pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado, a partir de dados sobre a
posse de bens de consumo duraveis (e seu numero) e a educação do marido (detalhes desta metodologia
pode ser encontrada na publicação Mercado Global, Jan/Feb 1984).
.
4
5. As informações apresentadas na Tabela 1, por outro lado, mostram que a
população negra é muito maior risco reprodutivo pois é substancialmente mais alto o
percentual de mulheres iniciam a vida sexual e tem o primeiro filho ainda adolescentes,
bem como a proporção de mulheres com 3 ou mais filhos.
Tabela 1
Brasil, 1996: Distribuição das Mulheres Brancas e Negras, segundo Algumas
Características de sua Experiência Sexual e Reprodutiva
Branca
Negra
p-value
Idade na primeira relacao sexual
< 15 anos
7.2
13.7
15-17 anos
28.3
33.8
18 e mais
64.5
52.6
<.0001
Idade em que teve o primeiro filho
ate os 16 anos
17-19 anos
20 e + anos
25 e + anos
Numero de filhos tidos
0-2 filhos
3 e mais filhos
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos
7.8
25.7
42.7
23.9
13.2
31.7
38.6
16.5
<.0001
61.9
38.1
48.9
51.1
<.0001
A Tabela 2 ajuda a entender porque é maior a fecundidade das negras ao mostrar
que apenas 20% delas sabe localizar o período fértil da mulher (em contraste com 37%
das brancas), que o percentual que nunca usou nenhum anticoncepcional ou começou a
controlar a fecundidade através da esterilização é o dobro do percentual que se verifica
no grupo das brancas; sendo também o dobro a proporção das que começaram a usar
métodos depois de terem tido 2 ou mais filhos.
O acesso mais precário das mulheres negras aos anticoncepcionais também se
revela através da maior parcela que não usava nenhum método na data da pesquisa e na
menor amplitude do mix anticoncepcional, no qual a pílula e esterilização respondem
por 83% da regulação da fecundidade, em contraposição com os 76% no grupo das
mulheres brancas. Além disso, uma menor parcela de negras usuárias da pílula passou
por uma consulta médica antes de começar a tomá-la, sendo maiores as proporções de
mulheres negras que se encontravam grávidas por falha do método usado e que tinham
‘necessidade insatisfeita por contracepção’, ou seja,
não usavam nenhum método
apesar de serem fecundas e não desejarem ficar grávidas.
5
6. Tabela 2
Brasil, 1996: Distribuição das Mulheres Brancas e Negras, segundo características
de sua experiência anticoncepcional
Branca
Negra
p-value
Período fértil da mulher
Meio do ciclo
36.7
20.8
Outras respostas
63.3
79.2
<.0001
Primeiro método usado
Nunca usou
Esterilização feminina
Outro moderno
Tradicional
4.1
4.0
79.0
12.9
8.3
8.0
73.8
9.9
< .0001
Número de filhos no 1º uso anticoncepcional
0-1 filho
2 + filhos
Nunca usou
83.0
12.9
4.1
67.4
24.4
8.3
< .0001
Método usado na data da pesquisa
Não usa
Esterilização feminina
Pílula
Outro método moderno
Método tradicional
19.6
37.7
23.1
12.0
7.7
26.1
42.1
19.0
7.3
5.5
< .0001
Consultou médico quando começou a usar a pílula
Consultou
Não consultou
26.0
74.0
31.4
68.6
<.018
93.0
7.0
88.4
11.6
< .0001
Necessidade anticonpecional insatisfeita
Usa método ou não precisa usar
Grávida por falha ou ‘unmet need’
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos
Em conseqüência deste precário conhecimento da fisiologia reprodutiva e acesso
à contracepção, é alto o índice de falha na implementação da preferência reprodutiva.
