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Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica: um estudo sobre o Afroempreendedorismo no Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
TAÍS SILVA OLIVEIRA
Redes Sociais na I...
TAÍS SILVA OLIVEIRA
Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica:
Um estudo sobre o Afroempreendedorismo no Brasil
Disser...
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do ABC
Elaborada pelo Sistema de Geração de Ficha Catalográfica da UFABC
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Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica: um estudo sobre o Afroempreendedorismo no Brasil

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A dissertação aqui apresentada tem como objeto de estudo o Afroempreendedorismo no Brasil, e seu objetivo geral é compreender as aproximações e distanciamentos entre o Afroempreendedorismo e a Teoria da Economia Étnica (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989). Para tanto, optamos como campo de análise as redes sociais na internet (RECUERO, 2009), a partir de páginas do site de mídia social Facebook que: tratam do tema Afroempreendedorismo, que são de negócios de afroempreendedores ou de grupos e associações relacionadas. Como complemento metodológico, aplicamos um formulário direcionado aos afroempreendedores e uma entrevista semiestruturada com os responsáveis pelas páginas que se destacaram na análise da rede. Observamos como resultados elementos que aproximam as variáveis, todavia com ressalvas em relação à formação e contexto da população negra no Brasil.

A dissertação aqui apresentada tem como objeto de estudo o Afroempreendedorismo no Brasil, e seu objetivo geral é compreender as aproximações e distanciamentos entre o Afroempreendedorismo e a Teoria da Economia Étnica (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989). Para tanto, optamos como campo de análise as redes sociais na internet (RECUERO, 2009), a partir de páginas do site de mídia social Facebook que: tratam do tema Afroempreendedorismo, que são de negócios de afroempreendedores ou de grupos e associações relacionadas. Como complemento metodológico, aplicamos um formulário direcionado aos afroempreendedores e uma entrevista semiestruturada com os responsáveis pelas páginas que se destacaram na análise da rede. Observamos como resultados elementos que aproximam as variáveis, todavia com ressalvas em relação à formação e contexto da população negra no Brasil.

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  1. 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS TAÍS SILVA OLIVEIRA Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica: Um estudo sobre o Afroempreendedorismo no Brasil SÃO BERNARDO DO CAMPO - SP 2019
  2. 2. TAÍS SILVA OLIVEIRA Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica: Um estudo sobre o Afroempreendedorismo no Brasil Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Humanas e Sociais. Área de concentração: cultura, desenvolvimento e políticas públicas. Orientador: Prof. Dr. Claudio Luis de Camargo Penteado Coorientador: Prof. Dr. Ramatis Jacino. SÃO BERNARDO DO CAMPO - SP 2019
  3. 3. Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do ABC Elaborada pelo Sistema de Geração de Ficha Catalográfica da UFABC Com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Oliveira, Taís Silva Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica: um estudo sobre o afroempreendedorismo no Brasil / Taís Silva Oliveira. — 2019. 144 fls.: il. Orientador: Claudio Luis de Camargo Penteado Coorientador: Ramatis Jacino Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais, São Bernardo do Campo, 2019. 1. Afroempreendedorismo. 2. Redes Sociais na Internet. 3. Teoria da Economia Étnica. 4. Identidade. 5. Negritude no Brasil. I. Camargo Penteado, Claudio Luis de. II. Jacino, Ramatis. III. Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais, 2019. IV. Título.
  4. 4. A todos aqueles que abriram os caminhos. Nossos passos vêm de longe.
  5. 5. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família, sobretudo minha mãe Dona Nalva e meu pai Messias (in memoriam) que, ainda crianças, tiveram que escolher trabalhar ao invés de estudar para colaborar no sustento da família, mas nos permitiram escolher os estudos como prioridade. E ao meu irmão Renato que, aos meus quatro anos de idade, me ensinou a fazer contas de somar instigando a curiosidade científica. Agradeço a Tarcízio, meu companheiro, amigo, namorado, revisor, conselheiro, parceiro de vídeo game e carnavais que desde fevereiro de 2016 se interessou e motivou essa pesquisa mesmo quando ela era só um pré-projeto repleto de inseguranças. Agradeço aos amigos e amigas que torceram dia após dia por essa empreitada, em especial Barradas em Wakanda: sem vocês não teria conseguido. Agradeço a todos os professores que passaram por minha jornada enquanto estudante. Eu sou quem sou por cada bom exemplo que tive. Em especial aos professores Claudio Penteado, Ramatis Jacino e Silvia Dotta, meus orientadores neste ciclo, que foram extremamente generosos, parceiros e sábios em suas contribuições. Agradeço aos membros da banca pelos excelentes apontamentos feitos na qualificação e que foram essenciais para a conclusão deste trabalho. Agradeço aos colegas de jornada na universidade e aos membros do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros da UFABC, é uma honra estar ao lado de grandes referências. Agradeço a todos, inclusive aqueles que nem me conhecem, mas que colaboraram com o desenvolvimento da pesquisa: os entrevistados, quem compartilhou o material e aqueles que fizeram uma verdadeira campanha para que eu pudesse alcançar os objetivos. Agradeço à UFABC por sua estrutura, abertura e aos seus colaboradores sempre solícitos. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
  6. 6. RESUMO A dissertação aqui apresentada tem como objeto de estudo o Afroempreendedorismo no Brasil, e seu objetivo geral é compreender as aproximações e distanciamentos entre o Afroempreendedorismo e a Teoria da Economia Étnica (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989). Para tanto, optamos como campo de análise as redes sociais na internet (RECUERO, 2009), a partir de páginas do site de mídia social Facebook que: tratam do tema Afroempreendedorismo, que são de negócios de afroempreendedores ou de grupos e associações relacionadas. Como complemento metodológico, aplicamos um formulário direcionado aos afroempreendedores e uma entrevista semiestruturada com os responsáveis pelas páginas que se destacaram na análise da rede. Observamos como resultados elementos que aproximam as variáveis, todavia com ressalvas em relação à formação e contexto da população negra no Brasil. Palavras-chave: Afroempreendedorismo - Redes Sociais na Internet - Teoria da Economia Étnica – Identidade - Negritude no Brasil.
  7. 7. ABSTRACT The dissertation presented here has as object the Black Entrepreneurship in Brazil, and its general objective is to understand the approaches and distancings between Black Entrepreneurship and The Ethnic Economy Theory (LIGHT, 2005, 2013, GOLD, 1989). Therefore, we choose as field of analysis the social network on the internet (RECUERO, 2009), starting from pages on the social media site Facebook that: deal with the subject Black Entrepreneurship, which are Black Entrepreneurs business or groups and related associations. As a methodological complement, we applied a form directed to the Black Entrepreneurs and a semi-structured interview with those responsible for the pages that stood out in the network analysis. We observed as results elements that approximate the variables, however with caveats regarding the formation and context of the black population in Brazil. Keywords: Black Entrepreneurship - Social Networking on the Internet - Ethnic Economy Theory – Identity - Negritude in Brazil.
  8. 8. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO: UM PROBLEMA INTERDISCIPLINAR ................................................................ 18 2. TEORIA DA ECONOMIA ÉTNICA: ABORDAGENS CONCEITUAIS E APLICAÇÕES ............... 24 2.1 TEORIA DA ECONOMIA ÉTNICA: UM ESTADO DA ARTE ............................................................................26 3. ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA: TRABALHO E GERAÇÃO DE RENDA DA POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL ................................................................................................................................ 32 3.1 DA SUBSISTÊNCIA AO AFROEMPREENDEDORISMO: UMA OUTRA ECONOMIA É POSSÍVEL? ....................38 3.2 AFROEMPREENDEDORISMO: UM ESTADO DA ARTE...............................................................................40 3.3 PERFIL, ACESSO AO CRÉDITO E POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE O AFROEMPREENDEDORISMO ..............44 4. REDES SOCIAIS NA INTERNET E A FILIAÇÃO PELO FATOR RACIAL: A REDE DE AFROEMPREENDEDORES .................................................................................................................... 50 5. METODOLOGIA................................................................................................................................. 58 6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ............................................................................... 62 6.1 ESTRUTURA E RELAÇÕES DO AFROEMPREENDEDORISMO A PARTIR DA ANÁLISE DE REDES SOCIAIS NA INTERNET .........................................................................................................................................................62 6.2 PERFIL E PERCEPÇÕES DOS AFROEMPREENDEDORES ...........................................................................67 6.3 TRAJETÓRIAS E VIVÊNCIA DO AFROEMPREENDEDORISMO PELOS NÓS EM DESTAQUE........................82 6.3.1 “Eu acredito no poder que a educação tem de transformar” – Jaciana Melquíades......................83 6.3.2 “A busca pela autonomia, me fez virar empreendedora” – Wanessa Yano.....................................85 6.3.3 “O principal elemento da identidade é esse poder da gente fazer muito com pouco” – Michelle Fernandes....................................................................................................................................................86 6.3.4 “Então a gente percebeu que a gente tinha um propósito muito grande” – Fióti ...........................87 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................. 96 8. APÊNDICE ........................................................................................................................................ 104 8.1 PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA.................................................. 104 8.2 LISTAGEM DE PÁGINAS SEMENTES ...................................................................................................... 107 8.3 TERMO DE CONSENTIMENTO DO FORMULÁRIO................................................................................... 112 8.4 TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO: ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS......ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 8.5 PERGUNTAS DO FORMULÁRIO ONLINE ............................................................................................... 113 8.6 ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ................................................................................... 119 8.7 TRANSCRIÇÕES DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA......................................................................... 120 8.7.1 Jaciana Melquiades, da Era Uma Vez o Mundo .......................................................................120 8.7.2 Wanessa Yano, da Aye Acessórios...................................................................................................123 8.7.3 Michelle Fernandes, da Boutique de Crioula.................................................................................125 8.7.4 Fióti da Laboratório Fantasma .......................................................................................................129
  9. 9. 18 1. INTRODUÇÃO: UM PROBLEMA INTERDISCIPLINAR Dinheiro é foda Na mão de favelado, é "mó guela" Na crise, vários pedra na venta, esfarela Eu vou jogar pra ganhar O meu money, vai e vem Porém quem tem, tem Não cresço o "zóio" em ninguém O que tiver que ser Será meu Tá escrito nas estrelas Vai reclamar com Deus Vida Loka II – Racionais MC’s Desde pequena sempre acompanhei minha mãe – mulher negra, nordestina radicada em São Paulo, doméstica, semianalfabeta – em suas diversas empreitadas na busca pela renda extra. Seja na venda de doces, bebidas e sorvetes na garagem, roupas do Brás de porta em porta, no carrinho de churros nas festas do bairro, na loja na rua da escola, entre outras atividades. Demorei a compreender – até a fase adulta – que suas atividades eram o próprio afroempreendedorismo, conceito aplicado em algo que pessoas negras praticam desde muito cedo na história do país. Na trajetória de interesses pelo tema, conheci a Feira Cultural Preta, depois os diversos grupos no Facebook que tratam do tema e, mais recentemente, pude estreitar laços com os movimentos afroempreendedores. Meu interesse por esse grupo de pessoas foi despertando a cada nova pesquisa, conversa ou evento que frequentava, sobretudo ao perceber que o contexto do afroempreendedorismo ia além das questões econômicas. Entendi, então, que seria um recorte interessante para ser estudado. Entendendo que o tema afroempreendedorismo entrelaça tópicos complexos da sociedade, consideramos importante pontuar o contexto acadêmico em que o trabalho está inserido. A pesquisa foi desenvolvida alinhada ao projeto pedagógico interdisciplinar da Universidade Federal do ABC (UFABC), projeto que promove a construção e compartilhamento de saberes entre profissionais de diferentes campos e com o objetivo de estabelecer a interação e integração de diversas áreas do conhecimento consideradas necessárias para a resolução de questões com demandas complexas (PENTEADO et al, 2015). A interdisciplinaridade nasce como um movimento que busca refletir sobre a contraposição de um capitalismo epistemológico e contra propostas de um conhecimento construído a partir de um único ponto de vista. De modo que a interdisciplinaridade se baseia na intersubjetividade dos elementos envolvidos na pesquisa, ocorre a partir da constante
  10. 10. 19 dialética entre esses elementos e é necessário que a problematização se desenvolva fundamentada em uma contínua construção dos saberes científicos de acordo com as exigências éticas, sociais, políticas, históricas e econômicas (FAZENDA, 1994, 2018). A numerosa população de afroempreendedores, o uso contínuo de sites de redes sociais, os diversos estudos que perpassam pelo tema e a popularização do debate, sobretudo nos veículos de comunicação, compõem a justificativa da relevância do trabalho aqui desenvolvido. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2016, a população que se autodenomina preta ou parda representa 54% da população brasileira12 . Já de acordo com levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), no Brasil há 12,8 milhões de pessoas negras empreendedoras, ou afroempreendedores, como popularmente denominadas, o que corresponde a 51% do total de empreendedores (SEBRAE, 2013). Vale pontuar que a referida pesquisa trata apenas de empreendedores cadastrados como Microempreendedor Individual (MEI), portanto não considera os trabalhadores informais, tampouco problematiza o crescente número de trabalhadores autônomos para o campo do empreendedorismo, consequência da precarização das leis trabalhistas. Além disso, o estudo não aplica uma conceituação acerca da categorização do que é ou não um empreendedor; porém, ainda assim, consideramos esse dado relevante para a reflexão inicial desta dissertação. De maneira mais delimitada, a pesquisa encomendada pelo Projeto Brasil Afroempreendedor (PBAE) que trata estritamente do perfil dos participantes do referido projeto, afirma que os afroempreendedores possuem estreita relação com movimentos sociais, vivenciaram situações de racismo em algum momento de suas vidas, demonstram a existência de redes solidárias, cooperação produtiva, combate ao racismo e valorização do orgulho negro. Também é possível observar na pesquisa que a internet e suas ferramentas aparecem entre os três principais canais de viabilização das atividades empresariais (MICK, 2016). Aspectos relacionados ao trabalho e renda da população negra no Brasil são temas de diversas pesquisas e livros, como o trabalho desenvolvido por Jacino (2014) sobre a transição no mercado de trabalho no período pós-abolição; de Figueiredo (2002), que aborda a ascensão social da elite negra da cidade de Salvador, na Bahia, e a tentativa de verificar a existência de atitudes pensadas e executadas coletivamente que visam o crescimento e a inserção de novos 1 População chega a 205,5 milhões, com menos brancos e mais pardos e pretos. Agência IBGE Notícias. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282- populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos Acesso em 01 de out. 2019. 2 Durante o texto deste trabalho, quando a menção tratar de pessoas que se autodenominam pretas e pardas a referência será a pessoas negras ou população negra.
