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na coleção castro maya
Sumário

	

Apresentações

5	Prólogo
5	

Palácio Anchieta

9	
	

“Ao Raymundo amigo...”:Portinari na Coleção Castro Maya
Anna Paola P Baptista
.

45	
	

O artista
Annateresa Fabris

61	Créditos
PRÓLOGO
O Governo do Espírito Santo, por meio da Secretaria da Cultura, e em parceria
com o Instituto Sincades, apresenta a Exposição “Portinari na Coleção Castro
Maya”.
A exposição é uma mostra inédita no Estado com visitação gratuita, aberta de 17
de outubro a 15 de dezembro, no Palácio Anchieta, em Vitória, Espírito Santo.

PALÁCIO ANCHIETA
O Palácio Anchieta está localizado na Cidade Alta, em frente à baía de Vitória.
É um dos monumentos históricos mais importantes do patrimônio cultural do
Espírito Santo e uma das mais antigas sedes do governo do país. Construído por
jesuítas no século XVI, o Palácio Anchieta guarda um pouco da história do Estado
nos últimos cinco séculos.
Após a última restauração, concluída em 2009, antigas estruturas, paredes
e outros detalhes arquitetônicos foram expostos e novos aspectos do edifício
descobertos, revelando um belíssimo recorte da história do Espírito Santo.

D. Quixote- D Quixote
consultando o macaco
C.1956. Lápis de cor
(detalhe)
Sancho Pança
montado no jumento
C.1956. Lápis de cor.

Os Museus Castro Maya, detentores do maior acervo público de Portinari, têm a
prazer de apresentar a exposição “PORTINARI na Coleção CASTRO MAYA”: um
notável conjunto de obras do pintor, excepcionalmente, reunidas fora do Museu
da Chácara do Céu, ao qual pertencem.
A mostra enfoca a obra de Candido Portinari pelo viés das relações tecidas entre
o artista e Raymundo Ottoni de Castro Maya, dois importantes atores do cenário
artístico brasileiro do século XX; por conseguinte, estrutura-se em módulos, que
explicitam diferentes facetas da atuação de Castro Maya como colecionador,
como mecenas e como amigo de Portinari.
Procura-se, assim, revelar alguns aspectos da formação desta coleção, bem como
do próprio sistema de arte brasileiro, ressaltando-se a arte moderna, em um
contexto, no qual Portinari desempenhou papel de significativa relevância. Depois
de visitar as cidades de Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo e
Porto Alegre, a exposição chega agora à Vitória para ser apresentada no Palácio
Anchieta, admirável espaço de patrimônio, cultura e educação. Agradecemos a
todos, que com seu empenho tornaram possível esta realização.
Vera de Alencar
Diretora dos Museus Castro Maya.

D. Quixote de cócoras
com idéias delirantes.
C.1956. Lápis de cor.

7
Quixote
arremetendo
contra vacas
Lápis de cor. C.1956.

“AO RAYMUNDO AMIGO...”: Portinari na Coleção Castro Maya

Anna Paola P Baptista
.

No Rio de Janeiro da década de 1940, conviviam dois homens, praticamente
da mesma geração, experimentando uma circunstância semelhante, de grande
destaque no cenário contemporâneo. O artista, Candido Portinari (1903-1962),
estava consagrado como grande pintor moderno nacional. O colecionador,
Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968), encontrava-se maduro para
se firmar como mecenas das artes, imprimir contornos à sua coleção e tomar
um lugar decisivo no cenário artístico brasileiro. Do encontro dos dois, que se
estendeu até o início dos anos 60, surgiria uma grande coleção e muitos projetos
em comum, envolvendo o mecenato direto ou indireto de Castro Maya e, inclusive,
uma relação de amizade. [ilustração Cena Rural 140]
Com o Modernismo, pela primeira vez, a arte sistematizava uma posição em
relação à cultura brasileira. O modelo utilizado seria o do homem popular em
suas manifestações festivas e místicas, assim como no trabalho, na expressão de
sua sensualidade e na sua miséria. A crítica de arte nascente - na figura de Sérgio
Milliet, por exemplo - ressaltava que Portinari, com sua temática ligada ao drama
humano e sua incansável experimentação plástica, parecia encarnar de forma
perfeita os ideais tão almejados da arte de conciliação de uma forma universal
com um fundo especificamente brasileiro.¹
No início dos anos 1940, ao ter conquistado um laurel internacional do Instituto
Carnegie de Pittsburgh, nos Estados Unidos, realizado importantes murais
públicos no Rio de Janeiro e no exterior e ocupado uma cátedra na Universidade
do Distrito Federal, Portinari estava vivendo o ápice de um tipo de fama que
alcançaria mesmo uma notação mítica.
A construção do mito Portinari começou a ser efetuada pela própria crítica
modernista, a partir de Mário de Andrade nos anos 1930. Seus escritos sobre o
pintor pontuaram-se de uma adjetivação contundente, que transformava o artista
em um quase herói, “a mais útil, a mais exemplar aventura de arte que já se viveu
D Quixote e Sancho
Pança no cavalo de
pau
Lápis de cor. C.1956.

8

1	

MILLIET, Sérgio. “Portinari”.O Estado de São Paulo, 14 dezembro 1948.

9
Cena rural.
Lápis e carvão.
1954.

no Brasil”² , mas apesar de ter sido um de seus primeiros e principais apologistas,
Mário não esteve isolado na construção de um status que ajudou a formar. O
próprio Oswald de Andrade, talvez o primeiro a efetuar uma revisão de posições,
que, depois, veio a ser um feroz crítico do pintor, fora antes bastante explícito em
sua manifestação de apreço. Em 1934, ele proclamara Portinari o grande pintor
do Brasil e um artista revolucionário³.
Foram muitos os aspectos explorados de forma frequente nos panegíricos
portinarianos: sua origem humilde; o jugo do aprendizado acadêmico reciclado em
prol de sua virtuose; o classicismo combinado com a constante experimentação; o
reconhecimento de influências externas, principalmente de Picasso, a interpretação
dessas influências de uma forma pessoal; o “saber pintar” aliado ao moderno; a
temática nacional com técnica internacional; o pintor reconhecido no exterior; a

universalidade de sua plástica a despeito de ser um pintor de sua terra; as suas grandes
realizações4. O questionamento a essa posição de destaque viria a transformar
entusiastas e críticos de Portinari em sujeitos antagônicos em uma batalha
travada na imprensa especializada, entre portinaristas e antiportinaristas. A partir
de 1939, artigos de Luis Martins e Oswald de Andrade começaram a reclamar
contra a forma acrítica como Portinari passara a ser tratado pela intelectualidade
brasileira e denunciaram a criação de uma “arte oficial” patrocinada pelo Estado
Novo de Vargas.
O lado oposto municiou-se com resposta de Carlos Drummond de Andrade, que
contestou o monopólio do patrocínio estatal a Portinari, e, principalmente, com o
lançamento, em fevereiro de 1940, de um número especial da Revista Acadêmica
dedicado a Portinari.5
A polêmica nunca chegou a extinguir-se completamente. Num outro viés,
observa-se que, durante muito tempo, tanto a história quanto a teorização sobre
o Modernismo brasileiro foram construídas pela própria crítica de arte modernista
sob a forma celebratória de um “autorretrado mítico”, como denominou Annateresa
Fabris.6 Posteriormente, no âmbito de uma revisão crítica ao Modernismo
brasileiro, a personalidade artística que mais sofreria na avaliação de sua obra
seria justamente Cândido Portinari, enquanto trabalhos de Anita Malfatti ou de
Tarsila do Amaral, por exemplo, ainda são destacados aspectos ligados a uma
real apreensão dos valores da modernidade francesa, Portinari, ao contrário, é
o artista contra o qual se voltam todas as baterias da crítica à crítica modernista.
Portinari, portanto, é um artista que passou a enfrentar a vicissitude de ter seu
conceito, que alcançara um máximo de positividade, tão radicalmente alterado.
Chamado de “primeiro dos modernos”, foi mais recentemente re-avaliado pela
crítica de arte como “último dos acadêmicos”, no sentido que sua arte refletiria
formalmente as contradições de um artista em conflito para superar suas raízes
acadêmicas e conquistar uma imagem moderna,7 porém, seja de que forma for,
é indubitável que a estatura artística do pintor alcançou tão elevado patamar,
no período que se estende dos meados da década de 1930 até os anos 1950,

4	
Resenhas críticas de autores como Mário de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Pietro Maria Bardi,
Germain Bazin, Jean Cassou, Eugenio Luraghi, Louis Aragon nos catálogos Portinari: Exposição de sua obra de
1920 até 1948. MASP dezembro 1948 e Portinari. MASP fevereiro/março 1954.
,
,
5	

Ver ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu. São Paulo: Perspectiva, 1976.

6	
FABRIS, Annateresa. “Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro”. In: FABRIS, Annateresa (org).
Modernidade e Modernismo no Brasil. São Paulo: Mercado de Letras, 1994, p. 9.
2	
Apud FABRIS, Annateresa (org). Portinari, amico mio. Cartas de Mário de Andrade a Cândido
Portinari. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 26.
3	
FABRIS, Annateresa. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 9.

10

7	
ZÍLIO, Carlos. A querela do Brasil: A questão da identidade da arte brasileira. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1997, p. 12.

11
Por outro lado, Portinari é o artista
brasileiro exaltado por historiadores
e por críticos franceses familiares a
Castro Maya – como René Huyghe,
Jean Cassou ou Germain Bazin como um dos maiores pintores da
atualidade, elevando a expressão da
arte latina a um nível europeu.

que torna-se difícil ignorar sua enorme importância para a consolidação da arte
moderna no Brasil.
Castro Maya, por seu turno, colocava-se na outra ponta da atividade artística no
Brasil, intensamente dedicado ao seu fomento. Ele foi descrito por um de seus
principais amigos e parceiros, o arquiteto Wladimir Alves de Souza, como alguém
que vê o que os outros não vêem, faz o que os outros não fazem e padecendo de um
único defeito: o culto à qualidade. Em suma, uma individualidade multifacetada:
“homem de indústria, ligado ao mundo contemporâneo, pescador de marlins e
dourados, colecionador de arte, bibliófilo, mecenas, [...] uma das personalidades
singulares dos últimos trinta anos no Brasil”.8
Muito provavelmente, um cumprimento prestado por René Huyghe (diretor do
Museu do Louvre), apresentando Castro Maya como “um daqueles homens que
asseguram o justo desenvolvimento da cultura [e] rende um grande serviço a
seu país e também a todos os membros da comunidade latina”,9 foi plenamente
apreciado por ele, já que reafirmava-lhe o sucesso daquilo que era vivenciado
quase que como uma missão pública pessoal. Castro Maya recusava a noção de
um colecionismo fechado no universo do deleite privado e preocupado apenas
com uma procura compulsiva por exemplares raros ou séries completas. O escopo
mais abrangente de sua atuação parece ter sido reconhecido na sociedade em
que viveu:“É notória sua dedicação ao estímulo da criação artística, animando
edições preciosas [...] e reunindo em sua galeria particular obras de grande
significado na evolução artística presente. [...] o senhor. Raimundo Castro Maya
se faz destacado entre os mecenas indígenas. Muito lhe ficará devendo a arte no
Brasil”.10
A coleção Castro Maya de obras de Portinari começou a ser formada com a tela
Retrato de Raymundo Ottoni de Castro Maya, de 1943. Com efeito, parece que
Castro Maya despertou para Portinari justamente quando este havia chegado
a um momento de apogeu de sua carreira. A projeção alcançada pelo artista
e o caráter de sua obra, ao mesmo tempo vinculada aos ideais do moderno e
do nacional, conferem sentido ao projeto de colecionamento de Castro Maya.
Para Castro Maya, Portinari é o artista do presente, o que lhe garante a ligação
com sua contemporaneidade. Sua arte interpreta as inquietações de parcelas
da elite intelectual sobre a precariedade histórica da situação social brasileira.

O Retrato é uma das obras capazes
de trazer luz para o entendimento
da variada gama de vinculações,
engendradas entre o colecionador
e o artista, que resultaram na
formação daquela que é atualmente
a maior coleção pública de obras
deste pintor, composta de 11
pinturas, 110 desenhos, 47 gravuras
e mais duplicatas, provas e matrizes
de gravuras.

Retrato de
Raymundo
Ottoni de
Castro Maya.
Óleo s/ tela.
1943.

Quarto de
Vestir.
A única descrição que
encontrei foi a que veio na
própria imagem.
Existe mais alguma
complementação ou vamos
deixar somente “Quarto de
vestit”

Esse Retrato – um gênero de obra
mais comumente gerado por uma
ação de encomenda característica
do mecenato artístico, mas que,
neste caso, chegou à coleção como
um presente de Natal do pintor em
1943 - permanece como imagem
das relações tecidas entre estes
dois importantes atores do cenário
artístico brasileiro.11 Relações que
chegaram a alcançar a notação de
uma amizade pessoal e renderam
a Portinari o apoio e prestígio
manifestados por Castro Maya por
meio de compras, encomendas,
indicações para encomendas, auxílio
na realização de exposições etc. Tal
cordialidade transborda da tela, um

8	
Carta de Wladimir Alves de Souza a Raymundo de Castro Maya. Rio de Janeiro, 18 novembro de
1966. Arquivo Castro Maya, pasta 9.
9	
10	

12

Carta de René Huyghe a Raymundo de Castro Maya. Paris, s.d. Ibid.
CAMPOFIORITO, Quirino. “Museu de Arte Moderna”. Diário da Noite, 12 junho 1947.

11	

Cf. PORTINARI. Maria. Compra e venda de obra. Anotação (1942-1958). Projeto Portinari, DO – 412.

13
retrato sóbrio, aparentemente distanciado do modelo retratístico portinariano,
caracterizado pela inserção de elaborados fundos com atributos e símbolos
alusivos aos retratados. Aqui, ao contrário, temos um perfil amistosamente
cerimonioso do modelo. Portinari consegue sugerir, por meio da densidade dos
traços e da expressão plástica elaboradamente comedida, toda uma atmosfera
de simultânea intimidade e refinamento. Essa simplicidade e intimismo aparentes
ecoavam na disposição ocupada pela peça na casa de Santa Teresa, alocada no
vestíbulo de seu quarto de vestir, em um ponto de intermediação entre as partes
sociais e o local mais privado da casa, o quarto de dormir.
Retrato elaborado sob o prisma de um relacionamento especial artista/retratado, a
tela, porém só alcança significado pleno quando pensada enquanto um elemento
singular inserido no conjunto do acervo Castro Maya de obras de Portinari,
este mesmo parte integrante de um todo composto de cerca de 11.000 itens
amealhados pelo colecionador ao longo de sua vida.12 O Retrato pintado por
Portinari é o único de Castro Maya na coleção. Pode-se imaginar a importância
conferida pelo colecionador em se fazer retratar por aquele, que era considerado
o maior artista brasileiro vivo e que havia angariado boa parte de sua fama
através desta modalidade de pintura. Com efeito, foi com retratos que Portinari
alcançou as premiações da década de 1920, inclusive a maior delas, o Prêmio
de Viagem à Europa dado pelo Salão de 1928. Nas duas décadas seguintes, ele
iria se notabilizar por representar as maiores personalidades da sociedade, da
política e intelectualidade brasileira.13 Se, para os modelos, o retrato foi sempre
encarado como uma forma eficaz de contrapor-se à morte, para o pintor Portinari,
a arte do retrato representou uma alameda importante para conferir eternidade
à sua obra.
A coleção Castro Maya foi montada sem a sombra da figura de um influente
marchand, ao contrário de seus pares norte-americanos como Mellon, Frick ou
Kress. O arquiteto Wladimir Alves de Souza era o esboço mais aproximado e
frequente de uma espécie de “conselheiro”, atuando não só nos projetos de
arquitetura como também na compra e venda de obras, ao fornecer avaliações
ou ao produzir certificados de expertise. Além da frequencia aos leilões
nacionais e no estrangeiro, Castro Maya valia-se de uma verdadeira rede de
informações, contando com a chegada voluntária de ofertas e informações
vindas de conhecidos, firmas especializadas ou vendedores particulares. Por

12	
Este número engloba as coleções de pintura, escultura, desenho, gravura e também as peças de
mobiliário, artes decorativas, louça, porcelana, azulejaria, prataria. Não estão incluídos os acervos bibliográfico,
fotográfico e arquivístico.
13	
Ver CHIARELLI, Tadeu. “Sobre os retratos de Candido Portinari”. In: CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional
brasileira. São Paulo: Lemos, 1999, p. 175.

14

vezes, empregava intermediários encarregados de procurar e adquirir os itens
desejados. Mais tarde, com a evolução do mercado de arte no Brasil, as galerias
e as exposições funcionaram como vitrines e entrepostos de compra de peças.
Na década de 1940, a coleção inicia realmente seu grande impulso. O primeiro
e principal interesse do colecionador era, sem dúvida, a brasiliana. Em 1942,
em plena Segunda Guerra Mundial, Castro Maya manifestava sua intenção de
retomar logo a compra de “coisas sobre o Brasil”. Tempos depois, consultado por
uma galeria de arte holandesa sobre seus principais interesses para aquisição,
ele respondia que eram “as pinturas referentes ao Brasil”. Realmente, são obras
deste tipo as mais freqüentemente oferecidas a ele por particulares e galerias
do Brasil e do mundo que identificavam a coleção Castro Maya de brasiliana
como “a mais importante coleção privada que existe no Brasil”14, contudo, a arte
moderna (europeia e, depois, nacional) fixou-se, pouco a pouco, como outro
pujante interesse.
A partir de 1950, com a coleção significativamente aumentada, Castro Maya
parece sentir necessidade de consolidar os padrões que havia imprimido a seu
acervo, bifurcado entre referências à história nacional (principalmente aquela
ligada ao Rio de Janeiro) e à arte moderna, definida como aquela produzida dos
impressionistas ao presente. A perfeita tradução do esquema materializava-se
no arranjo da entrada de sua casa em Santa Teresa, onde o banco colonial era
encimado por tela abstrata de Antonio Bandeira.
Seu projeto coincidia harmoniosamente com diretrizes firmadas pelo Modernismo
e largamente consolidadas nas políticas praticadas pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. O Modernismo brasileiro procurou conciliar
nacionalismo e cosmopolitismo em sua intenção de fundar uma arte brasileira,
acreditando que do culto à tradição colonial sairiam as raízes, das quais
brotariam o futuro. Tanto nos projetos do Estado Getulista, assim como nos de
uma grande camada da intelectualidade moderna brasileira, a preservação do
patrimônio estava na chave de uma utopia de brasilidade.15 Daí uma aparente
contradição do movimento modernista brasileiro, ao afirmar sua luta a favor da
contemporaneidade, ao mesmo tempo em que reforçava a identificação da arte
com o passado Barroco, elegendo como patrimônio nacional, por excelência, os

14	
Ver correspondência com Roberto Heymann (Paris, 1942), Galerie Cramer (Holanda, 1965), Arquivo
Castro Maya, pasta 44 e David James (Estados Unidos, 1953), Arquivo Castro Maya, pasta 47.
15	
Neste rol incluem-se tanto os modernistas de primeira geração e os intelectuais do SPHAN quanto
parcelas da crítica de arte e do ensino acadêmico. Cf. PONTES, Heloisa. Destinos mistos: Os críticos do
grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo: Companhia da Letras, 1998; CAVALCANTI, Lauro. As
preocupações do belo: Arquitetura moderna brasileira dos anos 30/40. Rio de Janeiro: Taurus, 1995.

15
luminosa estrada da liberdade”.16

imóveis coloniais e os bens móveis
neles contidos.
Castro Maya começava a planejar a
separação dos pólos de seu acervo
em dois espaços distintos: as casas
do Açude e da Chácara do Céu. A
primeira, que adquiriu uma feição
neocolonial após reforma realizada
por Castro Maya, ficaria como
sede de sua coleção relacionada à
história pátria. A segunda, sua nova
residência em Santa Teresa, seria
construída sobretudo para abrigar
seus quadros modernos.
As
peças
do
século
XIX,
especialmente as da escola de
Barbizon - provenientes em quase
sua totalidade da coleção herdada
de seu pai -, não encontravam lugar
neste esquema, e consequentemente,
telas de Rosa Bonheur, Felix Ziem,
Hippolyte Bellanger (e até mesmo
peças de Gustave Courbet), entre
outras de uma extensa lista, foram
postas à venda em meados dos anos
50 sem, contudo, encontrar lugar no
mercado de arte, pois uma reação
análoga estava em curso no mundo
inteiro, relegando os Barbizons aos
porões das casas ou aos depósitos
dos museus e tornando sua cotação
praticamente desprezível. Neste
momento, também Castro Maya
cerrava fileiras contra o acadêmico,
ao valorizar a arte moderna como
aquela praticada pelos “artistas
que conseguiram nestes últimos
anos vencer o torpor em que estava
mergulhada a Arte, rompendo
correntes do tradicionalismo, para
evadir-se no espaço, galgando a

16

Biblioteca da
Chácara do Céu.
Na parede ao fundo
a obra flores, de
Portinari.

Apesar de a decisão de construir
uma nova residência ser um projeto
característico dos colecionadores,
sempre em busca do aumento dos
espaços disponíveis para o cultivo
de sua atividade, a edificação
da Chácara do Céu, com plano
geral de Wladimir Alves de Souza
e inaugurada em 1958, inseriase na particularidade da direção
traçada por Castro Maya para seu
acervo, objetivando o crescimento e
valorização da parte moderna. Na
casa moderna, por certo conviviam
objetos de arte de épocas variadas,
já que para o colecionador “a rigidez
estilística, as escolas, as épocas,
não divergem no que diz respeito
à beleza”17.
Sintomaticamente,
Portinari é o único artista brasileiro
representado na sua Biblioteca,
em cima da cômoda com artefatos
orientais antigos, junto a Wlamink,
Matisse, Monet, Dali, Lurçat.
No acervo de arte moderna
nacional Portinari é o artista mais
bem representado. Apesar disso, a
coleção Castro Maya de Portinaris,
não é uma compilação obsessiva
nem planejada para abarcar um
panorama completo da obra do
artista com amostras de suas várias

Guerra.
Estudo para painel. 1955.
Grafite e lápis de
cor.