Ela se traduz, por exemplo, num elevado nível de fecundidade não-desejada que, no
total, representa 27% da fecundidade na população branca e 40% na negra. Como pode
ser visto no Gráfico 2, os diferenciais de insucesso na regulação da fecundidade são
particularmente importantes nas idades extremas do período reprodutivo. As jovens
mulheres negras que, como visto, iniciam sua vida sexual mais cedo, têm um maior
desconhecimento
da
fisiologia
reprodutiva
e
menor
acesso
a
assistencia
anticoncepcional, apresentam taxa especifica de fecundidade substancialmente maior
que as jovens brancas (0,320 vs 0,259) e uma relação muito mais desfavorável em
termos do componente não-desejado da fecundidade ( 39% vs 17%). Nas idades mais
6
7. velhas, a proporção de fecundidade não desejada das mulheres negras atinge quase
77%, em contraste com 50% das brancas.
Gráfico 2
Brasil, 1995/96:
TFM desejada e não desejada: populacao branca e negra
Negras
Brancas
0.400
0.400
0.300
0.300
0.200
0.200
0.100
0.100
9
/4
9
Fec. Desejada
45
/3
35
/2
25
15
/1
9
45/49
35/39
25/29
15/19
9
0.000
0.000
NÃO Des.
Brasil, 1995/96: Proporção de Fecundide não desejada das mulheres
casadas brancas e negras por idade
Proporção (%)
100.0
Brancas
Negras
80.0
60.0
40.0
20.0
0.0
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40 e mais
Idade
Fonte: Micro dados da PNDS/96
Não bastassem estas diferenças, as mulheres negras têm também um menor
acesso à assistência obstétrica, seja durante o pré-natal - que sabidamente é a melhor
7
8. instrumento de combate à mortalidade materna, que no Brasil é maior entre elas 5 – seja
durante o parto e o período puerperal . Como mostra a Tabela 3, o percentual de
gestantes negras que recebeu o que Ministério da Saúde considerada como o ‘pacote
mínimo de qualidade para assistência pré-natal’ - seis consultas ao longo da gestação,
mais uma consulta no puerpério – foi de 61% e 31%, em contraste 77% e 46% das
brancas. Quanto ao parto, 7% dos bebês de mães negras nasceram em casa, mais do
triplo do que acontece no caso das mulheres brancas.
Tabela 3
Brasil, 1996: Distribuicao das Mulheres Brancas e Negras, segundo características do atendimento
pré-natal, local de realização do parto atendimento pós-parto, em relação ao último filho tido nos
5 anos anteriores à pesquisa
Branca
Negra
p-value
Mes primeira consulta pré-natal
Ate 4º mês de gravidez
5 e mais mêses de gravidez
Não fez
88.2
5.9
6.0
78.2
8.9
12.8
< .0001
Numero de consultas pré-natal
Menos de 3 consultas
3 a 5 consultas
6 e mais consultas
8.1
15.3
76.6
16.7
22.0
61.3
< .0001
Consulta com médico no pré-natal
Não
Sim
8.0
92.0
17.5
82.5
< .0001
Onde teve o parto
Domicílio
Serviço Publico
Serviço Privado
1.9
76.2
21.9
7.1
80.0
12.8
< .0001
54.1
45.9
69.1
30.9
< .0001
Fez exame ginecológico pós-parto
Não
Sim
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos
Finalmente, também é menor o acesso das negras ao exame ginecológico, um
instrumento importante no controle das doenças de transmissão sexual e de prevenção
do câncer ginecológico. Isto pode ser visto na Tabela 4, que apresenta a distribuição
5
Conforme dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade-DataSUS, as síndromes
hipertensivas, que atingem mais as mulheres negras, são responsáveis por um terço das mortes maternas.
As outras causas obstétricas diretas - síndromes hemorrágicas, complicações do aborto e infecções
puerperais - são causas intimamente vinculadas à qualidade da assistência obstétrica e respondem por
89% das mortes maternas no país. O restante 11% das mortes maternas são devidas a causas obstétricas
indiretas, ou seja, complicações de doenças não específicas da gravidez, parto e puerpério, que também
podem ser prevenidas por um pré-natal de qualidade.
8
9. percentual de mulheres brancas e negras que alguma vez na vida fizeram passaram por
uma destas consultas e daquelas que tiveram uma consulta nos últimos 12 meses câncer
do colo uterino, pelo tipo de exame realizado.