  11. 11. 20 membros neste grupo social; ou ainda de Jaime (2016), que estudou, a partir do viés antropológico, os executivos negros na cidade de São Paulo a fim de entender as percepções de racismo entre as gerações e como o racismo e a diversidade são abordados no mundo empresarial. A leitura prévia destas pesquisas nos instiga a compreender com mais especificidade a problemática aqui proposta, uma vez que os fenômenos se assemelham quanto ao recorte racial. Especificamente sobre afroempreendedorismo, apresentaremos no capítulo quatro uma revisão sistemática sobre o tema com o objetivo de mapear as pesquisas nacionais já publicadas. Outro aspecto que motiva a execução da pesquisa é o crescente e relevante conteúdo jornalístico acerca do tema afroempreendedorismo. Destacamos aqui algumas matérias para efeito de ilustração, como a que trata da Start up Diaspora Black3 que tem como objetivo ser mediadora de reserva de hotéis para pessoas negras, ideia que surge a partir de experiências racistas sofridas por um dos fundadores. Temos também notícias que repercutem o evento da Feira de Afroempreendedorismo no Distrito Federal4 e a semana cultural Afro da cidade de Bauru5 . Há ainda a matéria sobre o programa de aceleração de afroempreendimentos6 com apoio do Facebook e a matéria especial sobre o Movimento Black Money7 no Brasil. Grande parte desses destaques são liderados por grupos e associações de Afroempreendedores, desde a Feira Cultural Preta – referência há mais de 15 anos na promoção do empreendedorismo negro, aos mais recentes como AfroBusiness, BlackRocks Startup, Movimento Black Money, Projeto Brasil Afroempreendedor, Rede de Profissionais Negros, Rede de Afroempreendedores, Vale do Dendê, entre outras iniciativas (OLIVEIRA, 2018). De modo geral, essas organizações e grupos foram estruturados a partir da reunião de interessados por meio de sites de redes sociais e levadas à execução de atividades para além do campo digital. 3 Start-up afroempreendedora busca financiamento coletivo. Revista Claudia. Disponível em: https://claudia.abril.com.br/carreira/start-up-afro-financiamento/ Acesso em 01 de out. 2019. 4 Feira de Afroempreendedorismo do DF vai até sábado (18). Agência Brasília. Disponível em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2017/11/16/feira-de-afroempreendedorismo-do-df-vai-ate-sabado-18/ Acesso em 01 de out. 2019. 5 Semana Cultural Afro Bauruense começa nesta terça-feira. G1 Bauru e Marília. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/semana-cultural-afro-bauruense-comeca-nesta-terca-feira.ghtml Acesso em 01 de out. 2019. 6 CONHEÇA O AFRO HUB, PROGRAMA DE ACELERAÇÃO PARA EMPREENDEDORES NEGROS. Pequenas Empresas & Grandes Negócios. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2018/05/conheca-o-afro-hub-programa-de-aceleracao-para- empreendedores-negros.html Acesso em 01 de out. 2019. 7 Mundo S/A: movimento valoriza cultura negra por meio do empreendedorismo. Globo News. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/dossie-globo-news/videos/t/ultimos-programas/v/mundo-sa-movimento- valoriza-cultura-negra-por-meio-do-empreendedorismo/6769923/ Acesso em 01 de out. 2019.
  12. 12. 21 A apropriação coletiva e objetivada das ferramentas da internet e de sites de redes sociais pelos usuários é reflexo de uma sociedade que as utiliza rotineiramente, como aponta pesquisa liderada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC). Atualmente, os usuários de internet no Brasil com 10 anos ou mais chegam a uma estimativa de 107,9 milhões de indivíduos, o que corresponde a 61% da população brasileira. Desses, 86% acessam a internet todos os dias ou quase todos os dias e suas principais atividades são envio de mensagens instantâneas (89%) e o uso de redes sociais8 (78%). Enquanto a pesquisa sobre produtos e serviços foi realizada por 59% dos usuários de internet, a compra de produtos ou serviços por 38% e a divulgação e venda de produtos por 17%. Em relação aos lares, 54% dos domicílios brasileiros (36,7 milhões) possuem acesso à internet (CETIC.BR, 2017). Essas pesquisas enfatizam a importância de se debater as complexidades e nuances do afroempreendedorismo no Brasil enquanto prática em contínua expansão. Isso posto, apontamos como tripé teórico interdisciplinar: a escala de brasileiros conectados e que formam redes sociais na internet; o afroempreendedorismo enquanto fenômeno em desenvolvimento e que carrega uma gama de variáveis sociológicas como racismo, antirracismo, identidade, trabalho, renda, educação, entre outras; e a possibilidade de estudar o objeto à luz da teoria da economia étnica (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989). Teoria que, por sua vez, tem como premissa abordar grupos étnicos que desenvolvem atividades econômicas pensadas na comunidade co-étnica, fortalecendo negócios, gerando emprego e formação técnica entre si. Trabalhamos com as hipóteses de que, embora com tensionamentos teóricos e históricos, o afroempreendedorismo no Brasil apresenta características que se aproximam da teoria da economia étnica e que existe um discurso alinhado com causas defendidas pelo movimento negro, ainda que a finalidade da prática afroempreendedora seja tratar de relações comerciais. A partir disso, propomos uma metodologia qualitativa amparada nos métodos de análise de redes sociais na internet (RECUERO, 2009; BARABÁSI, 2009; RECUERO; BASTOS & ZAGO, 2015; SILVA & STABILE, 2017; RECUERO, 2018), formulário direcionado aos Afroempreendedores e entrevista semiestruturada com os responsáveis pelos nós em destaque na rede a partir da métrica de grau de entrada e assim tentar verificar se as hipóteses se confirmam (FLICK, 2004; BONI, 2005). 8 Termo utilizado na pesquisa para designar os sites de mídias sociais.
  13. 13. 22 Portanto, a dissertação aqui apresentada tem como objeto de estudo o afroempreendedorismo no Brasil e seu objetivo geral é compreender as aproximações e distanciamentos entre o Afroempreendedorismo e a Teoria da Economia Étnica (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989). Assim, buscamos responder a seguinte problemática: é possível aplicar a Teoria da Economia Étnica na análise do Afroempreendedorismo no Brasil? Temos ainda como objetivos específicos: • Compreender de que forma a história da população negra no Brasil colabora e corrobora na prática afroempreendedora na atualidade; • Compreender quais comunidades na plataforma privada Facebook são identificadas na análise de redes; • Colaborar com os estudos já publicados sobre o afroempreendedorismo no Brasil; • Compreender quais as características sociodemográficas dos afroempreendedores; • Compreender se há posicionamentos políticos e sociais por parte dos afroempreendedores; • Entender como as redes sociais na internet são percebidas e se colaboram com a promoção do afroempreendedorismo. Estruturamos a dissertação da seguinte maneira: para além desta Introdução, há o capítulo 2, de conceituação e revisão sistemática (HADDAD, 2002; FERREIRA, 2002; SAMPAIO & MANCINI, 2007) sobre Teoria da Economia Étnica; o capítulo 3, que disserta sobre o contexto da população negra no Brasil, sobretudo no que tange a trabalho e renda; e o contexto e revisão sistemática sobre o afroempreendedorismo; o capítulo 4, que relaciona a discussão da identidade, cultura e relações étnico-raciais com os sites de redes sociais; o capítulo 5, com o detalhamento da metodologia utilizada; o capítulo 6, de apresentação e análise de dados; as considerações finais; a bibliografia; e finalmente o apêndice.