16	
MAYA, Raymundo Ottoni de Castro.
“Apresentação”. Pintura européia contemporânea.
Catálogo da exposição realizada no MAM-RJ,
janeiro 1949.

Flores.
1947. Óleo s/ tela.

17	
JAYME MAURÍCIO. “Ecos da inauguração
do MAM. Festiva reunião oferecida por Raymundo
Castro Maya”. Correio da Manhã, 1 setembro 1958.

17
são apenas alguns dos fatores que
podem ser citados.

facetas, estilos e fases. É constituída
ao sabor do momento e da
oportunidade, alimentando-se muito
de obras, que não foram procuradas
e sim ofertadas, apesar de também
computar escolhas marcadas, como
as instâncias em que ocorreram
troca de obras ou procura por um
determinado quadro.
O padrão principal da coleção,
filtrado por Castro Maya, é o
Portinari mais lírico.18 Talvez a
culminância
desta
preferência
esteja sintetizada pela presença na
coleção de uma obra como Flores
(1947), tão distante da temática
e da plástica caracteristicamente
portinariana, entretanto, amostras
do Portinari mais reconhecido, com
seus trabalhadores, jogos infantis e
gente do povo, também fazem-se
representar no conjunto. É acertado
ver nesta seleção a impressão das
marcas das opções de gosto do
colecionador, mas é certo também,
que os colecionadores exercitam suas
escolhas dentro de possibilidades
determinadas
por
inúmeros
elementos internos e externos. A
disponibilidade de obras no mercado,
a influência de críticos, de marchands
e de curadores, os relacionamentos
pessoais, a disponibilidade de
recursos financeiros em relação aos
índices de valorização e prestígio
dos artistas em cada época, e o
espaço físico destinado à coleção

18	
Ver SIQUEIRA, Vera Beatriz Cordeiro.
“Certeza da forma, fracasso do estilo”. Museu
Histórico Nacional. Anais. V. 33, 2001, p. 67.

18

Menino
chupando cana
Água-forte,
Rio de Janeiro,
1959.

Retrato de
menino
Água-forte,
Rio de Janeiro,
1959.

Menino
montado
no carneiro
Jasmim
Água-forte,
Rio de Janeiro,
1959.

Trabalhadores
do engenho.
Água-forte,
Rio de Janeiro,
1959. Ilustração
para o livro
Menino do
Engenho.

O fluxo de ajuntamento que levou à
constituição do acervo desenvolveuse por meio de sucessivas aquisições
durante os anos 1940-60. Castro
Maya parecia permanentemente
disposto a adquirir mais peças. Na
época da querela provocada pela
pintura de Portinari na igreja de
São Francisco de Assis da Pampulha
em Belo Horizonte, o colecionador
tentava estabelecer uma opção de
compra caso os painéis da via-sacra
fossem definitivamente rechaçados
pela Igreja Católica: “ouvi dizer
também que os padres não
aprovaram a capela da Pampulha!
Será que o Caminho da Cruz acabará
nas minhas mãos?”19
Para os agentes no mercado de arte,
a coleção Castro Maya aparecia
como uma opção óbvia de destino
para obras de Portinari. Este foi o
caso do painel Tiradentes, em 1967,
quando seu proprietário, o diretor
do colégio de Cataguazes, Francisco
Inácio da Silva - com quem Castro
Maya havia negociado a permissão
de sua exposição realizada pelo
MAM-RJ -, planejava a venda da
obra, logo em seguida, escreve à
Castro Maya, tentando interessá-lo
no negócio e assegurar a preferência
ao colecionador.20

19	
Carta de Raymundo de Castro
Maya a Candido Portinari. Rio de Janeiro,
9 julho 1946. Projeto Portinari, CO-3261.
20	
Carta de Francisco Inácio Peixoto
a Raymundo de Castro Maya. S.l., 19 julho
1967. Arquivo Castro Maya, pasta 44.

19
Durante a vida de Portinari, a
excelente relação desenvolvida entre
ele e Castro Maya, por um lado, e
a debilidade do mercado de arte,
por outro, tornava a negociação
direta com o artista a principal fonte
de conquista do acervo. Entre as
obras que participam deste grupo,
estão os embriões da coleção O
sonho
(1958[?])21e
Lavadeiras
(1943), ambas adquiridas em 30 de
dezembro de 1943, seguidas por
Flores (1947) e Menino com pião
(1947), negociadas respectivamente
em abril e maio de 1947.

A barca.
Água-forte.
1941.
Mãos de
Portinari
pintando
“Menino com
carneiro”.
Projeto
Portinari,1953.

Menino com pião participou das
exposições retrospectivas de 1953
no MAM-RJ e de 1954 no MASP
como obra da coleção Castro
Maya. Menino com carneiro (1953),
adquirida em 1953, seguia também,
já em fevereiro de 1954, para a
exposição do MASP Castro Maya
.
adotaria por seguidas vezes tal
estratégia de valorização da obra
do artista e, por conseguinte, de seu
próprio patrimônio, emprestando
telas para exposições coletivas ou
individuais de Portinari no Brasil e no

21	
Esta tela, catalogada como datada de
1958, parece corresponder, na verdade, àquela
descrita no livro de contabilidade organizado
pela esposa de Portinari como vendida a
Castro Maya em 30 de dezembro de 1943. O
mais plausível é que a data correta seja 1938,
tendo a confusão se dado devido à grafia do
algarismo na obra. Cf. PORTINAR, Maria. Op.cit.

20

A barca.
Brodósqui.
Óleo s/ tela.1941.

exterior.22 Por sua vez, Portinari também continuava a relacionar-se com as obras
da coleção Castro Maya realizando esporadicamente trabalhos de manutenção
dos quadros, como réplicas de verniz.23
O caso da tela A barca (1941) é o de uma peça, que percorreu um demorado
caminho até vir a integrar a coleção. Certamente, ela foi vista por Castro Maya no
MASP durante a exposição de 1954. O mais plausível é que o colecionador tenha
adquirido primeiro a ponta-seca de mesmo tema e composição semelhante.
Mais tarde, a tela encontrou, também, o caminho da coleção, provavelmente
na década de 1960, após a construção da casa de Santa Teresa com paredes
adequadas para o enorme óleo de 2X2 metros. É admissível que seja sobre esse
quadro a referência em uma carta de Castro Maya a Candinho, datada de 1961,
em que ele sugeria que a montagem da tela no chassi fosse realizada por Bianco

Menino com
carneiro.
1953. Óleo s/ tela.

22	
Menino com pião e Menino com carneiro foram emprestadas para figurar em exposições do MASP
(1954) e Milão (1963). Menino com pião esteve na retrospectiva do MAM-RJ (1953) e Menino com carneiro na
V Bienal (1959).
23	
Ver Carta de Raymundo de Castro Maya a Candido Portinari. [Rio de Janeiro]. 1954. Projeto Portinari,
CO- 146.

21
na própria casa de Santa Teresa,
a fim de evitar o transporte de um
quadro de dois metros.24
Já a história da aquisição da
tela Morro no11 (1958) deve ter
começado na Exposição Internacional
do Museu de Arte Moderna de 1958,
na qual presumivelmente foi vista
por Castro Maya, que a comprou
das mãos do artista em 16 de maio
de 1958, juntamente com o óleo
Músico (ou O flautista), pagando, na
ocasião, metade do preço referente
aos dois trabalhos. O restante só
foi pago em fevereiro de 1960,
quando as obras retornaram da I
Bienal Interamericana de Pintura e
Gravura no México, onde Portinari
teve sala especial. A negociação
é motivo do único recibo assinado
por Portinari conservado no arquivo
Castro Maya. O fato de as telas
terem seguido para o exterior antes
de virem para as mãos de seu novo
proprietário, certamente foi a razão
que determinou a necessidade do
recibo, dispensado nas negociações
travadas entre as duas partes.
A aquisição de uma obra de Portinari
com matizes abstratizantes como
Morro n°11 vinha na esteira da
grande valorização da pintura não
figurativa que culminaria nas Bienais
de São Paulo. A partir de meados
da década de 1950, assim como
Portinari iniciava exercício plásticos

24	
Carta de Raymundo de Castro Maya a
Candido Portinari. Rio de Janeiro, 16 março 1961.
Projeto Portinari, CO-3273.

22

Composição.
Óleo s/ papel. S/d.

Morro no 11.
Óleo s/
compensado.
1958.

que o aproximavam ainda que experimentalmente da não figuração, Castro Maya
estreava uma nova faceta de sua coleção com a compra de várias telas abstratas
de artistas nacionais e estrangeiros.25 Um outro trabalho que se aproxima do não
figurativo, Composição (s.d.), também integra a coleção, provavelmente ofertado
pelo artista, dado que é uma pintura sobre papel em pequeno formato.
O influxo de obras não cessaria com a morte do pintor, em 1962. O envolvimento
de Castro Maya com o trabalho do artista continuava e outras aquisições foram
feitas, algumas envolvendo, inclusive, a troca de obras, que já estavam na coleção.
Os critérios parecem ter feição definida, com a preferência por obras da década
de 1940 - um período da produção do artista que estava bem valorizado. Fica
clara ainda a opção por quadros de dimensões mais robustas, os quais as amplas
paredes brancas da nova residência de Santa Teresa agora podiam suportar.

25	
Na IV Bienal são comprados um óleo de Teresa Nicolao e dois de Zanartu. Ainda em 1957, são
adquiridos dois óleos de Antonio Bandeira. Em 1960, durante a exposição de Mathieu no MAM-RJ, Castro Maya
compra dois trabalhos do artista francês. Na década de 1960, somam-se à coleção obras de Sakai, Hierck,
Mabe, Benjamin Silva etc.

23
Pintado em 1940, o Grupo de
meninas brincando foi comprado
por Castro Maya em 8 de novembro
de 1966, da Galeria Bonino, no Rio
de Janeiro, após ter ido a leilão da
Bernet Galleries, Nova York, em abril
daquele ano. A transação envolveu
a entrega de sua tela, O flautista, e
o pagamento em dinheiro. Era uma
aquisição de grande significado,
pois a tela pertencera ao acervo
Helena Rubinstein, tendo figurado
na exposição The United States
Collects Pan American Art, em
Chicago, 1959. Esta era uma das
coleções que conferiam status
internacional à pintura de Portinari.
Já em 1939 - ano dos painéis para o
Pavilhão Brasileiro da Feira Mundial
de Nova York –, Portinari pintara seu
retrato de Helena Rubinstein que, no
ano seguinte, participou da mostra
da coleção em Washington e Nova
York. A colecionadora viria a adquirir
outras obras do artista, tanto por
meio da exposição Portinari of
Brazil no MoMA de Nova York, em
1940, como também por meio de
encomendas diretas ao pintor, com
quem trocava correspondência.
O sapateiro de Brodósqui é apenas
alguns centímetros menor que A
barca, ambos os trabalhos realizados
durante uma estada de Portinari em
sua cidade natal no ano de 1941.
O quadro Sapateiro de Bradósqui
foi adquirido em 1967, da irmã
do artista, Inês Portinari Pinto de
Carvalho, que havia recebido a tela
como presente de casamento.
Algumas transações, entretanto,
deixaram de ser concluídas. Foi
este o caso de uma tela exposta na

24

grande individual de 1943 do Museu
Nacional de Belas Artes e disputada
pelos amigos Raymundo de Castro
Maya, Tales Marcondes e César de
Melo Cunha, com vantagem para o
último, que ofereceu o maior lance
neste verdadeiro leilão particular.
Uma obra intitulada Morro (1948),
de tamanho mediano, semelhante a
Grupo de meninas brincando, foi alvo
da cobiça do colecionador. Em 1967,
avisado por alguém de sua rede de
amigos/intermediários, Castro Maya
escreveu ao proprietário uruguaio,
pedindo detalhes da pintura e já
estimando um valor para a transação,
baseado na cotação alcançada pelas
telas de Portinari no leilão do acervo
Helena Rubinstein. Esse preço,
porém, seria contestado diversas
vezes por uma das partes e pela
outra, sem jamais chegarem a um
acordo. Pouco antes de sua morte,
Castro Maya ainda se mostrava
interessado no quadro, acenando ao
proprietário com a possibilidade de
melhorar sua oferta. 26
Outros
negócios
demoraram
a concretizar-se, mas, por fim,
provaram que a persistência de
Castro Maya podia render frutos.
A série Dom Quixote (1955-56) de
desenhos em lápis de cor começou a
ser cobiçada pelo colecionador ainda
no tempo em que Portinari vivia e só
chegou à coleção mais tarde, quando
Castro Maya a comprou da família
do pintor em 13 agosto de 1963.

D Quixote lutando contra os moinhos
de vento. C.1956. Lápis de cor.

Desavença entre Sancho Pança e
D Quixote. C.1956. Lápis de cor.

D. Quixote a cavalo com lança
e espada.
Lápis de cor. C. 1956.

26	
Ver correspondência com Fernando
Sierra, 1967-68. Arquivo Castro Maya, pasta 44.

25
D Quixote recebendo vassalagem
de Sancho Pança
Lápis de cor. C.1956.

D. Quixote e Sancho Pança saindo
para suas aventuras.
C.1956. Lápis de cor.

Largamente admirados e divulgados, eles originaram de uma encomenda de José
Olympio para uma edição não concretizada. Alguns haviam sido reproduzidos no
álbum Brasil Dipinti, impresso em Turim, em 1957, e também expostos na mostra
Maison de la Pensée Française, em Paris, no mesmo ano.
Para além de representarem os dois pontos extremos da linha de negociações
entre criador e consumidor, Portinari e Castro Maya eram protagonistas de
uma teia de relações, em que muitas vezes amizade e mecenato entrelaçavamse até a indefinição e, por outras, aproximavam o mecenato puro e simples
de verdadeiros projetos em comum. Em certas ocasiões, tais projetos ligavam
Portinari a empreitadas de mecenato artístico no âmbito do interesse de Castro
Maya pela cidade do Rio de Janeiro, tal como nos episódios da reformulação da
Floresta da Tijuca – no escopo do qual Portinari foi chamado a pintar o tríptico da
capela Mayrink - e da criação do Museu de Arte Moderna - que Portinari ajudou
a consolidar realizando exposições de sua obra, e do qual foi um dos diretores
artísticos por algum tempo durante a gestão de Castro Maya.
O padrão firmado por Castro Maya em seu relacionamento com os artistas mais
próximos, era o da pluralidade de projetos. Em meados da década de 1950, Carybé
estava envolvido na ilustração para volume da Sociedade dos Cem Bibliófilos, na

26

D. Quixote- Sancho Pança atende
ao chamado de D Quixote
C.1956. Lápis de cor.

D Quixote às cambalhotas
C.1956. Lápis de cor.

concepção de gravura para Os Amigos da Gravura, na criação de imagens para
um álbum sobre o candomblé e na elaboração de um painel para a sede baiana
do Banco Português (do qual Castro Maya foi diretor). De forma comparável, no
início da década de 1940, os projetos de Castro Maya que incluíam Portinari
avolumavam-se: o espetáculo beneficente Cega-Rega realizado em 1943 no
Teatro Municipal de São Paulo em benefício dos prisioneiros de guerra franceses,
e para o qual Castro Maya intermediou, junto a Portinari, a cessão do quadro
Espantalho para um número de bailado; 27a construção de um monumento ao
major Archer, antigo administrador da Floresta da tijuca;28; as ilustrações dos
livros O alienista e Memórias póstumas de Brás Cubas; a capela Mayrink.

27	
Em carta para Portinari de 20 de setembro de 1943 Castro Maya dizia: “quando os prisioneiros
receberem os mantimentos, os vestuários, as bençãos recairão sobre você”. Projeto Portinari, CO- 3253.
28	
A correspondência entre Castro Maya e Portinari em 1943 está cheia de referências a este projeto de
monumento para o qual Portinari chegou a realizar um croqui. Cf. Projeto Portinari, CO- 3253, 3255, 3256,
3258, 3280.

27
Portinari viria a empregar solução
similar em gravura para o livro O
alienista, no qual estava trabalhando
naquele momento e, também,
posteriormente, em desenho de
ilustração do Memórias póstumas
de Brás Cubas. [ilustração Alienista
MCC1523] Para figurar São João da
Cruz, Portinari contou com o auxílio
de Castro Maya, que lhe enviou um
retrato do santo.31

Os trabalhos de reformulação da
Floresta da Tijuca foram iniciados em
1943, a partir do planejamento de
Castro Maya. Segundo ele, excetuando
o projeto dos portões da Floresta, o
desenho da fachada, o campanário
da Capela Mayrink de Wladimir Alves
de Souza e a colaboração de Burle
Marx na remodelação do Açude da
Solidão, “o resto foi feito por mim”.
Entre as diversas obras necessárias
estavam as da capelinha do Mayrink,
“reconstituída e valorizada por tríptico
de Portinari”.30
A capela, da segunda metade do
XIX, “foi por assim dizer feita de
novo” exterior e interiormente.
Após discussões, o teor das imagens
sacras que seria implementado
evoluiu, com a ajuda de Otto Maria
Carpeaux, da idea inicial de uma
Nossa Senhora flanqueada por anjos
para um programa iconográfico
consistente: Nossa Senhora do
Carmo, ladeada por dois santos
ligados aos carmelitas; São Simão
Stock - que teve a visão de Nossa
Senhora no Monte Carmelo - ; São
João da Cruz - fundador da Ordem
do Carmo - e a predela, mostrando
o Purgatório, de onde se diz que
aqueles que usarem o escapulário
visto na mão da Virgem, terão sua
alma liberada no primeiro sábado
após a morte. A irmã de Portinari
e seu filho posaram para Nossa
Senhora e o Menino. A composição
revelou-se tão satisfatória que

30	
MAYA, Raymundo Ottoni de Castro. A Floresta da
Tijuca. Rio de Janeiro: Bloch, 1967.

28

(N. S. da Matriz).
Água-forte. Rio de
Janeiro, 1945-48.
Ilustração para o
livro O alienista.
N. S. do Carmo.
Lápis. Capela
Mayrink – estudo.
Rio de Janeiro.1944.

Foto Interior da
capela Mayrink,
instalação dos painéis
de Candido Portinari.
Rio de Janeiro, 1944.
Foto Jean Manzon,
Arquivo Casto Maya.

Machado de Assis.
O alienista. Rio de
Janeiro: Raymundo
Ottoni de Castro
Maya, 1948.
70p. O exemplar
de Castro Maya
contém os originais
em nanquim dos
desenhos impressos
em off-set.

A primeira missa da remodelada
capela foi oficiada em 16 julho de
1944 pelo cardeal do Rio de Janeiro,
dom Jaime Câmara. O estilo clássico
adotado nos painéis da Mayrink
salvou Portinari da indignação e
da repulsa da Igreja Católica por
sua obra sacra, manifestadas no
caso do mural para a igreja de São
Francisco de Assis da Pampulha do
ano seguinte.
É interessante notar que a capelinha
ganhou seu maior atrativo –
os painéis de Portinari – como
consequencia de “um imprevisto”,
como chamou Castro Maya. Ele
relata que havia conseguido junto a
Rodrigo de Melo Franco de Andrade,
do SPHAN, a cessão de um altar
mineiro antigo, mas este não coube
na capela por um erro de medição
e que, então, recorreu a seu amigo
Candido Portinari para que aceitasse
a encomenda de pintar os três
painéis.

31	
Carta de Raymundo de Castro Maya a
Candido Portinari. Rio de Janeiro 194-. Projeto
Portinari, CO-3277.

29
Ao confrontar-se com um projeto de remodelação de espaço sacro, as
alternativas óbvias para Castro Maya polarizaram-se entre Barroco e Portinari.
Essa valorização do colonial estava em plena consonância com um destaque
conferido ao Barroco pelo próprio Modernismo. A almejada identidade cultural
brasileira passava a ser pensada, naquele momento, em termos de um “estilo
brasileiro”, que o Modernismo deveria ser capaz de criar, expressando assim, o
universo simbólico nacional. Em sua luta contra o Neoclássico, o Modernismo
acabava por fundar o mito do Barroco e inventar a si mesmo como um segundo
momento de arte nacional. O movimento iniciara-se justamente como negação
do período acadêmico, tentando criar uma arte verdadeiramente brasileira. A
proposta era de resgate da nacionalidade interrompida pelo hiato neoclássico,
reconhecendo-se no Barroco outra instância de arte genuinamente nacional.32
Segundo Germain Bazin, a arte do Barroco fora uma manifestação da “tradição
artística autóctone que foi a do Brasil, antes que a introdução do Neoclassicismo
por uma missão estrangeira interrompesse bruscamente o curso”.33
Especialmente no campo da arte sacra, a escolha do Barroco como a arte
religiosa brasileira, por excelência, criaria uma forte e persistente associação
mental entre as expressões arte sacra brasileira e estilo barroco. É, portanto,
significativa a opção de Castro Maya pelo do esquema “ou Barroco ou Portinari”.

32	
Ver MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista, Rio de Janeiro: Graal, 1978; ZÍLIO,
Carlos. Op.cit.; CAVALCANTI, Lauro. Op.cit.
33	

30

Portinari. Exposição de sua obra de 1920 até 1948, p. 19.

O Purgatório.
Capela Mayrink –
estudo.
Lápis. Rio de
Janeiro,1944.

O Purgatório.
Capela Mayrink –
estudo.
Lápis. Rio de
Janeiro,1944.