Em suma, todos estas informações atestam, de maneira muito contundente, a
enorme desigualdade social, econômica, de risco reprodutivo e de acesso aos serviços
de saúde, existente entre a população branca e negra. Mostram também que é longo o
percurso a ser percorrido para que as mulheres brasileiras – brancas e negras - tenham
acesso pleno à saúde e direito reprodutivos.
Tabela 4
Brasil, 1996: Distribuicao das Mulheres Brancas e Negras, segundo atendimento ginecológico
Branca
Negra
p-value
Fez exame ginecologico alguma vez (15-34 anos)
Nunca fez
22.3
35.0
Sim
77.7
65.0
< .0001
Fez exame ginecológico no ultimo ano (15-34 anos)
Não ao fez exame no ultimo ano
Exame ginecológico apenas
Exame ginecológico incluiu esfreg. vaginal
46.5
7.6
45.9
59.6
7.5
32.9
< .0001
Fez exame ginecológico alguma vez (35 e + anos)
Nunca fez
Sim
13.0
87.0
23.7
76.3
< .0001
45.0
3.2
3.2
11.6
37.1
56.0
3.5
2.4
13.5
24.7
< .0001
Ex. Ginecológico no grupo com 35 anos e mais
Não fez exame no ultimo ano
Exame ginecológico apenas
Exame ginecológico incluiu mamografia
Exame ginecológico incluiu esfreg. vaginal
Exame ginecológico incluiu ambos
Fonte: Micro-dados da PNDS
Nota: Mulheres unidas, de 15-49 anos
O que estas informações não permitem dizer é se o menor acesso das negras à
atenção à saúde estaria associado de forma independente à cor de sua pele ou seria um
reflexo de sua pobreza, isto é, estaria associado ao fato de morarem em áreas onde a
cobertura dos serviços de saúde é mais baixa e de terem menores nível educacional e
poder aquisitivo, o que implica em maior dificuldade de acesso a estes serviços. Assim,
para avançar no conhecimento deste tema, se procedeu a uma análise multivariada, na
qual se incluem as características sócio-econômicas, a idade e número de filhos tidos,
como variáveis de controle de modo a testar o papel independente da variável cor sobre a
probabilidade de acesso aos serviços de saúde.
9
10. Raça ou pobreza?
A análise multivariada foi realizada através do ajuste de um modelo de regressão
logística, no qual o acesso à atenção à saúde, ou seja, a variável dependente, foi
representada por uma variável dicotômica que define se a mulher teve uma consulta
ginecológica completa nos 12 meses anteriores a pesquisa. Foram consideradas como
tendo consulta completa, as mulheres de 15 a 39 anos que passaram por um exame
ginecológico que incluiu um exame de esfregaço vaginal.
No caso de mulheres com 40 anos e mais, foram consideradas como completas,
as consultadas que incluíram, adicionalmente, uma mamografia.
A Tabela 5 apresenta as razões de chance de ter feito uma consulta ginecológica
completa nos últimos 12 meses, para mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo a cor, a
idade, número de filhos tidos e características sócio-econômicas selecionadas.
Através da coluna intitulada ‘análise univariada’ pode-se verificar o efeito bruto de
cada uma das variáveis, que reflete não apenas a sua própria influência mas também o
efeito de características associadas a elas. A razão de chance de 0.60 para as mulheres
negras indica que elas têm uma 60% da chance das brancas de ter passado por uma
consulta ginecológica completa.
O primeiro modelo multivariado (Ajuste 1), por outro lado, indica que continua a
existir disparidade entre brancas e negras mesmo quando são controladas todas as outras
influências consideradas, com exceção da classe sócio-econômica. Ou seja, as mulheres
negras mesmo apresentando iguais características em relação à idade, o número de filhos, a
região e situação de residência e o nível educacional, teriam apenas 81% da chance de uma
branca de ter tido uma consulta completa. No entanto, a influência da variável cor
desaparece quando se introduz a variável classe sócio-econômica no modelo (Ajuste 2),
que como já discutido, é um indicador de poder aquisitivo.