  14. 14. 23
  15. 15. 24 2. TEORIA DA ECONOMIA ÉTNICA: ABORDAGENS CONCEITUAIS E APLICAÇÕES E tá tirando dez de Havaiana E quem não quer chegar de Honda preto e banco de couro, E ter a caminhada escrita em letras de ouro A mulher mais linda, sensual e atraente, Da pele cor da noite, lisa e reluzente Andar com quem é mais leal e verdadeiro, Na vida ou na morte, o mais nobre guerreiro O riso da criança mais triste e carente, Ouro e diamante, relógio e corrente Ver minha coroa onde eu sempre quis por, De turbante, chofer, uma madame nagô. Sofrer, pra quê? Mas se o mundo jaz do maligno Da ponte pra cá – Racionais MC’s O conceito de Economia Étnica deriva da teoria de middleman minority,9 ou seja, grupos étnicos em determinadas ocupações de serviços ou comércios que estão em grau intermediário de posição social: nem abaixo e nem acima, no meio. Esses grupos se formam e se desenvolvem em decorrência da hostilidade social por causa de sua religiosidade ou raça e cultura, e assim eles fazem a economia circular prioritariamente dentro de seu grupo, tornando-os fortes (BONACICH, 1973). A economia étnica trata das movimentações econômicas de imigrantes e minorias étnicas instalados e organizados em comunidades de outros países que não os de origem e pressupõe uma rede estratégica para circular negócios, oportunidades de emprego e capacitação técnica entre a comunidade. Dessa maneira, a teoria propõe que exista integração, solidariedade, suporte para fontes de capital, trabalho e informação compartilhados prioritariamente entre os membros do grupo co-étnico (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989). Para Garrido e Olmos (2006), é possível pensar a economia étnica a partir de três perspectivas: a culturalista, a ecológica e a interativa. A primeira diz respeito à afinidade para o auto emprego por questões religiosas, solidariedade em resposta a uma sociedade hostil, negócios familiares e capital social. Já a perspectiva ecológica trata dos pequenos negócios que grandes organizações não atendem ou apropriações de grupos étnicos em nichos que eram atendidos por determinadas empresas e agora não são mais, pois estas avançaram na economia global. Por fim, na perspectiva interativa, os bens culturais relacionados ao país de 9 “Minorias intermediárias”, trad. própria.
  16. 16. 25 origem são os mais recorrentes entre negócios étnicos, a exemplo da culinária, livros, música e roupas. Todavia, é possível observar, segundo os autores, outras modalidades de serviços necessários e que são provenientes das mesmas comunidades, como assessoria jurídica, contábil, administrativa ou associações e linhas de créditos com foco no grupo co-étnico. Portanto, para os autores, a perspectiva interativa diz respeito sobre a estratégia étnica determinada pelo grupo. A partir do forte viés economicista da perspectiva interativa, Garrido e Olmos (2006) desenvolveram uma perspectiva denominada mixed embeddedness10 . Para os autores, as economias étnicas dependem da adequação entre o que os grupos étnicos podem oferecer e o que está permitido que eles ofereçam. Além disso, um dos elementos de suma importância, além das redes sociais, trata da estrutura socioeconômica e política institucional da sociedade. Para os autores, a perspectiva South-European Model afirma que os empreendedores étnicos precisam vencer diversos obstáculos para conseguir se estabelecer e prosperar em suas iniciativas empresariais (GARRIDO & OLMOS, 2006). O transnacionalismo é outra característica possível em economias étnicas: trata-se de comunidades diaspóricas que estão globalmente dispersas, mas socialmente integradas, ou seja, pessoas de comunidades transnacionais transitam entre seu país de origem e sua localidade atual e fazem desse movimento oportunidades empreendedoras, pois se fortalecem nas possibilidades culturais e no capital social internacional (LIGHT, 2013). Em algumas discussões, a maturação metodológica da literatura relacionada à teoria da economia étnica é limitada, pois grande parte dos trabalhos aborda somente uma perspectiva histórica, estudos de caso e poucos métodos quantitativos em decorrência das generalizações a partir de um único grupo étnico. Há ainda, discussões teóricas que afirmam que só seria possível tratar da economia étnica a partir do ponto de vista geográfico, pois a proximidade territorial facilitaria a formação da comunidade étnica (LIGHT, 2003). De maneira geral, a teoria da economia étnica trata de um grupo étnico que imigra e desenvolve relações econômicas a partir de sua comunidade étnica. Todavia, propomos aqui a análise do grupo social composto pela população negra brasileira que exerce atividades dentro do escopo do afroempreendedorismo, tendo em mente que o contexto histórico desse grupo não se trata de imigração, mas sim de sequestro e trabalho forçado a partir de um regime violento e autoritário que resulta em marginalização, segregação e, em certa medida, no reforço e valorização da identidade étnica (SANTOS, 2009). Assim, buscamos compreender quais são 10 “Imersão mista”, trad. própria.
  17. 17. 26 as aproximações e distanciamentos entre o afroempreendedorismo e a teoria da economia étnica. 2.1 Teoria da Economia Étnica: um estado da arte Para que tenhamos uma visão ampliada das metodologias, epistemologias e aplicações da teoria da economia étnica, apresentamos um estudo de revisão sistemática (HADDAD, 2002; FERREIRA, 2002; SAMPAIO & MANCINI, 2007) para mapeamento e categorização acerca de trabalhos já publicados. O estudo de revisão sistemática, também chamado de "estado da arte", tem caráter bibliográfico e o principal desafio é observar, categorizar e avaliar o conhecimento já produzido sobre determinado tema. Assim, com a sistematização do conhecimento já produzido, se busca responder questões acerca do contexto, do tipo de produção, abordagens teóricas, motivações empíricas e aplicações metodológicas (FERREIRA, 2002). A partir da síntese das informações expostas de maneira organizada é possível tê-las como base para a identificação de limitações ou ampliações de discussões, como temas que precisam de evidências e oportunidades para guiar novas investigações (SAMPAIO & MANCINI, 2007). Portanto, a premissa é que o estado da arte aqui apresentado colabore para a compreensão das aproximações e distanciamentos da teoria da economia étnica com o afroempreendedorismo no Brasil. Para tanto, buscamos nos bancos de trabalhos científicos Scielo, Periódicos Capes e Google Acadêmico nos idiomas português, inglês e espanhol e a partir das palavras-chave "economia étnica", "ethnic economy", "ethnic economies" e "economía étnica" os artigos, teses, dissertações e capítulos de livros que abordam temas relacionados à teoria em questão. O objetivo da categorização e análise dos trabalhos encontrados é responder às questões: quais grupos raciais e étnicos são abordados nos trabalhos sobre economia étnica; quais metodologias são aplicadas nas análises e quais áreas do saber abordam a teoria da economia étnica. Utilizamos como ferramenta de apoio para o estudo de revisão sistemática a StArt, desenvolvida no Laboratório de Pesquisa em Engenharia de Software da Universidade Federal de São Carlos e que auxilia na categorização dos trabalhos selecionados (FABBRI et al, 2016). A partir da pesquisa pelas palavras-chave e com um recorte temporal de 20 anos (1997-2017), prezando por dados de duas décadas com contextos sociais diferentes, principalmente pelo viés dos avanços tecnológicos, encontramos 111 trabalhos entre artigos de periódicos, dissertações, teses e capítulos de livros. Na primeira etapa de classificação,
  18. 18. 27 tendo como critérios de inclusão estar nas línguas citadas acima e constar alguma das palavras-chave no resumo ou título, restaram 76 trabalhos com essas especificações. Na segunda estratificação, seguindo os critérios de identificação da metodologia ou grupo étnico, restaram 59 trabalhos. Foram excluídos aqueles que não atendiam algum destes critérios citados, que estavam duplicados, não continham as informações necessárias no resumo, tampouco no decorrer do texto, ou ainda trabalhos dos quais sua visualização completa exigia pagamento de acesso. Sobre a análise do material selecionado em relação ao período, cinco dos 59 trabalhos foram publicados entre os anos de 1997 e 1998, 18 entre os anos de 2000 a 2010 e sete entre 2011 e 2017. Sendo 2015 o ano com mais publicações: nove ao todo. Sobre o tipo de trabalho, 52 são artigos de periódicos, três dissertações, três teses e um capítulo de livro. Em relação à língua redigida, seis estão em português, sete em espanhol e 46 em inglês. Os métodos utilizados nos trabalhos analisados foram: Análise de Dados Secundários, Discussão Teórica, Entrevista, Etnografia, Estudo Comparativo, Estudo de Caso, Questionário, Estudo de Revisão Sistemática, Observação Participante, Trabalho de Campo, Pesquisa Longitudinal, Análise de Redes Sociais, Observação e Técnicas Geográficas. Abaixo, no Gráfico 1, é possível visualizar a quantidade para cada tipo de método. Importante ressaltar que em algumas vezes mais de um método foi utilizado no mesmo trabalho. Gráfico 1 – Teoria da Economia Étnica: Métodos utilizados Fonte: Elaboração própria. A respeito dos grupos étnicos dos trabalhos analisados, encontramos 27 grupos diferentes – embora 21 trabalhos não especifiquem um grupo étnico, sendo que nestes o
  19. 19. 28 debate foi realizado somente em torno de tópicos teóricos. O grupo étnico de maior destaque é o de chineses, com 11 trabalhos encontrados, seguidos de negros, poloneses, indianos, mexicanos e turcos com dois trabalhos e os demais grupos com um trabalho cada, como demonstrado no Gráfico 2 abaixo. Gráfico 2 – Teoria da Economia Étnica: Classificação de Grupos Étnicos Fonte: Elaboração própria. Dentre os 59 trabalhos selecionados, apenas dois abordam o grupo étnico formado por pessoas negras. Ambos do mesmo autor, o professor Robert L. Boyd, do Departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Mississipi. Em The organization of an ethnic economy: Urban black communities in the early twentieth century (BOYD, 2012), o autor revisa as afirmações em torno das atividades empreendedoras de negros no Sul dos Estados Unidos no início do século XX, sobretudo na tentativa de confirmar a existência de uma organização coerente das atividades e que essas foram importantes para a participação negra em serviços públicos, artísticos, entretenimento e na mídia de massa. O autor não conclui o artigo com afirmações categóricas devido à carência dos dados disponíveis, porém finaliza indicando caminhos a serem seguidos por outros pesquisadores para que seja possível inferir mais diretamente em como a participação dos negros em certas ocupações é afetada pelo contexto mais amplo que inclui empresas de propriedade de negros, igrejas negras e outras instituições negras no ambiente urbano.
  20. 20. 29 Já em Urban locations and Black Metropolis resilience in the Great Depression (BOYD, 2017), o autor pesquisa as Black Metropolis nos Estados Unidos no início do século XX, diferenciando-se do estudo anterior por levantar o período da Grande Depressão entre 1930 e 1940 como recorte temporal. Também utiliza como método a análise dos dados censitários a respeito de profissões e ocupações de pessoas negras. Sua hipótese sustenta que centros urbanos dominantes em Nova York, Chicago e Filadélfia tinham as Black Metropolis mais resilientes. Seus resultados atestam que cidades do norte eram, em geral, mais resistentes do que cidades do sul, principalmente para negros profissionais e empreendedores. Logo, as metrópoles negras do norte urbano eram centros vitais de oportunidade econômica para as comunidades negras, avançando, assim, os interesses das classes média e alta dessas comunidades. O autor finaliza sugerindo que estudos futuros podem usar uma gama mais ampla de variáveis explicativas, incluindo fatores políticos, como a mobilização dos eleitores e grupos de pressão, fatores sociais e econômicos, como a estrutura industrial mais ampla em centros urbanos e o capital humano da força de trabalho. Embora sejam os únicos trabalhos com viés racial voltados a pessoas negras, vale pontuar que o contexto de negritude nos Estados Unidos é bastante diferente do contexto brasileiro. Sendo que aqui a maioria da população (54%) é declaradamente negra, enquanto no país norte-americano esse número é de 13,4%11 . Além disso o Brasil foi o último país colonizado a extinguir a escravidão e suas consequências pulsam fortemente até os dias atuais, sobretudo no racismo baseado em práticas sociais. Como resultados, observamos que o principal grupo étnico estudado são os chineses, seguido de negros, turcos, mexicanos, indianos e poloneses. A respeito das metodologias, a predominância é de análise de dados secundários, discussão teórica, entrevistas e etnografia. Observamos ainda que existe uma preocupação dos pesquisadores em compreender as maneiras que ocorrem as interações, a estrutura social e os mecanismos de cooperação e confiança entre os grupos étnicos analisados nos trabalhos encontrados. Além disso, os trabalhos trazem temas que abordam não só as formações de negócios como também as relações empregador-empregado dentro das relações co-étnicas, além de características subjetivas como a valorização de identidades. Outro ponto que merece reflexão é que nenhum dos trabalhos selecionados apresenta problemática a partir do contexto de novas tecnologias e internet, fenômeno em franca expansão nas últimas décadas. 11 Census of United States. Disponível em: https://www.census.gov/quickfacts/fact/table/US/PST045218 Acesso em 01 de out. 2019.