A arte sacra nacional seria preferencialmente barroca, mas de que outra forma
ela poderia identificar-se, também, aos ideais de brasilidade? A resposta mais
inequívoca indicava Portinari, o artista “herdeiro da cultura helênica, um Picasso
sul-americano, que fala a mesma língua da Europa, o senhor da técnica e da
compreensão do homem comum, o pintor que descobriu e pintou o Brasil e o
homem da terra”.34
Na capela Mayrink, Portinari contou com um mecenato de certa forma indireto de
Castro Maya. Porque, se bem que a eleição do artista tenha cabido unicamente
a ele, a encomenda seria paga com a colaboração de outros moradores do Alto
da Boa Vista, contudo, no jogo entre mecenas e artista, já contaminado pelo
prisma da amizade, cabia a doação de estudos preparatórios para os painéis,
acompanhados de dedicatórias carinhosas. Foi desta maneira, portanto, que os
três estudos a lápis realizados por Portinari em 1944, vieram a integrar a coleção:
Nossa Senhora do Carmo (“Para o Raymundo lembrança do Portinari. Rio, 944”) e
duas versões para O purgatório (“Para o Raymundo Portinari”/”Para o Raymundo
amigo Portinari. Rio 944”).
A criação de um Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro foi um projeto
acalentado por Castro Maya, que considerava o empreendimento fundamental
para o crescer da cultura artística a partir de uma atuação efetiva sobre o meio
cultural nacional. Ao final da década de 1940, os recém-criados Museus de Arte

34	
Ver conceitos de críticos e intelectuais do Brasil e do estrangeiro reproduzidos no catálogo da Exposição
Portinari . MAM-RJ, abril 1953.

31
Moderna pretendiam-se instrumentos para esclarecer, atrair e converter o público
para a arte moderna estrangeira e nacional. Como centros de intensa irradiação
artística aliada a uma função didática, inseriam-se em seu planejamento, não
apenas eventos óbvios, como as exposições temporárias, mas também atividades
do tipo edições de livros e estampas, conferências, cursos teóricos e práticos.
Portinari era um elemento importante neste processo. O boletim do MAM-RJ relata
que a exposição individual do artista em 1953 alcançou uma frequencia de 22
mil visitantes no período de dois meses, contra dois a seis mil em outras mostras.
Além de exposições, a obra do pintor era comentada em palestras e seus feitos
noticiados nos boletins. 35 Sobre a organização da mostra do painel Tiradentes
em 1949, temos a descrição de Castro Maya: “Julgando apresentar à admiração
do público que seria do mais alto interesse cultural antes que deixasse o Rio de
Janeiro para o seu destino definitivo, o colégio de Cataguazes, o mural Tiradentes
de Candido Portinari, a Diretoria do Museu entrou em entendimento com o artista
e com [...] diretores daquele instituto [...]. As dimensões excepcionais dessa obra
maravilhosa, [...] sem dúvida possível uma das mais grandiosas e notáveis da
arte contemporânea, requeriam local de vastas proporções. Foi alvitrado o amplo
salão de festas do Automóvel Clube [...]. E em presença de altas autoridades [...]
e um público extremamente numeroso [...] inaugurou-se [...] a exposição que
havia de ser alvo de verdadeira romaria [...].”36
Os museus de arte moderna também pretendiam estimular o mercado das artes
no Brasil, contribuindo para fomentar no público o hábito de comprar obras de
arte de qualidade e a consequente constituição de uma clientela assídua. Quiçá
este fosse um dos objetivos perseguidos pelo MAM-RJ ao editar e comercializar
duas águas-fortes de Portinari sobre o tema Tiradentes na ocasião da exibição
do mural em 1949. Exemplares dessas duas gravuras compõem a coleção Castro
Maya. Uma delas é o décimo exemplar da tiragem de cem e retrata um dos
mastros com os restos do mártir esquartejado. A outra traz a cena da forca com
os espectadores do suplício.37 Trata-se de um exemplar fora do comércio e foi,
portanto, doado a Castro Maya pelo artista.
Denunciando uma certa dose de confusão entre as esferas dos negócios do
Museu e os pessoais, essas águas-fortes foram impressas na Gráfica das Artes
S.A, fundada por Castro Maya e “destinada exclusivamente à impressão de

35	
Boletim de 1952 traz notícia da mostra de Portinari na ONU com menção do pronunciamento do
secretário geral que referiu-se a ele como o grande muralista brasileiro. Boletim de 1953 anuncia palestra sobre
Portinari por Santa Rosa. Arquivo Castro Maya, pasta 70.
36	

Relatório de atividades do MAM-RJ. Ibid.

37	
MUSEU DE ARTE MODERNA. Exposição do mural Tiradentes de Candido Portinari. Rio de Janeiro,
agosto 1949.

Candido Portinari em frente ao mural Tiradentes. Álbum de fotografias organizado por
Castro Maya na ocasião da exposição no MAM-RJ. Biblioteca Castro Maya.

32

33
luxo pelo sistema usado na França
com prensas manuais e com papel
especial”.38 Lá trabalhava o irmão
de Portinari, Luís (Loy), mandado a
Europa em uma viagem patrocinada
por Castro Maya para realizar uma
especialização na arte dos livros
feitos à mão, e também para adquirir
as prensas de madeira e outros
materiais.39
Também tirada na Gráfica das Artes
foi a água-forte Espantalho (s.d.),
um motivo recorrente em Portinari
e tema de um dos quadros do
espetáculo Cega-Rega produzido
por Castro Maya. A coleção conserva
a gravura 31 de uma tiragem de
50, e também dois exemplares da
tiragem encomendada para seguir
como cartão de Natal impresso com
a mensagem “Os melhores votos de
Natal e Ano Novo de Raymundo de
Castro Maya”. Esse relacionamento
especial de Castro Maya com os
artistas permitia-lhe alçar seus
cartões de Natal ao nível de obras de
arte, encomendando a pintores mais
chegados desenhos ou gravuras para
tal fim. Desta forma, uma marca de
refinamento, contemporaneidade e
distinção eram impressas, enquanto
ele se afirmava como grande
mecenas, incentivador das artes,
bem relacionado com os maiores
artistas de seu tempo.

Tiradentes.
Água-forte. Projeto
para painel. 1949.

(De como Itaguaí
ganhou uma casa
de Orates).
Água-forte. Rio de
Janeiro, 1945-48.
Ilustração para o
livro O Alienista.

38	
Carta de Raymundo de Castro Maya a
Francisco Matarazzo Sobrinho. Rio de Janeiro, 15
julho 1949. Arquivo Castro Maya, pasta 69.
39	
Ver depoimento de Luís Portinari no
Projeto Portinari.

34

Espantalho.
S/d. Água-forte.

Tiradentes: A forca.
Água-forte. 1949.

Foi no campo da edição de livros
ilustrados, que o mecenato de Castro
Maya mais plenamente se realizou.
Com
Portinari,
especialmente,
experimentou-se uma aliança feliz,
entre um artista que dedicou uma
parcela significativa de sua obra
a este tipo de empreendimento além dos livros editados por Castro
Maya, ele ilustrou Zé Brasil, de
Monteiro Lobato; Cangaceiros, de
José Lins do Rego; Raízes, de José
Paulo Moreira da Fonseca; O poder
e a glória, de Graham Greene,
entre outros - e um bibliófilo
comprometido seriamente com a
edição de livros de arte.
O renome de Castro Maya neste
campo começou a espalhar-se na
década de 1940. Em carta datada
de 1946, Nelson Rockefeller
parabenizava
Castro
Maya,
comentando que havia tomado
conhecimento das suas modernas
publicações ilustradas por Portinari
e comprometendo-se, no futuro, a
ser um de seus subscritores.40 Como
consequência, Castro Maya recebia
freqüentes convites e solicitações
para participação em empreitadas
na área da edição de livros de arte.
Por certo, a Sociedade dos Cem
Bibliófilos do Brasil foi seu projeto
mais ambicioso. Dirigida por Castro
Maya até sua morte, inspirou-se
nos moldes de suas contrapartidas

40	
Carta de Nelson Rockefeller a
Raymundo de Castro Maya. Nova York, 26
novembro 1946. Arquivo castro Maya, pasta 69.

35
europeia. Mais uma das iniciativas
de Castro Maya para o fomento
da atividade e do gosto artístico,
ele justificava sua criação pelo
desejo “de incrementar entre
nós o amor aos belos livros”.41
Editavam-se obras de autores
nacionais ilustradas por artistas
plásticos contemporâneos. Os livros
eram impressos manualmente em
papel de luxo importado. Dos 120
exemplares impressos, 100 eram
distribuídos para os sócios com
seus nomes gravados; 15 iam para
instituições e pessoas nomeadas
nos estatutos e cinco podiam ser
distribuídos a critério da sociedade.
Pelos
estatutos,
os
artistas
ilustradores estavam obrigados
a entregarem à sociedade todos
os originais das gravuras para
serem leiloados, recebendo uma
percentagem do arrecadado. O
leilão de desenhos e estudos era
efetuado no jantar anual em que se
reunia a assembleia geral ordinária
para a apresentação de cada livro e
a prestação de contas do exercício.

a escolha do artista ilustrador.42 O
primeiro livro, editado em 1943,
foi Memórias póstumas de Brás
Cubas, de Machado de Assis, com
gravuras em metal de Portinari.
A dobradinha Machado-Portinari
parece ter sido escolhida a dedo
por Castro Maya, a fim de provocar
o máximo de impacto na primeira
edição. Ela unia o grande nome de
nossa literatura e o principal artista
do momento. Essa dobradinha iria
repetir-se no empreendimento solo
de Castro Maya para a edição de O
alienista.

(Plus ultra!).
Água-forte.
Rio de Janeiro,
1945-48

Álbum de estudos
preparatórios
intitulado Ensaios
para as Memórias
póstumas de Brás
Cubas, organizado
por Portinari e
dedicado “Para o
Raymundo com a
amizade do
Candinho, Rio 945”.

A comissão executiva, liderada por
Castro Maya, tinha enorme latitude
para decidir sobre o texto, artista
ilustrador, gênero de ilustração,
papel e formato, todavia, por diversas
vezes, Castro Maya tentou valer-se
de uma sugestão de Portinari para

41	
Carta da Comissão Promotora da
Sociedade dos Cem Bibliofilos do Brasil. Rio de
Janeiro, s.d. Arquivo Castro Maya, pasta 100.

36

(O terror).
Água-forte.
Rio de Janeiro,
1945-48

Mãe de Eugênia
Nanquim e aguada,
1943. Estudo para
ilustração do livro
Memórias póstumas
de Brás Cubas.

Brás Cubas foi lançado no primeiro
jantar da Sociedade dos Cem
Bibliofilos do Brasil no Jockey
Clube. Os originais das ilustrações
do volume ficaram em exibição
naquele local durante a tarde para
serem leiloados após o jantar. À
Castro Maya pertence o exemplar
2 da tiragem de 119 de Memórias
póstumas de Brás Cubas, em edição
da Sociedade dos Cem Bibliófilos
do Brasil de 1943, terminada
de imprimir em 1944. Além das
sete águas-fortes - tiradas por
Portinari em colaboração com seu
irmão Loy - e dos 74 desenhos a
nanquim reproduzidos em clichê,
comuns aos exemplares de todos
os sócios, o volume de Castro Maya
é completado com o encarte de 12
desenhos originais em nanquim
ou grafite assinados e datados de

42	
Ver cartas de Raymundo de Castro
Maya para Candido Portinari, Rio de Janeiro,
7 fevereiro 1945 e 31 dezembro 1946. Projeto
Portinari, CO- 3260, 3262.

37
Tio Padre
Nanquim e aguada,
1943. Estudo para
ilustração do livro
Memórias póstumas
de Brás Cubas.

Eugênia
Nanquim e aguada,
1943. Estudo para
ilustração do livro
Memórias póstumas
de Brás Cubas.

Carta de Castro Maya para Candido Portinari, datada 22/09/1942, formalizando o
convite ao artista para ilustrar o livro Memórias póstumas de Brás Cubas. Projeto Portinari.

38

Tio João
Nanquim e aguada,
1943. Estudo para
ilustração do livro
Memórias póstumas
de Brás Cubas.

1943.
As matrizes inutilizadas das sete
gravuras
estão
conservadas
na
coleção
Castro
Maya,
provavelmente
adquiridas
pelo colecionador no leilão de
lançamento da edição, além
disto, como testemunha daquela
intrincada rede de relações que
unia o mecenas e seu protegido
e amigo, Castro Maya recebeu de
Portinari um álbum com o título de
Ensaios para as Memórias póstumas
de Brás Cubas, 1943 contendo 30
desenhos a nanquim ou grafite
cuidadosamente montados nas
páginas pelo próprio artista. Na
folha inicial lê-se a dedicatória
“Para o Raymundo com a amizade
do Candinho. Rio 945”.
O alienista, de Machado de Assis,
foi outro projeto que se desenrolou
quase
simultaneamente.
Os
trabalhos de Portinari datam de
1944 e as gravuras foram tiradas
com o auxílio de seu irmão Loy,
mas a edição de Castro Maya só
foi iniciada em 1945 e terminada
na Imprensa Nacional em 1948.
Castro Maya possui o exemplar 1
da tiragem de 400 e três outros.
Além das quatro águas-fortes
comuns a todos os exemplares esse
número 1, conta com os originais
encartados de 37 desenhos a
nanquim reproduzidos em off-set
na edição regular. Ele também
conservou para si exemplares
avulsos das quatro gravuras bem
como a boneca do livro composta
das gravuras e do texto em offset com o espaço dos desenhos
preenchidos por esboços a lápis

39
(alguns bastante esquemáticos,
outros já bem próximos do
resultado final), além de marcações
de correções que deveriam ser
efetuadas.
O último projeto conjunto foi a
edição pela Sociedade dos Cem
Bibliófilos do Brasil de Menino de
engenho, de José Lins do Rego, em
1959. A concepção das gravuras de
Portinari data de 1958-59 e teve
a supervisão de Poty na tiragem
na Gráfica das Artes durante os
meses de janeiro a agosto de 1959.
O colofão do livro afirma que as
placas foram inutilizadas após a
impressão. Apesar disto, a coleção
Castro Maya possui duas matrizes
de água-forte das ilustrações para
o Menino de Engenho.
O exemplar 2/120 pertencente
a Castro Maya possui, além das
30 gravuras comuns a todos,
quatro estudos para água-forte
em grafite, assinados e datados
de 1959, encartados no início do
volume, e também uma série de
anexos compostos por duplicatas de
algumas das gravuras e provas de
estado de outras. Diferentes peças
avulsas como duplicatas, provas
de estado e exemplares H.C. (hors
commerce) assinados de diversas
gravuras, bem como uma versão
rejeitada para uma das ilustrações,
compõem também a coleção
Castro Maya. Sua proveniência
deve ser creditada, mais uma vez,
à oferenda de Portinari para Castro
Maya de algumas peças (caso dos
exemplares fora do comércio), não
se podendo excluir a aquisição no
leilão de lançamento no caso de

(O namoro do
menino).
Água-forte. Rio de
Janeiro, 1959.
Estudo não
aproveitado para
ilustração do livro
Menino de engenho.

(O namoro do
menino).
Água-forte. Rio de
Janeiro, 1959.

40

D. Quixote- Sancho
Pança pendurado
no ramo de
carvalho
Lápis de cor. C.1956.

outras.
Castro Maya esteve também envolvido direta ou indiretamente em alguns projetos
de edição de livros com reproduções da obra de Portinari. Em 1962, após adquirir
os desenhos da Série Dom Quixote. [ilustração Quixote 129], ele conseguiu a
adesão da família de Portinari à iniciativa de publicar os desenhos em uma edição
francesa bilíngue com introdução de Renée Huyghe e iniciou as negociações em
Paris com Trajano Coltzesco. Estas, porém, fracassam em meados de 1963 em
decorrência da “situação econômica catastrófica no Brasil”.43
Anteriormente, em 1950, a Interart de Paris planejava um álbum de Portinari
em uma edição ambiciosa que seria o “primeiro estudo importante da obra do
grande pintor da América Latina”, com textos de René Huyghe e Germain Bazin,
apresentando “um grande pintor contemporâneo”. Este projeto viria a se interpor
aos negócios do próprio Museu de Arte Moderna. O cargo de presidente e o
caráter de mantenedor e mecenas do MAM-RJ haviam colocado Castro Maya
em uma posição legitimada especial, não só para determinar sobre exposições

43	
Carta de Raymundo de Castro Maya para A. Mouillot. Rio de Janeiro, 15 julho 1963.Arquivo Castro
Maya, pasta 105.

41
os primeiros, encarados como
preparação para o processo criativo
e, as segundas, padecendo pela
sua não unicidade - representavam
os veículos principais da prova de
afeto e gratidão de Portinari por
Castro Maya.
“O Raymundo Castro Maya toda
vida foi o protetor de Portinari,
admirador e amigo, a gente
via o contato.” A proximidade
desse contato, tal como descrita
pelo padre Guilherme Schubert,
transborda nos registros da
convivência dos dois homens. As
cartas de Castro Maya a Portinari
revelam sua satisfação em privar de
um convívio cotidiano com o amigo
e estão pontuadas por observações
de saudades das “agradáveis
palestras do Cosme Velho”, nas
ocasiões em que lamentava não
poder visitá-lo.46 No campo da
arte, seu entusiasmo pelo trabalho
do artista foi grande a ponto de um
dia declarar: “Na arte sem você...
não há nada.” 47

e eventos, mas também para promover certas ações que
misturavam os negócios do Museu com os de amigos. É
assim que, atendendo o apelo do embaixador Josias Leão,
Castro Maya respondia entusiasmado em nome do MAMRJ, comprometendo-se a editar e distribuir os folhetos de
subscrição para o álbum sobre Portinari: “quanto ao livro do
Candinho, o Museu terá o maior prazer de se encarregar da
subscrição. Quanto a mim [...] gostaria muito de subscrever
um dos 15 de grande luxo”.44
Um ano depois, porém, em outra carta a Leão, ele oferecia
um panorama nada animador para o futuro do projeto
que em breve fracassaria, obrigando a Interart a devolver
os valores pagos pelos subscritores, inclusive Castro Maya:
“Temos enviado o boletim de subscrição do livro Portinari e
entreguei ao Candinho uma certa quantidade; as respostas
são poucas, uma meia dúzia!”.45
A última participação de Portinari nos projetos editoriais de
Castro Maya seria a reprodução do desenho Iemanjá no
livro A muito leal história da cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro, editado pelo mecenas em 1965, como parte das
comemorações do quarto centenário da cidade. O desenho
assinado e datado de 31 de dezembro de 1959 hoje faz
parte da coleção Castro Maya.
Esta coleção completa-se com um conjunto de obras, que
provam a generosidade com que Portinari franqueava o
acesso de Castro Maya aos meandros de seu processo criativo.
Assim como no caso dos esboços e desenhos preparatórios
remanescentes das encomendas para painéis e ilustrações
dos livros, permanecem no acervo gravuras e desenhos e
avulsos marcados geralmente com dedicatórias do tipo “Para
o Raymundo amigo com o abraço de Portinari”. Compõem
esse recorte a delicada água-forte Árvore (1945) - que na
dedicatória especifica sua condição de única prova de artista
de uma tiragem de apenas oito exemplares, valorizando
assim a oferta –, a monotipia São Francisco (1948) e o
desenho a lápis e carvão Cena rural (1954). Desenhos e
gravuras, menos valorizados enquanto produtos finais -

Árvore.
Água-forte. 1945.

44	
45	

42

Carta de Raymundo de Castro Maya a Josias Leão, maio de 1950. Arquivo Castro Maya, pasta 69.
Carta de Raymundo de Castro Maya a Josias Leão, fevereiro de 1951. Ibid.

São Francisco.
Monotipia. 1948.
46	
Cf.
depoimento
de
Guilherme
Schubert, cartas de Raymundo de Castro Maya
a Candido Portinari, Rio de Janeiro, 20 setembro
1943, 7 fevereiro 1945. Projeto Portinari, CO –
3253, 3260.
47	
Carta de Raymundo Castro Maya a
Candido Portinari. Rio de Janeiro, 11 maio,
[1950]. Projeto Portinari, CO – 3284.

43
O artista

Annateresa Fabris

Uma testa alta que não oculta um princípio de calvície, um rosto um tanto alongado,
no qual se destacam o arco bem desenhado das sobrancelhas, o nariz reto, os lábios
finos: essa é a imagem que Portinari oferece, em 1943, de seu amigo e protetor
Raymundo Ottoni de Castro Maya. O retrato, que pode ser inscrito numa vertente
clássica, caracteriza-se pela representação não frontal de Castro Maya – apanhado
com o corpo levemente voltado para a esquerda – e pelo jogo cromático determinado
por passagens gradativas do marrom avermelhado do fundo neutro para o ocre do
rosto e do pescoço e, deste, para o branco da camisa, que se impõe de imediato
ao olho do observador. A escolha de um fundo mais escuro não é casual; graças a
ele o artista confere uma luminosidade sutil à figura do retratado e realça a cor da
camisa, cujo colarinho desabotoado é um índice do aspecto íntimo, isto é, não oficial
e mundano da representação.
O partido adotado pelo pintor no Retrato de Raymundo Ottoni de Castro Maya não é
clássico só pelo fato de estar vinculado a uma tendência internacional, que se impôs
na Europa a partir da segunda metade do século XV: é clássico sobretudo por não ter
feito da figura humana um pretexto para uma especulação eminentemente plástica.
Fiel à tradição do gênero, Portinari leva o observador a distinguir o que é do domínio
da percepção do artista e o que é do domínio do modelo, cuja figura deve despertar
interesse por si, por sua aparência individual. 1
Esse equilíbrio entre o pictórico e o psicológico havia despertado a atenção de
Mário de Andrade, que destaca na retratística portinariana a “receita” adotada
pelo pintor. Receita que faz consistir no abandono de qualquer fantasia pessoal em
prol da “obediência” à realidade do modelo graças ao “apropositado cauteloso da
interpretação psicológica” e ao uso criterioso do instrumental da pintura. 2
O vetor clássico do retrato de Castro Maya não se refrata, contudo, nos quadros
de Portinari que integram sua coleção, nos quais é possível distinguir algumas das
tendências principais da poética do pintor. Cobrindo um arco de tempo que vai de

D. Quixote- D
Quixote atacando
rebanho de
ovelhas
Lápis de cor. C.1956.

44

1	
FRANCASTEL, Pierre. “Renovación y decadencia: siglos XIX y XX”. In: Francastel, Galienne; FRANCASTEL,
Pierre. El retrato. Madrid: Cátedra, 1995, p. 228-230.
2	
ANDRADE, Mário de. “Candido Portinari”. In: O baile das quatro artes. São Paulo: Martins, 1963, p.
126-127.