10
11. Tabela 5
Brasil, 1996: Razões de chance de ter feito uma consulta ginecológica completa nos últimos 12 meses, para mulheres unidas de 15 a 49 anos, segundo a cor, a idade, número de
filhos tidos e características sócio-econômicas selecionadas
Análise univariada
Análise multivariada*
Variável
Ajuste 1
Ajuste 2
Razão de Chance
95% CI
Razão de Chance
95% CI
Razão de Chance
95% CI
Cor
Branca
1.00
1.00
1.00
Negra
0.60
(0.54-0.66)
0.81
(0.73-0.91)
0.95
(0.85-1.07)
Idade
15-24 anos
25-39 anos
40 e mais
1.00
1.42
1.04
(1.24-1.62)
(0.89-1.22)
1.00
1.34
1.18
(1.16-1.57)
(0.98-1.41)
1.00
1.23
0.96
(1.05-1.43)
(0.79-1.16)
0-2
3 e mais
1.00
0.54
(0.49-0.60)
1.00
0.79
(0.70-0.89)
1.00
0.84
(0.74-0.94)
Região de Residência Rio/São Paulo/Sul/Centro-leste
Norte/Nordeste/Centro-oeste
1.00
0.61
(0.56-0.67)
1.00
0.81
(0.72-0.90)
1.00
0.89
(0.80-1.00)
Situação
Residência
1.00
Filhos Tidos
de Capital/cidade
1.00
1.00
Vila/rural
Escolaridade
Classe social
0.37
(0.33-0.41)
0.52
(0.47-0.58)
0.57
(0.51-0.64)
Ginásio completo/superior
Ginásio incompleto/primário completo
sem instrução/primário incompleto
1.00
0.39
0.16
(0.34-0.43)
(0.14-0.18)
1.00
0.45
0.23
(0.40-0.51)
(0.20-0.27)
1.00
0.63
0.36
(0.55-0.71)
(0.30-0.43)
AeB
C
DeE
1.00
0.37
0.14
(0.31-0.43)
(0.12-0.16)
-
-
1.00
0.43
0.29
(0.40-0.56)
(0.24-0.35)
11.0
χ2
Fonte: Micro-dados da PNDS
* Ajuste 1 = modelo que incluiu todas as variáveis, exceto classe social, que foi incluída no Ajuste 2
10.7
12.5
11
12. Considerações finais
Os dados disponíveis da PNDS fornecem uma das raras oportunidades de
estudar a desigualdade existente entre as brasileiras brancas e negras. Adotando a
perspectiva de que a desigualdade racial é um problema que não se explica apenas pela
questão da estratificação social, este trabalho procurou investigar a
influência das
características étnico-raciais - aqui representadas pela resposta ao quesito sobre a cor da
pele - sobre o acesso a algumas das ações de saúde consideradas prioritárias na agenda
da saúde reprodutiva.
Seus resultados não deixam dúvidas sobre o imenso abismo que separa as
mulheres negras da posição que – embora ainda precária em muitos sentidos - já foi
alcançada pela população branca.
A influência da variável cor sobre a probabilidade de acesso às ações de saúde
consideradas desaparece apenas quando controlada pela classe social que, como visto, é
um indicador do poder aquisitivo. Isto aparentemente sugere que o principal problema
não é ser negra mas ser pobre. Entretanto, este achado não permite afastar a existência
de discriminação racial no acesso à ações de saúde reprodutiva. Em primeiro lugar,
porque se pode argumentar que o poder aquisitivo,talvez mais que outras características
sócio-econômicas, como a residência e a escolaridade, estaria estaria captando esta
mesma discriminação. Em segundo lugar, porque estes dados (quantitativos) permitem
avaliar apenas o acesso a ações de saúde, existindo uma dimensão muito mais
importante quando se deseja discutir a questão da discriminação racial, qual seja, a
qualidade do atendimento à saúde disponível para brancas e negras.
Agradecimentos
Agradeço a minha cara colega Prof. Laura Rodríguez Wong pela cessão dos programas
para o cálculo da fecundidade desejada, o que em muito agilizou o meu trabalho.
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12
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