  21. 21. 30 Nos trabalhos de autores brasileiros (GRUN, 1998; TEIXEIRA, 2001; CASTRO, 2007; TRUZZIL & SACOMANO NETO, 2007; MACHADO, 2010; VILELA & NORONHA, 2013;) observamos como principais abordagens: o contraponto de crítica à teoria da economia étnica e sua aplicabilidade teórica, diversidade dos negócios, percepção das várias gerações etárias dentro dos grupos étnicos, exploração do tema por áreas como sociologia e antropologia, desempenho de rendimentos para imigrantes e imigrantes mulçumanos no estado de São Paulo. Todavia, não há estudos relacionados ao afroempreendedorismo que tenham como base a teoria da economia étnica e, ainda, é necessário destacar que nenhum dos trabalhos brasileiros problematiza o projeto político estimulado pelo governo brasileiro em trazer imigrantes europeus para realizar atividades que antes eram feitas por pessoas escravizados e que seriam, a partir de então, remunerados, preferencialmente ao imigrante não-negro (discutiremos esse tópico nos capítulos seguintes). De modo geral, o estado da arte sobre a teoria da economia étnica aqui apresentado colabora para que tenhamos uma visão ampla das técnicas e grupos já estudados nos possibilitando aprender com as práticas efetuadas. Ainda, atesta a proposta de inovação na temática visto que não há trabalhos relacionados ao contexto digital, tampouco ao estudo do afroempreendedorismo no Brasil. Assim, ainda que a Teoria da Economia Étnica seja relativamente novo no campo das ciências é necessário que haja a problematização da ausência de estudos que englobem a população negra, sobretudo na perspectiva brasileira, bem como a ausência de trabalhos que insiram a discussão que contemple as novas tecnologias. Outra ressalva fica por conta das áreas em que os estudos são desenvolvidos, predominantemente no campo das ciências sociais, o que demonstra aproximação com debates que vão além das questões puramente técnicas da prática empreendedora. Dessa maneira, apoiados nas abordagens acima apresentadas, pretendemos compreender as aproximações e distanciamentos entre o afroempreendedorismo e a teoria da economia étnica.
  22. 22. 31
  23. 23. 32 3. Economia de subsistência: trabalho e geração de renda da população negra no Brasil Eu me formei suspeito profissional, Bacharel pós-graduado em tomar geral. Eu tenho um manual com os lugares horários, De como dar perdido, ai caralho... Prefixo da placa é My sentido Jaçanã, Jardim Hebron. Quem é preto como eu, já tá ligado qual é, nota fiscal RG polícia no pé. Escuta aqui o primo do cunhado do meu genro é mestiço, Racismo não existe, comigo não tem disso, É pra sua segurança. Falou, falou... Deixa pra lá. Vou escolher em qual mentira vou acreditar. Tem que saber curtir, tem que saber lidar. Em qual mentira vou acreditar? Qual mentira vou acreditar – Racionais MC’s A compreensão do afroempreendedorismo enquanto fenômeno contemporâneo perpassa a história da população negra no Brasil, sobretudo quando se trata de um conceito ainda pouco explorado pelas ciências sociais, ficando a cargo de áreas técnicas tratar do empreendedorismo apenas como uma maneira fim de se obter renda. Todavia, o afroempreendedorismo carrega em si uma gama de questionamentos e problemáticas alocadas em muitos campos do cotidiano social, como a distinção sobre o que é ou não empreendedorismo, o empreendedorismo por oportunidade ou necessidade, o trabalho informal e a precarização das leis trabalhistas, as políticas públicas de reparação histórica e assim por diante. Pretendemos neste capítulo abordar algumas premissas, sobretudo no que se refere ao trabalho, renda e educação da população negra, a fim de compreender o que atualmente e comumente é chamado de afroempreendedorismo. Como afirma Moura (1992), a trajetória da população negra no Brasil confunde-se com a formação histórica e social da própria nação. Assim, a grande evidência dessa trajetória é o fundamental papel da escravidão para o desenvolvimento da economia da colônia, do Império e até mesmo da República, surgida após o fim legal da escravidão, mas implementada graças ao protagonismo político das oligarquias enriquecidas, portanto empoderadas, graças ao trabalho escravo. No período escravocrata, os escravizados eram responsáveis pela plantação, colheita e distribuição de vários produtos agrícolas, na criação de gados, serviços domésticos, fabricação de ferramentas manuais, pelo transporte de cargas nas cidades, construção de vias e demais serviços urbanos (ALBUQUERQUE & FRAGA FILHO, 2006). Percebe-se, portanto, que desde sempre e por quase quatro séculos a mão de obra negra era
  24. 24. 33 utilizada como meio para enriquecer determinados grupos étnicos com a força dominante de poder; ou seja, podemos dizer que já existia desde então uma prática de economia étnica, porém baseada na violência e exploração a partir de uma categorização hierarquizada a respeito de quem manda e quem obedece. O escravizado era elemento fundamental da economia, pois ela “exigia uma técnica muito complexa, considerando que não era apenas uma economia extrativa, mas uma agroindústria cuja diversificação interna do trabalho era bem acentuada” (MOURA, 1992, p. 19). Afirma Castro (1976) que a indústria canavieira representava o que de mais avançado existia na produção da riqueza nos séculos XVI e XVII e os engenhos poderiam ser considerados como precursores do fordismo, tal era o nível de organização do trabalho e a produtividade auferida, a partir da exploração desumana do trabalho escravo. Em decorrência da distribuição mercadológica e desumana de escravizados, havia a dificuldade de que estes estabelecessem vínculos em comunidades, já que amigos e familiares, quando não eram separados desde o continente africano, poderiam ser vendidos, abandonados ou assassinados a qualquer momento. Contudo, as relações sociais entre os escravizados nas tarefas do dia a dia davam certo suporte para a sobrevivência e para o reforço de valores e referência culturais. Segundo Albuquerque & Fraga Filho (2006), o trabalho era um momento especial para forjar laços de solidariedade. Além desse fator, a solidariedade também era encontrada com ênfase nos quilombos, formados desde os primeiros grupos de africanos desembarcados no Brasil, onde os negros rebelados se refugiavam para ter, enfim, um pouco de humanidade (MOURA, 1992). Além da remodelagem do trabalho coletivo (OLIVEIRA in MOURA, 2001), os quilombos eram os grandes redutos de resistência negra, lugar onde eram confabuladas as conversações do movimento de luta contra a escravidão, de humanização dos negros, de organização social e reafirmação dos valores e identidade africanos. Para Carneiro (in MOURA, 2001, p.12) "o quilombo foi essencialmente um movimento coletivo, de massa", resultado da cultura de resistência. Já Reis (1989; 1996) discorre acerca da imensa quantidade de conflitos protagonizados pelos escravizados e ex-escravizados ao longo da história do Brasil e como esses conflitos foram determinantes para minar a rígida hierarquia da sociedade escravocrata abrindo fissuras e obrigando aquela sociedade a diversificar as formas de controle e dominação dos escravizados. Para Cardoso (1987), esses conflitos perenes, sintetizados no binômio luta e acomodação, fizeram com que parte significativa dos proprietários tenham sido levados a estabelecer algum tipo de negociação como tentativa de diminuir a resistência negra. A
  25. 25. 34 exemplo disto, havia a disponibilização por parte dos escravocratas de pequenos lotes de terra onde os cativos poderiam (nos domingos e dias santos) praticar a agricultura e pecuária de subsistência e exercer certas atividades sociais e culturais, longe das vistas dos senhores e de capatazes. Aquele espaço de autonomia - além de formas alternativas de exploração do trabalho escravo, no ambiente urbano, na mineração, no pastoreio e na condução de animais, dentre outras - permitiu que os ex-escravizados passassem a sobreviver nas mesmas ocupações que exerciam antes, conforme os estudos desenvolvidos por Dias (1995) e Santos (1998). Como enfrentavam a recusa generalizada por parte dos empregadores em contratar negros de forma assalariada, restava-lhes o trabalho autônomo ou o empreendedorismo, expressão que, a luz das elaborações teóricas atuais, não poderia ser considerada anacrônica para classificar aquela forma de organizar o trabalho e se inserir no mercado. Ou seja, o trabalho autônomo, auto gestionário, resultado de condicionantes sociais e não por opção, acabou se tornando um traço cultural de parte significativa da população negra. Teria sido determinante, ainda, o legado tecnológico africano, pesquisado por Cunha (2010), no que diz respeito ao desenvolvimento da agricultura, pesca, pecuária e mineração, assim como o artesanato com ouro, metalurgia, carpintaria e marcenaria, indústria têxtil e química, construção civil, comércio e navegação. Todos fundamentais para a sobrevivência dos ex- escravizados, invariavelmente na condição de autônomos, buscando inserção em uma sociedade que, não obstante, negava o trabalho assalariado ao negro, privilegiando operários europeus, como apontado por Kowarick (1994). Ou seja, tanto o quilombo quanto as formas alternativas de sobrevivência na condição de libertos no seio da sociedade escravista, assim como as ocupações de negros características no pós-escravismo, apresentavam importantes aspectos culturais que se mantêm até os dias atuais. Cultura essa que começa quando os negros escravizados veem na manifestação de sua religião, música, indumentária, entre outros aspectos, uma função de resguardo contra a cultura dos opressores. As manifestações culturais muitas vezes iam além do papel simbólico e desempenhavam o papel de veículo ideológico de luta, uma vez que a dominação cultural tem como efeito a dominação social e econômica. Em contrapartida, os negros criaram mecanismos de defesa contra a cultura dominadora, o que para Moura (1992) isso persiste pós-escravidão, quando grupos negros aproveitam valores afro-brasileiros como instrumentos de resistência. Já em relação à abolição, os projetos, orientados pelas construções ideológicas racistas citadas por Schwarcz (1993), não tinham por objetivo inserir os ex-escravizados no mercado
  26. 26. 35 de trabalho; ao contrário: as vantagens oferecidas aos imigrantes, inclusive em dispositivos legais, e a preferência de europeus na contratação por parte dos empregadores, explicitados em anúncios de jornais estudados por Jacino (2008), demonstram que o abolicionismo veio acompanhado do projeto de branqueamento da nação, resultante do darwinismo social e da eugenia, materializada em ações governamentais e na legislação. Ou seja, a marginalização social da população negra foi uma opção dos detentores de poder econômico e do Estado brasileiro. Essa marginalização reforçou o caráter “empreendedor12 ” de homens e mulheres negros que passaram a incorporar o empreendedorismo no seu modo de vida para desenvolver alternativas para burlar o sistema. Exemplos são as atividades desenvolvidas no fim do século XVIII por comunidades que não dependiam exclusivamente da estrutura em torno das tarefas de mineradores, sobretudo em Minas Gerais, onde havia alguns trabalhos essencialmente ocupados por negros livres, como mecânica, lavandeiras, tabuleiros e vendedores ambulantes (BOSCHI, 2002). As propostas de abolição têm início com a crise do sistema escravista, em 1850, quando é extinto o tráfico de escravizados da África para o Brasil. Além disso, o negócio açucareiro entra em decadência e o café passa a exigir maior mão de obra, mas não tendo como importar escravizados da África, a troca de cativos acontece entre províncias, causando certa desarticulação da população negra, que se vê separada de seus familiares com a venda para senhores diferentes, porém acirrando os ânimos daqueles cativos e obrigando os senhores a trocar negros rebelados por outros. A decadência do sistema escravista faz emergir também novas configurações do trabalho, sobretudo com o estímulo governamental pela vinda de imigrantes para o país para substituir a mão-de-obra do escravizado, como já mencionado acima. Então, quando ocorre a abolição, não há nenhuma garantia ou possibilidade de inserção social por parte do Estado. Agora os negros supostamente libertos, além de abandonados na periferia do trabalho, são impedidos do exercício de ocupações com maior valor social e mais bem remuneradas (MOURA, 1992). Sem amparo do Estado e sem um projeto de desenvolvimento, restava como alternativa aos que sobreviviam a economia da subsistência. Em decorrência desse processo de exclusão social, o preconceito e a discriminação eram característicos de um tratamento racial desigual, que minava ou restringia as oportunidades ocupacionais (FERNANDES, 1989; 2013). Ainda assim, a formação de comunidades também ocorria no pós-abolição, quando grupos de ex-escravizados se reuniam para o trabalho de caráter cooperativado, lazer, cultura 12 A prática de atividades autônomas se dava mais por necessidade do que oportunidade.