45
1940 a 1958, os dez quadros da
coleção Castro Maya podem ser vistos
como uma espécie de inventário do
programa iconográfico de Portinari.
Com exceção de Flores (1947) e O
sonho (1958[?]), as demais telas do
conjunto correspondem aos eixos
centrais da iconografia portinariana:
trabalho (A barca, 1941; O sapateiro
de Brodósqui, 1941; Lavadeiras,
1943); cenas de infância (Grupo de
meninas brincando, 1940; Menino
com pião, 1947; Menino com
carneiro, 1953); espaço social do
trabalhador (Morro no11, 1958);
retratística (o já citado retrato de
Castro Maya).

D. Quixote- D
Quixote atacando
rebanho de
ovelhas
Lápis de cor. C.1956.

Duas telas destacam-se no conjunto:
A barca e O sapateiro de Brodowski.
A primeira, inspirada nos episódios
das pescas milagrosas narrados
nos Evangelhos de Lucas (5, 4-10)
e João (21, 1-6), mostra-nos um
Portinari atento antes ao significado
humano do que à simbologia mística
do acontecimento. Se os diferentes
componentes
que
integram
a
narrativa do Novo Testamento devem
ser lidos em chave simbólica – mar
= mundo, barca = Igreja, pescadores
= apóstolos, redes = pregação do
Evangelho, peixes = universalidade
dos fiéis3, no caso do quadro de
Portinari a atitude de espanto e de
júbilo dos tripulantes da embarcação
pode ser reportada à consciência da
compensação de um esforço contínuo
que acabou tendo êxito.

3	
Cf.: Bíblia sagrada. São Paulo: Edições
Paulinas, 1967, p. 1367.

46

D. Quixote- D
Quixote atacando
rebanho de
ovelhas
Lápis de cor. C.1956.

D. Quixote- D
Quixote atacando
rebanho de
ovelhas
Lápis de cor. C.1956.

A barca, com sua disposição triangular associada a um movimento elíptico, serve de
ponto de partida para a têmpera Garimpo do ouro, que o artista executa naquele
mesmo ano para a Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington.
Embora na composição norte-americana Portinari tenha desenvolvido a cena de
garimpo em dois planos distintos, outras semelhanças podem ser apontadas entre
as duas obras: a imagem do homem debruçado para fora da embarcação é quase
idêntica, a gestualidade das duas figuras de mãos erguidas no quadro da coleção
Castro Maya reverbera naquela da figura central de Washington.
Se a circularidade da composição se impõe de imediato, a construção geométrica do
quadro não é, porém, de todo evidente: os vários triângulos formados pela gestualidade
das figuras de pé e do pescador debruçado na amurada da barca são percebidos
numa segunda visada. Portinari dota o quadro de uma estrutura fluida, realçada pelos
diferentes focos de luz que incidem nas figuras e pelo contraste cromático entre o azul

47
suas gigantescas figuras, de corpos
densos e deformados, numa estrutura
geométrica e equilibrada, para
melhor enfatizar a monumentalidade
escultórica de seus ícones.

escuro do mar e o branco e o ocre
das vestimentas.4
O sapateiro de Brodósqui, por sua
vez, é marcado pela presença de
uma deformação mais acentuada, na
qual sobressai a desproporção entre
a fragilidade do pescoço e o vigor
dos braços musculosos e das pernas
grossas e bem torneadas, a evocarem
a monumentalidade daquelas da
Colona de 1935. O quadriculado
do assoalho, com sua estruturação
geométrica matizada pela aplicação
irregular da tinta azul, não chega a
provocar um contraste evidente com
a densidade escultórica da figura do
sapateiro.
O modelado antinaturalista, de
matriz picassiana, que enforma
O sapateiro de Brodósqui guarda
uma nítida semelhança com alguns
dos melhores quadros da década
anterior – Mestiço (1934), Preto de
enxada (1934), Mulatas à beira do
rio (1934), além de Colona, por
exemplo –, nos quais Portinari insere

4	
Na coleção Castro Maya, encontrase também a ponta-seca A barca (s.d.), que
apresenta basicamente o mesmo esquema do
quadro. A gravura desperta o entusiasmo de
Mário de Andrade, que a considera a “pontaseca mais forte” de Portinari, exemplificando
a “originalidade de fatura” que o artista havia
atingido na técnica. O escritor pensa em usá-la
como ilustração no livro que deveria escrever
sobre Portinari, a convite da Editorial Losada de
Buenos Aires (1942). Desiste, porém, da idéia
“porque a reprodução fotográfica ficou muito
fraca e não dá a impressão da força do trabalho”.
Cf.: FABRIS, Annateresa (org). Portinari, amico
mio. Cartas de Mário de Andrade a Candido
Portinari. Campinas: Mercado de Letras, 1995,
p. 116-17, 124.

48

Grupo de
meninas
brincando.
Óleo s/ tela. 1940.

O sapateiro de
Brodósqui.
Têmpera s/ tela,
Brodósqui.1941.

Nos outros quadros da coleção
Castro Maya, o pintor exibe
outras possibilidades plásticas e
compositivas. Em Grupo de meninas
brincando, predominam tons mais
suaves e uma pincelada mais
rarefeita, que confere transparência
às cores. Apesar de uma certa
geometrização do chão, o quadro não
deixa de ter parentesco com a “série
brodosquiana”, realizada ao longo
dos anos 1930, que se distingue
pela busca de uma espacialidade
infinita, na qual as figuras se
inserem de maneira harmoniosa. As
figuras da obra de 1940 parecem
responder de perto à análise que
Mário Pedrosa fez da série: podem
ser consideradas “meras sugestões
luminosas, sem maior realismo, sem
maior atualidade”,5 em virtude do
jogo cromático, da iluminação antirealista e da atemporalidade da
representação.
Uma paleta baseada em tons pastel
e uma pincelada rarefeita são a nota
dominante de Lavadeiras, gerando
uma imagem indistinta e etérea, bem
diferente daquela figuração trágica
que estava tomando conta da pintura
de Portinari desde o final dos anos

Lavadeiras.
Óleo s/ tela. 1943.
5	
PEDROSA, Mário. “Portinari – De
Brodósqui aos murais de Washington”. In: Dos
murais de Portinari aos espaços de Brasília. São
Paulo: Perspectiva, 1981, p. 10.

49
1930, atingindo seu apogeu nas séries dos Profetas (1944) e dos Retirantes (1944).
A preferência de Castro Maya por um Portinari mais moderado, que não desarticula
suas figuras nem as submete a uma gesticulação intensa e eivada de patos, é patente
em todos os quadros de sua coleção. Por isso, não admira que na iconografia infantil
do pintor tenha dado preferência a obras como Menino com pião e Menino com
carneiro, que podem ser incluídos na categoria das figuras “angelicais”, proposta por
Cipriano Vitureira em 1949.6 Com ela, o crítico uruguaio designava as crianças de
Portinari que não apresentavam um tom trágico e sofredor (por terem a possibilidade da
salvação), diferentemente daquelas outras figuras infantis que denominava “patéticas”.
Menino com pião é uma composição de grande equilíbrio, balizada pela forma
triangular da criança de perfil, que se destaca de imediato graças ao contraste
cromático entre os tons claros do corpo e do chapéu de papel, e o marrom escuro da
camisa e do pião. A expressão ensimesmada do rosto compõe uma síntese formal e
expressiva com a mão espalmada segurando o brinquedo, o que reafirma a ênfase
dada pelo pintor à forma triangular como elemento estrutural da composição.
Artista profundamente realista, Portinari não deixa de fazer experiências de caráter
abstrato, embora seja um crítico pertinaz das vertentes não figurativas ao longo da
década de 1950. Descrente da proposta de renovação da arte nacional feita pelo grupo
concretista, o pintor chega a falar numa crise da arte na sociedade contemporânea,
motivada pela perda de suas funções tradicionais diante da afirmação de novos
instrumentos de informação e divulgação (imprensa, cinema, rádio e televisão).
A coleção Castro Maya abriga um exemplar desse momento de crise e questionamento
dos valores da pintura: o quadro Morro no 11. Nele, Portinari lança mão de elementos
da abstração geométrica, na esteira do cubismo cristalino de Jacques Villon. Ancorado
no referente exterior, o artista sobrepõe planos geométricos coloridos a um desenho
realista – que é o elemento determinante da composição – e recorta as figuras em
pequenos quadriláteros cromáticos, alcançando um resultado antes decorativo do que
estrutural.
***
Além de adquirir obras de Portinari, Castro Maya o auxilia na organização de
exposições; em algumas ocasiões, indica seu nome para representar o Brasil; exerce
o papel de encomendante, como no caso dos painéis para a capela Mayrink (1944,
Rio de Janeiro), de dois conjuntos de ilustrações para livros editados pela Sociedade
dos Cem Bibliófilos do Brasil e da edição para fins beneficentes de O alienista, de
Machado de Assis.
Fundada em 1943, a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil tinha como objetivo
publicar um livro por ano, em pequena tiragem. A marca distintiva da confraria era o

6	

50

VITUREIRA, Cipriano S. Portinari en Montevideo. Montevideo: Ediciones “Alfar”, 1949.

Menino com
pião.
1947. Óleo s/ tela.

interesse pela produção de livros
refinados, nos quais escrita e imagem
dialogavam de maneira criativa.
Voltado para a literatura brasileira
do passado e contemporânea, o
empreendimento arrola entre os
escritores selecionados os nomes de
Machado de Assis, Castro Alves,
Afonso Arinos de Melo Franco, Mário
de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge
Amado, José Lins do Rego, Guimarães
Rosa. A tarefa de interpretar
visualmente seus textos é entregue a
diversos artistas modernistas e a alguns
representantes das novas gerações,
uma vez que a iniciativa se prolonga
até 1969, ano seguinte ao da morte
de Castro Maya. Ao lado de Portinari,
autor das ilustrações do primeiro livro
da coleção (Memórias póstumas
de Brás Cubas, 1944) e do décimo
terceiro (Menino de engenho, 1959),
destacam-se os nomes de Enrico
Bianco, Caribé, Cícero Dias, Clóvis
Graciano, Di Cavalcanti, Djanira,
Lívio Abramo, Poty, Santa Rosa,
Aldemir Martins, Maciej Babinski,
Eduardo Sued, Iberê Camargo, Isabel
Pons, Marcelo Grassmann, Cláudio
Corrêa e Castro, Heloísa de Farias,
além de Darel, encarregado da
escolha dos ilustradores e da abertura
das matrizes dos artistas que não
sabiam gravar.
Se o trabalho de interpretação que
Portinari realiza para a obra de
José Lins do Rego se revela mais
convencional em virtude da opção
por um código prevalentemente
realista, no qual se destacam algumas
incursões pela estilização, como
comprova o retrato sintético e linear
do protagonista do romance, bem
outra é a solução encontrada para

51
Memórias póstumas de Brás Cubas.
Castro Maya acompanha de perto
a realização do trabalho, que
Portinari executa em Brodósqui, no
inverno-primavera de 1943. Ao ser
lançado em 1944, o livro recebe
uma avaliação entusiástica de Lúcia
Miguel Pereira, que não se cansa
de sublinhar o caráter criativo
das ilustrações do pintor, por ela
consideradas “uma interpretação
equivalente, sob certos aspectos, a
uma análise crítica” do romance de
Machado de Assis. Temperamento
bem distinto daquele do escritor,
Portinari fora capaz de identificar-se
com Machado de Assis, tornandose “delicado, sóbrio, comedido”. Ao
traduzir a escrita machadiana para
o desenho, o artista “restringiu, ou
melhor, dirigiu a sua imaginação,
fazendo uma re-criação, coisa mais
difícil, e no caso mais valiosa do que
a criação espontânea”.7
Lúcia Miguel Pereira tem razão
quando faz referência a um Portinari
sóbrio e comedido, pois o que
caracteriza sua interpretação do texto
de Machado de Assis é justamente a
opção por um desenho econômico,
que condensa em poucas linhas
expressivas episódios, situações e
fisionomias. Em alguns momentos, o
pintor enfeixa numa única imagem
um capítulo inteiro, como comprovam
O delírio, inspirado no capítulo VII,
e Mão com borboleta, relativo ao
capítulo XXXI.

Briga de dois
cabras.
Água-forte. Rio de
Janeiro, 1959.
Ilustração para o
livro Menino de
engenho.

Velha Totonha.
Água-forte. Rio de
Janeiro, 1959.
Ilustração para o
livro Menino de
engenho.

Fino psicólogo, Portinari demonstra estar atento à captação das fisionomias tanto
físicas quanto morais das figuras masculinas, entre as quais sobressaem as de Quincas
Borba, Viegas, Vilaça, Cotrim e do professor Barata, levando Lúcia Miguel Pereira a
afirmar que seus desenhos não precisariam ser identificados para serem reconhecidos
pelos leitores.8 As personagens femininas, ao contrário, são representadas de maneira
mais uniforme, havendo um certo ar de semelhança nas várias fisionomias, com
exceção dos retratos de D. Plácida, Marcela e Virgília. Essa característica pode ser
atribuída a uma compreensão exata do espírito da narrativa de Machado de Assis,
cujas heroínas eram “modeladas pelos hábitos e preconceitos da sociedade burguesa:
adúlteras ou virtuosas, o culto das conveniências as irmanava interiormente, adoçavalhes as arestas, podava-lhes a personalidade”.9
Em pelo menos duas ilustrações a linguagem do ilustrador evoca claramente o trabalho
do pintor. A plástica monumental dos anos 1930, eivada de deformações e tributária
do diálogo com o Picasso neoclássico, ecoa na representação de Marcela com sua
dupla face, a dos tempos gloriosos e a da decadência. Em A bordo, além do uso de
recursos que remetem aos painéis de Washington (1941), está presente um estilema
recorrente na plástica portinariana: a deformação das mãos erguidas e espalmadas
da figura do doido durante o temporal.
No artigo de agosto de 1944, Lúcia Miguel Pereira havia apontado para a existência
de “íntimas afinidades artísticas, que compensam profundas dessemelhanças
de temperamento” entre Portinari e Machado de Assis, localizando um ponto de
convergência preciso no uso de um recurso como a deformação. Se as deformações
do pintor moderno causavam escândalo, não se podia esquecer que “o clássico
romancista também as empregou, a seu jeito, com mais cautela e reserva; que é, por
exemplo, O alienista, essa obra-prima, se não uma audaciosa deformação apenas
disfarçada pela limpidez da narrativa?”.10
Encomendadas em 1943, provavelmente para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do
Brasil e inseridas posteriormente numa edição particular de quatrocentos exemplares,
custeada por Castro Maya (1948),11 as ilustrações para o conto de Machado de Assis
mostram um Portinari francamente deformador. Dando a sua leitura visual um tratamento
nervoso e sumário, que afasta qualquer possibilidade de uma notação realista, o pintor
propõe antes esboços que imagens definitivas, criando uma equivalência perfeita
entre a instantaneidade gráfica da representação e o caráter tenso da narrativa de O
alienista.
A imagem de Simão Bacamarte, que abre o livro, é uma das mais significativas do

8	Ibid.
9	Ibid.
10	Ibid.
7	
PEREIRA, Lúcia Miguel. “Machado de
Assis e Portinari”. Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 13 ago. 1944.

52

11	
Para dados ulteriores sobre a edição do livro, vide: FABRIS, Annateresa. “Portinari leitor”. In: Portinari
leitor. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 1996.

53
conjunto, marcada que é por uma
intensa deformação, bem como pela
contraposição cromática e luminosa
entre o branco e o preto, passíveis
de serem vistos como símbolos da
profunda contradição que agitava
o alienista, cindido entre razão e
desrazão.
A interpretação cuidadosa que
Portinari oferece do conto pode ser
evidenciada por um outro índice
significativo. Uma vez que para o
doutor Bacamarte os seres humanos
não passam de objetos científicos,
destituídos de qualquer laivo de
individualidade, nada mais acertado
do que representá-los de maneira
anônima e prototípica para melhor
enfatizar o olhar que o alienista lança
sobre a humanidade.
Embora não realizado por encomenda
de Castro Maya, um quarto conjunto
de ilustrações de autoria de Portinari
encontra-se em sua coleção. Tratase dos vinte e um desenhos de D.
Quixote,12 nos quais o artista trabalha
entre 1955 e 1956, atendendo a um
convite de José Olympio. Não tendo
sido entregues à editora por motivos
não esclarecidos, os desenhos são
adquiridos por Castro Maya pouco
depois da morte de Portinari, ocorrida
em fevereiro de 1962.
Executados com lápis de cor, os
desenhos destacam-se por uma intensa
saturação cromática, que deita raízes
em A primeira missa no Brasil (1948)
e se espraia por Guerra e Paz (1952-

12	
O conjunto original era formado por
vinte e dois desenhos, mas um deles foi roubado
em Paris em 1957.

54

Sancho Pança
deitado
Lápis de cor.
C.1956.

Sancho Pança
servindo
de diversão
para os
aldeões
Lápis de cor.
C.1956.

D Quixote e
Sancho
Pança
prosternados
diante de
mulheres a
cavalo
C.1956. Lápis
de cor.

D. QuixoteQueda de
Sancho
Pança e
D Quixote
C.1956. Lápis
de cor.

Sancho Pança
dormindo
no cavalo
e venerado
pelo povo
Lápis de cor.
C.1956.
D Quixote
dormindo,
aldeões
disputando
Lápis de cor.
C.1956.

1956), pela série Israel (1956) e por
algumas experiências com a abstração
geométrica ensaiadas naquele mesmo
período.
O registro adotado por Portinari é
bastante diferente das interpretações
propostas para os textos de Machado
de Assis. Além de recorrer a um
colorido vibrante, o artista se vale de
um desenho freqüentemente ingênuo
e simplificado, que lhe permite
dar realce, de maneira eficaz, ao
caráter irreal que permeia a narrativa
de Cervantes. O exemplo mais
significativo da interpretação do pintor
reside, sem dúvida, no tratamento
dado à figura de D. Quixote. Sintetiza
em poucos traços um corpo ossudo,
negro e vermelho, que mais parece
um inseto, encimado por um rosto
de olhos arregalados, com cabelos,
barba e bigode em total desalinho,
para simbolizar o estado de devaneio
em que vivia o fidalgo.
***
Diante da variedade de registros
estilísticos exibidos pelas obras de
Portinari que integram a coleção Castro
Maya, cabe uma pergunta: é possível
falar numa linguagem portinariana?
Afinal, o quê há em comum entre o
classicismo do Retrato de Raymundo
Ottoni de Castro Maya, a deformação
de O sapateiro de Brodósqui, a
rarefação de Lavadeiras, a abstração
de Morro no 11, o sintetismo das
ilustrações para as obras de Machado
de Assis, o caráter sumário e grotesco
dos desenhos preparatórios para o
Purgatório da capela Mayrink (1944),
o registro realista de Cena rural (1954)
e a notação quase desmaterializada

55
à inteligência pura a inteligência do
coração, mais impura, porém mais
vertical e sensível também”.16
Quanto aos segundos, o crítico
refuta a idéia de que exista qualquer
“analogia séria entre Portinari e
Picasso”. O artista brasileiro, a seu ver,
“introduz na solução de composição
cubista elementos novos, totalmente
seus. A começar por um profundo
sentimentalismo a animar o esquema
geométrico. E mesmo este esquema se
prende mais às construções clássicas
do que às de Picasso”.17

de Iemanjá (1959), por exemplo?
Uma primeira resposta pode ser buscada em Mário de Andrade, o qual, em 1939,
destacava as duas características principais da personalidade do pintor: “a enorme
riqueza técnica e a variedade expressional”. “Artista somado a artesão”, Portinari é
apresentado como um incansável experimentador de tradições e princípios técnicos,
um refazedor de soluções alheias, movido pelo intuito de captar aquelas “partículas de
verdade que se despargem no mar da criação humana”. Diante da “multiplicidade de
soluções estéticas diversas que a sua obra apresenta”, o escritor descarta a hipótese
de que exista nela “qualquer influência que seja fundamental e permanente”. Prefere,
ao contrário, bosquejar o perfil de um artista que “refaz a experiência pressentida,
conformando-a aos elementos e caracteres que lhe são pessoais, à essencialidade
plástica, ao tradicionalismo, ao realismo, ao lirismo, ao nacionalismo tão fortes da
sua personalidade. É, como raríssimos, o ambicioso de acertar, o insaciável da
verdade plástica, ao mesmo tempo que, orgulhoso da sua arte, é por contraste um
antiindividualista dotado de uma psicologia popular e tradicionalista fundamental”.13
Na mesma linha de pensamento insere-se a reflexão crítica de Sérgio Milliet, defensor
extremado do virtuosismo portinariano:
“O pintor é capaz de produzir um retrato renascentista com a mesma perfeição com
que executa uma cabeça expressionista. A censura me parece deslocada, pois não sei
como censurar a um artista o conhecimento de seu ofício. Não sei como profligá-lo por
dominar seu instrumento de trabalho. E esse domínio é sem dúvida uma característica
da arte de Portinari. Não há segredo que ele ignore e de alguns tira efeitos incríveis”.14
O fato de o crítico reconhecer que Portinari “não traz uma originalidade absoluta” não
se reveste de aspectos negativos. Se, por vezes, há em suas obras “cacoetes” do “falar
moderno”, o que importa de fato é que sua pintura é portadora de “uma sensibilidade
diferente da sensibilidade européia. E é pela conciliação de uma forma universal com
um fundo especificamente brasileiro que sua personalidade se afirma”.15
O que Milliet entende por “uma sensibilidade diferente da sensibilidade européia”
pode ser demonstrado pelo confronto que estabelece entre Portinari e Picasso por
ocasião da inauguração da série dos Profetas na Rádio Tupi de São Paulo (1944) e
ao analisar in loco os afrescos do Ministério da Educação e Saúde (1946). A inegável
sugestão de Guernica (1937), no caso dos painéis bíblicos, não impede que sejam
“muito mais humanos e de inspiração mais possante. O artista conseguiu introduzir
nos hieróglifos picassianos e na geometria cubista uma essência poética que apenas
se vislumbra no pintor espanhol. Seria mesmo possível afirmar que Portinari substituiu

13	
14	

MILLIET, Sérgio. Diário crítico. São Paulo: Martins/EDUSP 1981, v. VI, p. 247.
,

15	

56

ANDRADE, Mário de. Op. cit., p. 123-25.

