História e motivação teológica do celibato eclesiástico
1. O dom do celibato I
História teológica do celibato
eclesiástico
2. Dom precioso - atacado
Uma conversa...
Por que tão questionado?
Pastores dabo vobis (29):
“(celibato sacerdotal) constitui
um inestimável dom de Deus à
Igreja e representa um valor
profético para o mundo atual”
3. Valor profético
Sinal do Reino que não é deste
mundo
Sinal da completa entrega de
Cristo ao Pai e à Igreja
Enfático estímulo à fidelidade
matrimonial
4. Tesouro em vasos de barro
João Paulo II na carta aos
sacerdotes de 1979: “um
tesouro” mas um “tesouro em
vasos de barro”
Passou por vários momentos de
de crise, em que se introduziu o
relaxamento, em que foi dura-
mente questionado
Mas sempre se manteve
5. Momentos de crise
Século de ferro (1000) – simo-
nia e nicolaismo. Combatida pe-
la influência de Cluny, terminou
com a reforma gregoriana
Renascimento (1500). Alexan-
dre VI símbolo da época. Ex:
em Bolonha, metade das
legitimações. Escândalo de
Lutero. Trento pôs fim à crise
6. Momentos de crise
Iluminismo (culto à razão na-
tural e forte anticlericalismo)
Memorial (Denkschrift) de
professores da universidade de
Friburgo para obter abolição do
celibato, contestado por Johann
Adam Möhler e Kierkegaard.
Modernismo (1900)
7. Momentos de crise
Pós-concílio (identidade do
sacerdote)
Queda vertiginosa das vocações
Número elevado de defecções
O caso da Holanda: episcopado
liderado pelo cardeal Alfrink
apresentou ao papa pedido de
abolição
Já melhorou sob João Paulo II
8. Este Sínodo, nova e veementemente,
afirma tudo quanto a Igreja latina e
alguns ritos orientais preconizam, a
saber, que o sacerdócio seja conferido
somente àqueles homens que rece-
beram de Deus o dom da vocação à
castidade celibatária...
O Sínodo não quer deixar dúvidas na
mente de ninguém sobre a firme von-
tade da Igreja de manter a lei que
exige o celibato livremente escolhido e
perpétuo para os candidatos à
ordenação sacerdotal no rito latino.
Propositio 11 do sínodo de 1990, em Pastores dabo
vobis
9. Argumentos contra
Lei meramente eclesiástica,
tardia, violaria o direito ao sa-
cramento da ordem dos que
não querem aderir ao celibato.
Histórico
Não existiria intrínseca cone-
xão entre celibato e sacerdócio.
Faltaria motivação teológica.
Teológico
10. Argumentos contra
Impediria o amadurecimento
humano do sacerdote,
condenando-o a carregar um
fardo insuportável. Pedofilia
Psicológico
Exigência do celibato seria a
causa da escassez de vocações
no sacerdócio. Prático, de
conveniência pastoral
12. Previamente
Ninguém tem direito à ordenação.
Somente podem ordenar-se os que
Deus chama através da Igreja
E Igreja quer chamar apenas
aqueles que estejam dispostos a um
compromisso celibatário perpétuo,
por terem recebido o dom de Deus
O caso de outros sacramentos
13. Origem da lei universal
Curioso que haja tanto
desacordo em matéria fática
tão relevante.
Influência de paixões!
Relato da intervenção do bispo
eremita Pafnúcio no Concílio de
Nicéia.
Falsificação de texto do Concílio
de Cartago feita pelos padres do
II Concílio Trullano (690).
14. Data
Desde 1900 aproximadamente, a
partir de uma famosa disputa entre
G. Bickell (Münster) e F. Funk (Tü-
bingen), prevaleceu a tese de que
lei do celibato surgiu nos anos 300
Atualmente, está cada vez mais
claro que a lei é de tradição
apostólica.
Assim pensam o cardeal Stickler,
Ch. Cochini, Sj, Stefan Heid, et alii
15. Duas diferentes formas
1a. A mais antiga corresponde ao
celibato-continência.