  27. 27. 36 ou para a prática esportiva. Já em meados do século XX, são criados diversos movimentos negros responsáveis por promover a comunicação entre suas comunidades. Destacamos aqui a edição e circulação de jornais como o Menelick, Notícias de Ébano, Correio d’Ébano, entre outros. Movimentos esses responsáveis por trazer à tona a consciência étnica dos negros e movimentar pautas relacionadas às suas causas. Da década de 1930 em diante surgem organizações mais amplas e organizadas como a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, Associação Cultural do Negro, todas com caráter político e de organização social, mas sempre apontando formas alternativas de sobrevivência econômica da população negra. Na década de 1970, nos período de ditadura civil/militar no país entre os anos de 1964 e 1985, junto ao florescer de diversas organizações sociais reprimidas no período autoritário, surge o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR), mais tarde renomeado de Movimento Negro Unificado (MNU) que, como afirma Moura (1992), representa "uma verdadeira teia nacional desses grupos, mantém o negro unido e cria condições para a preservação da sua memória afro-brasileira" (p. 78). Há certo destaque para esses grupos, numa fase mais recente, para movimentos culturais e artísticos como o hip-hop, que traz consigo características populares, de vanguarda e com linguagem periférica acessível (DOMINGUES, 2007). Como afirma Gomes (2005), os movimentos sociais têm certa responsabilidade de também atuar na reeducação da sociedade, dos meios políticos e acadêmicos, e assim inserir o debate massivo contra a hierarquização de classes, raças, gêneros entre outras classificações que perpetuam tratamentos diferentes e geram desigualdades. Entre as principais bandeiras defendidas pelo movimento negro, encontra-se o acesso à educação, já que desde o período da redemocratização, principalmente os movimentos sociais travam lutas diretas com os poderes públicos em prol de sua universalização. Embora o ensino básico tenha atingindo um patamar em certa medida democrático, os ensinos médio e superior ainda são marcados pela exclusão de acesso para grupos não privilegiados, mesmo que nos últimos anos a lei de cotas no ensino superior tenha sido adotada por grande parte das universidades públicas, ampliando, assim, o acesso de jovens negros a cursos de graduação (NOGUEIRA & MICK, 2013, p, 91). Jaccoud e Theodoro (2005) mobilizam analistas que indicam que a reversão do quadro de desigualdades, que coloca o negro em todas as piores posições nos indicadores sociais, só seria possível a partir de ações educacionais, uma vez que essas proporcionam mobilidade social e possibilidades mais igualitárias na disputa de postos no mercado de trabalho. Todavia, os autores ressaltam que o Estado precisa ir além das
  28. 28. 37 políticas universalistas para garantir o acesso e permanência de crianças e jovens negros em todos os níveis educacionais. Para os autores, "tais medidas implicariam a adoção de políticas de combate aos estereótipos, aos preconceitos e ao racismo, e a promoção de determinadas políticas de promoção da igualdade" (JACCOUD & THEODORO, 2005, p. 115-116). Assim, podemos constatar que desde a chegada de africanos sequestrados no país e até os dias atuais, percebe-se uma organização peculiar de grupos sociais minorizados que se juntam pela denúncia e busca de soluções dos problemas que, de modo geral, foram causados em decorrência de preconceito e discriminação, e que dificultam o acesso e a permanência nos sistemas de trabalho, educação, político, social e cultural. Bem como afirma Almeida (2018): “não é o racismo estranho à formação social de qualquer Estado capitalista, mas um fator estrutural, que organiza as relações políticas e econômicas” (p. 141), assim podemos afirmar que a escravidão definiu lugares de pertencimento e exclusão na sociedade, principalmente a partir das relações de poder e de exploração econômica que geraram opressão racial, causando diversos males também no tempo atual (ALBUQUERQUE & FRAGA FILHO, 2006). A formação e vivência da população negra no Brasil segue entrelaçada ao contexto social e político do país, uma vez que a cada avanço e retrocesso, conquistas ou derrotas recaem sob a população da base da pirâmide. A população negra enquanto organização coletiva passa por uma nova reconfiguração de atuação, sobretudo com o advento da internet e suas plataformas de conexões. Consequentemente, chegamos a um emaranhado de questões que envolvem o complexo cenário do afroempreendedorismo no Brasil: a prática afroempreendedora ocorre por necessidade ou por oportunidade? Os empreendedores negros se sustentam exclusivamente através de suas atividades empresariais? Lucram o suficiente para manter ou melhorar seu padrão de vida? Seria o afroempreendedorismo uma forma de reforçar a identidade negra? A internet e os sites de redes sociais são realmente democratizantes em termos de comunicação para segmentos marginalizados, como a população negra no Brasil?
  29. 29. 38 3.1 Da subsistência ao Afroempreendedorismo: uma outra Economia é possível? Há uma série de definições sobre o que é empreendedorismo, dentre as quais Dornelas (2001) afirma que empreendedores são os pequenos e microempresários que oferecem serviços ou produtos para obtenção de renda. Outros autores definem empreendedorismo como um conjunto de iniciativas para a resolução de problemas sociais e econômicos e a capacidade de criar algo a que se dedicar e receber, eventualmente, recompensas satisfatórias e independência financeira (SANDRONI, 2005; HERICHI; PETERS, 2004 apud SANTIAGO, 2009). Dolabela (2003) emprega uma definição um pouco mais subjetiva e afirma que empreender é um processo humano dominado por emoções, sonhos e desejos, realizado por quem acredita na capacidade de mudar a sociedade e que tem indignação em relação aos problemas sociais. Para o autor, "empreender é, principalmente, um processo de construção do futuro" (DOLABELA, 2003, p. 29). Como discutido no capítulo anterior, todas as fases econômicas do Brasil, passando pela produção açucareira, pela mineração, produtos tropicais e o café, foram desenvolvidas sob a exploração da mão-de-obra escrava de negros e indígenas. Como afirma Oliveira (2017), a respeito das singularidades da configuração da sociedade liberal brasileira, o racismo é elemento estruturante, uma vez que não houve rupturas e nem esforço da elite dominante em amparar a população negra na transição entre a economia colonial para a capitalista. A concentração de riqueza como eixo central da sociedade capitalista brasileira é, portanto, a manutenção da concentração de posse e superexploração do trabalho como instrumental elementar da reprodução do capital e a violência como prática e política permanente para uma suposta ordem social, classificando os conflitos sociais como casos de polícia. Há, em certa medida, uma problemática em relação à prática empreendedora, uma vez que o capitalismo é o algoz protagonista da estrutura racista em voga no país, como afirma Oliveira (2017): “o racismo não é uma deformação de comportamento e sim um mecanismo processual do capitalismo” (p. 35). Refletir sobre a liberdade e o acesso ao trabalho do negro escravizado é essencial para compreender as configurações da sociedade. Em meados do fim do século XIX, na transição econômica do período pós-abolição, havia certas tendências de ocupações para negros livres, como comércio e prestação de serviços para a maioria de mulheres, e trabalho braçais para homens. Todavia, além do aumento exponencial da concorrência de trabalho com os estrangeiros brancos, os trabalhos livres por parte dos negros eram considerados “vagabundagem”. Em decorrência disso, a elite deixava claro que sua preferência de
  30. 30. 39 contratação era de brancos estrangeiros e não de negros. Sem qualquer amparo do Estado, ocupações subalternas desvalorizadas, sem acesso à terra e à educação, desprestígio e criminalização das manifestações culturais e de sociabilidade contribuíram para a segregação de negros e mestiços para as periferias das cidades, a perpetuação da alienação cultural, social e política, dificultando a organização autônoma (THEODORO, 2008; JACINO, 2019). O contexto econômico atual reforça a existência de conflitos estruturais da sociedade não resolvidos, porém para Almeida (2017) os efeitos recaem aos sujeitos, sobretudo os que pertencem a grupos minoritários, e não há, de forma incisiva, questionamento das estruturas por aqueles acomodados nos privilégios que elas [as estruturas] proporcionam, essas sim responsáveis por desencadear crises. O autor afirma ainda que, ao pensar nos conflitos sociais pelo viés de classe, é necessário se atentar às estratificações específicas em cada uma dessas classes, ou seja: há mulheres, negros, pessoas LGBTI+, entre outros grupos minoritários, em todas elas. Há de se problematizar ainda o discurso empreendedor meritocrata que outorga o fim do emprego e liberdade econômica cunhado no enfraquecimento dos direitos trabalhistas e proteção social que promove a responsabilização dos indivíduos pela resolução de conflitos que são da alçada do Estado e causados pelo capitalismo (ALMEIDA, 2017). Essa visão se aproxima ao que Dardot e Laval (2017) chamam de sujeito neoliberal, ou seja, aquele que é uma “empresa de si mesmo”, inteiramente imerso numa competitividade empresarial, mas em decorrência das reconfigurações do sistema capitalista. Para os autores, o sujeito produtivo é resultante da sociedade industrial de redefinição de poder para além do aumento de produtividade. Cada sujeito é, então, o “sujeito empresa” tanto no sentido burocrático, quanto na subjetividade. A partir desta reflexão, concordamos com Almeida (2017) quando o autor afirma: A busca por uma nova economia e por formas alternativas de organização é tarefa impossível sem que o racismo e outras formas de discriminação sejam compreendidas como parte essencial dos processos de exploração e de opressão de uma sociedade que se quer transformar (p.198). Logo, ao pensar em um recorte de raça dentro da temática do empreendedorismo, encontramos um exponente movimento de afroempreendedorismo realizado por pessoas negras e, por vezes, com foco em consumidores também negros. O cenário atual do afroempreendedorismo no Brasil ganha certo destaque com iniciativas coletivas que pautam a temática na sociedade, como: Feira Cultural Preta, Afrobusiness, Black Rocks Startup, Movimento Black Money, Projeto Brasil Afroempreendedor, Reafro, Centro de Estudos e Assessoramento de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros, Coletivos de
  31. 31. 40 Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros, Associação Nacional de Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros (MONTEIRO, 2013; OLIVEIRA, 2018), dessa maneira nos atentamos para o caráter de filiação da população negra enquanto herança de sua própria história ultrajante, bem como afirma Monteiro (2013): “não é razoável supor que os afro-brasileiros tenham como se libertar dela (história ultrajante) a não ser também coletivamente, juntos, um ajudando ao outro, formando associações capazes de torná-los fortes profissionalmente” (p. 112). Mas mais do que articulação coletiva somente dos afroempreendedores, é necessário também uma atenção por parte do Estado, uma vez que o direito ao trabalho e renda é eixo central para o desenvolvimento econômico e social (RIBEIRO, 2013). Assim, “o empoderamento desses agentes deve acrescentar estratégias específicas dos poderes públicos para assegurar capacitação, crédito e políticas compensatórias” (NOGUEIRA & MICK, 2013). Para tanto, na próxima seção apresentaremos pesquisas já realizadas sobre afroempreendedorismo no Brasil, levantamentos de perfil com o fim em criação de políticas públicas e o mapeamento das discussões dos últimos anos na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). 3.2 Afroempreendedorismo: um estado da arte Para compreender o que se tem pesquisado sobre afroempreendedorismo no Brasil, realizamos uma revisão sistemática (HADDAD, 2002; FERREIRA, 2002; SAMPAIO & MANCINI, 2007) sobre o tema e assim buscamos entender: quais áreas de pesquisa o abordam; de quais regiões do país são os estudos; em quais níveis acadêmicos estão alocadas as pesquisas; quais metodologias são utilizadas; e quais problemas de pesquisas aparecem nos estudos sobre afroempreendedorismo. Para tanto, buscamos nos repositórios Google Acadêmico, Scielo e Capes pelas palavras-chave “afroempreendedorismo”, “afro empreendedorismo”, “empreendedorismo negro”, “afro-empreendedorismo”, “afroempreendedor”, “afro empreendedor”, “empreendedor negro”, “afro-empreendedor” em língua portuguesa a respeito dos trabalhos publicados nos últimos 10 anos (2008 – 2018) 13 . Além da língua, determinamos como critérios de inclusão trabalhos que continham os termos de busca nas palavras-chave ou no 13 Buscamos entender o contexto da última década, embora, conforme ilustra o gráfico 3, somente a partir de 2014 há trabalhos relacionados à temática.
  32. 32. 41 resumo. Sobre os resultados, não foram encontrados trabalhos nos repositórios Scielo e Capes, porém no Google Acadêmico encontramos 20 trabalhos. Na aplicação do segundo nível de inclusão – estar em língua portuguesa e ter propriamente o tema no desenvolvimento do trabalho – restaram 14 trabalhos. O ano de 2018 foi o que mais teve publicações sobre o tema: ao todo foram 9, conforme Gráfico 3 abaixo. A maioria dos trabalhos são monografias (5), seguido de paper de evento (3), periódicos (2), tese (1), dissertação (1), livro (1) e capítulo de livro (1) e os trabalhos tratam principalmente de economia (5), identidade (4), racismo (4) e epistemologia (1). Sobre metodologias, o memorial descritivo e a etnografia são aos dois métodos mais utilizados, estando em 11 e 7 trabalhos, respectivamente. Já em relação às áreas, antropologia aparece em destaque com 8 trabalhos e administração com 3. Aparecem ainda comunicação, ciências humanas, ciências sociais e sociologia. E por fim, sobre os níveis acadêmicos identificados, temos especialização e mestrado com 3 publicações cada. Gráfico 3 – Afroempreendedorismo: trabalhos publicados por ano Fonte: Elaboração Própria. Em uma observação qualitativa dos artigos encontrados na revisão sistemática, vemos algumas características que se sobressaem, como a questão da territorialidade abordada nos trabalhos de Lima e Benevides (2018) sobre o afroempreendedorismo em Salvador, tendo
  33. 33. 42 como ponto de partida os negócios alocados no co-working Ujamaa. As autoras levam em consideração o fato de a cidade ser a maior em quantidade de pessoas negras fora da África, questões históricas e sociais da população negra no Brasil e os benefícios da formação de uma rede de colaboração entre os afroempreendedores. Já no artigo de França, Dias e Oliveira (2018) os autores buscam expor as dificuldades enfrentadas por empreendedores negros na cidade de Uberaba, Minas Gerais. Sobretudo a partir da concepção do preconceito racial enquanto raiz de uma dificuldade maior para estabelecer e manter os empreendimentos. Os negros empreendedores da região metropolitana do Rio de Janeiro são o foco de pesquisa na dissertação de Santos (2017). O autor busca compreender as influências raciais no empreendedorismo e ressalta a importância de se discutir raça no campo da administração. Como resultados, o pesquisador elenca aspectos da identificação e significado do trabalho por parte dos afroempreendedores. No trabalho de monografia de Teixeira (2017), o autor analisa os desafios e oportunidades para empreendedores negros no Distrito Federal. Para tanto, o autor aplicou entrevista em profundidade com empreendedores negros acerca da vivência, identidade, discriminação e opiniões a respeito da Feira ‘Coisa de Preto’ e a Lei 5.447/2015, que instituiu o Programa Afroempreendedor do Distrito Federal. O pesquisador concluiu que os empreendedores usam do espaço que alcançaram para afirmar sua identidade racial, com uma representação positiva do negro em seu empreendimento e na geração de empregos e/ou prestação de serviços para outros afrodescendentes. Outros aspectos aparecem nas pesquisas já publicadas sobre a temática do afroempreendedorismo, como as questões sociais e econômicas abordadas nos trabalhos de Nascimento (2018), que analisa o perfil socioeconômico e cultural para explorar quais as motivações e o sentido atribuído na prática empreendedora da população negra no Brasil, e no artigo de Souza (2015), que discute o papel do BNDES e do SEBRAE no fomento e capacitação do empreendedorismo negro brasileiro. Para tanto, o autor argumenta sobre a impossibilidade de se dissociar desenvolvimento econômico da equidade racial. O pesquisador analisa o relatório do SEBRAE "Os donos de negócio no Brasil: análise por raça/cor” e as políticas de investimento do BNDES. As organizações que tratam de afroempreendedorismo são temas de diversas pesquisas, dentre elas a de Qundondo (2017) pela qual o autor apresenta uma análise do perfil dos afroempreendedores da cidade de Criciúma, em Santa Catarina. Principalmente dos filiados à rede Afroem, identificando ao fim que a maioria dos participantes da rede é do ramo do comércio e que os empreendedores sofrem com recursos financeiros para iniciar ou manter
  34. 34. 43 seus empreendimentos. Já na tese de Silva (2016), a autora aborda, a partir do viés antropológico, as imbricações entre política e economia nas relações estabelecidas no evento ‘Feira Preta’. A autora considera em sua análise o contexto social e político do país nos últimos 15 anos, os mecanismos de solidariedade que potencializam a construção de imaginários e espaços, além da ênfase no papel protagonista de mulheres negras na articulação e mobilização estética e política no Brasil contemporâneo. A Reafro (Rede Brasil Afroempreendedor) é tema de dois trabalhos, o de Silva (2017), em que a autora busca compreender como as atividades empreendedoras da Reafro reforçam a identidade afrodescendente dos seus associados. Além disso, a autora busca: elencar as atividades empreendedoras propostas pela Reafro e Reafro do Rio Grande do Sul; identificar os motivos que levaram os empreendedores a se associarem à Reafro/RS; identificar a presença do tema da identidade afrodescendente no material institucional e no discurso da rede; e compreender a relação dos associados com o tema da identidade afrodescendente. Já na monografia de Simão (2017), o autor discute o perfil dos Afroempreendedores da Reafro também no Rio Grande do Sul e os impactos do pertencimento à rede para os negócios. O pesquisador identificou, como parte dos resultados, que as mulheres negras são maioria na rede, grande parte são microempreendedoras individuais e prestam serviços. Além disso, o autor constata que o pertencimento à rede Reafro trouxe benefícios para a maioria dos entrevistados em seu trabalho. Já os trabalhos de Oliveira (2018a; 2018b) fazem uma aproximação da teoria da economia étnica e o afroempreendedorismo a partir da análise de redes sociais com páginas de grupos e associações relacionados ao tema, e a partir da página no Facebook da Feira Cultural Preta. Por fim, encontramos o livro “O Empresário Negro – Trajetórias de sucesso em busca de afirmação social”, de José Aparecido Monteiro, publicado somente em 2001 e com segunda edição em 2017, mas que reúne história de empreendedores negros do final da década de 80. O livro conta a trajetória da pesquisa realizada pelo autor, que entrevistou pequenos empresários negros em torno de temas relacionados ao empreendedorismo negro como ferramenta de desenvolvimento econômico e humano. O autor ressalta em seu trabalho a necessidade de organizar coletivamente ações para a promoção do grupo enquanto comunidade historicamente discriminada. Portanto, observamos uma forte demarcação territorial nos trabalhos analisados, além de estudos que têm como ponto de partida a atuação de grupos ou associações, como os trabalhos que analisam a Reafro, Afroem e Feira Preta. Além disso, vemos que grande parte
  35. 35. 44 dos trabalhos foi publicada muito recentemente (entre os últimos dois anos), fato que demonstra a crescente observação e importância do tema. Não há, além dos trabalhos originados desta própria pesquisa, outros que se relacionam à teoria da economia étnica, tampouco com viés da tecnologia e internet. A realização desta revisão sistemática é importante na medida em que nos permite conhecer o que se tem estudado a respeito do afroempreendedorismo no Brasil, quais as problemáticas foram levantadas e quais os panoramas de contribuição para o campo a partir da pesquisa aqui desenvolvida. 3.3 Perfil, acesso ao crédito e políticas públicas sobre o afroempreendedorismo Há iniciativas acadêmicas e institucionais que se empenharam em estudar o perfil e as condições de atuação do afroempreendedor brasileiro. Dentre elas, trazemos o “Relatório Igualdade Racial, Desenvolvimento, Empreendedorismo e Solidariedade: desafios para o Brasil Contemporâneo” (MICK, 2016) e o estudo “Acesso ao crédito produtivo pelos microempreendedores afrodescendentes e os desafios para a inclusão financeira no Brasil” (PAIXÃO, 2015) para discutir o perfil e as dificuldades no acesso de investimento por afroempreendedores, elemento essencial para o estabelecimento, mantimento e desenvolvimento de empreendimentos. Além disso, realizamos um levantamento desenvolvido, por meio de pesquisa documental, das intenções em políticas públicas cunhadas pela então Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) entre os anos de 2009 e 2016. Discorremos a seguir sobre os principais aspectos desses levantamentos. A pesquisa desenvolvida por Mick (2016) teve métodos baseados em: coleta de dados documentais na base cadastral do Projeto Brasil Afroempreendedor, enquete online e presencial, entrevista em profundidade com participantes do projeto, entrevista em profundidade com consultores estaduais do projeto, coleta de dados documentais nos planos de negócios e enquete de avaliação do projeto. O objetivo é comparar o perfil dos participantes do Projeto Brasil Afroempreendedor (PBAE) com a pesquisa Os donos dos negócios: análise por raça/cor do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e assim tentar compreender os efeitos do racismo no mundo dos negócios e análise de planos de negócios e cadeias produtivas. Dentre os principais resultados, nota-se que no PBAE, a presença de mulheres foi duas vezes superior ao conjunto de empreendedores, e a formação superior foi noves vezes maior
  36. 36. 45 que a média. Em relação ao grau de escolaridade dos participantes do PBAE, 64,4% tem ao menos curso superior incompleto, o que para o autor impacta diretamente em resultados das políticas de acesso à educação, como as cotas raciais. Embora o acesso ao ensino superior seja importante, o aumento da renda, segundo o autor, não acontece na mesma proporção que para pessoas não negras. A maioria dos respondentes (48%) recebe de um a três salários mínimos e a taxa de novos empreendimentos foi quase duas vezes maior que no total de afroempreendedorismo. Há um forte envolvimento dos participantes (55,3%) em partidos políticos, movimentos sociais, culturais, de caridade e religiosas, sobretudo as de matriz africanas como o candomblé e umbanda. Mais da metade dos participantes (53,8%) do PBAE afirma já ter vivido situações de preconceito em suas atividades profissionais. Para o autor, quanto mais elevado o grau de escolaridade e a participação em movimentos sociais, maior a capacidade de reconhecimento de preconceitos. Outra maneira de articulação em destaque é o uso das redes sociais14 , apontada por 96% dos participantes, sobretudo as plataformas Facebook (96,6%) e WhatsApp (86,1%). Para o autor, esse dado indica elevado potencial de articulação e cooperação entre os empreendedores. Sobre o perfil das empresas, grande parte dos empreendimentos do PBAE se concentra em serviços (41,7%), seguido de comércio (30,1%) e atividades lúdico-culturais (12,6%). A criação dos negócios se deu por oportunidade (39,1%), necessidade (23,5%) ou outras razões (37,1%). Dentre essas outras razões estão a realização de um sonho (31,6%), oportunidade de ganhar dinheiro (19,4%), possibilidade de atendimento de uma demanda de mercado (18,9%) ou já ter trabalhado no ramo como empregado (17,6%). Em relação aos recursos, a pesquisa demonstra que grande parte dos negócios foi iniciada com recursos próprios (78,1%) ou com empréstimo de familiares ou amigos (7,8%); apenas 3,7% obtiveram financiamento bancário; 69,3% dos negócios nunca obtiveram crédito e entre os que tiveram acesso a crédito, a maior parcela (19,9%) afirmou que o recurso ajudou o empreendimento (muito ou pouco) e para 7,7% o dinheiro não ajudou ou gerou endividamento. Dado que nos leva ao estudo “Acesso ao crédito produtivo pelos microempreendedores afrodescendentes e os desafios para a inclusão financeira no Brasil” - desenvolvido pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) no Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER), sob coordenação do Professor Marcelo Paixão - que teve como 14 Terminologia utilizada no documento mencionado.
  37. 37. 46 objetivo avaliar a presença da discriminação de cor ou raça no acesso ao financiamento produtivo de Microempreendedores Individuais (MEI’s). A metodologia do estudo é baseada em entrevistas com uma amostra composta por cerca de 1.000 (mil) MEI’s da cidade do Rio de Janeiro/RJ e Salvador/BA e conta com cinco partes temáticas, sendo elas: 1) o problema do racionamento de crédito; 2) as políticas recentes de microcrédito produtivo no Brasil; 3) a caracterização da população pesquisada; 4) acesso ao sistema de crédito produtivo e percepção de discriminação; 5) considerações finais. Na análise dos valores solicitados e aprovados por bancos públicos, bancos privados, financeiras, bancos cooperativados e por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) com recorte de raça em preto, pardo e branco, entre os MEI’s entrevistados é possível ter uma noção da possível discriminação por estereótipo. Os MEI’s brancos são os que solicitam maior valor de crédito e tem maior taxa de aprovação do valor total (62,7%), os MEI’s pretos embora solicitem um valor acima dos pardos, são os que têm menor taxa de aprovação do valor total do solicitado (50,7%) e, consequentemente, a maior taxa de não liberação do pedido de crédito (10%). O estudo indagou os entrevistados sobre por qual razão eles imaginam que tenha ocorrido o racionamento de crédito, e as opções de respostas foram agrupadas em quatro tipos. São eles: 1) Problemas relacionados ao perfil do negócio que engloba: Pelo pouco tempo de desempenho da atividade econômica; Pelo tipo de atividade econômica; 2) Renda insuficiente que engloba: por ter renda insuficiente; 3) Por restrições cadastrais ou falta de garantias que engloba: Por estar com restrições no SPC/SERASA; Por não oferecer garantias exigidas; 4) Por discriminação de distintas naturezas que engloba: pela minha cor ou raça; Pelo local de nascimento. Os pretos, embora com menor taxa de resposta em relação à renda insuficiente e de restrições cadastrais, formam a única categoria que aponta discriminação com 22,2% de respostas no agrupamento “Por discriminação por distintas naturezas”. Ao serem questionados sobre o grau de dificuldade, os MEI’s pretos são os que apresentaram maior pessimismo sobre o acesso ao crédito produtivo com 29,6% que consideram muito difícil e 31,2% difícil. Sobre o grau de conforto dentro dos estabelecimentos públicos e privados, os MEI’s pretos e pardos são os que mais verbalizaram incômodos com a forma como são olhados, com constrangimento sentido e pelo incomodo com a porta giratória tanto em bancos públicos quanto em bancos privados. O estudo sugere aplicações de políticas públicas para estimular e direcionar a utilização do sistema de crédito levando em consideração as variáveis de escolaridade, dificuldades de funcionamento e por região, bem como raça e cor para diminuir os possíveis
  38. 38. 47 racionamentos de créditos baseados em estereótipos e preconceitos. Pensando nesses aspectos, realizamos levantamento dos últimos anos nos relatórios de gestão da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)15 sobre pautas relacionadas ao afroempreendedorismo. Buscamos então, as menções ao empreendedorismo negro16 nos relatórios anuais17 dos anos de 2009 a 2016, recorte temporal justificado por conter os anos disponíveis na seção ‘Acesso à Informação’ do órgão. Segue abaixo a descrição de cada menção encontrada em cada um dos documentos. No documento do ano de 2009 não há menções ao empreendedorismo negro, já em 2010 há menções em relação à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, a Lei n.º 12.288 de 20 de julho de 2010, da qual incentiva, entre outros aspectos, o empreendedorismo negro. Além disso, o documento afirma ter dado apoio à 9ª edição da Feira Cultural Preta, evento que incentiva a participação de pessoas negras no ambiente mercadológico, negócios, comércios e serviços. Nos resultados e conclusões há a ressalva da necessidade de pesquisas e mapeamento com recorte de raça, devido à importância em se compreender o perfil da população negra no Brasil, sendo que essa ressalva contempla o empreendedorismo. No campo da formação e capacitação houve uma parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego para qualificar cerca de 25 mil pessoas com diversos cursos, entre eles o de Empreendedor Individual (SEPPIR, 2011). No ano de 2011 a SEPPIR realizou, a partir da Rede Selo Quilombos do Brasil e em parceria com alguns ministérios, o Seminário Nacional de Empreendedorismo. O evento ocorreu na cidade de Santa Maria e compôs a 18ª Feira Estadual de Cooperativismo Alternativo e a 7ª Feira de Economia Solidária dos Países do Mercosul. Entre os temas debatidos estavam Etnodesenvolvimento, Comércio Justo e Economia Solidária, além da presença de mais de 50 representações, entre elas, a Secretaria da Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Museu Treze de Maio, representantes das Comunidades Quilombolas de outros Estados e de diversos municípios do Rio Grande do Sul (SEPPIR, 2012). Em 2012 a SEPPIR firmou parcerias com agências de fomento e assessoria técnica para micro e pequenas empresas e para atividades com iniciativas da sociedade civil com o 15 Secretaria que no ano de 2019 passou a fazer parte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 16 Terminologia utilizada no documento. 17 Relatórios disponíveis via Transparência Ativa em atendimento à Lei de Acesso à Informação.
  39. 39. 48 objetivo de estabelecer diálogo com empreendedores negros. Ainda em 2012 foi realizado o Seminário com Empreendedores Negros Americanos e Brasileiros resultando em propostas de trabalho com o Ministério do Esporte e demais entidades relacionadas aos grandes eventos que ocorreriam em 2014 (Copa do Mundo) e 2016 (Olimpíadas). Também em 2012 ocorreu o encontro de empreendedores negros no Rio de Janeiro, resultando em parcerias de trabalho entre Superintendência de Políticas da Igualdade Racial do Estado do Rio de Janeiro (SUPIR) e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade do Município do Rio de Janeiro. E, por fim, em 2012 ocorre o início da conversa entre SEPPIR e SEBRAE para um Acordo de Cooperação para promover ações afirmativas no campo do empreendedorismo negro no Brasil. Nas propostas previstas para o ano seguinte havia a sugestão da criação de linhas de crédito para em apoio ao empreendedorismo negro (SEPPIR, 2013). No ano de 2013, durante a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, foi assinado o Protocolo de Intenções entre a SEPPIR e o SEBRAE para a implementação de ações relacionadas ao empreendedorismo negro, voltadas ao seu fortalecimento e com o objetivo de beneficiar diretamente pessoas e organizações da comunidade afro-brasileira que se enquadrassem nas categorias de potenciais empresários, microempreendedores individuais e micro ou pequenas empresas. Outro ponto relacionado ao tema, foram as ações de Cooperação Internacional, ocasião pela qual a SEPPIR deu continuidade à implementação do Plano de Ação Conjunto entre o Governo Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América para a Eliminação da Discriminação Étnico-racial e a Promoção da Igualdade, coordenado pela SEPPIR e pelo Ministério das Relações Exteriores e cujo objetivo foi promover trocas de experiências, tendo estabelecido como foco diversas áreas temáticas, entre elas o empreendedorismo (SEPPIR, 2014). No ano de 2014 os destaques em empreendedorismo negro da SEPPIR foram o protocolo de intenções firmado entre SEPPIR e SEBRAE, realização do Seminário sobre Empreendedorismo Negro que contou a presença de 25 pessoas, dentre elas: acadêmicos, setores do governo e representantes de instituições financeiras como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Ministério do Trabalho e Emprego (MTEM), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), Secretaria da Micro e Pequena Empresa (SMPE), SEBRAE e Caixa Crescer. O objetivo foi estabelecer metas e diálogos para a disseminação de informações a respeito do empreendedorismo na perspectiva da promoção da igualdade racial. Desse encontro, ocorreu
  40. 40. 49 o encaminhamento do protocolo de intenções sobre a Caixa Crescer, programa de microcrédito orientado para empreendedores negros (SEPPIR, 2015). Em 2015 e em 2016 ainda permanecem os protocolos de intenção entre SEPPIR, SEBRAE e a Caixa Crescer, além de atividades que versam, sobretudo, pelo fortalecimento da formalização e desenvolvimento de pequenos empreendedores, impulsionando a geração de emprego e renda sempre pelo viés de prevenção e enfrentamento do racismo institucional e promoção de política de igualdade racial (SEPPIR, 2016; 2017). Portanto, verificamos que foi uma pauta da SEPPIR promover e tornar política pública esforços para o desenvolvimento técnico e financeiro de empreendedores negros. Nota-se forte ênfase na necessidade de se pensar linhas de crédito específicas, programas de educação e formação empreendedora, parcerias público-privada e o forte reforço da mensagem em combater o racismo estrutural da sociedade brasileira e a promoção de igualdade racial. Observamos, então, que tanto nos trabalhos da revisão sistemática quanto nos relatórios apresentados neste capítulo, as concepções e práticas de afroempreendedorismo colocadas em discussão demonstram pleno conhecimento das consequências do racismo estrutural que permeia a história econômica e social do país. Principalmente se tratando do problema do acesso ao financiamento que se mostra como uma das questões mais latentes de impedimento burocrático para se desenvolver uma prática afroempreendedora plena. Ainda que no passado tenha ocorrido algum esforço da SEPPIR para promover ações de políticas públicas e parcerias benéficas para o circuito afroempreendedor, nenhuma decisão categórica foi de fato efetivada. Do mesmo modo, as pesquisas levantadas no estado da arte relacionam- se também com aspectos sobre identidade, comunidade e redes cooperativas de Afroempreendedores. Temos, então, como elemento central e inquestionável as questões relacionadas ao racismo que, talvez sejam o principal empecilho para uma nova economia possível.
  41. 41. 50 4. REDES SOCIAIS NA INTERNET E A FILIAÇÃO PELO FATOR RACIAL: A REDE DE AFROEMPREENDEDORES Negro drama, Eu sei quem trama, E quem tá comigo, O trauma que eu carrego, Pra não ser mais um preto fodido, O drama da cadeia e favela, Túmulo, sangue, Sirenes, choros e velas, Passageiro do Brasil, São Paulo, Agonia que sobrevivem, Em meia zorra e covardias, Periferias, vielas, cortiços, Você deve tá pensando, O que você tem a ver com isso? Desde o início, Por ouro e prata, Olha quem morre, Então veja você quem mata, Recebe o mérito, a farda, Que pratica o mal, Me ver pobre preso ou morto, Já é cultural Negro Drama – Racionais MC’s Este capítulo pretende discutir aspectos primordiais para a pesquisa sobre internet e suas ferramentas de sociabilidade, sobretudo em relação ao processo de formação de filiação e aglomerações de grupos pelo fator identidade e a discussão sobre humanidades digitais com foco em população negra. Gostaríamos, porém, de iniciar pontuando conceitos que serão citados e que podem, eventualmente, causar confusão, tais como sites de redes sociais, mídias sociais e redes sociais na internet. Os sites de redes sociais são suportes para a criação e manutenção de redes sociais. Logo, para que um suporte seja considerado um site de rede social é necessário que se tenha perfis públicos de usuários, conteúdos produzidos e distribuídos por diversos usuários e não somente pelo suporte em si, ainda que haja articulação pública de conexões, como as amizades no Facebook. Todavia, os sites de redes sociais ganham certa relevância quando os usuários passam a utilizá-los como principal meio cotidiano para consumir e produzir conteúdo – a reapropriação da ferramenta pelo usuário. À vista disto, do ponto de vista da propagação de conteúdo, os sites de redes sociais são vistos como uma mídia social, ou seja,
  42. 42. 51 meio de distribuição de conteúdo estruturalmente diferente das mídias de massa, como rádio e televisão. Já quando se trata de redes sociais por si só, falamos dos agrupamentos sociais constituídas através das relações entre os indivíduos, logo as redes sociais na internet são as migrações desse agrupamento social para o campo digital e que trazem como principais características os rastros digitais das dinâmicas sociais, produções de conteúdos e as representações de indivíduos (RECUERO, BASTOS & ZAGO, 2015). Dito isso, é importante compreendermos, conforme Castells (2003), que a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas e sem compreender como ocorrem as apropriações dessas tecnologias pelos indivíduos. Para o autor, quando os usuários assumem certo controle do uso assimilado da tecnologia, eles incorporam a capacidade de transformação das sociedades. Logo, os usuários adaptam as novas tecnologias e os processos para seus objetivos, apropriam-se da comunicação horizontal e da formação autônoma de redes, e assim atribuem qualidades à internet que influenciam atividades econômicas, sociais, culturais e políticas. Há diferenças encontradas no ambiente informacional em contrapartida à mídia de massa, a exemplo da arquitetura de rede que, ao ser distribuída, proporciona conexões multidirecionadas entre os nós, e por esse motivo há elevada interatividade e interconectividade. Há ainda o acesso de custo menor, assim o "usuário comum" torna-se propagador de suas próprias mensagens (SILVEIRA, 2008). Dessa forma, as novas tecnologias de comunicação e informação demandam novos fenômenos observáveis e problematizáveis, sobretudo ao que se refere à transversalidade, à descentralização e à interatividade, fatos que, segundo Lemos (2015), proporcionam a potencialização de vozes e visões diferenciadas. Logo, a internet, ao produzir sentido em seres socialmente situados e que fazem de seu uso algo rotineiro, torna-se campo de manifestações políticas, comerciais, de propagação de opiniões, de associações e formação de comunidades por interesse (HINE, 2015). Ainda que no ambiente digital as grandes corporações tenham o poder de controlar a infraestrutura e os fluxos de informação, as audiências não podem ser impedidas de acontecer. Assim, pessoas e coletivos são capazes de criar conteúdo e soluções relacionadas às suas questões sem o intermédio de grandes grupos de comunicação. Criando então, novas formas de ação, interação e relações sociais (SILVEIRA, 2008). Chama-nos atenção especificamente a formação de relacionamentos a partir de interesses em comum, do ambiente interativo, recíproco, comunitário e intercomunitário do qual, em certa medida, os participantes podem contribuir (LÉVY, 2010). Ainda dentro desse recorte de análise, a pesquisa aqui desenvolvida foca em aspectos racializados, pautados na questão da
  43. 43. 52 identidade nos sites de redes sociais, nos sites de mídia sociais e nas redes sociais na internet. Esses temas já são comumente debatidos em alguns estudos, a exemplo do trabalho de Freelon et al (2016a; 2016b; 2018) que estuda: o movimento Black Lives Matter no Twitter e em alguns sites, para verificar o poder dos movimentos sociais no contexto digital em torno de quatro elementos essenciais de análise de contestação online: valor, unidade, números e comprometimento; os movimentos de direitos civis e justiça a partir da análise das hashtag #Ferguson e #BlackLivesMatter para entender como o uso de sites de redes sociais contribuem para os objetivos contra a violência de ativistas, sobretudo os relacionados ao movimento Black Lives Matter; e outras comunidades em sites de redes sociais que interagem e pautam as mídias jornalísticas alternativas sobre esse mesmo movimento. Ou ainda Noble e Tynes (2016) que tratam de discutir a interseccionalidade na internet a partir de debates em torno de raça, classe, gênero e cultura online. Sobretudo numa análise baseada em teoria crítica racial para compreender fenômenos sociais, políticos e econômicos, racismo e desigualdades. Percebemos nessas propostas de análise a presença marcante de discussões sobre a questão da identidade e sua relevância na delimitação de discursos, posicionamento político, entre outros aspectos sociais. Logo, entendemos que a reflexão acerca do conceito de identidade compõe papel importante no desenvolvimento da pesquisa aqui proposta. A identidade, por sua vez, percorre por diversos debates em muitas áreas do conhecimento. Para Castells (1999), por exemplo, a identidade é uma fonte de significados e experiências de um determinado povo, sobretudo com base em um conjunto de atributos culturais inter- relacionados, sendo possível possuir identidades múltiplas a um indivíduo. O autor afirma ainda que toda identidade é construída. A questão é compreender o como, a partir de quê, por quem e para quê. Pontua, ainda, três formas dessa construção de identidade, são elas: identidade legitimadora, apresentada pelas instituições dominantes para expandir e racionalizar sua dominação; a identidade de resistência, criada por atores sociais em condições desvalorizadas e estigmatizadas pelas relações de poder e que diante disto criam maneiras de resistir e sobreviver ao contexto; e por fim, a identidade de projeto – quando os atores sociais criam uma nova identidade que redefine sua posição na sociedade e assim fazem a partir de qualquer material cultural ao seu alcance. Sendo assim, quando tratamos de pessoas negras no Brasil, esse grupo está repleto de estigmas, papéis sociais e estereótipos, ou seja, de uma série de atributos culturais inter- relacionados. A priori, é possível afirmar que dentre as categorias apresentadas por Castells (1999), as identidades em torno da população negra se enquadram na identidade de
  44. 44. 53 resistência, sobretudo pela trajetória histórico-social marcada por eventos excludentes e violentos, como já melhor especificado no capítulo três deste trabalho. Quando tratamos de população negra que descende principalmente de Africanos, estamos falando também do movimento de diáspora. Para Gilroy (2007), a diáspora vai além da codificação no corpo, na “raça” enquanto pertencimento a uma nação, mas ela problematiza a mecânica cultural e histórica do pertencimento. Ela perturba o poder fundamental do território na definição da identidade ao quebrar a sequência simples de elos exploratórios entre lugar, localização e consciência (GILROY, 2007, p. 151). Em outra perspectiva, a diáspora por Hall (2003) é um não estar efetivamente em casa, nesse contexto as identidades se tornam múltiplas e não é possível se desenvolver sem levar em consideração os outros significativos. Logo, o outro passa a ter uma posição marcada de forma diferencial dentro da cadeia discursiva. Essa posição de outros também pode ser analisada pelo o que Canclini (2015) considera diferentes, aqueles que têm em seu lugar de fala um instrumento político que vai à contramão de uma autorização discursiva nas relações de poder, tanto do ponto de vista das mídias quanto das próprias relações sociais (RIBEIRO, 2017). Por diferenças ou os diferentes, Canclini (2015) afirma que são aqueles que não se enquadram nos padrões homogeneizados impostos pela globalização. Para o autor, os recursos interculturais são decisivos para construir alternativas que colaboram com o entendimento de que “os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos” (CANCLINI, 2015, p. 17) e assim criam maneiras de ressaltar suas identidades sem necessariamente adotar um padrão preconcebido pelos efeitos da globalização. Esses grupos são localizados em uma hierarquia social e não humanizada, o que faz com que suas produções intelectuais, saberes e vozes sejam estruturalmente silenciados (RIBEIRO, 2017). Para a autora, isso, de forma alguma, significa que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias formas de organizações políticas, culturais e intelectuais (RIBEIRO, 2017, p. 63). Nesse sentido, retomamos Castells (1999), que afirma que a raça é uma fonte fundamental de significado e reconhecimento e, entre diversos aspectos como as questões de opressão e discriminação, a organização em rede a partir da raça e etnia proporciona relações baseadas em significado e identidade. Para argumentar seu ponto de vista o autor apresenta breve trajetória da população negra norte-americana que, assim como na história do Brasil, também tem sua identidade calcada a partir de um povo sequestrado e escravizado. A construção de identidade acontece principalmente a partir do princípio de identidade de

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