Id., p. 246.

Iemanjá.
Bico-de-pena. 1959.

Pintor cuja linguagem é uma
síntese das soluções propostas por
cubistas e expressionistas, às quais
acrescentou “um sotaque brasileiro
bem acentuado”, Portinari está dentro
do estilo de sua época, o que explica
a opção por “cortes, composições,
deformações e sínteses comuns a
Picasso, Braque, Rouault e outros
grandes mestres europeus. Estranhar
essa coincidência formal fora o
mesmo que se surpreender com o
parentesco existente entre os pintores
do Renascimento. Os homens de uma
época falam naturalmente a linguagem
de sua época. Onde se diversificam é
na sua refração particular”.18
No cerne das análises de Mário de
Andrade e Sérgio Milliet reside uma
concepção de arte moderna que

16	

MILLIET, Sérgio. Op. cit., v. I, p. 203.

17	

MILLIET, Sérgio. Op. cit., v. IV, p. 37-38.

18	
247.

MILLIET, Sérgio. Op. cit., v. VI, p. 246-

57
a história do fauvismo e aquela do
cubismo revolucionário, dos primórdios
às experiências com os papiers collés.21
Não é, portanto, com a arte moderna
que Portinari irá defrontar-se em Paris,
mas com uma arte de caráter realista,
profundamente
ancorada
numa
expressão nacional (pouco importa
quão falsa), que privilegiava o desenho
em detrimento da sensualidade da
cor. Se, a partir desse quadro de
referências, é possível compreender por
que Mário de Andrade e Sérgio Milliet
não se mostram partidários do mito de
uma arte original e por que o primeiro
faz referência ao antiindividualismo
de Portinari, é igualmente possível
perceber como as principais diretrizes
do Modernismo pictórico acabam
por convergir com os postulados da
volta à ordem, alicerçada num código
realista e na defesa de uma linguagem
nacional.

não pode ser reportada à ideologia das vanguardas históricas e sim ao trabalho de
normalização e de reafirmação de uma visualidade de caráter realista, empreendido
por aquele complexo fenômeno denominado volta à ordem.
A Paris, para a qual Portinari se dirige em 1929, é uma cidade profundamente
penetrada de uma concepção de arte nacional e realista e voltada para a defesa
de uma “ordem clássica” cujos avatares são Rafael, Ingres e Cézanne. Se bem que
alguns questionamentos dos alcances das vanguardas tivessem se manifestado antes
da eclosão da Primeira Guerra Mundial por parte de artistas como Picasso, Severini
ou Matisse, em 1917 começa a perfilar-se uma atitude de defesa da “verdadeira e
profunda tradição pictórica” nacional, com a conseqüente desqualificação do cubismo
como uma “escola artificial de origem estrangeira”, que havia fingido dar continuidade
ao trabalho de Cézanne.19
Em nome da ordem clássica, que se confunde com o espírito criador francês, são
colocados sob suspeita todos aqueles artistas que, desde o impressionismo, haviam
abdicado do contorno e, portanto, do desenho: Monet, Renoir, Bonnard, Matisse,
entre outros. A recuperação de Rafael e do Ingres acadêmico é acompanhada pela
divulgação, em 1919, do cubismo clássico de Braque, que acaba por ser considerado
a expressão francesa moderna por excelência. O que Braque mostra na exposição de
março de 1919 são quadros que retomam aquele que Pierre Daix denomina cubismo
decorativo anterior a 1914, caracterizado pelo intimismo e pelo refinamento técnico,
praticamente desconhecido do público em virtude do seqüestro das propriedades de
seu galerista, Daniel Kahnweiler.20

Esses elementos devem servir de
instrumental crítico na análise não só
de Portinari, mas de toda a primeira
geração modernista que busca sua
formação em Paris, pois apontam para
um quadro cultural dominado por um
debate totalmente avesso à problemática
suscitada pela modernidade estética,
desde a negação do referente até
a proclamação da autonomia da
arte. Como pretender, como faz uma
certa crítica contemporânea de viés
formalista, a compreensão, por parte
dos artistas brasileiros, dos postulados
de um código estético que era
contestado e cujas obras não tinham

À transformação do classicismo cubista em negação de todas as conquistas modernas
é paralela a construção mítica de uma linha artística francesa, na qual são incluídos
os nomes de Fouquet, Poussin, Le Nain, Chardin, David, Ingres, Corot e Cézanne, da
qual Braque era um legítimo herdeiro naquele momento.
O clima nacionalista que imperava na França do primeiro pós-guerra está também na
base da liqüidação das obras de arte moderna confiscadas a Kahnweiler e Wilhelm
Uhde, entre 1921 e 1923. Mais de novecentos quadros de Braque, Derain, Léger,
Van Dongen, Vlaminck, Picasso, Gris, Friesz são colocados à venda, por preços
freqüentemente irrisórios, provocando uma crise no mercado de arte e abalando as
cotações de diversos artistas ativos entre 1906 e 1914. Desse modo, a revolução da
arte moderna, que havia tido lugar na França no começo do século XX, é colocada entre
parênteses e expurgada das apresentações públicas, sonegando-se às novas gerações

19	
120.
20	

58

DAIX, Pierre. L’ordre et l’aventure: peinture, modernité, repression totalitaire. Paris: Arthaud, 1984, p.
Id., p. 121, 123.

D Quixote Cavaleiro Andante
Lápis de cor. C.1956.
21	

Id., p. 127-129.

59
visibilidade pública?

GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

JORNAL A GAZETA

Governador
Renato Casagrande

Diretor Geral
Carlos Fernando Lindenberg Neto

Vice-Governador
Givaldo Vieira

Diretor Executivo de Mídia Impressa
Álvaro Moura

Secretário de Estado do Governo
Tyago Hoffmann

Assessora de Relações Institucionais
Maria Alice Paoliello Lindenberg

Secretário de Estado da Educação
Klinger Marcos Barbosa Alves

Gerente de Comunicação Empresarial
Letícia Paoliello Lindenberg de Azevedo

Um outro elemento deve ser levado em consideração para compreender as várias
escolhas estilísticas de Portinari, uma vez que sem ele o quadro referencial proposto
resultaria incompleto. Trata-se de sua relação com a história da arte, numa atitude
que não remete à sua formação acadêmica, e sim ao interesse despertado pelo
comportamento livre e declarado de Picasso em relação às fontes do passado. Ao
recorrer à citação de obras do passado, ou ao refazer telas famosas de Velázquez,
Poussin, Courbet, Manet, o pintor espanhol opera uma tradução para o próprio estilo,
que não pode ser considerada nem interpretação nem cópia. Como demonstra Argan,
Picasso acredita que toda obra de arte é dotada de um núcleo vital que não se
modifica, mesmo se é mudada a maneira ou a linguagem com a qual é expresso. Por
isso, não é o passado que condiciona sua obra, mas justamente o inverso: é Picasso
quem “subtrai a obra de Velázquez do imóvel so-sein do passado e a apresenta numa
versão atual, que comprova sua inextinta vitalidade”.23

Secretário de Estado da Cultura
Mauricio José da Silva

PREMIUM MARKETING PROMOCIONAL

Subscretário de Estado da Cultura
Joelson Humberto Fernandes

Diretora Executiva
Roberta Moura

Espaço Cultural Palácio Anchieta
Áurea Lígia Miranda

Gerente Comercial
Bruno Bourguignon

INSTITUTO SINCADES

Gerente de Conteúdo
Ana Isabella Almeida Faria

Presidente
Idalberto Moro

Coordenadora de Comunicação
Mariana Ribeiro

Gerente Executivo
Dorval Uliana

Atendimento
Marcella Moysés

O mesmo pode ser dito do pintor brasileiro, cuja multiplicidade de registros, apesar da
descontinuidade e do hibridismo das soluções, alicerça-se num substrato claramente
definido. Embora o ilustrador de Machado de Assis pareça buscar, em vários
momentos, um registro anti-realista, não se pode esquecer que Portinari é um artista
fundamentalmente realista, interessado na configuração de uma iconografia nacional,
havendo uma relação íntima entre os temas escolhidos e suas concepções pictóricas.
A coleção Castro Maya pode ser considerada uma síntese bastante expressiva dessa
linha dominante de Portinari, pois permite perceber o que é de fato determinante em
sua linguagem: o domínio da estrutura plástica da composição.

Coordenadora de Programas e Projetos
Ivete Paganini

Produção e Logística
Leda Almada

Coordenador de Projetos
Danilo Pacheco

Direção de Arte
Iana Effgen Costa

Jornalista
Silvana Sarmento Costa

Redação
Natália Ton Alves

Analista de Projetos
Lívia Caetano Brunoro

Assessoria de Imprensa
Alessandra Barbosa

Assistente de Projetos
Patrícia Soares

Mídia
Thiago Moraes

No caso específico do Brasil, deve-se ainda levar em consideração o caráter
precípuo de seu processo de modernização, feito à revelia da Revolução Industrial,
da qual se originam, em grande parte, as principais características da arte moderna:
desestruturação do objeto, desinteresse ou abandono do motivo exterior, busca do
transitório e do instável. Sem viver de perto esse fenômeno fundador, a sociedade
brasileira acaba por aderir de maneira problemática à modernidade, gerando, no
campo artístico, um fenômeno que Sergio Miceli denomina “um híbrido com feição
toda sua, misto de deglutição do alheio e antena da sociabilidade nativa”.22

22	
23	

60

MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 194.
ARGAN, Giulio Carlo. “L’arte e la storia”. In: Arte e critica d’arte. Roma-Bari: Laterza, 1984, p. 83-84.

61
Presidência da República
Dilma Rousseff

Cristina Maria de Almeida Pfaltzgraff
Rita de Cássia Braga Bispo

Ministra da Cultura
Marta Suplicy

Ficha técnica da exposição no Palácio Anchieta
– Vitoria - ES
Curadoria
Anna Paola Baptista

Presidente do Instituto Brasileiro de Museus
Angelo Oswaldo
MUSEUS CASTRO MAYA
Diretora
Vera Maria Abreu de Alencar
Assessora Técnica
Denise Grinspum
Assessor Administrativo
Roberto de Almeida Bispo
Acervos
Coordenadora - Vivian Horta
Denise Maria da Silva Batista
Denise Taveira Couto
Norma Marotti Fairbanks
Virgílio Luiz Gonzaga Junior
Administração
(Museu da Chácara do Céu)
Adalberto Carlos Porto
Carlos Henrique Prestes Falcão
Joel Marinho de Oliveira
Marco Antonio da Silva Correia
Vera Lúcia Palmeira Ramos
Adilson Alves Paes
Gladstone Mendes Rodrigues
Isaias José Martins
Jorge Luiz Ferreira Guimarães
José Angelo Rodrigues de Almeida
José Carlos Baptista da Silva
Manoel Martins Rezende
Maria de Fátima Jacuru Penedo
Melquides Latino da Silva
Paulo Roberto Alves da Silva
Sinval do Carmo Santos

Produção Executiva
Roberto Padilla
Coordenação Geral
Regina Rosa de Godoy e Bruno Lopes
Produção Executiva
Regina Rosa de Godoy e Roberto Padilla
Consultoria Artística
Cézar Prestes
Museologia
Coordenação de Acervos Museus Castro Maya
Projeto Museográfico
Luciano Cavalcanti de Albuquerque
Iluminação
Antonio Mendel
Execução Cenográfica e Montagem da Exposição
Fabricio Coradello e equipe
Assessoria de Imprensa
MCAtrês Assessoria de Comunicação e Marketing
Administração
Celeste Bartoletti
Assistente de produção
Patrick de Oliveira Correa e Flavia Godoy
Assistente de Projeto
Thiago Gonçalves
Transporte das obras
Art Quality

Administração (Museu do Açude)
Coordenador - Cláudio Ferreira Marques
Ana Lucia Menezes Fernandes de Souza
Antonio Carlos dos Santos
Fabíola Lemos d’Angelo
Leonardo Gomes de Almeida
Luiz Salviano da Silva
Comunicação Social
(Museu da Chácara do Céu)
Coordenadora - Anna Paola Pacheco Baptista
Fernanda Santana Rabello de Castro
Luciano Cavalcanti de Albuquerque
Ozias de Jesus Soares
Comunicação Social (Museu do Açude)
Coordenador - Paulo Sérgio Moraes de Sá

62

Seguro das obras
Affinité/ACE
Produção
R. Godoy Marketing e Cultura e Artepadilla
Catálogo
Coordenação Editorial
Anna Paola Baptista
Fotos
Jaime Aciolli, Vicente de Mello
Produção
R. Godoy Marketing e Cultura e Artepadilla

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  • 2. Sumário Apresentações 5 Prólogo 5 Palácio Anchieta 9 “Ao Raymundo amigo...”:Portinari na Coleção Castro Maya Anna Paola P Baptista . 45 O artista Annateresa Fabris 61 Créditos
  • 3. PRÓLOGO O Governo do Espírito Santo, por meio da Secretaria da Cultura, e em parceria com o Instituto Sincades, apresenta a Exposição “Portinari na Coleção Castro Maya”. A exposição é uma mostra inédita no Estado com visitação gratuita, aberta de 17 de outubro a 15 de dezembro, no Palácio Anchieta, em Vitória, Espírito Santo. PALÁCIO ANCHIETA O Palácio Anchieta está localizado na Cidade Alta, em frente à baía de Vitória. É um dos monumentos históricos mais importantes do patrimônio cultural do Espírito Santo e uma das mais antigas sedes do governo do país. Construído por jesuítas no século XVI, o Palácio Anchieta guarda um pouco da história do Estado nos últimos cinco séculos. Após a última restauração, concluída em 2009, antigas estruturas, paredes e outros detalhes arquitetônicos foram expostos e novos aspectos do edifício descobertos, revelando um belíssimo recorte da história do Espírito Santo. D. Quixote- D Quixote consultando o macaco C.1956. Lápis de cor (detalhe)
  • 4. Sancho Pança montado no jumento C.1956. Lápis de cor. Os Museus Castro Maya, detentores do maior acervo público de Portinari, têm a prazer de apresentar a exposição “PORTINARI na Coleção CASTRO MAYA”: um notável conjunto de obras do pintor, excepcionalmente, reunidas fora do Museu da Chácara do Céu, ao qual pertencem. A mostra enfoca a obra de Candido Portinari pelo viés das relações tecidas entre o artista e Raymundo Ottoni de Castro Maya, dois importantes atores do cenário artístico brasileiro do século XX; por conseguinte, estrutura-se em módulos, que explicitam diferentes facetas da atuação de Castro Maya como colecionador, como mecenas e como amigo de Portinari. Procura-se, assim, revelar alguns aspectos da formação desta coleção, bem como do próprio sistema de arte brasileiro, ressaltando-se a arte moderna, em um contexto, no qual Portinari desempenhou papel de significativa relevância. Depois de visitar as cidades de Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo e Porto Alegre, a exposição chega agora à Vitória para ser apresentada no Palácio Anchieta, admirável espaço de patrimônio, cultura e educação. Agradecemos a todos, que com seu empenho tornaram possível esta realização. Vera de Alencar Diretora dos Museus Castro Maya. D. Quixote de cócoras com idéias delirantes. C.1956. Lápis de cor. 7
  • 5. Quixote arremetendo contra vacas Lápis de cor. C.1956. “AO RAYMUNDO AMIGO...”: Portinari na Coleção Castro Maya Anna Paola P Baptista . No Rio de Janeiro da década de 1940, conviviam dois homens, praticamente da mesma geração, experimentando uma circunstância semelhante, de grande destaque no cenário contemporâneo. O artista, Candido Portinari (1903-1962), estava consagrado como grande pintor moderno nacional. O colecionador, Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968), encontrava-se maduro para se firmar como mecenas das artes, imprimir contornos à sua coleção e tomar um lugar decisivo no cenário artístico brasileiro. Do encontro dos dois, que se estendeu até o início dos anos 60, surgiria uma grande coleção e muitos projetos em comum, envolvendo o mecenato direto ou indireto de Castro Maya e, inclusive, uma relação de amizade. [ilustração Cena Rural 140] Com o Modernismo, pela primeira vez, a arte sistematizava uma posição em relação à cultura brasileira. O modelo utilizado seria o do homem popular em suas manifestações festivas e místicas, assim como no trabalho, na expressão de sua sensualidade e na sua miséria. A crítica de arte nascente - na figura de Sérgio Milliet, por exemplo - ressaltava que Portinari, com sua temática ligada ao drama humano e sua incansável experimentação plástica, parecia encarnar de forma perfeita os ideais tão almejados da arte de conciliação de uma forma universal com um fundo especificamente brasileiro.¹ No início dos anos 1940, ao ter conquistado um laurel internacional do Instituto Carnegie de Pittsburgh, nos Estados Unidos, realizado importantes murais públicos no Rio de Janeiro e no exterior e ocupado uma cátedra na Universidade do Distrito Federal, Portinari estava vivendo o ápice de um tipo de fama que alcançaria mesmo uma notação mítica. A construção do mito Portinari começou a ser efetuada pela própria crítica modernista, a partir de Mário de Andrade nos anos 1930. Seus escritos sobre o pintor pontuaram-se de uma adjetivação contundente, que transformava o artista em um quase herói, “a mais útil, a mais exemplar aventura de arte que já se viveu D Quixote e Sancho Pança no cavalo de pau Lápis de cor. C.1956. 8 1 MILLIET, Sérgio. “Portinari”.O Estado de São Paulo, 14 dezembro 1948. 9
  • 6. Cena rural. Lápis e carvão. 1954. no Brasil”² , mas apesar de ter sido um de seus primeiros e principais apologistas, Mário não esteve isolado na construção de um status que ajudou a formar. O próprio Oswald de Andrade, talvez o primeiro a efetuar uma revisão de posições, que, depois, veio a ser um feroz crítico do pintor, fora antes bastante explícito em sua manifestação de apreço. Em 1934, ele proclamara Portinari o grande pintor do Brasil e um artista revolucionário³. Foram muitos os aspectos explorados de forma frequente nos panegíricos portinarianos: sua origem humilde; o jugo do aprendizado acadêmico reciclado em prol de sua virtuose; o classicismo combinado com a constante experimentação; o reconhecimento de influências externas, principalmente de Picasso, a interpretação dessas influências de uma forma pessoal; o “saber pintar” aliado ao moderno; a temática nacional com técnica internacional; o pintor reconhecido no exterior; a universalidade de sua plástica a despeito de ser um pintor de sua terra; as suas grandes realizações4. O questionamento a essa posição de destaque viria a transformar entusiastas e críticos de Portinari em sujeitos antagônicos em uma batalha travada na imprensa especializada, entre portinaristas e antiportinaristas. A partir de 1939, artigos de Luis Martins e Oswald de Andrade começaram a reclamar contra a forma acrítica como Portinari passara a ser tratado pela intelectualidade brasileira e denunciaram a criação de uma “arte oficial” patrocinada pelo Estado Novo de Vargas. O lado oposto municiou-se com resposta de Carlos Drummond de Andrade, que contestou o monopólio do patrocínio estatal a Portinari, e, principalmente, com o lançamento, em fevereiro de 1940, de um número especial da Revista Acadêmica dedicado a Portinari.5 A polêmica nunca chegou a extinguir-se completamente. Num outro viés, observa-se que, durante muito tempo, tanto a história quanto a teorização sobre o Modernismo brasileiro foram construídas pela própria crítica de arte modernista sob a forma celebratória de um “autorretrado mítico”, como denominou Annateresa Fabris.6 Posteriormente, no âmbito de uma revisão crítica ao Modernismo brasileiro, a personalidade artística que mais sofreria na avaliação de sua obra seria justamente Cândido Portinari, enquanto trabalhos de Anita Malfatti ou de Tarsila do Amaral, por exemplo, ainda são destacados aspectos ligados a uma real apreensão dos valores da modernidade francesa, Portinari, ao contrário, é o artista contra o qual se voltam todas as baterias da crítica à crítica modernista. Portinari, portanto, é um artista que passou a enfrentar a vicissitude de ter seu conceito, que alcançara um máximo de positividade, tão radicalmente alterado. Chamado de “primeiro dos modernos”, foi mais recentemente re-avaliado pela crítica de arte como “último dos acadêmicos”, no sentido que sua arte refletiria formalmente as contradições de um artista em conflito para superar suas raízes acadêmicas e conquistar uma imagem moderna,7 porém, seja de que forma for, é indubitável que a estatura artística do pintor alcançou tão elevado patamar, no período que se estende dos meados da década de 1930 até os anos 1950, 4 Resenhas críticas de autores como Mário de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Pietro Maria Bardi, Germain Bazin, Jean Cassou, Eugenio Luraghi, Louis Aragon nos catálogos Portinari: Exposição de sua obra de 1920 até 1948. MASP dezembro 1948 e Portinari. MASP fevereiro/março 1954. , , 5 Ver ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. 6 FABRIS, Annateresa. “Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro”. In: FABRIS, Annateresa (org). Modernidade e Modernismo no Brasil. São Paulo: Mercado de Letras, 1994, p. 9. 2 Apud FABRIS, Annateresa (org). Portinari, amico mio. Cartas de Mário de Andrade a Cândido Portinari. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 26. 3 FABRIS, Annateresa. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 9. 10 7 ZÍLIO, Carlos. A querela do Brasil: A questão da identidade da arte brasileira. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997, p. 12. 11
  • 7. Por outro lado, Portinari é o artista brasileiro exaltado por historiadores e por críticos franceses familiares a Castro Maya – como René Huyghe, Jean Cassou ou Germain Bazin como um dos maiores pintores da atualidade, elevando a expressão da arte latina a um nível europeu. que torna-se difícil ignorar sua enorme importância para a consolidação da arte moderna no Brasil. Castro Maya, por seu turno, colocava-se na outra ponta da atividade artística no Brasil, intensamente dedicado ao seu fomento. Ele foi descrito por um de seus principais amigos e parceiros, o arquiteto Wladimir Alves de Souza, como alguém que vê o que os outros não vêem, faz o que os outros não fazem e padecendo de um único defeito: o culto à qualidade. Em suma, uma individualidade multifacetada: “homem de indústria, ligado ao mundo contemporâneo, pescador de marlins e dourados, colecionador de arte, bibliófilo, mecenas, [...] uma das personalidades singulares dos últimos trinta anos no Brasil”.8 Muito provavelmente, um cumprimento prestado por René Huyghe (diretor do Museu do Louvre), apresentando Castro Maya como “um daqueles homens que asseguram o justo desenvolvimento da cultura [e] rende um grande serviço a seu país e também a todos os membros da comunidade latina”,9 foi plenamente apreciado por ele, já que reafirmava-lhe o sucesso daquilo que era vivenciado quase que como uma missão pública pessoal. Castro Maya recusava a noção de um colecionismo fechado no universo do deleite privado e preocupado apenas com uma procura compulsiva por exemplares raros ou séries completas. O escopo mais abrangente de sua atuação parece ter sido reconhecido na sociedade em que viveu:“É notória sua dedicação ao estímulo da criação artística, animando edições preciosas [...] e reunindo em sua galeria particular obras de grande significado na evolução artística presente. [...] o senhor. Raimundo Castro Maya se faz destacado entre os mecenas indígenas. Muito lhe ficará devendo a arte no Brasil”.10 A coleção Castro Maya de obras de Portinari começou a ser formada com a tela Retrato de Raymundo Ottoni de Castro Maya, de 1943. Com efeito, parece que Castro Maya despertou para Portinari justamente quando este havia chegado a um momento de apogeu de sua carreira. A projeção alcançada pelo artista e o caráter de sua obra, ao mesmo tempo vinculada aos ideais do moderno e do nacional, conferem sentido ao projeto de colecionamento de Castro Maya. Para Castro Maya, Portinari é o artista do presente, o que lhe garante a ligação com sua contemporaneidade. Sua arte interpreta as inquietações de parcelas da elite intelectual sobre a precariedade histórica da situação social brasileira. O Retrato é uma das obras capazes de trazer luz para o entendimento da variada gama de vinculações, engendradas entre o colecionador e o artista, que resultaram na formação daquela que é atualmente a maior coleção pública de obras deste pintor, composta de 11 pinturas, 110 desenhos, 47 gravuras e mais duplicatas, provas e matrizes de gravuras. Retrato de Raymundo Ottoni de Castro Maya. Óleo s/ tela. 1943. Quarto de Vestir. A única descrição que encontrei foi a que veio na própria imagem. Existe mais alguma complementação ou vamos deixar somente “Quarto de vestit” Esse Retrato – um gênero de obra mais comumente gerado por uma ação de encomenda característica do mecenato artístico, mas que, neste caso, chegou à coleção como um presente de Natal do pintor em 1943 - permanece como imagem das relações tecidas entre estes dois importantes atores do cenário artístico brasileiro.11 Relações que chegaram a alcançar a notação de uma amizade pessoal e renderam a Portinari o apoio e prestígio manifestados por Castro Maya por meio de compras, encomendas, indicações para encomendas, auxílio na realização de exposições etc. Tal cordialidade transborda da tela, um 8 Carta de Wladimir Alves de Souza a Raymundo de Castro Maya. Rio de Janeiro, 18 novembro de 1966. Arquivo Castro Maya, pasta 9. 9 10 12 Carta de René Huyghe a Raymundo de Castro Maya. Paris, s.d. Ibid. CAMPOFIORITO, Quirino. “Museu de Arte Moderna”. Diário da Noite, 12 junho 1947. 11 Cf. PORTINARI. Maria. Compra e venda de obra. Anotação (1942-1958). Projeto Portinari, DO – 412. 13
  • 8. retrato sóbrio, aparentemente distanciado do modelo retratístico portinariano, caracterizado pela inserção de elaborados fundos com atributos e símbolos alusivos aos retratados. Aqui, ao contrário, temos um perfil amistosamente cerimonioso do modelo. Portinari consegue sugerir, por meio da densidade dos traços e da expressão plástica elaboradamente comedida, toda uma atmosfera de simultânea intimidade e refinamento. Essa simplicidade e intimismo aparentes ecoavam na disposição ocupada pela peça na casa de Santa Teresa, alocada no vestíbulo de seu quarto de vestir, em um ponto de intermediação entre as partes sociais e o local mais privado da casa, o quarto de dormir. Retrato elaborado sob o prisma de um relacionamento especial artista/retratado, a tela, porém só alcança significado pleno quando pensada enquanto um elemento singular inserido no conjunto do acervo Castro Maya de obras de Portinari, este mesmo parte integrante de um todo composto de cerca de 11.000 itens amealhados pelo colecionador ao longo de sua vida.12 O Retrato pintado por Portinari é o único de Castro Maya na coleção. Pode-se imaginar a importância conferida pelo colecionador em se fazer retratar por aquele, que era considerado o maior artista brasileiro vivo e que havia angariado boa parte de sua fama através desta modalidade de pintura. Com efeito, foi com retratos que Portinari alcançou as premiações da década de 1920, inclusive a maior delas, o Prêmio de Viagem à Europa dado pelo Salão de 1928. Nas duas décadas seguintes, ele iria se notabilizar por representar as maiores personalidades da sociedade, da política e intelectualidade brasileira.13 Se, para os modelos, o retrato foi sempre encarado como uma forma eficaz de contrapor-se à morte, para o pintor Portinari, a arte do retrato representou uma alameda importante para conferir eternidade à sua obra. A coleção Castro Maya foi montada sem a sombra da figura de um influente marchand, ao contrário de seus pares norte-americanos como Mellon, Frick ou Kress. O arquiteto Wladimir Alves de Souza era o esboço mais aproximado e frequente de uma espécie de “conselheiro”, atuando não só nos projetos de arquitetura como também na compra e venda de obras, ao fornecer avaliações ou ao produzir certificados de expertise. Além da frequencia aos leilões nacionais e no estrangeiro, Castro Maya valia-se de uma verdadeira rede de informações, contando com a chegada voluntária de ofertas e informações vindas de conhecidos, firmas especializadas ou vendedores particulares. Por 12 Este número engloba as coleções de pintura, escultura, desenho, gravura e também as peças de mobiliário, artes decorativas, louça, porcelana, azulejaria, prataria. Não estão incluídos os acervos bibliográfico, fotográfico e arquivístico. 13 Ver CHIARELLI, Tadeu. “Sobre os retratos de Candido Portinari”. In: CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999, p. 175. 14 vezes, empregava intermediários encarregados de procurar e adquirir os itens desejados. Mais tarde, com a evolução do mercado de arte no Brasil, as galerias e as exposições funcionaram como vitrines e entrepostos de compra de peças. Na década de 1940, a coleção inicia realmente seu grande impulso. O primeiro e principal interesse do colecionador era, sem dúvida, a brasiliana. Em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, Castro Maya manifestava sua intenção de retomar logo a compra de “coisas sobre o Brasil”. Tempos depois, consultado por uma galeria de arte holandesa sobre seus principais interesses para aquisição, ele respondia que eram “as pinturas referentes ao Brasil”. Realmente, são obras deste tipo as mais freqüentemente oferecidas a ele por particulares e galerias do Brasil e do mundo que identificavam a coleção Castro Maya de brasiliana como “a mais importante coleção privada que existe no Brasil”14, contudo, a arte moderna (europeia e, depois, nacional) fixou-se, pouco a pouco, como outro pujante interesse. A partir de 1950, com a coleção significativamente aumentada, Castro Maya parece sentir necessidade de consolidar os padrões que havia imprimido a seu acervo, bifurcado entre referências à história nacional (principalmente aquela ligada ao Rio de Janeiro) e à arte moderna, definida como aquela produzida dos impressionistas ao presente. A perfeita tradução do esquema materializava-se no arranjo da entrada de sua casa em Santa Teresa, onde o banco colonial era encimado por tela abstrata de Antonio Bandeira. Seu projeto coincidia harmoniosamente com diretrizes firmadas pelo Modernismo e largamente consolidadas nas políticas praticadas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Modernismo brasileiro procurou conciliar nacionalismo e cosmopolitismo em sua intenção de fundar uma arte brasileira, acreditando que do culto à tradição colonial sairiam as raízes, das quais brotariam o futuro. Tanto nos projetos do Estado Getulista, assim como nos de uma grande camada da intelectualidade moderna brasileira, a preservação do patrimônio estava na chave de uma utopia de brasilidade.15 Daí uma aparente contradição do movimento modernista brasileiro, ao afirmar sua luta a favor da contemporaneidade, ao mesmo tempo em que reforçava a identificação da arte com o passado Barroco, elegendo como patrimônio nacional, por excelência, os 14 Ver correspondência com Roberto Heymann (Paris, 1942), Galerie Cramer (Holanda, 1965), Arquivo Castro Maya, pasta 44 e David James (Estados Unidos, 1953), Arquivo Castro Maya, pasta 47. 15 Neste rol incluem-se tanto os modernistas de primeira geração e os intelectuais do SPHAN quanto parcelas da crítica de arte e do ensino acadêmico. Cf. PONTES, Heloisa. Destinos mistos: Os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo: Companhia da Letras, 1998; CAVALCANTI, Lauro. As preocupações do belo: Arquitetura moderna brasileira dos anos 30/40. Rio de Janeiro: Taurus, 1995. 15
  • 9. luminosa estrada da liberdade”.16 imóveis coloniais e os bens móveis neles contidos. Castro Maya começava a planejar a separação dos pólos de seu acervo em dois espaços distintos: as casas do Açude e da Chácara do Céu. A primeira, que adquiriu uma feição neocolonial após reforma realizada por Castro Maya, ficaria como sede de sua coleção relacionada à história pátria. A segunda, sua nova residência em Santa Teresa, seria construída sobretudo para abrigar seus quadros modernos. As peças do século XIX, especialmente as da escola de Barbizon - provenientes em quase sua totalidade da coleção herdada de seu pai -, não encontravam lugar neste esquema, e consequentemente, telas de Rosa Bonheur, Felix Ziem, Hippolyte Bellanger (e até mesmo peças de Gustave Courbet), entre outras de uma extensa lista, foram postas à venda em meados dos anos 50 sem, contudo, encontrar lugar no mercado de arte, pois uma reação análoga estava em curso no mundo inteiro, relegando os Barbizons aos porões das casas ou aos depósitos dos museus e tornando sua cotação praticamente desprezível. Neste momento, também Castro Maya cerrava fileiras contra o acadêmico, ao valorizar a arte moderna como aquela praticada pelos “artistas que conseguiram nestes últimos anos vencer o torpor em que estava mergulhada a Arte, rompendo correntes do tradicionalismo, para evadir-se no espaço, galgando a 16 Biblioteca da Chácara do Céu. Na parede ao fundo a obra flores, de Portinari. Apesar de a decisão de construir uma nova residência ser um projeto característico dos colecionadores, sempre em busca do aumento dos espaços disponíveis para o cultivo de sua atividade, a edificação da Chácara do Céu, com plano geral de Wladimir Alves de Souza e inaugurada em 1958, inseriase na particularidade da direção traçada por Castro Maya para seu acervo, objetivando o crescimento e valorização da parte moderna. Na casa moderna, por certo conviviam objetos de arte de épocas variadas, já que para o colecionador “a rigidez estilística, as escolas, as épocas, não divergem no que diz respeito à beleza”17. Sintomaticamente, Portinari é o único artista brasileiro representado na sua Biblioteca, em cima da cômoda com artefatos orientais antigos, junto a Wlamink, Matisse, Monet, Dali, Lurçat. No acervo de arte moderna nacional Portinari é o artista mais bem representado. Apesar disso, a coleção Castro Maya de Portinaris, não é uma compilação obsessiva nem planejada para abarcar um panorama completo da obra do artista com amostras de suas várias Guerra. Estudo para painel. 1955. Grafite e lápis de cor. 16 MAYA, Raymundo Ottoni de Castro. “Apresentação”. Pintura européia contemporânea. Catálogo da exposição realizada no MAM-RJ, janeiro 1949. Flores. 1947. Óleo s/ tela. 17 JAYME MAURÍCIO. “Ecos da inauguração do MAM. Festiva reunião oferecida por Raymundo Castro Maya”. Correio da Manhã, 1 setembro 1958. 17
  • 10. são apenas alguns dos fatores que podem ser citados. facetas, estilos e fases. É constituída ao sabor do momento e da oportunidade, alimentando-se muito de obras, que não foram procuradas e sim ofertadas, apesar de também computar escolhas marcadas, como as instâncias em que ocorreram troca de obras ou procura por um determinado quadro. O padrão principal da coleção, filtrado por Castro Maya, é o Portinari mais lírico.18 Talvez a culminância desta preferência esteja sintetizada pela presença na coleção de uma obra como Flores (1947), tão distante da temática e da plástica caracteristicamente portinariana, entretanto, amostras do Portinari mais reconhecido, com seus trabalhadores, jogos infantis e gente do povo, também fazem-se representar no conjunto. É acertado ver nesta seleção a impressão das marcas das opções de gosto do colecionador, mas é certo também, que os colecionadores exercitam suas escolhas dentro de possibilidades determinadas por inúmeros elementos internos e externos. A disponibilidade de obras no mercado, a influência de críticos, de marchands e de curadores, os relacionamentos pessoais, a disponibilidade de recursos financeiros em relação aos índices de valorização e prestígio dos artistas em cada época, e o espaço físico destinado à coleção 18 Ver SIQUEIRA, Vera Beatriz Cordeiro. “Certeza da forma, fracasso do estilo”. Museu Histórico Nacional. Anais. V. 33, 2001, p. 67. 18 Menino chupando cana Água-forte, Rio de Janeiro, 1959. Retrato de menino Água-forte, Rio de Janeiro, 1959. Menino montado no carneiro Jasmim Água-forte, Rio de Janeiro, 1959. Trabalhadores do engenho. Água-forte, Rio de Janeiro, 1959. Ilustração para o livro Menino do Engenho. O fluxo de ajuntamento que levou à constituição do acervo desenvolveuse por meio de sucessivas aquisições durante os anos 1940-60. Castro Maya parecia permanentemente disposto a adquirir mais peças. Na época da querela provocada pela pintura de Portinari na igreja de São Francisco de Assis da Pampulha em Belo Horizonte, o colecionador tentava estabelecer uma opção de compra caso os painéis da via-sacra fossem definitivamente rechaçados pela Igreja Católica: “ouvi dizer também que os padres não aprovaram a capela da Pampulha! Será que o Caminho da Cruz acabará nas minhas mãos?”19 Para os agentes no mercado de arte, a coleção Castro Maya aparecia como uma opção óbvia de destino para obras de Portinari. Este foi o caso do painel Tiradentes, em 1967, quando seu proprietário, o diretor do colégio de Cataguazes, Francisco Inácio da Silva - com quem Castro Maya havia negociado a permissão de sua exposição realizada pelo MAM-RJ -, planejava a venda da obra, logo em seguida, escreve à Castro Maya, tentando interessá-lo no negócio e assegurar a preferência ao colecionador.20 19 Carta de Raymundo de Castro Maya a Candido Portinari. Rio de Janeiro, 9 julho 1946. Projeto Portinari, CO-3261. 20 Carta de Francisco Inácio Peixoto a Raymundo de Castro Maya. S.l., 19 julho 1967. Arquivo Castro Maya, pasta 44. 19
  • 11. Durante a vida de Portinari, a excelente relação desenvolvida entre ele e Castro Maya, por um lado, e a debilidade do mercado de arte, por outro, tornava a negociação direta com o artista a principal fonte de conquista do acervo. Entre as obras que participam deste grupo, estão os embriões da coleção O sonho (1958[?])21e Lavadeiras (1943), ambas adquiridas em 30 de dezembro de 1943, seguidas por Flores (1947) e Menino com pião (1947), negociadas respectivamente em abril e maio de 1947. A barca. Água-forte. 1941. Mãos de Portinari pintando “Menino com carneiro”. Projeto Portinari,1953. Menino com pião participou das exposições retrospectivas de 1953 no MAM-RJ e de 1954 no MASP como obra da coleção Castro Maya. Menino com carneiro (1953), adquirida em 1953, seguia também, já em fevereiro de 1954, para a exposição do MASP Castro Maya . adotaria por seguidas vezes tal estratégia de valorização da obra do artista e, por conseguinte, de seu próprio patrimônio, emprestando telas para exposições coletivas ou individuais de Portinari no Brasil e no 21 Esta tela, catalogada como datada de 1958, parece corresponder, na verdade, àquela descrita no livro de contabilidade organizado pela esposa de Portinari como vendida a Castro Maya em 30 de dezembro de 1943. O mais plausível é que a data correta seja 1938, tendo a confusão se dado devido à grafia do algarismo na obra. Cf. PORTINAR, Maria. Op.cit. 20 A barca. Brodósqui. Óleo s/ tela.1941. exterior.22 Por sua vez, Portinari também continuava a relacionar-se com as obras da coleção Castro Maya realizando esporadicamente trabalhos de manutenção dos quadros, como réplicas de verniz.23 O caso da tela A barca (1941) é o de uma peça, que percorreu um demorado caminho até vir a integrar a coleção. Certamente, ela foi vista por Castro Maya no MASP durante a exposição de 1954. O mais plausível é que o colecionador tenha adquirido primeiro a ponta-seca de mesmo tema e composição semelhante. Mais tarde, a tela encontrou, também, o caminho da coleção, provavelmente na década de 1960, após a construção da casa de Santa Teresa com paredes adequadas para o enorme óleo de 2X2 metros. É admissível que seja sobre esse quadro a referência em uma carta de Castro Maya a Candinho, datada de 1961, em que ele sugeria que a montagem da tela no chassi fosse realizada por Bianco Menino com carneiro. 1953. Óleo s/ tela. 22 Menino com pião e Menino com carneiro foram emprestadas para figurar em exposições do MASP (1954) e Milão (1963). Menino com pião esteve na retrospectiva do MAM-RJ (1953) e Menino com carneiro na V Bienal (1959). 23 Ver Carta de Raymundo de Castro Maya a Candido Portinari. [Rio de Janeiro]. 1954. Projeto Portinari, CO- 146. 21
  • 12. na própria casa de Santa Teresa, a fim de evitar o transporte de um quadro de dois metros.24 Já a história da aquisição da tela Morro no11 (1958) deve ter começado na Exposição Internacional do Museu de Arte Moderna de 1958, na qual presumivelmente foi vista por Castro Maya, que a comprou das mãos do artista em 16 de maio de 1958, juntamente com o óleo Músico (ou O flautista), pagando, na ocasião, metade do preço referente aos dois trabalhos. O restante só foi pago em fevereiro de 1960, quando as obras retornaram da I Bienal Interamericana de Pintura e Gravura no México, onde Portinari teve sala especial. A negociação é motivo do único recibo assinado por Portinari conservado no arquivo Castro Maya. O fato de as telas terem seguido para o exterior antes de virem para as mãos de seu novo proprietário, certamente foi a razão que determinou a necessidade do recibo, dispensado nas negociações travadas entre as duas partes. A aquisição de uma obra de Portinari com matizes abstratizantes como Morro n°11 vinha na esteira da grande valorização da pintura não figurativa que culminaria nas Bienais de São Paulo. A partir de meados da década de 1950, assim como Portinari iniciava exercício plásticos 24 Carta de Raymundo de Castro Maya a Candido Portinari. Rio de Janeiro, 16 março 1961. Projeto Portinari, CO-3273. 22 Composição. Óleo s/ papel. S/d. Morro no 11. Óleo s/ compensado. 1958. que o aproximavam ainda que experimentalmente da não figuração, Castro Maya estreava uma nova faceta de sua coleção com a compra de várias telas abstratas de artistas nacionais e estrangeiros.25 Um outro trabalho que se aproxima do não figurativo, Composição (s.d.), também integra a coleção, provavelmente ofertado pelo artista, dado que é uma pintura sobre papel em pequeno formato. O influxo de obras não cessaria com a morte do pintor, em 1962. O envolvimento de Castro Maya com o trabalho do artista continuava e outras aquisições foram feitas, algumas envolvendo, inclusive, a troca de obras, que já estavam na coleção. Os critérios parecem ter feição definida, com a preferência por obras da década de 1940 - um período da produção do artista que estava bem valorizado. Fica clara ainda a opção por quadros de dimensões mais robustas, os quais as amplas paredes brancas da nova residência de Santa Teresa agora podiam suportar. 25 Na IV Bienal são comprados um óleo de Teresa Nicolao e dois de Zanartu. Ainda em 1957, são adquiridos dois óleos de Antonio Bandeira. Em 1960, durante a exposição de Mathieu no MAM-RJ, Castro Maya compra dois trabalhos do artista francês. Na década de 1960, somam-se à coleção obras de Sakai, Hierck, Mabe, Benjamin Silva etc. 23
  • 13. Pintado em 1940, o Grupo de meninas brincando foi comprado por Castro Maya em 8 de novembro de 1966, da Galeria Bonino, no Rio de Janeiro, após ter ido a leilão da Bernet Galleries, Nova York, em abril daquele ano. A transação envolveu a entrega de sua tela, O flautista, e o pagamento em dinheiro. Era uma aquisição de grande significado, pois a tela pertencera ao acervo Helena Rubinstein, tendo figurado na exposição The United States Collects Pan American Art, em Chicago, 1959. Esta era uma das coleções que conferiam status internacional à pintura de Portinari. Já em 1939 - ano dos painéis para o Pavilhão Brasileiro da Feira Mundial de Nova York –, Portinari pintara seu retrato de Helena Rubinstein que, no ano seguinte, participou da mostra da coleção em Washington e Nova York. A colecionadora viria a adquirir outras obras do artista, tanto por meio da exposição Portinari of Brazil no MoMA de Nova York, em 1940, como também por meio de encomendas diretas ao pintor, com quem trocava correspondência. O sapateiro de Brodósqui é apenas alguns centímetros menor que A barca, ambos os trabalhos realizados durante uma estada de Portinari em sua cidade natal no ano de 1941. O quadro Sapateiro de Bradósqui foi adquirido em 1967, da irmã do artista, Inês Portinari Pinto de Carvalho, que havia recebido a tela como presente de casamento. Algumas transações, entretanto, deixaram de ser concluídas. Foi este o caso de uma tela exposta na 24 grande individual de 1943 do Museu Nacional de Belas Artes e disputada pelos amigos Raymundo de Castro Maya, Tales Marcondes e César de Melo Cunha, com vantagem para o último, que ofereceu o maior lance neste verdadeiro leilão particular. Uma obra intitulada Morro (1948), de tamanho mediano, semelhante a Grupo de meninas brincando, foi alvo da cobiça do colecionador. Em 1967, avisado por alguém de sua rede de amigos/intermediários, Castro Maya escreveu ao proprietário uruguaio, pedindo detalhes da pintura e já estimando um valor para a transação, baseado na cotação alcançada pelas telas de Portinari no leilão do acervo Helena Rubinstein. Esse preço, porém, seria contestado diversas vezes por uma das partes e pela outra, sem jamais chegarem a um acordo. Pouco antes de sua morte, Castro Maya ainda se mostrava interessado no quadro, acenando ao proprietário com a possibilidade de melhorar sua oferta. 26 Outros negócios demoraram a concretizar-se, mas, por fim, provaram que a persistência de Castro Maya podia render frutos. A série Dom Quixote (1955-56) de desenhos em lápis de cor começou a ser cobiçada pelo colecionador ainda no tempo em que Portinari vivia e só chegou à coleção mais tarde, quando Castro Maya a comprou da família do pintor em 13 agosto de 1963. D Quixote lutando contra os moinhos de vento. C.1956. Lápis de cor. Desavença entre Sancho Pança e D Quixote. C.1956. Lápis de cor. D. Quixote a cavalo com lança e espada. Lápis de cor. C. 1956. 26 Ver correspondência com Fernando Sierra, 1967-68. Arquivo Castro Maya, pasta 44. 25
  • 14. D Quixote recebendo vassalagem de Sancho Pança Lápis de cor. C.1956. D. Quixote e Sancho Pança saindo para suas aventuras. C.1956. Lápis de cor. Largamente admirados e divulgados, eles originaram de uma encomenda de José Olympio para uma edição não concretizada. Alguns haviam sido reproduzidos no álbum Brasil Dipinti, impresso em Turim, em 1957, e também expostos na mostra Maison de la Pensée Française, em Paris, no mesmo ano. Para além de representarem os dois pontos extremos da linha de negociações entre criador e consumidor, Portinari e Castro Maya eram protagonistas de uma teia de relações, em que muitas vezes amizade e mecenato entrelaçavamse até a indefinição e, por outras, aproximavam o mecenato puro e simples de verdadeiros projetos em comum. Em certas ocasiões, tais projetos ligavam Portinari a empreitadas de mecenato artístico no âmbito do interesse de Castro Maya pela cidade do Rio de Janeiro, tal como nos episódios da reformulação da Floresta da Tijuca – no escopo do qual Portinari foi chamado a pintar o tríptico da capela Mayrink - e da criação do Museu de Arte Moderna - que Portinari ajudou a consolidar realizando exposições de sua obra, e do qual foi um dos diretores artísticos por algum tempo durante a gestão de Castro Maya. O padrão firmado por Castro Maya em seu relacionamento com os artistas mais próximos, era o da pluralidade de projetos. Em meados da década de 1950, Carybé estava envolvido na ilustração para volume da Sociedade dos Cem Bibliófilos, na 26 D. Quixote- Sancho Pança atende ao chamado de D Quixote C.1956. Lápis de cor. D Quixote às cambalhotas C.1956. Lápis de cor. concepção de gravura para Os Amigos da Gravura, na criação de imagens para um álbum sobre o candomblé e na elaboração de um painel para a sede baiana do Banco Português (do qual Castro Maya foi diretor). De forma comparável, no início da década de 1940, os projetos de Castro Maya que incluíam Portinari avolumavam-se: o espetáculo beneficente Cega-Rega realizado em 1943 no Teatro Municipal de São Paulo em benefício dos prisioneiros de guerra franceses, e para o qual Castro Maya intermediou, junto a Portinari, a cessão do quadro Espantalho para um número de bailado; 27a construção de um monumento ao major Archer, antigo administrador da Floresta da tijuca;28; as ilustrações dos livros O alienista e Memórias póstumas de Brás Cubas; a capela Mayrink. 27 Em carta para Portinari de 20 de setembro de 1943 Castro Maya dizia: “quando os prisioneiros receberem os mantimentos, os vestuários, as bençãos recairão sobre você”. Projeto Portinari, CO- 3253. 28 A correspondência entre Castro Maya e Portinari em 1943 está cheia de referências a este projeto de monumento para o qual Portinari chegou a realizar um croqui. Cf. Projeto Portinari, CO- 3253, 3255, 3256, 3258, 3280. 27
  • 15. Portinari viria a empregar solução similar em gravura para o livro O alienista, no qual estava trabalhando naquele momento e, também, posteriormente, em desenho de ilustração do Memórias póstumas de Brás Cubas. [ilustração Alienista MCC1523] Para figurar São João da Cruz, Portinari contou com o auxílio de Castro Maya, que lhe enviou um retrato do santo.31 Os trabalhos de reformulação da Floresta da Tijuca foram iniciados em 1943, a partir do planejamento de Castro Maya. Segundo ele, excetuando o projeto dos portões da Floresta, o desenho da fachada, o campanário da Capela Mayrink de Wladimir Alves de Souza e a colaboração de Burle Marx na remodelação do Açude da Solidão, “o resto foi feito por mim”. Entre as diversas obras necessárias estavam as da capelinha do Mayrink, “reconstituída e valorizada por tríptico de Portinari”.30 A capela, da segunda metade do XIX, “foi por assim dizer feita de novo” exterior e interiormente. Após discussões, o teor das imagens sacras que seria implementado evoluiu, com a ajuda de Otto Maria Carpeaux, da idea inicial de uma Nossa Senhora flanqueada por anjos para um programa iconográfico consistente: Nossa Senhora do Carmo, ladeada por dois santos ligados aos carmelitas; São Simão Stock - que teve a visão de Nossa Senhora no Monte Carmelo - ; São João da Cruz - fundador da Ordem do Carmo - e a predela, mostrando o Purgatório, de onde se diz que aqueles que usarem o escapulário visto na mão da Virgem, terão sua alma liberada no primeiro sábado após a morte. A irmã de Portinari e seu filho posaram para Nossa Senhora e o Menino. A composição revelou-se tão satisfatória que 30 MAYA, Raymundo Ottoni de Castro. A Floresta da Tijuca. Rio de Janeiro: Bloch, 1967. 28 (N. S. da Matriz). Água-forte. Rio de Janeiro, 1945-48. Ilustração para o livro O alienista. N. S. do Carmo. Lápis. Capela Mayrink – estudo. Rio de Janeiro.1944. Foto Interior da capela Mayrink, instalação dos painéis de Candido Portinari. Rio de Janeiro, 1944. Foto Jean Manzon, Arquivo Casto Maya. Machado de Assis. O alienista. Rio de Janeiro: Raymundo Ottoni de Castro Maya, 1948. 70p. O exemplar de Castro Maya contém os originais em nanquim dos desenhos impressos em off-set. A primeira missa da remodelada capela foi oficiada em 16 julho de 1944 pelo cardeal do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara. O estilo clássico adotado nos painéis da Mayrink salvou Portinari da indignação e da repulsa da Igreja Católica por sua obra sacra, manifestadas no caso do mural para a igreja de São Francisco de Assis da Pampulha do ano seguinte. É interessante notar que a capelinha ganhou seu maior atrativo – os painéis de Portinari – como consequencia de “um imprevisto”, como chamou Castro Maya. Ele relata que havia conseguido junto a Rodrigo de Melo Franco de Andrade, do SPHAN, a cessão de um altar mineiro antigo, mas este não coube na capela por um erro de medição e que, então, recorreu a seu amigo Candido Portinari para que aceitasse a encomenda de pintar os três painéis. 31 Carta de Raymundo de Castro Maya a Candido Portinari. Rio de Janeiro 194-. Projeto Portinari, CO-3277. 29
  • 16. Ao confrontar-se com um projeto de remodelação de espaço sacro, as alternativas óbvias para Castro Maya polarizaram-se entre Barroco e Portinari. Essa valorização do colonial estava em plena consonância com um destaque conferido ao Barroco pelo próprio Modernismo. A almejada identidade cultural brasileira passava a ser pensada, naquele momento, em termos de um “estilo brasileiro”, que o Modernismo deveria ser capaz de criar, expressando assim, o universo simbólico nacional. Em sua luta contra o Neoclássico, o Modernismo acabava por fundar o mito do Barroco e inventar a si mesmo como um segundo momento de arte nacional. O movimento iniciara-se justamente como negação do período acadêmico, tentando criar uma arte verdadeiramente brasileira. A proposta era de resgate da nacionalidade interrompida pelo hiato neoclássico, reconhecendo-se no Barroco outra instância de arte genuinamente nacional.32 Segundo Germain Bazin, a arte do Barroco fora uma manifestação da “tradição artística autóctone que foi a do Brasil, antes que a introdução do Neoclassicismo por uma missão estrangeira interrompesse bruscamente o curso”.33 Especialmente no campo da arte sacra, a escolha do Barroco como a arte religiosa brasileira, por excelência, criaria uma forte e persistente associação mental entre as expressões arte sacra brasileira e estilo barroco. É, portanto, significativa a opção de Castro Maya pelo do esquema “ou Barroco ou Portinari”. 32 Ver MORAES, Eduardo Jardim de. A brasilidade modernista, Rio de Janeiro: Graal, 1978; ZÍLIO, Carlos. Op.cit.; CAVALCANTI, Lauro. Op.cit. 33 30 Portinari. Exposição de sua obra de 1920 até 1948, p. 19. O Purgatório. Capela Mayrink – estudo. Lápis. Rio de Janeiro,1944. O Purgatório. Capela Mayrink – estudo. Lápis. Rio de Janeiro,1944. A arte sacra nacional seria preferencialmente barroca, mas de que outra forma ela poderia identificar-se, também, aos ideais de brasilidade? A resposta mais inequívoca indicava Portinari, o artista “herdeiro da cultura helênica, um Picasso sul-americano, que fala a mesma língua da Europa, o senhor da técnica e da compreensão do homem comum, o pintor que descobriu e pintou o Brasil e o homem da terra”.34 Na capela Mayrink, Portinari contou com um mecenato de certa forma indireto de Castro Maya. Porque, se bem que a eleição do artista tenha cabido unicamente a ele, a encomenda seria paga com a colaboração de outros moradores do Alto da Boa Vista, contudo, no jogo entre mecenas e artista, já contaminado pelo prisma da amizade, cabia a doação de estudos preparatórios para os painéis, acompanhados de dedicatórias carinhosas. Foi desta maneira, portanto, que os três estudos a lápis realizados por Portinari em 1944, vieram a integrar a coleção: Nossa Senhora do Carmo (“Para o Raymundo lembrança do Portinari. Rio, 944”) e duas versões para O purgatório (“Para o Raymundo Portinari”/”Para o Raymundo amigo Portinari. Rio 944”). A criação de um Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro foi um projeto acalentado por Castro Maya, que considerava o empreendimento fundamental para o crescer da cultura artística a partir de uma atuação efetiva sobre o meio cultural nacional. Ao final da década de 1940, os recém-criados Museus de Arte 34 Ver conceitos de críticos e intelectuais do Brasil e do estrangeiro reproduzidos no catálogo da Exposição Portinari . MAM-RJ, abril 1953. 31
  • 17. Moderna pretendiam-se instrumentos para esclarecer, atrair e converter o público para a arte moderna estrangeira e nacional. Como centros de intensa irradiação artística aliada a uma função didática, inseriam-se em seu planejamento, não apenas eventos óbvios, como as exposições temporárias, mas também atividades do tipo edições de livros e estampas, conferências, cursos teóricos e práticos. Portinari era um elemento importante neste processo. O boletim do MAM-RJ relata que a exposição individual do artista em 1953 alcançou uma frequencia de 22 mil visitantes no período de dois meses, contra dois a seis mil em outras mostras. Além de exposições, a obra do pintor era comentada em palestras e seus feitos noticiados nos boletins. 35 Sobre a organização da mostra do painel Tiradentes em 1949, temos a descrição de Castro Maya: “Julgando apresentar à admiração do público que seria do mais alto interesse cultural antes que deixasse o Rio de Janeiro para o seu destino definitivo, o colégio de Cataguazes, o mural Tiradentes de Candido Portinari, a Diretoria do Museu entrou em entendimento com o artista e com [...] diretores daquele instituto [...]. As dimensões excepcionais dessa obra maravilhosa, [...] sem dúvida possível uma das mais grandiosas e notáveis da arte contemporânea, requeriam local de vastas proporções. Foi alvitrado o amplo salão de festas do Automóvel Clube [...]. E em presença de altas autoridades [...] e um público extremamente numeroso [...] inaugurou-se [...] a exposição que havia de ser alvo de verdadeira romaria [...].”36 Os museus de arte moderna também pretendiam estimular o mercado das artes no Brasil, contribuindo para fomentar no público o hábito de comprar obras de arte de qualidade e a consequente constituição de uma clientela assídua. Quiçá este fosse um dos objetivos perseguidos pelo MAM-RJ ao editar e comercializar duas águas-fortes de Portinari sobre o tema Tiradentes na ocasião da exibição do mural em 1949. Exemplares dessas duas gravuras compõem a coleção Castro Maya. Uma delas é o décimo exemplar da tiragem de cem e retrata um dos mastros com os restos do mártir esquartejado. A outra traz a cena da forca com os espectadores do suplício.37 Trata-se de um exemplar fora do comércio e foi, portanto, doado a Castro Maya pelo artista. Denunciando uma certa dose de confusão entre as esferas dos negócios do Museu e os pessoais, essas águas-fortes foram impressas na Gráfica das Artes S.A, fundada por Castro Maya e “destinada exclusivamente à impressão de 35 Boletim de 1952 traz notícia da mostra de Portinari na ONU com menção do pronunciamento do secretário geral que referiu-se a ele como o grande muralista brasileiro. Boletim de 1953 anuncia palestra sobre Portinari por Santa Rosa. Arquivo Castro Maya, pasta 70. 36 Relatório de atividades do MAM-RJ. Ibid. 37 MUSEU DE ARTE MODERNA. Exposição do mural Tiradentes de Candido Portinari. Rio de Janeiro, agosto 1949. Candido Portinari em frente ao mural Tiradentes. Álbum de fotografias organizado por Castro Maya na ocasião da exposição no MAM-RJ. Biblioteca Castro Maya. 32 33
  • 18. luxo pelo sistema usado na França com prensas manuais e com papel especial”.38 Lá trabalhava o irmão de Portinari, Luís (Loy), mandado a Europa em uma viagem patrocinada por Castro Maya para realizar uma especialização na arte dos livros feitos à mão, e também para adquirir as prensas de madeira e outros materiais.39 Também tirada na Gráfica das Artes foi a água-forte Espantalho (s.d.), um motivo recorrente em Portinari e tema de um dos quadros do espetáculo Cega-Rega produzido por Castro Maya. A coleção conserva a gravura 31 de uma tiragem de 50, e também dois exemplares da tiragem encomendada para seguir como cartão de Natal impresso com a mensagem “Os melhores votos de Natal e Ano Novo de Raymundo de Castro Maya”. Esse relacionamento especial de Castro Maya com os artistas permitia-lhe alçar seus cartões de Natal ao nível de obras de arte, encomendando a pintores mais chegados desenhos ou gravuras para tal fim. Desta forma, uma marca de refinamento, contemporaneidade e distinção eram impressas, enquanto ele se afirmava como grande mecenas, incentivador das artes, bem relacionado com os maiores artistas de seu tempo. Tiradentes. Água-forte. Projeto para painel. 1949. (De como Itaguaí ganhou uma casa de Orates). Água-forte. Rio de Janeiro, 1945-48. Ilustração para o livro O Alienista. 38 Carta de Raymundo de Castro Maya a Francisco Matarazzo Sobrinho. Rio de Janeiro, 15 julho 1949. Arquivo Castro Maya, pasta 69. 39 Ver depoimento de Luís Portinari no Projeto Portinari. 34 Espantalho. S/d. Água-forte. Tiradentes: A forca. Água-forte. 1949. Foi no campo da edição de livros ilustrados, que o mecenato de Castro Maya mais plenamente se realizou. Com Portinari, especialmente, experimentou-se uma aliança feliz, entre um artista que dedicou uma parcela significativa de sua obra a este tipo de empreendimento além dos livros editados por Castro Maya, ele ilustrou Zé Brasil, de Monteiro Lobato; Cangaceiros, de José Lins do Rego; Raízes, de José Paulo Moreira da Fonseca; O poder e a glória, de Graham Greene, entre outros - e um bibliófilo comprometido seriamente com a edição de livros de arte. O renome de Castro Maya neste campo começou a espalhar-se na década de 1940. Em carta datada de 1946, Nelson Rockefeller parabenizava Castro Maya, comentando que havia tomado conhecimento das suas modernas publicações ilustradas por Portinari e comprometendo-se, no futuro, a ser um de seus subscritores.40 Como consequência, Castro Maya recebia freqüentes convites e solicitações para participação em empreitadas na área da edição de livros de arte. Por certo, a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil foi seu projeto mais ambicioso. Dirigida por Castro Maya até sua morte, inspirou-se nos moldes de suas contrapartidas 40 Carta de Nelson Rockefeller a Raymundo de Castro Maya. Nova York, 26 novembro 1946. Arquivo castro Maya, pasta 69. 35