Podiam ordenar-se tanto solteiros
como casados, mas depois de
ordenados, os solteiros não podiam
casar-se e os casados não podiam
conviver maritalmente com esposas.
Ordenação de casados exigia prévia
autorização das esposas
Concílio Lateranense II (1139)
16. Duas diferentes formas
2a. Proibição da ordenação de
casados e compromisso prévio à
ordenação de não contrair
matrimônio
A criação dos seminários pelo
Concílio de Trento, fez com que em
pouco tempo houvesse um número
suficientemente grande de
candidatos ao sacerdócio célibes
17. Primeiros documentos
Datam dos anos 300 e 400 e são:
Atas do Concílio dos bispos
espanhóis em Elvira (306)
Atas do Concílio africano de 390
recolhidas nas do famoso Concílio
de Cartago de 419
Duas cartas do Papa Sirício: uma
dirigida ao bispo de Tarragona
(385) e outra aos bispos africanos,
comunicando-lhes decisões do Síno-
do romano de 386 (80 bispos)
18. Primeiros documentos
Quatro cartas do papa Inocêncio I
(401-417) sucessor de Sirício
Testemunhos de Santo Ambrósio,
São Jerônimo e Santo Agostinho
A partir de então são freqüentes os
documentos que se referem à
vigência dessa disciplina, até o
Concílio de Trento
No oriente foi abandonada a partir
do II Concílio Trullano (??)
19. Conteúdo comum
É vedado a bispos, presbíteros e
diáconos o uso do matrimônio após
a ordenação
Essa disciplina vige desde os
tempos mais antigos, observada
com mais ou com menos rigor,
segundo a época e a região.
Os infratores devem ser excluídos
do estado clerical
20. Conclusão de Funk
A disciplina celibatária teria se
originado nos anos 300, o que
acabaria com a pretensão de
uma origem apostólica
O que derrubou essa opinião?
Tomada de consciência de que
a argumentação de Funk
continha dois erros graves bem
apontados por Stickler:
21. Primeiro
1o. Apoiava-se fortemente em
um testemunho falso: o relato
da intervenção do bispo
eremita egípcio Pafnúcio no
concílio de Nicéia.
Já na época de Funk esse relato
era suspeito. Recentemente
ficou demonstrada a sua
inautenticidade.
22. Segundo
Supor que o fato de a norma do
celibato obrigatório estar documen-
tada só a partir do ano 300 implica
em que antes ela não existisse.
Absurdo!
Antes de 300, poucas normas disci-
plinares estavam escritas.
Como poderiam o Papa ou um Con-
cílio promulgar uma norma desse
alcance sem provocar uma revolu-
ção?
23. Conclusão
Evidentemente a disciplina
imposta pelos papas e concílios
da época só poderia consistir
em uma reafirmação de uma
disciplina já anteriormente
consolidada, para coibir abusos
e relaxamentos que, em épocas
de decadência, terão sido
freqüentes
24. Voltando à questão inicial
Já sabemos que a disciplina
celibatária era vigente bem antes
dos anos 300
Por outro lado, Jesus Cristo exigiu
dos primeiros sacerdotes (os após-
tolos) o celibato-continência
Há algum indício de que essa disci-
plina não tenha surgido em algum
momento depois da morte de Cristo,
bem antes dos anos 300?
25. Sim!
O próprio papa Sirício o utilizou nas
suas cartas para afirmar que a
continência clerical era de origem
apostólica
Testemunho muito significativo: da
Igreja apostólica
Cartas pastorais de Paulo a Tito e a
Timóteo quando falam das condi-
ções dos candidatos ao sacerdócio
Maridos de uma só mulher!
26. Qual o sentido da frase?
À primeira vista parece que é uma
evidência contra o celibato obriga-
tório. Mas qual é o sentido exato?
Que só homens casados podiam
ordenar-se? Não!
Que era vedada a ordenação dos
que vivessem em situação matrimo-
nial irregular? Demasiado óbvio!
Que não deviam ser ordenados viú-
vos que tivessem voltado a casar-se
depois da morte da 1a esposa!
27. Por que?
O fato de terem contraído novo ma-
trimônio permitia presumir que te-
riam dificuldades com a continên-
cia após uma eventual ordenação
Finalmente, por que Paulo não se
refere diretamente à continência?
Porque suas orientações dizem res-
peito apenas à idoneidade para a a
ordenação. Sobre o comportamento
que deveriam ter os já ordenados,
não fala nada.
29. A questão
Certamente é possível o sacer-
dócio não celibatário.
Praxe das Igrejas orientais (*)
Validade do sacramento requer
apenas: varão e batizado
Mas a vinculação entre sacer-
dócio e celibato tem uma
profunda raiz teológica...
30. É particularmente importante que o sacerdote
compreenda a motivação teológica da lei ecle-
siástica do celibato. Enquanto lei, exprime a
vontade da Igreja, antes mesmo que seja ex-
pressa a vontade do sujeito através da sua dis-
ponibilidade. Mas a vontade da Igreja encontra
a sua motivação última na conexão que o celi-
bato tem com a Ordenação sagrada, a qual con-
figura o sacerdote a Cristo Jesus, Cabeça e Es-
poso da Igreja. Esta como Esposa de Cristo quer
ser amada pelo sacerdote do modo total e ex-
clusivo com que Jesus Cristo Cabeça e Esposo a
amou. O celibato sacerdotal, é então, o dom de
si em e com Cristo à sua Igreja e exprime o ser-
viço do presbítero à Igreja no e com o Senhor.
Pastores dabo vobis, 29
31. A grande motivação
Cristo foi celibatário!
O nosso sacerdócio está pro-
fundamente vinculado ao seu.
É participação do seu no mais
forte sentido ontológico
Somos sacerdotes em Cristo
32. Cristo foi celibatário
Fato assente entre os estudio-
sos
Marco Adinolfi: “Para quem não
confunda a tarefa do exegeta
com a do romancista, nada há
de mais pacífico que o celibato
de Jesus”
33. Cristo foi celibatário
K. Barth, eminente teólogo protes-
tante
“É um fato – e a ética protestante
na sua exaltação do matrimônio
nascida da luta contra o celibato
romano dos sacerdotes e dos reli-
giosos descuidou deste ponto com
uma boa dose de leviandade – que
Jesus Cristo não teve outra amada,
noiva, esposa, família, ou outro lar
senão a sua comunidade” (1969)
34. Cristo foi celibatário
Hipótese de W. Phipps de que silên-
cio da Escritura sobre estado matri-
monial de Cristo não excluiria a
existência de uma esposa é insus-
tentável (John Meier)
Evangelho fala do ambiente familiar
de Jesus
Na época de Jesus, celibato não era
comum, mas existia entre os judeus.
Essênios, Qumran etc.
35. Não por “casualidade”
Porque não era comum, foi
explicitamente querido
Entre os judeus que esperavam
a vinda do Messias, era incon-
cebível que ele fosse casado.
Continência era ligada à idéia
do martírio
36. Celibato e Mediação
Celibato faz de Cristo perfeito
Mediador entre Deus e os homens
Torna possível o seu amor imediato
e indiviso ao Pai
Cristo amava todas as criaturas,
mas seu amor ao Pai era diferen-
te. O Pai, para Ele, era Tudo
Homem casado tem o coração de
algum modo dividido
Dá amplitude universal ao seu amor
38. Celibato e Disponibilidade
Só o celibato dá a Cristo a possibi-
lidade de uma dedicação exclusiva
ao cumprimento da Missão confiada
pelo Pai: a Redenção
Seu único alimento era fazer a
vontade do Pai e completar a Obra
que o Pai lhe confiara
Não tinha outras pretensões: não
veio para ser servido mas para
servir e entregar a vida...
39. Cristo Esposo da Igreja
Seu amor pela Igreja é
esponsal
Na Cruz, Cristo entrega a vida
pela Igreja. (Paulo aos Efésios)
Reflexões de João Paulo II
sobre o caráter esponsal do
amor de Cristo pela Igreja