1) A Associação Portuguesa de Linguística recomenda ao Ministério da Educação e Ciência que não homologue o novo documento "Programa e Metas Curriculares de Português. Ensino Secundário".
2) O documento carece de uma avaliação rigorosa do programa anterior e não se baseia suficientemente em evidências científicas.
3) A associação oferece sua colaboração para melhorar o documento através da avaliação do programa atual, formação de professores e debate sobre os objetivos do
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
Parecer oficial da apl sobre os novos programas de português
1. Associação Portuguesa de Linguística
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
A/C Prof. João Veloso
Via Panorâmica, s/n
PT 4150-564 PORTO, Portugal
Fax ++351 22 609 16 10
Telef. ++351 22 607 72 00
E-mail: aplsecretariado2012@gmail.com
PARECER SOBRE O PROGRAMA E METAS CURRICULARES DE
PORTUGUÊS,
ENSINO SECUNDÁRIO
A APL – Associação Portuguesa de Linguística auscultou os seus associados sobre o
documento “Programa e Metas Curriculares de Português. Ensino Secundário”,
submetido a discussão pública até 2 de dezembro de 2013.
Dos pareceres recebidos e das conclusões de uma reunião realizada em 30.11.2013 para o
discutir, resulta a seguinte recomendação ao Ministério da Educação e Ciência: o
documento não deve ser homologado.
Esta recomendação fundamenta-se nos seguintes aspetos:
1. Justificação do documento:
O documento vem substituir o Programa de Português em vigor, mas não decorre de
um trabalho rigoroso de avaliação da sua aplicação que tivesse contemplado, entre
outros, os resultados de aprendizagens, práticas docentes, conceções e representações
ou o confronto com outros documentos orientadores nos países cujos sistemas de
ensino secundário comunicam com o português, em particular os da União Europeia.
A APL considera que, mais do que na produção de novos documentos reguladores, o
foco da atuação política deve centrar-se na satisfação de necessidades significativas
de formação e atualização científica dos docentes.
2. Filosofia e organização do documento:
O documento estrutura-se em duas partes: Programa e Metas. A articulação entre elas
não é clara e radica em conceitos curriculares dificilmente conciliáveis. Assim, é
muito difícil articular uma orientação centralizadora do programa com a gestão
necessariamente flexível associada ao conceito de „metas‟.
Existe, ainda, um evidente desequilíbrio na distribuição dos domínios contemplados,
com uma menorização muito preocupante dos domínios da escrita, da oralidade e da
gramática, pelo que a gestão proposta no Programa comprometerá seriamente a
consecução das Metas estabelecidas.
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3. Fundamentação científica do documento:
O conceito de complexidade textual evocado a partir da bibliografia (ACT 2006:
Reading Between the Lines: What the ACT Reveals About College Readiness in
Reading) não é completamente coerente com as escolhas feitas em matéria de
progressão. Deste modo, o Programa coloca os alunos mais novos perante textos
“mais complexos”, tendo em conta o desconhecimento de muito do léxico e da
gramática que os estruturam e, adicionalmente, de muitos dos valores e contextos
culturais e históricos que esses textos convocam, necessariamente mais distantes da
sua realidade.
Para além disso, este conceito de métrica não é satisfatório ou pode mesmo ser
considerado incoerente com o conceito de género igualmente invocado na bibliografia
(Adam e Heidemann 2007), que faz apelo à noção de complexidade decorrente da
interação das várias dimensões do texto (situacionais, histórico-culturais, gramaticais,
retóricas).
4. Erros científicos no documento:
Algumas das opções tomadas são cientificamente erradas. Se seria impensável que
um Programa de Matemática ou de Física contemplasse atividades justificadas apenas
pela tradição, ignorando os resultados da investigação científica das últimas décadas,
não há razão para aceitar que tal seja legítimo num documento orientador do ensino
de Português.
Referimos, de seguida, apenas alguns exemplos:
- a inclusão da flexão verbal no item “Semântica” (p. 31);
- a consideração de atividades como “divisão e classificação de orações” como um
conteúdo ao mesmo nível da distinção entre coordenação e subordinação (p. 17);
- a consideração de anáfora e catáfora fora do domínio de coesão textual (p. 31);
- a confusão entre variedades dialetais do português e crioulos de base lexical
portuguesa, implícita na formulação da Meta 17.6 (10º Ano) (p. 51).
Aos erros científicos acrescentam-se, a título exemplificativo, as seguintes lacunas:
- a incompatibilidade entre a importância dada nos documentos à compreensão
inferencial e a ausência da dimensão metacognitiva em todos os domínios
contemplados;
- a limitação dos conteúdos de natureza fonológica (em particular, dos processos
fonológicos) ao âmbito da evolução diacrónica;
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- a consideração exclusiva de verbos auxiliares de valor temporal, ignorando, p. ex.,
os semiauxiliares aspetuais e modais e o próprio valor aspetual do auxiliar dos tempos
compostos.
Perante as observações críticas apresentadas, a Associação Portuguesa de Linguística
a) considera que, nos domínios contemplados neste parecer, a proposta em análise
não tem credibilidade científica, pelo que reitera a recomendação de não
homologação destes documentos;
b) disponibiliza-se para colaborar com o Ministério da Educação e Ciência nas
seguintes dimensões fundamentais para que esta proposta possa ser corrigida e
melhorada:
-
avaliação do Programa de Português em vigor – práticas e resultados;
colaboração na formação dos professores de Português;
debate alargado sobre as finalidades do ensino da língua materna na sociedade
contemporânea;
participação em equipas de trabalho multidisciplinares com credibilidade
científica para a revisão dos documentos orientadores.
Lisboa, 30 de novembro de 2013
A DIREÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA