O documento discute a coisa julgada material sob três perspectivas doutrinárias e analisa seus limites objetivos e subjetivos, especialmente em casos de legitimação extraordinária e ações coletivas. A coisa julgada é concebida como qualidade da sentença por alguns, enquanto outros a veem como situação jurídica ou elemento declaratório. Seu alcance depende do tipo de sentença e dos efeitos pretendidos no processo.
Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
1. EMATRA 24ª Região A COISA JULGADA NA LEGITIMAÇÃO
Processo Civil EXTRAORDINÁRIA E NO CONCURSO DE AÇÕES
Professor: Des. Amaury Rodrigues Pinto
Junior
Aqui pode ser colocado um Subtítulo, caso seja a
vontade do autor
Teamajormar Glauco Bezerra de RESUMO
Almeida
Anhanguera Educacional
O tema proposto – coisa julgada – é abordado sob o aspecto de seus limites
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objetivos e subjetivos, de forma a compreender o alcance de sua eficácia.
Destarte, a análise da legitimação extraordinária e as conseqüências jurídicas
da coisa julgada em ações coletivas, são analisadas sob diferentes pontos de
vistas doutrinários, limitando-se o autor deste trabalho, a apontar tais
divergências e pontos pacificados de entendimento.
Palavras-Chave: Coisa Julgada; Legitimação Extraordinária; Substituição
Processual; Ações Coletivas.
ABSTRACT
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Diretoria de Ensino e Cultura:
MM Juiz Boris Luiz Cardozo da Silva.
<tipo manuscrito>
Recebido em: 30/09/2011
1
2. 2 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
1. INTRODUÇÃO
A finalidade do processo é a solução da lide. O que se busca é a manifestação
jurisdicional – que se materializará na forma de prolação de sentença ou acórdão. O processo,
do ponto de vista formal, é a seqüência ordinatória de atos e procedimentos, praticados pelas
partes (autor, réu, terceiros intervenientes) e dirigidos pelo juiz.
E a lei processual estabelece prazos, para quais determinados atos ou diligências devem
ser realizados, sob pena de preclusão. É o que o Código de Processo Civil (CPC) expressamente
prevê em seu artigo 183, que conceitua1 tal fenômeno processual.
O que o legislador pretendeu com a preclusão é assegurar a máxima efetividade do
processo. Não pode qualquer das partes alegar que deixou de praticar determinado ato, se o
deixou de fazer dentro do prazo; nem tampouco, o processo deve esperar que aquela parte se
manifeste. O juiz, como presidente do feito, deve impulsionar o processo, para se concluir o
processo e prolatar a sentença.
E é na sentença que a jurisdição se materializa. Antigamente, sentença era definida
como “ato do juiz que põe fim ao processo2”. Porém, com a evolução do processo civil, doutrina e
jurisprudência já debatiam a necessidade proeminente do legislador modernizar o conceito, o
que foi feito com a edição da Lei nº 11.232/2005, que passou a conceituar Sentença da seguinte
forma: “é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.
A esse respeito NERY e NERY (2007, p. 427)3, leciona a dimensão que a mudança do
conceito trouxe ao processo civil:
[3] Conteúdo e finalidade do ato. Antes da L 11232, de 22.12.2005 (DOU 23.12.2005), que
alterou numerosos artigos do CPC, a pedra de toque estabelecida pelo CPC para classificar os
pronunciamentos do juiz de primeiro grau era somente a finalidade do ato, seu objetivo, seu
sentido teleológico, sua conseqüência. Se a finalidade do ato fosse extinguir o processo, seria
sentença; se seu objeto fosse decidir, no curso do processo, sem extingui-lo, questão incidente,
seria decisão interlocutória; se sua finalidade fosse a de apenas dar andamento, sem nada
decidir, seria despacho. O critério, fixado ex lege, tinha apenas a finalidade como parâmetro
classificatório. Toda e qualquer outra tentativa de classificação do pronunciamento do juiz que
não se utilizasse do elemento teleológico deveria ser interpretado como sendo de lege ferenda.
[4] Conteúdo e finalidade do ato. Critério misto. Com o advento da L 11232/05, que alterou o
conceito de sentença estabelecido no CPC 162 §1º, houve modificação do rótulo, mas não de
essência, pois referida lei manteve inalterado o conceito de decisão interlocutória, que continua
1
Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à
parte provar que o não realizou por justa causa.
§1º Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§2º Verificada a justa causa o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.
2
Assim era a redação original do Art. 162, §1º do CPC, antes das alterações trazidas pela Lei 11.232 de 2005:
Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.
§ 1º Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.
3
NERY Jr, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante, 10. ed. rev. ampl.
atual. até 1/10/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
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3. Teamajormar Glauco B Almeida 3
a ser o descrito no CPC 162 §2º, em sua redação originária, de 1973: ato pelo qual o juiz, no
curso do processo (portanto, o processo continua), resolve questão incidente, sendo para tanto
irrelevante o seu conteúdo. Não foi apenas o conteúdo do ato (CPC 162 §1º) que o CPC levou em
conta para definir os pronunciamentos do juiz, mas igualmente considerou a finalidade (CPC
162 §§ 2º e 3º) do ato como critério classificatório. Da mesma forma, o sistema mantém vivo o
instituto da extinção do processo, expressão que foi repetida pela L 11232/05, quando alterou a
redação do CPC 267 caput e quando previu a recorribilidade por apelação da extinção da
execução (CPC 475-M §3º). Essas são as razões pelas quais não se pode definir sentença apenas
pelo que estabelece o CPC 162 §1º, literal e isoladamente, mas sim levando-se em conta o
sistema do CPC, isto é, considerando-se também o CPC 162 §§ 2º e 3º, 267 caput, 269 caput, 475-
H, 475-M §3º, 504 (alterado pela L 11276/06), 513 e 522. O pronunciamento do juiz só será
sentença se: a) contiver uma das matérias previstas no CPC 267 ou CPC 269 (CPC 162 §1º) e,
cumulativamente, b) extinguir o processo (CPC 162 §2º a contrario sensu), porque se o
pronunciamento for proferido no curso do processo, isto é, sem que lhe coloque termo, deverá ser
definido como decisão interlocutória, impugnável por agravo (CPC 522), sob pena de instaurar-se
o caos em matéria de recorribilidade desse mesmo pronunciamento. [grifos nossos]
Apesar das pesadas críticas de NERY e NERY, apontando uma possível falha
legislativa, não se pode olvidar que a remissão expressa à extinção do processo sem resolução de
mérito (art. 267) ou com resolução de mérito (art. 269) confere à sentença uma espécie de poder-ser,
que se chama de coisa julgada. A esse respeito, NEVES (2011, p. 530)4 discorre:
Esse impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual dentro do processo
em que foi proferida é chamado tradicionalmente de coisa julgada formal, ou ainda de
preclusão máxima, considerando-se tratar de fenômeno processual endoprocessual. Como se
pode notar, qualquer que seja a espécie de processo – conhecimento (jurisdição contenciosa e
voluntária), execução, cautelar – haverá num determinado momento o trânsito em julgado e,
como conseqüência, a coisa julgada formal.
Se todas as sentenças produzem coisa julgada formal, o mesmo não pode ser afirmado a
respeito da coisa julgada material. No momento do trânsito em julgado e da conseqüente
geração da coisa julgada formal, determinadas sentenças também produzirão nesse momento
procedimental a coisa julgada material, com projeção para fora do processo, tornando a
decisão imutável e indiscutível alem dos limites do processo em que foi proferida. Pela coisa
julgada material, a decisão não mais poderá ser alterada ou desconsiderada em outros
processos.
Portanto, é a partir do estudo do fenômeno da coisa julgada material, que pretende-se
neste estudo, tentar delimitar o alcance da eficácia da coisa julgada em situações excepcionais:
quando ocorrerem o concurso de ações bem como, nos casos de legitimação extraordinária.
2. COISA JULGADA: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Há certa dissensão entre doutrina e jurisprudência na questão da coisa julgada material.
NEVES (2011), ao explicar o efeito expansivo objetivo externo do recurso, traz à baila a questão da
coisa julgada fragmentada: havendo pluralidade de pedidos na inicial, na parte dispositiva da
sentença, deverá ter correspondentes decisórios acerca de cada um deles. A polêmica reside na
possibilidade de “havendo na sentença vários capítulos, a parte sucumbente poderá em seu recurso
optar por impugnar todos eles (recurso total) ou somente alguns (recurso parcial)5”.
4
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
5
Op. cit, p. 530-531.
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4. 4 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
Não obstante tal discussão, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de
que “trânsito em julgado só ocorrer após o julgamento do último recurso interposto, independentemente
do âmbito de devolução desse recurso ou dos anteriores”. Na prática, significa que mesmo havendo
cognição exauriente só ocorre coisa julgada material com o efetivo trânsito em julgado da sentença
ou acórdão.
Porém, apesar desse ser o entendimento majoritário da doutrina – muito, em parte, pela
firme convicção jurisprudencial tomada pelo STJ – algumas outras correntes tentar conceituar a
coisa julgada material. Destarte, analisar sua natureza jurídica é primordial para se compreender
cada uma dessas correntes doutrinárias.
Segundo DANIEL NEVES6, são 03 (três) as correntes doutrinárias: a) a que entende que a
coisa julgada material é qualidade da sentença; b) a que visualiza, apenas, uma situação jurídica; e
c) a que entende haver apenas um elemento declaratório na sentença.
Os adeptos da primeira corrente filiam-se ao pensamento de LIEBMAN: a sentença de
mérito, após o trânsito em julgado, projeta seus efeitos práticos para fora do processo; tais
efeitos são, portanto, imutáveis e indiscutíveis. Logo, para DINAMARCO e THEODORO JR., a coisa
julgada é uma qualidade da sentença, pois, ao decidir o mérito, reveste-se do “manto” da coisa
julgada material.
Contemporizando, aponta NEVES que a sentença pode produzir resultados
jurisdicionais diversos: condenatório, declaratório, constitutivo. Porém, a efetivação da tutela
jurisdicional está diretamente relacionada ao fato jurídico que motivou o pedido. Exemplifica: se
numa sentença constitutiva de divórcio, desfaz-se uma situação jurídica de “casamento”, nada
impede que os divorciados contraiam novas núpcias, retomando ao status quo anteriormente
desconstituído (ou seja: casados, novamente). Em outra situação, exemplifica os efeitos de uma
sentença declaratória: na ação investigatória de paternidade, mesmo após restar provado (e
judicialmente declarado) não ser o réu o pai biológico, nada impede que o réu decida, de forma
voluntária, assumir a paternidade a posteriori, inclusive assentando seu nome nos registros civis
e assumindo as obrigações decorrentes da paternidade. Por fim, na sentença condenatória,
destaca Neves que, o que se busca é constranger o réu em cumprir uma obrigação (de dar, de fazer
ou de não - fazer); portanto, a coisa julgada material consistiria na unicidade da execução,
porquanto ser “inadmissível a existência de sucessivas execuções fundadas numa mesma sentença7”.
E é nesse ponto que a segunda corrente doutrinária, da qual Barbosa Moreira e Nery &
Nery tomam partido: para eles, “a coisa julgada, portanto, não seria uma qualidade da sentença que
6
Op. cit, p. 531-532.
7
NEVES, Op. Cit, p. 530-531
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5. Teamajormar Glauco B Almeida 5
opera sobre seus efeitos, mas uma situação jurídica, que torna uma sentença imutável e indiscutível8”.
Interessante transcrever as lições de NERY JR & NERY9 sobre o tema:
[2] Coisa julgada. Imutabilidade e indiscutibilidade da sentença. Para Liebman a coisa
julgada é a qualidade especial que torna imutável o conteúdo da sentença, bem como os seus
efeitos. José Carlos Barbosa Moreira critica essa opinião, dizendo que “se alguma coisa, em
tudo isso, escapa ao selo da imutabilidade, são justamente os efeitos da sentença” (Ainda e
sempre a coisa julgada, in DPC, n.5, p.139) e reforça a crítica em La definizione di cosa giudicata
sostanziale nel códice di procedura civile brasiliano. A doutrina de Liebman recebeu grande
influência no Brasil, havendo sido adotada pelo Anteprojeto do CPC, elaborado pelo Prof.
Alfredo Buzaid, verbis: “Art. 507. Chama-se coisa julgada material a qualidade, que torna imutável e
indiscutível o efeito a sentença, não mais sujeita a recursos ordinário ou extraordinário”´(grifo nosso).
No Congresso Nacional o dispositivo foi alterado. O CPC 467 não adotou a teoria de Liebman
(“a tese de uma é antítese da outra” [doutrina liebmaniana]: Barbosa Moreira, Est. Tarzia, v.2,
n10, p.989; “o CPC brasileiro ‘repudiou’ a doutrina de Liebman”: Moniz de Aragão,
Exeg.,p.239), nada obstante parte da doutrina brasileira entender que sim. O que é imutável e
indiscutível em virtude da coisa julgada não são os efeitos da sentença, como pretende
Liebman, mas a própria sentença (grifos nossos): “Il vero è che immutabili non sono gli effetti
della sentenza; immutabile è La sentenza stessa” (Allorio, Natura della cosa giudicata, in Problemi,
v.2, p.202).
[3] Sentença de mérito. O objeto da coisa julgada material é a sentença de mérito. Verifica o
julgamento do mérito quando o juiz profere sentença nas hipóteses do CPC 269. (...) Não são de
mérito: a) as sentenças sem julgamento do mérito (CPC 267); b) as sentenças proferidas nos
procedimentos de jurisdição voluntária, porque neles não há lide (mérito) (v. CPC 1111). No
processo de execução puro não há formação de coisa julgada material, mas somente da
preclusão (coisa julgada formal) (Araken, Execução, n. 62, p.298). A sentença que julga a
pretensão cautelar não faz coisa julgada (Theodoro, Proc. Caut., 19, ns 120 e 121, pp. 159/161),
salvo quando pronuncia a decadência ou a prescrição (CPC 810 c/c CPC 269 IV). Contra,
entendendo que a sentença cautelar faz coisa julgada material: Sanches, Poder Cautelar, p. 80;
Calmon de Passos, Coment. RT, 224, p. 237).
Portanto, pelo que acima se depreende: a coisa julgada formal está para a preclusão e o
artigo 267 do CPC; enquanto a coisa julgada material está para a decisão de mérito e o artigo 269.
Somente para as sentenças fundadas no art. 269 é que se operam os efeitos do art. 467 do CPC,
quais sejam: a imutabilidade e a indiscutibilidade posterior ao trânsito em julgado.
Conceituado o que seja “coisa julgada”, parte-se para a análise de sua natureza
jurídica; portanto, entende-se que existem dois efeitos da ius judicata: a função negativa e a
função positiva. Parte da doutrina que defende essa dúplice função, parte do seguinte raciocínio
lógico: ao ser exarada decisão de mérito, não se pode permitir que uma mesma “causa” seja
julgada novamente, em outro processo. Por isso, a função negativa da coisa julgada é impedir a
rediscussão processual de uma lide já decidida.
Pertinentes são os apontamentos de DANIEL NEVES10 sobre tal fenômeno:
A imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja
novamente enfrentada judicialmente em um novo processo. Por mesma causa entende-se a
repetição da mesma demanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em
pólos investidos), mesma causa de pedir (próximo e remota) e mesmo pedido (imediato e
mediato) de um processo anterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado,
tendo sido gerada coisa julgada material. [GRIFOS NOSSOS] O julgamento no mérito desse
segundo processo seria um atentado à economia processual, bem como fonte de perigo à
8
Op. cit, Idem.
9
NERY & NERY, CPC Comentado, 2008, p. 680.
10
ASSUMPÇÃO NEVES, Manual, 2011, p. 533/534.
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6. 6 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisão seja no mesmo
sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito negativo da coisa
julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente de seu teor.
Importante salientar que nessa análise entre diferentes processos deve-se considerar
parte no sentido material, e não no sentido processual, de forma que, havendo substituição
processual em hipótese de legitimação extraordinária concorrente, a propositura de novo
processo com a mesma parte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que com
outra parte processual defendendo o mesmo direito já defendido anteriormente, não afasta o
efeito negativo da coisa julgada.
Interessantes apontamentos para a hipótese de legitimação extraordinária com
substituição processual. Segundo NEVES11, “esse impedimento de novo julgamento exige que a causa
seja exatamente a mesma, sendo pacífico na doutrina e jurisprudência que a função negativa só é
gerada quando aplicável ao caso concreto a teoria da tríplice identidade (tria eadem)”. Mais
adianta, quando tratar-se da legitimação extraordinária, retoma-se este ponto.
Por hora, importante frisar que a doutrina defende que a coisa julgada tem a função
positiva: ou seja, enquanto naquela, o juízo está impedido de julgar uma nova demanda por
haver decisão de mérito, nesta situação, não há impedimento para conhecimento, instrução e
julgamento do novo feito, desde que, respeitado aquilo que já fora decidido anteriormente.
Ainda, conforme NEVES12, a função positiva se opera quando “em demandas diferentes,
na quais, entretanto, existe uma mesma relação jurídica que já foi decidida no primeiro processo e em
razão disso está protegida pela coisa julgada. Em vez da teoria da tríplice identidade, aplica a teoria da
identidade da relação jurídica”. Ou seja: aqui, a coisa julgada anterior é pressuposto para a
nova coisa julgada posterior.
Novamente, para exemplificar os efeitos práticos da função positiva da coisa julgada,
relembra-se daqueles casos de ações declaratórias de paternidade: ao final do processo, sendo
reconhecido o “vínculo biológico-paternal”, será proferida sentença de mérito declaratória
(“fulano é pai”) e constitutiva (“beltrano é filho de fulano”). Num segundo momento, pode o filho
ingressar com ação condenatória em alimentos – existindo identidade de partes (Beltrano, filho;
Fulano, pai) – e mesma causa de pedir (próxima: paternidade declarada; remota: deveres do pai para
com o filho). O que muda, no entanto, são os pedidos: o que se pretende, agora, é que o pai
pague pensão alimentícia ao filho. A sentença que se busca, agora, é condenatória. Logo, não
há “tríplice identidade” (porque os pedidos são distintos), mas há “identidade de relação
jurídica” (o laço de paternidade). É a coisa julgada material anterior (a declaração e
constituição do vínculo paterno-filial) que consubstanciará a decisão material ulterior (a
condenação ao pagamento de alimentos). O juiz, ao julgar a segunda demanda, jamais poderá
negar os efeitos da “relação jurídica” existente entre autor e réu (ou seja, são pai e filho) pois
11
NEVES, Op. cit. p. 534
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14
7. Teamajormar Glauco B Almeida 7
tal relação já foi objeto de declaração de mérito e está protegida pelo “manto” da coisa
julgada.
3. COISA JULGADA: LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS
Analisou-se o conceito de res iudicata e sua dúplice função. Necessário, porém, é
delimitar o espectro de alcance da coisa julgada, tanto em relação ao objeto da ação, quanto
também aos sujeitos da relação. E neste contexto, é que a legitimação extraordinária emerge de
forma vigorosa, trazendo importantes resultados na praxis forensis.
3.1. Limites Objetivos da Coisa Julgada
O Código de Processo Civil, no artigo 468, estabelece que “a sentença, que julgar total ou
parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Nesse dispositivo,
destacam-se claramente, os limites da coisa julgada, que são definidos pelos “limites da lide” e
pelas “questões decididas”.
Sobre tal dispositivo, assim leciona COSTA MACHADO13:
Este art. 468 se propõe a disciplinar os limites objetivos da coisa julgada (as fronteiras
da imutabilidade dos efeitos naturais da sentença), mas, como ocorre com o art. 467, não
consegue fazê-lo bem, porque introduz no sistema processual idéias carneluttianas que não se
adaptam às que inspiram a regulamentação da coisa julgada. Seja como for, é necessário
interpretar a regra para torná-la harmônica.
Muito bem, a cláusula referente a julgamento total ou parcial da lide deve ser
compreendida como ocorrência ou não da apreciação de todos os pedidos (para Carnelutti a
dicotomia se prende à circunstância de a ação compreender ou não toda a lide sociológica). Se
apenas um de dois pedidos, v.g., for decidido, só em relação a ele haverá coisa julgada
material.
Como dizer que a limitação da imutabilidade está no pedido é dizer o óbvio, porque a
decisão só cobre mesmo o pedido, é lícito afirmar que a cláusula “nos limites da lei” seja
sinônima de “nos limites dos fundamentos jurídicos apresentados pelo autor”.
Observe-se, entretanto, que como a causa de pedir – fundamentos jurídicos e “questões
decididas”, a que alude a parte final do texto – nunca transita em julgado, de acordo com o art.
469, a cláusula “nos limites da lide” cumpre apenas a função de explicar em que contexto
(causa pretendi) o pedido foi julgado, pois com base nele especificamente jamais poderá voltar
o autor a formular pedido idêntico.
Segundo se vê somente o direito material apreciado no dispositivo da sentença de
mérito recebe o manto da coisa julgada material. Trata-se de uma conclusão lógica, do
princípio da adstrição da sentença aos pedidos formulados pelo autor.
Não é interesse deste trabalho, tratar do dilema dos efeitos extra petita, ultra petita e citra
petita de sentença de mérito. Mister assegurar, no entanto que, ainda que haja julgamento infra
12
Idem, p. 535
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8. 8 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
petita, somente sobre aquele pedido apreciado pelo juiz, é que recairá a coisa julgada
material. Para NERY JR & NERY14, ocorrendo o julgamento parcial do mérito, “como a sentença terá
sido citra petita, enseja propositura de ação rescisória por violar literal disposição de lei (CPC 128 e
460)”.
Já o artigo 469 do CPC cuida de hipóteses onde não há incidência da coisa julgada
material em uma sentença de mérito. DANIEL NEVES15 faz severas críticas à redação de tal
dispositivo legal:
O art. 469 do CPC, com desnecessárias repetições, confirma que somente o dispositivo
torna-se imutável e indiscutível em razão da coisa julgada material, prevendo que não fazem
coisa julgada:
(i) os motivos, ainda que importantes;
(ii) a verdade dos fatos;
(iii) a decisão da questão prejudicial, resolvida incidentalmente no processo.
Na realidade, os motivos, a verdade dos fatos e a decisão incidental da questão
prejudicial fazem parte da fundamentação da sentença, e por isso não produzem coisa
julgada material. Não precisaria ser dito tanto para dizer tão pouco; bastaria ao dispositivo
apontar sem rodeios que somente o dispositivo da sentença faz coisa julgada material.
Com excesso de zelo – que só poderá ser elogiado dentro da concepção de que aquilo que
não abunda não prejudica –, o art. 470 do CPC confirma a regra de que somente o dispositivo faz
coisa julgada material ao prever que a resolução de questão prejudicial faz coisa julgada
material quando for objeto de ação declaratória incidental.
Como já demonstrado (...), a partir do momento em que há no processo uma ação
declaratória incidental, a questão prejudicial passa a ser objeto de uma ação, de maneira que a
sua solução, além de fazer parte da fundamentação da ação originária, também fará parte do
dispositivo da decisão que resolver a ação declaratória incidental.
Portanto, somente o dispositivo da sentença de mérito tem o condão de produzir a coisa
julgada material. Eis, pois, o limite objetivo da coisa julgada. No entanto, como bem lembra
DANIEL NEVES16, em ações de controle concentrado de constitucionalidade – cujas decisões têm
eficácia erga omnes (v. adiante) – os fatos e fundamentos jurídicos da causa também se tornam
imutáveis e indiscutíveis, graças ao fenômeno da transcendência dos motivos determinantes
(ou ainda, efeito transcendente de motivos determinantes), que conferem não apenas ao
dispositivo da sentença, como também, à fundamentação a eficácia objetiva da coisa julgada
material.
3.2. Limites Subjetivos da Coisa Julgada
Interessante destacar o pertinente comentário que COSTA MACHADO17 faz ao art. 468 do CPC:
“Em seguida, alude o texto legal à ‘força de lei nos limites da lide’, o que significa que a decisão de mérito,
13
COSTA MACHADO, Código 2008, p. 805/806.
14
NERY & NERY, CPC Coment. 2008, p. 700.
15
ASSUMPÇÃO NEVES, Manual, 2011, p. 537.
16
Op. cit, idem.
17
COSTA MACHADO, CPC Interp. 2008, p. 805/806.
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14
9. Teamajormar Glauco B Almeida 9
e seus efeitos, são lei entre as partes”. Obviamente, estamos diante do limite subjetivo da coisa
julgada.
No mesmo esteio, NERY JR & NERY18 também se pronunciam sobre o tema:
[3] Lei especial. A sentença de mérito transitada em julgado transforma o caráter abstrato da
lei ou do direito na situação concreta específica-objeto da sentença do juiz. Caracteriza-se
pela lex specialis entre as partes, que prevalece contra a lex generalis existente no ordenamento
jurídico. Essa norma reforça a idéia de que a coisa julgada material substitui todas as atividades
das partes e do juiz praticadas no processo.
Ambas as reflexões – emitidas no bojo da análise do limite objetivo da coisa julgada –
remetem imediatamente ao conceito do limite subjetivo da res iudicata, dada pela 1ª parte do
artigo 472 do CPC: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem
prejudicando terceiros”. Ou seja, a eficácia da sentença de mérito é “inter partes”; porém,
veremos que em situações excepcionais, a coisa julgada extrapola essa fronteira “entre partes”
e ganha eficácia “erga omnes”.
DANIEL NEVES19, de forma didática e simples, resume como a decisão atinge às pessoas
envolvidas na lide:
A doutrina acertadamente ensina que todos os sujeitos – partes, terceiros interessados e
terceiros desinteressados – suportam naturalmente os efeitos da decisão, mas a coisa julgada os
atinge de forma diferente.
As partes estão vinculadas à coisa julgada, os terceiros interessados sofrem os efeitos
jurídicos da decisão, enquanto os terceiros desinteressados sofrem os efeitos naturais da
sentença, sendo que em regra, nenhuma espécie de terceiro suporta a coisa julgada material.
No entanto, DANIEL NEVES20, pondera que a “2ª parte” do artigo 472, pode induzir uma
interpretação equivocada, em função de uma possível falha na técnica legislativa do dispositivo
supra:
Aparentemente, a segunda parte do art. 472 do CPC excepcionaria essa regra,
estabelecendo que nas relações relativas ao estado de pessoa a sentença produziria coisa
julgada em relação a terceiros.
A inadequada redação do dispositivo legal, entretanto, somente consagra a regra da
coisa julgada inter partes, porque exige que todos os interessados sejam citados no processo em
litisconsórcio necessário.
Dessa forma, somente os terceiros desinteressados não participam do processo côo
parte, e estes, conforme já afirmado, não suportam a coisa julgada material, porque não têm
legitimidade para discutir judicialmente a questão.
Parece que o dispositivo legal confundiu os efeitos da decisão com a coisa julgada
material, considerando-se que todos suportam os efeitos dessa decisão – os divorciados não
estão divorciados somente entre eles, mas também perante terceiros –, mas evidentemente os
terceiros – messe caso todos os terceiros desinteressados – não suportam a coisa julgada
material.
18
Op. cit, Idem.
19
ASSUMPÇÃO NEVES, Manual, 2011, p. 539.
20
Op. Cit, Idem.
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14
10. 10 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
Portanto, a regra da eficácia inter partes da coisa julgada material é soberana; e ela
somente suportará exceção, naqueles expressos casos previstos em lei – como nas hipóteses de
legitimação extraordinária (que será tratado a seguir) ou ações coletivas.
4. COISA JULGADA NA LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA E CONCURSO DE AÇÕES
Foi falado que a coisa julgada material só atinge as partes do processo (limite subjetivo) – e
eventuais terceiros interessados – possuindo eficácia inter partes. Somente o dispositivo da
sentença de mérito tem o condão de produzir a coisa julgada material (limite objetivo), não se
estendendo os efeitos da res iudicata às demais matérias de fato e de direito (fundamentação) –
exceto, no caso das ações de controle difuso de constitucionalidade.
Com efeito, existem determinadas situações jurídicas que comportarão exceção à regra
da eficácia “inter partes”; em tais casos, a eficácia da coisa julgada atinge não somente as
partes e terceiros interessados na ação, bem como, na realidade, transpassa as fronteiras do
processo, atingindo quaisquer pessoas (terceiros não-interessados), num fenômeno chamado de
eficácia erga omnes.
Isto só é possível em casos excepcionais, expressamente previstos em lei; são tais
hipóteses que passarão a ser objeto de estudo a partir deste instante.
4.1. Legitimação Extraordinária: Conceito; Natureza Jurídica; Substituição
Processual.
Estabelece o artigo 6º do Código de Processo Civil que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Somente o titular do direito, pode ingressar em
juízo, para pleitear a tutela jurisdicional. A essa “qualidade de ser parte no processo”, dá-se o
nome de legitimidade ordinária.
Como bem leciona NERY JR & NERY21, “quando há coincidência entre a legitimação de
direito material e a legitimidade para estar em juízo, diz-se que há legitimação ordinária para a causa”.
Não obstante certa confusão que existe na terminologia utilizada (legitimação x legitimidade),
certo que a legitimidade ordinária é, pois, condição da ação (art. 3º, CPC), sendo que, não se
comprovada tal requisito, o juiz extinguirá o processo SEM resolução de mérito (art. 267,
inciso VI e 267, inciso I c/c art. 295, inciso II do CPC).
No entanto, como bem ressalvou o art. 6º do CPC – “salvo quando autorizado por lei” –
existem certas pessoas ou entidades, que possuem a prerrogativa especial de serem partes num
21
NERY & NERY, CPC Coment. 2008, p. 178.
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14
11. Teamajormar Glauco B Almeida 11
processo, pleiteando ou defendendo interesse de outrem. A esse fenômeno, dá-se o nome de
legitimação extraordinária. Ou ainda, nas lições de NERY JR & NERY22:
Quando aquele que tem legitimidade para estar no processo como parte não é o que se
afirma titular do direito material discutido em juízo, diz-se que há legitimação extraordinária.
A dicotomia legitimação ordinária e extraordinária só tem pertinência no direito individual, no
qual existe pessoa determinada a ser substituída. Nos direitos difusos e coletivos o problema não
se coloca.
Portanto, a legitimação extraordinária – como o próprio nome sugere – é fenômeno
processual excepcional, pois se trata de hipótese de exceção à regra do artigo 6º do CPC.
No entanto, para NERY JR & NERY, legitimação extraordinária e substituição
processual são expressões sinônimas; para tais autores, só existe legitimatio ad causam
extraordinária, quando se tem alguém pleiteando direito individual de outrem, pois ocorre o
fenômeno da “substituição”, pois o legitimado extraordinário assume a posição “de parte” no
lugar de terceiro, postulando em nome próprio, direito alheio. Não se confundem a legitimatio ad
causam extraordinária com a legitimatio ad processum (capacidade postulatória).
Em se tratando de alguém, tutelando e pleiteando judicialmente, direitos difusos ou
coletivos, para NERY JR & NERY, temos a figura do selbständige Prozessführungsbefugnis – ou
como eles denominam, “legitimação autônoma para a condução do processo23”.
Substituição Processual e Coisa Julgada
Como DANIEL NEVES24 acentua, “existe certo dissenso doutrinário a respeito da legitimação
extraordinária e substituição processual”, pois há correntes de pensamento que defendem que
ambas expressões são absolutamente o mesmo fenômeno (NERY JR & NERY), enquanto outros
entendem que a legitimação extraordinária é gênero, da qual “substituição processual” é
espécie:
Substituição Processual25. Espécie do gênero legitimação extraordinária (Arruda Alvim,
Tratado, 1, 516), substituição processual é o fenômeno pelo qual alguém, autorizado por lei, atua
em juízo como parte, em nome próprio e no seu interesse, na defesa de pretensão alheia
(Garbagnati, Sostituzione, 212). Como se trata de hipótese excepcional de legitimação para a
causa, somente quando expressa na lei ou decorrer do sistema é que se admite a substituição
processual. O titular do direito de ação (autor ou réu) recebe a denominação de substituto
processual e ao que se afirma titular do direito material defendido pelo substituto em juízo dá-se
o nome de substituído.
Portanto, para fins deste estudo, adota-se a posição majoritária: a legitimação
extraordinária e substituição processual possuem o mesmo efeito, em se tratando de coisa
julgada material: vincula tanto o substituto, quanto o substituído.
22
NERY & NERY, CPC Coment. 2008, p. 178.
23
Op. Cit., p. 178, §§ [5].
24
ASSUMPÇÃO NEVES, Manual, p. 99
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12. 12 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
Isso porque, as hipóteses de substituição processual são diversas, conforme leciona
COSTA MACHADO26:
A legitimação extraordinária é comumente chamada de “substituição processual”. São
exemplos típicos de substituição processual a legitimação de qualquer condômino para a
cobrança em benefício do condomínio na hipótese do síndico se omitir (art. 21, § único, Lei
4.591/64) ou a legitimação extraordinária de qualquer acionista para a ação de
responsabilidade a ser movida ao administrador ímprobo da sociedade anônima em caso de
omissão da sociedade (art. 159, Leis da S.A.). Vide: Lei n. 4.717/65, arts. 1º, §1º e art. 6º, caput e
§§ 1º e 2º; Lei n. 5.250/67, art. 29, § 1º; Lei n. 6.404/76, art. 159, §3º; Lei n. 7.347/85, art. 5º,
caput; Lei n. 7.583/89, art. 3º; Lei n. 8.069/90, art. 210, caput; Lei n. 8.078/90, arts. 81 e 91; Lei n.
10.257/2001, art. 12; e Lei n. 10.406/2002, arts. 12, 20, 267, 1.199, 1.314 e 1.791.
Por outro lado, a hipótese legal mais estudada e largamente aceita pela doutrina, é a de
que trata o artigo 82 do CDC. Sobre ele, LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA27 assinala que existem
“três correntes elaboradas pela doutrina para justificar a legitimação para defesa nas ações coletivas: 1)
legitimação extraordinária por substituição processual; 2) legitimação ordinária das ‘formações sociais’;
3) legitimação autônoma para condução do processo”.
Como se vê, não há consenso doutrinário acerca do tema.
4.2. A relativização dos limites subjetivos da coisa julgada nas Ações Coletivas
Alhures foi dito que a coisa julgada material possui, além da função negativa e função
positiva, também limites objetivos e subjetivos. Quando se está diante de uma lide, onde os
sujeitos são definidos – autor e réu – ainda que em litisconsórcio, substituição processual ou
intervenção de terceiro, não há maior dificuldade em se delimitar o alcance da res iudicata, pois
trata-se de processo cujo sentença produzirá, via de regra, efeito inter partes.
Porém, existem determinadas ações cujo objeto – o bem jurídico tutelado – não se trata
apenas de direitos certos e determinados. Por esse motivo, tais lides recebem tratamento
diferenciado, porquanto, necessitarem de regramento especial da lei, justamente para
estabelecer um limite subjetivo para coisa julgada material.
É o que THEODORO JUNIOR28, leciona com propriedade sobre tal fenômeno:
Com a instituição das ações coletivas (ação popular, ação civil pública, ação coletiva
dos consumidores, etc), criou-se também, um novo regime de eficácia subjetiva da coisa
julgada, que, diversamente do que se passa nas ações individuais do CPC, não se limita às
partes do processo em que a sentença é dada.
De início, impõe-se observar que diante das infrações aos interesses coletivos podem
ocorrer lesões a dois tipos de interesses, tal como ocorre, aliás, com os delitos sancionados pelo
direito penal: há sempre uma lesão ao interesse público e pode haver, no mesmo evento, um
25
NERY & NERY, Op Cit, idem.
26
COSTA MACHADO, Código 2008, p. 253/254
27
MEDEIROS GARCIA, Direito do Consumidor, p. 447/489
28
THEODORO JUNIOR, Curso v.1, 2003, p. 493/445.
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14
13. Teamajormar Glauco B Almeida 13
dano ao patrimônio ou à pessoa da vítima. Assim também numa ação civil acerca de agressão
ao meio ambiente, cogita-se necessariamente de repressão genérica ao atentado contra o direito
de toda a coletividade de usufruir condições ambientais saudáveis. Eventualmente, poder
acontecer que na ação civil pública impeça a contaminação sem que pessoa alguma tenha
sofrido lesão individual. Nesse caso, os efeitos da sentença permanecerão no âmbito próprio
da tutela dos interesses difusos e coletivos. Pode, no entanto, ocorrer que, concretamente,
além do dano geral ao meio ambiente (interesse coletivo), um ou alguns membros da
comunidade afetada tenham suportado danos pessoais em razão da referida agressão ao meio
ambiente (interesse individual).
A coisa julgada formada no processo coletivo não respeita os limites subjetivos
traçados pelo art. 472 do CPC, tanto entre os legitimados para demandar a tutela dos
interesses transindividuais como em face das pessoas individualmente lesadas. Há nesse tipo
de processo, possibilidade de eficácia erga omnes (isto é, perante quem não por parte no
processo), embora nem sempre de forma plena.
Já NERY JR & NERY29, assim se pronunciam sobre o tema:
[3] Processo civil coletivo (CDC 103). Coisa julgada erga omnes. Nas ações coletivas, bem
como nas ações civis públicas, como, por exemplo, as ajuizadas com fundamento no CDC ou na
LACP, a coisa julgada tem regime diferente do CPC para os limites subjetivos da coisa julgada,
sendo regulada pelo CDC 103:
a) Nas ações que versam sobre direito difuso (CDC 81, par.ún. I), a coisa julgada terá sempre
eficácia erga omnes, procedente ou improcedente o pedido, salvo se a demanda for julgada
improcedente por insuficiência de provas (CDC 103 I), caso em que incidirá o CPC 472;
b) Nas que tratam de direito individual homogêneo (CDC 81, par.ún. III), a coisa julgada terá
eficácia erga omnes apenas se procedente o pedido (CDC 103 III), pois nos demais casos incidirá
o CPC 472.
Quanto à questão da improcedência do pedido por insuficiência de provas,
THEODORO JUNIOR30, avança um pouco mais na matéria, citando outros exemplos:
No campo restrito dos interesse transindividual, o sistema observado pela legislação é, em
regra, o da coisa julgada erga omnes, atingindo não só as partes ativa e passiva do processo,
como outras entidades que teriam igual legitimidade para a demanda. Se, por exemplo, uma
associação de defesa dos consumidores decair da pretensão coletiva, não poderá o Ministério
Público reiterar a mesma ação. Existe, porém, uma exceção legal: não prevalecerá a coisa
julgada, nem erga omnes, nem para a própria parte autora, se a ação coletiva for julgada
improcedente por deficiência de prova (Lei nº 4.717, de 26.06.65, art. 18; Lei nº 7.347, de
24.07.85, art. 16; Lei nº 7.853, de 24.10.89, art. 4º). Em ocorrendo essa última hipótese – ação
julgada desfavoravelmente ao autor por prova insuficiente – qualquer legitimado poderá
intentar outra ação coletivo com idêntico fundamento, valendo-se de “nova prova”, como
ressalvam os dispositivos legais acima apontados. Caso contrário, a improcedência da ação
coletiva intentada por um legitimado inibe outros legitimados de propor ação igual, embora
não tenham figurado como sujeito do processo extinto.
Tem-se, desta maneira, nas ações coletivas uma extensão subjetiva da coisa julgada erga
omnes, em regra, mas que nem sempre prevalecerá se o resultado for diverso à pretensão do
autor. Dá-se o que se denomina de coisa julgada secundum eventum litis, ou da coisa julgada
cuja eficácia erga omnes é, quase sempre, para beneficiar e não para prejudicar.
Por fim, NERY JR & NERY31, trata de uma última espécie de coisa julgada, chamada de
ultra partes:
[4] Processo civil coletivo (CDC 103). Coisa julgada ultra partes. Nas ações coletivas, que
versam sobre direitos coletivos (CDC 81, par.ún. II), a coisa julgada terá sempre eficácia para além
das partes (ultra partes), procedente ou improcedente o pedido, mas limitada ao grupo,
29
NERY JR & NERY, CDC Coment, 2008, p. 706/707.
30
Op.Cit, p. 493/445.
31
Op. cit, p. 706/707.
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14
14. 14 A Coisa Julgada na Legitimação Extraordinária e Ações Coletivas
categoria ou classe de pessoas a que se refere o direito coletivo discutido em juízo e objeto da
coisa julgada material.
A exemplo do que ocorre com as ações coletivas para a defesa de direitos difusos e individuais
homogêneos, quando a ação para a tutela de direitos coletivos for julgada improcedente por
insuficiência de provas, não haverá coisa julgada inter partes, incidindo o CPC 472 (CDC 103 II).
Além dos clássicos exemplos acima, a casuística aponta outras situações jurídicas de
ações coletivas onde a coisa julgada material ora sim, ora não alcança terceiros que não
intervieram no processo principal. Porém, para fins deste estudo, importa entender o
mecanismo lógico-legal: em situações expecionalíssimas, a lei autoriza que os efeitos da coisa
julgada material atinja terceiros que não ingressaram no processo, pelo fato do objeto ser “direito ou
bem coletivo”, caracterizando, portanto, um extrapolamento dos limites objetivos da coisa
julgada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nada resta a declarar o objetivo final deste trabalho: demonstrar que a coisa julgada material,
apesar de ser rigidamente disciplinada, pode – e é – relativizada, em situações excepcionais.
Foi visto que, no caso da legitimação extraordinária, que a coisa julgada atinge o
próprio titular do direito material, ainda que ele sequer tenha sido parte no processo (uma
exceção à regra de que o processo só faz coisa julgada entre as partes).
Também foi dito que, nas ações coletivas, em função do próprio objeto da ação ser um
bem ou direito coletivo, a eficácia da decisão é erga omnes, ou seja, incidindo a coisa julgada
material sobre todos (terceiros), ainda que não tenham intervindo no processo, quer como partes
ou litisconsortes quer como “terceiros intervindos” (assistência, oposição, chamamento ao
processo, denunciação da lide, nomeação a autoria).
REFERÊNCIAS (ESTILO: <SECAOSEMNUM>)
COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. Código de Processo Civil interpretado: artigo por artigo,
parágrafo por parágrafo; leis processuais civis extravagantes anotadas. Barueri: Manole, 2008.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado, jurisprudência e
doutrina. Niterói: Impetus, 2011.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado: e
legislação extravagante. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2011.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Conhecimento,
Volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
EMATRA MS • Vol. 1, Nº. 1, Ano 2011 • p. 1-14