  • 19. europeia. Mais uma das iniciativas de Castro Maya para o fomento da atividade e do gosto artístico, ele justificava sua criação pelo desejo “de incrementar entre nós o amor aos belos livros”.41 Editavam-se obras de autores nacionais ilustradas por artistas plásticos contemporâneos. Os livros eram impressos manualmente em papel de luxo importado. Dos 120 exemplares impressos, 100 eram distribuídos para os sócios com seus nomes gravados; 15 iam para instituições e pessoas nomeadas nos estatutos e cinco podiam ser distribuídos a critério da sociedade. Pelos estatutos, os artistas ilustradores estavam obrigados a entregarem à sociedade todos os originais das gravuras para serem leiloados, recebendo uma percentagem do arrecadado. O leilão de desenhos e estudos era efetuado no jantar anual em que se reunia a assembleia geral ordinária para a apresentação de cada livro e a prestação de contas do exercício. a escolha do artista ilustrador.42 O primeiro livro, editado em 1943, foi Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, com gravuras em metal de Portinari. A dobradinha Machado-Portinari parece ter sido escolhida a dedo por Castro Maya, a fim de provocar o máximo de impacto na primeira edição. Ela unia o grande nome de nossa literatura e o principal artista do momento. Essa dobradinha iria repetir-se no empreendimento solo de Castro Maya para a edição de O alienista. (Plus ultra!). Água-forte. Rio de Janeiro, 1945-48 Álbum de estudos preparatórios intitulado Ensaios para as Memórias póstumas de Brás Cubas, organizado por Portinari e dedicado “Para o Raymundo com a amizade do Candinho, Rio 945”. A comissão executiva, liderada por Castro Maya, tinha enorme latitude para decidir sobre o texto, artista ilustrador, gênero de ilustração, papel e formato, todavia, por diversas vezes, Castro Maya tentou valer-se de uma sugestão de Portinari para 41 Carta da Comissão Promotora da Sociedade dos Cem Bibliofilos do Brasil. Rio de Janeiro, s.d. Arquivo Castro Maya, pasta 100. 36 (O terror). Água-forte. Rio de Janeiro, 1945-48 Mãe de Eugênia Nanquim e aguada, 1943. Estudo para ilustração do livro Memórias póstumas de Brás Cubas. Brás Cubas foi lançado no primeiro jantar da Sociedade dos Cem Bibliofilos do Brasil no Jockey Clube. Os originais das ilustrações do volume ficaram em exibição naquele local durante a tarde para serem leiloados após o jantar. À Castro Maya pertence o exemplar 2 da tiragem de 119 de Memórias póstumas de Brás Cubas, em edição da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil de 1943, terminada de imprimir em 1944. Além das sete águas-fortes - tiradas por Portinari em colaboração com seu irmão Loy - e dos 74 desenhos a nanquim reproduzidos em clichê, comuns aos exemplares de todos os sócios, o volume de Castro Maya é completado com o encarte de 12 desenhos originais em nanquim ou grafite assinados e datados de 42 Ver cartas de Raymundo de Castro Maya para Candido Portinari, Rio de Janeiro, 7 fevereiro 1945 e 31 dezembro 1946. Projeto Portinari, CO- 3260, 3262. 37
  • 20. Tio Padre Nanquim e aguada, 1943. Estudo para ilustração do livro Memórias póstumas de Brás Cubas. Eugênia Nanquim e aguada, 1943. Estudo para ilustração do livro Memórias póstumas de Brás Cubas. Carta de Castro Maya para Candido Portinari, datada 22/09/1942, formalizando o convite ao artista para ilustrar o livro Memórias póstumas de Brás Cubas. Projeto Portinari. 38 Tio João Nanquim e aguada, 1943. Estudo para ilustração do livro Memórias póstumas de Brás Cubas. 1943. As matrizes inutilizadas das sete gravuras estão conservadas na coleção Castro Maya, provavelmente adquiridas pelo colecionador no leilão de lançamento da edição, além disto, como testemunha daquela intrincada rede de relações que unia o mecenas e seu protegido e amigo, Castro Maya recebeu de Portinari um álbum com o título de Ensaios para as Memórias póstumas de Brás Cubas, 1943 contendo 30 desenhos a nanquim ou grafite cuidadosamente montados nas páginas pelo próprio artista. Na folha inicial lê-se a dedicatória “Para o Raymundo com a amizade do Candinho. Rio 945”. O alienista, de Machado de Assis, foi outro projeto que se desenrolou quase simultaneamente. Os trabalhos de Portinari datam de 1944 e as gravuras foram tiradas com o auxílio de seu irmão Loy, mas a edição de Castro Maya só foi iniciada em 1945 e terminada na Imprensa Nacional em 1948. Castro Maya possui o exemplar 1 da tiragem de 400 e três outros. Além das quatro águas-fortes comuns a todos os exemplares esse número 1, conta com os originais encartados de 37 desenhos a nanquim reproduzidos em off-set na edição regular. Ele também conservou para si exemplares avulsos das quatro gravuras bem como a boneca do livro composta das gravuras e do texto em offset com o espaço dos desenhos preenchidos por esboços a lápis 39
  • 21. (alguns bastante esquemáticos, outros já bem próximos do resultado final), além de marcações de correções que deveriam ser efetuadas. O último projeto conjunto foi a edição pela Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil de Menino de engenho, de José Lins do Rego, em 1959. A concepção das gravuras de Portinari data de 1958-59 e teve a supervisão de Poty na tiragem na Gráfica das Artes durante os meses de janeiro a agosto de 1959. O colofão do livro afirma que as placas foram inutilizadas após a impressão. Apesar disto, a coleção Castro Maya possui duas matrizes de água-forte das ilustrações para o Menino de Engenho. O exemplar 2/120 pertencente a Castro Maya possui, além das 30 gravuras comuns a todos, quatro estudos para água-forte em grafite, assinados e datados de 1959, encartados no início do volume, e também uma série de anexos compostos por duplicatas de algumas das gravuras e provas de estado de outras. Diferentes peças avulsas como duplicatas, provas de estado e exemplares H.C. (hors commerce) assinados de diversas gravuras, bem como uma versão rejeitada para uma das ilustrações, compõem também a coleção Castro Maya. Sua proveniência deve ser creditada, mais uma vez, à oferenda de Portinari para Castro Maya de algumas peças (caso dos exemplares fora do comércio), não se podendo excluir a aquisição no leilão de lançamento no caso de (O namoro do menino). Água-forte. Rio de Janeiro, 1959. Estudo não aproveitado para ilustração do livro Menino de engenho. (O namoro do menino). Água-forte. Rio de Janeiro, 1959. 40 D. Quixote- Sancho Pança pendurado no ramo de carvalho Lápis de cor. C.1956. outras. Castro Maya esteve também envolvido direta ou indiretamente em alguns projetos de edição de livros com reproduções da obra de Portinari. Em 1962, após adquirir os desenhos da Série Dom Quixote. [ilustração Quixote 129], ele conseguiu a adesão da família de Portinari à iniciativa de publicar os desenhos em uma edição francesa bilíngue com introdução de Renée Huyghe e iniciou as negociações em Paris com Trajano Coltzesco. Estas, porém, fracassam em meados de 1963 em decorrência da “situação econômica catastrófica no Brasil”.43 Anteriormente, em 1950, a Interart de Paris planejava um álbum de Portinari em uma edição ambiciosa que seria o “primeiro estudo importante da obra do grande pintor da América Latina”, com textos de René Huyghe e Germain Bazin, apresentando “um grande pintor contemporâneo”. Este projeto viria a se interpor aos negócios do próprio Museu de Arte Moderna. O cargo de presidente e o caráter de mantenedor e mecenas do MAM-RJ haviam colocado Castro Maya em uma posição legitimada especial, não só para determinar sobre exposições 43 Carta de Raymundo de Castro Maya para A. Mouillot. Rio de Janeiro, 15 julho 1963.Arquivo Castro Maya, pasta 105. 41
  • 22. os primeiros, encarados como preparação para o processo criativo e, as segundas, padecendo pela sua não unicidade - representavam os veículos principais da prova de afeto e gratidão de Portinari por Castro Maya. “O Raymundo Castro Maya toda vida foi o protetor de Portinari, admirador e amigo, a gente via o contato.” A proximidade desse contato, tal como descrita pelo padre Guilherme Schubert, transborda nos registros da convivência dos dois homens. As cartas de Castro Maya a Portinari revelam sua satisfação em privar de um convívio cotidiano com o amigo e estão pontuadas por observações de saudades das “agradáveis palestras do Cosme Velho”, nas ocasiões em que lamentava não poder visitá-lo.46 No campo da arte, seu entusiasmo pelo trabalho do artista foi grande a ponto de um dia declarar: “Na arte sem você... não há nada.” 47 e eventos, mas também para promover certas ações que misturavam os negócios do Museu com os de amigos. É assim que, atendendo o apelo do embaixador Josias Leão, Castro Maya respondia entusiasmado em nome do MAMRJ, comprometendo-se a editar e distribuir os folhetos de subscrição para o álbum sobre Portinari: “quanto ao livro do Candinho, o Museu terá o maior prazer de se encarregar da subscrição. Quanto a mim [...] gostaria muito de subscrever um dos 15 de grande luxo”.44 Um ano depois, porém, em outra carta a Leão, ele oferecia um panorama nada animador para o futuro do projeto que em breve fracassaria, obrigando a Interart a devolver os valores pagos pelos subscritores, inclusive Castro Maya: “Temos enviado o boletim de subscrição do livro Portinari e entreguei ao Candinho uma certa quantidade; as respostas são poucas, uma meia dúzia!”.45 A última participação de Portinari nos projetos editoriais de Castro Maya seria a reprodução do desenho Iemanjá no livro A muito leal história da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, editado pelo mecenas em 1965, como parte das comemorações do quarto centenário da cidade. O desenho assinado e datado de 31 de dezembro de 1959 hoje faz parte da coleção Castro Maya. Esta coleção completa-se com um conjunto de obras, que provam a generosidade com que Portinari franqueava o acesso de Castro Maya aos meandros de seu processo criativo. Assim como no caso dos esboços e desenhos preparatórios remanescentes das encomendas para painéis e ilustrações dos livros, permanecem no acervo gravuras e desenhos e avulsos marcados geralmente com dedicatórias do tipo “Para o Raymundo amigo com o abraço de Portinari”. Compõem esse recorte a delicada água-forte Árvore (1945) - que na dedicatória especifica sua condição de única prova de artista de uma tiragem de apenas oito exemplares, valorizando assim a oferta –, a monotipia São Francisco (1948) e o desenho a lápis e carvão Cena rural (1954). Desenhos e gravuras, menos valorizados enquanto produtos finais - Árvore. Água-forte. 1945. 44 45 42 Carta de Raymundo de Castro Maya a Josias Leão, maio de 1950. Arquivo Castro Maya, pasta 69. Carta de Raymundo de Castro Maya a Josias Leão, fevereiro de 1951. Ibid. São Francisco. Monotipia. 1948. 46 Cf. depoimento de Guilherme Schubert, cartas de Raymundo de Castro Maya a Candido Portinari, Rio de Janeiro, 20 setembro 1943, 7 fevereiro 1945. Projeto Portinari, CO – 3253, 3260. 47 Carta de Raymundo Castro Maya a Candido Portinari. Rio de Janeiro, 11 maio, [1950]. Projeto Portinari, CO – 3284. 43
  • 23. O artista Annateresa Fabris Uma testa alta que não oculta um princípio de calvície, um rosto um tanto alongado, no qual se destacam o arco bem desenhado das sobrancelhas, o nariz reto, os lábios finos: essa é a imagem que Portinari oferece, em 1943, de seu amigo e protetor Raymundo Ottoni de Castro Maya. O retrato, que pode ser inscrito numa vertente clássica, caracteriza-se pela representação não frontal de Castro Maya – apanhado com o corpo levemente voltado para a esquerda – e pelo jogo cromático determinado por passagens gradativas do marrom avermelhado do fundo neutro para o ocre do rosto e do pescoço e, deste, para o branco da camisa, que se impõe de imediato ao olho do observador. A escolha de um fundo mais escuro não é casual; graças a ele o artista confere uma luminosidade sutil à figura do retratado e realça a cor da camisa, cujo colarinho desabotoado é um índice do aspecto íntimo, isto é, não oficial e mundano da representação. O partido adotado pelo pintor no Retrato de Raymundo Ottoni de Castro Maya não é clássico só pelo fato de estar vinculado a uma tendência internacional, que se impôs na Europa a partir da segunda metade do século XV: é clássico sobretudo por não ter feito da figura humana um pretexto para uma especulação eminentemente plástica. Fiel à tradição do gênero, Portinari leva o observador a distinguir o que é do domínio da percepção do artista e o que é do domínio do modelo, cuja figura deve despertar interesse por si, por sua aparência individual. 1 Esse equilíbrio entre o pictórico e o psicológico havia despertado a atenção de Mário de Andrade, que destaca na retratística portinariana a “receita” adotada pelo pintor. Receita que faz consistir no abandono de qualquer fantasia pessoal em prol da “obediência” à realidade do modelo graças ao “apropositado cauteloso da interpretação psicológica” e ao uso criterioso do instrumental da pintura. 2 O vetor clássico do retrato de Castro Maya não se refrata, contudo, nos quadros de Portinari que integram sua coleção, nos quais é possível distinguir algumas das tendências principais da poética do pintor. Cobrindo um arco de tempo que vai de D. Quixote- D Quixote atacando rebanho de ovelhas Lápis de cor. C.1956. 44 1 FRANCASTEL, Pierre. “Renovación y decadencia: siglos XIX y XX”. In: Francastel, Galienne; FRANCASTEL, Pierre. El retrato. Madrid: Cátedra, 1995, p. 228-230. 2 ANDRADE, Mário de. “Candido Portinari”. In: O baile das quatro artes. São Paulo: Martins, 1963, p. 126-127. 45
  • 24. 1940 a 1958, os dez quadros da coleção Castro Maya podem ser vistos como uma espécie de inventário do programa iconográfico de Portinari. Com exceção de Flores (1947) e O sonho (1958[?]), as demais telas do conjunto correspondem aos eixos centrais da iconografia portinariana: trabalho (A barca, 1941; O sapateiro de Brodósqui, 1941; Lavadeiras, 1943); cenas de infância (Grupo de meninas brincando, 1940; Menino com pião, 1947; Menino com carneiro, 1953); espaço social do trabalhador (Morro no11, 1958); retratística (o já citado retrato de Castro Maya). D. Quixote- D Quixote atacando rebanho de ovelhas Lápis de cor. C.1956. Duas telas destacam-se no conjunto: A barca e O sapateiro de Brodowski. A primeira, inspirada nos episódios das pescas milagrosas narrados nos Evangelhos de Lucas (5, 4-10) e João (21, 1-6), mostra-nos um Portinari atento antes ao significado humano do que à simbologia mística do acontecimento. Se os diferentes componentes que integram a narrativa do Novo Testamento devem ser lidos em chave simbólica – mar = mundo, barca = Igreja, pescadores = apóstolos, redes = pregação do Evangelho, peixes = universalidade dos fiéis3, no caso do quadro de Portinari a atitude de espanto e de júbilo dos tripulantes da embarcação pode ser reportada à consciência da compensação de um esforço contínuo que acabou tendo êxito. 3 Cf.: Bíblia sagrada. São Paulo: Edições Paulinas, 1967, p. 1367. 46 D. Quixote- D Quixote atacando rebanho de ovelhas Lápis de cor. C.1956. D. Quixote- D Quixote atacando rebanho de ovelhas Lápis de cor. C.1956. A barca, com sua disposição triangular associada a um movimento elíptico, serve de ponto de partida para a têmpera Garimpo do ouro, que o artista executa naquele mesmo ano para a Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington. Embora na composição norte-americana Portinari tenha desenvolvido a cena de garimpo em dois planos distintos, outras semelhanças podem ser apontadas entre as duas obras: a imagem do homem debruçado para fora da embarcação é quase idêntica, a gestualidade das duas figuras de mãos erguidas no quadro da coleção Castro Maya reverbera naquela da figura central de Washington. Se a circularidade da composição se impõe de imediato, a construção geométrica do quadro não é, porém, de todo evidente: os vários triângulos formados pela gestualidade das figuras de pé e do pescador debruçado na amurada da barca são percebidos numa segunda visada. Portinari dota o quadro de uma estrutura fluida, realçada pelos diferentes focos de luz que incidem nas figuras e pelo contraste cromático entre o azul 47
  • 25. suas gigantescas figuras, de corpos densos e deformados, numa estrutura geométrica e equilibrada, para melhor enfatizar a monumentalidade escultórica de seus ícones. escuro do mar e o branco e o ocre das vestimentas.4 O sapateiro de Brodósqui, por sua vez, é marcado pela presença de uma deformação mais acentuada, na qual sobressai a desproporção entre a fragilidade do pescoço e o vigor dos braços musculosos e das pernas grossas e bem torneadas, a evocarem a monumentalidade daquelas da Colona de 1935. O quadriculado do assoalho, com sua estruturação geométrica matizada pela aplicação irregular da tinta azul, não chega a provocar um contraste evidente com a densidade escultórica da figura do sapateiro. O modelado antinaturalista, de matriz picassiana, que enforma O sapateiro de Brodósqui guarda uma nítida semelhança com alguns dos melhores quadros da década anterior – Mestiço (1934), Preto de enxada (1934), Mulatas à beira do rio (1934), além de Colona, por exemplo –, nos quais Portinari insere 4 Na coleção Castro Maya, encontrase também a ponta-seca A barca (s.d.), que apresenta basicamente o mesmo esquema do quadro. A gravura desperta o entusiasmo de Mário de Andrade, que a considera a “pontaseca mais forte” de Portinari, exemplificando a “originalidade de fatura” que o artista havia atingido na técnica. O escritor pensa em usá-la como ilustração no livro que deveria escrever sobre Portinari, a convite da Editorial Losada de Buenos Aires (1942). Desiste, porém, da idéia “porque a reprodução fotográfica ficou muito fraca e não dá a impressão da força do trabalho”. Cf.: FABRIS, Annateresa (org). Portinari, amico mio. Cartas de Mário de Andrade a Candido Portinari. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 116-17, 124. 48 Grupo de meninas brincando. Óleo s/ tela. 1940. O sapateiro de Brodósqui. Têmpera s/ tela, Brodósqui.1941. Nos outros quadros da coleção Castro Maya, o pintor exibe outras possibilidades plásticas e compositivas. Em Grupo de meninas brincando, predominam tons mais suaves e uma pincelada mais rarefeita, que confere transparência às cores. Apesar de uma certa geometrização do chão, o quadro não deixa de ter parentesco com a “série brodosquiana”, realizada ao longo dos anos 1930, que se distingue pela busca de uma espacialidade infinita, na qual as figuras se inserem de maneira harmoniosa. As figuras da obra de 1940 parecem responder de perto à análise que Mário Pedrosa fez da série: podem ser consideradas “meras sugestões luminosas, sem maior realismo, sem maior atualidade”,5 em virtude do jogo cromático, da iluminação antirealista e da atemporalidade da representação. Uma paleta baseada em tons pastel e uma pincelada rarefeita são a nota dominante de Lavadeiras, gerando uma imagem indistinta e etérea, bem diferente daquela figuração trágica que estava tomando conta da pintura de Portinari desde o final dos anos Lavadeiras. Óleo s/ tela. 1943. 5 PEDROSA, Mário. “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”. In: Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 10. 49
  • 26. 1930, atingindo seu apogeu nas séries dos Profetas (1944) e dos Retirantes (1944). A preferência de Castro Maya por um Portinari mais moderado, que não desarticula suas figuras nem as submete a uma gesticulação intensa e eivada de patos, é patente em todos os quadros de sua coleção. Por isso, não admira que na iconografia infantil do pintor tenha dado preferência a obras como Menino com pião e Menino com carneiro, que podem ser incluídos na categoria das figuras “angelicais”, proposta por Cipriano Vitureira em 1949.6 Com ela, o crítico uruguaio designava as crianças de Portinari que não apresentavam um tom trágico e sofredor (por terem a possibilidade da salvação), diferentemente daquelas outras figuras infantis que denominava “patéticas”. Menino com pião é uma composição de grande equilíbrio, balizada pela forma triangular da criança de perfil, que se destaca de imediato graças ao contraste cromático entre os tons claros do corpo e do chapéu de papel, e o marrom escuro da camisa e do pião. A expressão ensimesmada do rosto compõe uma síntese formal e expressiva com a mão espalmada segurando o brinquedo, o que reafirma a ênfase dada pelo pintor à forma triangular como elemento estrutural da composição. Artista profundamente realista, Portinari não deixa de fazer experiências de caráter abstrato, embora seja um crítico pertinaz das vertentes não figurativas ao longo da década de 1950. Descrente da proposta de renovação da arte nacional feita pelo grupo concretista, o pintor chega a falar numa crise da arte na sociedade contemporânea, motivada pela perda de suas funções tradicionais diante da afirmação de novos instrumentos de informação e divulgação (imprensa, cinema, rádio e televisão). A coleção Castro Maya abriga um exemplar desse momento de crise e questionamento dos valores da pintura: o quadro Morro no 11. Nele, Portinari lança mão de elementos da abstração geométrica, na esteira do cubismo cristalino de Jacques Villon. Ancorado no referente exterior, o artista sobrepõe planos geométricos coloridos a um desenho realista – que é o elemento determinante da composição – e recorta as figuras em pequenos quadriláteros cromáticos, alcançando um resultado antes decorativo do que estrutural. *** Além de adquirir obras de Portinari, Castro Maya o auxilia na organização de exposições; em algumas ocasiões, indica seu nome para representar o Brasil; exerce o papel de encomendante, como no caso dos painéis para a capela Mayrink (1944, Rio de Janeiro), de dois conjuntos de ilustrações para livros editados pela Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil e da edição para fins beneficentes de O alienista, de Machado de Assis. Fundada em 1943, a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil tinha como objetivo publicar um livro por ano, em pequena tiragem. A marca distintiva da confraria era o 6 50 VITUREIRA, Cipriano S. Portinari en Montevideo. Montevideo: Ediciones “Alfar”, 1949. Menino com pião. 1947. Óleo s/ tela. interesse pela produção de livros refinados, nos quais escrita e imagem dialogavam de maneira criativa. Voltado para a literatura brasileira do passado e contemporânea, o empreendimento arrola entre os escritores selecionados os nomes de Machado de Assis, Castro Alves, Afonso Arinos de Melo Franco, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge Amado, José Lins do Rego, Guimarães Rosa. A tarefa de interpretar visualmente seus textos é entregue a diversos artistas modernistas e a alguns representantes das novas gerações, uma vez que a iniciativa se prolonga até 1969, ano seguinte ao da morte de Castro Maya. Ao lado de Portinari, autor das ilustrações do primeiro livro da coleção (Memórias póstumas de Brás Cubas, 1944) e do décimo terceiro (Menino de engenho, 1959), destacam-se os nomes de Enrico Bianco, Caribé, Cícero Dias, Clóvis Graciano, Di Cavalcanti, Djanira, Lívio Abramo, Poty, Santa Rosa, Aldemir Martins, Maciej Babinski, Eduardo Sued, Iberê Camargo, Isabel Pons, Marcelo Grassmann, Cláudio Corrêa e Castro, Heloísa de Farias, além de Darel, encarregado da escolha dos ilustradores e da abertura das matrizes dos artistas que não sabiam gravar. Se o trabalho de interpretação que Portinari realiza para a obra de José Lins do Rego se revela mais convencional em virtude da opção por um código prevalentemente realista, no qual se destacam algumas incursões pela estilização, como comprova o retrato sintético e linear do protagonista do romance, bem outra é a solução encontrada para 51
  • 27. Memórias póstumas de Brás Cubas. Castro Maya acompanha de perto a realização do trabalho, que Portinari executa em Brodósqui, no inverno-primavera de 1943. Ao ser lançado em 1944, o livro recebe uma avaliação entusiástica de Lúcia Miguel Pereira, que não se cansa de sublinhar o caráter criativo das ilustrações do pintor, por ela consideradas “uma interpretação equivalente, sob certos aspectos, a uma análise crítica” do romance de Machado de Assis. Temperamento bem distinto daquele do escritor, Portinari fora capaz de identificar-se com Machado de Assis, tornandose “delicado, sóbrio, comedido”. Ao traduzir a escrita machadiana para o desenho, o artista “restringiu, ou melhor, dirigiu a sua imaginação, fazendo uma re-criação, coisa mais difícil, e no caso mais valiosa do que a criação espontânea”.7 Lúcia Miguel Pereira tem razão quando faz referência a um Portinari sóbrio e comedido, pois o que caracteriza sua interpretação do texto de Machado de Assis é justamente a opção por um desenho econômico, que condensa em poucas linhas expressivas episódios, situações e fisionomias. Em alguns momentos, o pintor enfeixa numa única imagem um capítulo inteiro, como comprovam O delírio, inspirado no capítulo VII, e Mão com borboleta, relativo ao capítulo XXXI. Briga de dois cabras. Água-forte. Rio de Janeiro, 1959. Ilustração para o livro Menino de engenho. Velha Totonha. Água-forte. Rio de Janeiro, 1959. Ilustração para o livro Menino de engenho. Fino psicólogo, Portinari demonstra estar atento à captação das fisionomias tanto físicas quanto morais das figuras masculinas, entre as quais sobressaem as de Quincas Borba, Viegas, Vilaça, Cotrim e do professor Barata, levando Lúcia Miguel Pereira a afirmar que seus desenhos não precisariam ser identificados para serem reconhecidos pelos leitores.8 As personagens femininas, ao contrário, são representadas de maneira mais uniforme, havendo um certo ar de semelhança nas várias fisionomias, com exceção dos retratos de D. Plácida, Marcela e Virgília. Essa característica pode ser atribuída a uma compreensão exata do espírito da narrativa de Machado de Assis, cujas heroínas eram “modeladas pelos hábitos e preconceitos da sociedade burguesa: adúlteras ou virtuosas, o culto das conveniências as irmanava interiormente, adoçavalhes as arestas, podava-lhes a personalidade”.9 Em pelo menos duas ilustrações a linguagem do ilustrador evoca claramente o trabalho do pintor. A plástica monumental dos anos 1930, eivada de deformações e tributária do diálogo com o Picasso neoclássico, ecoa na representação de Marcela com sua dupla face, a dos tempos gloriosos e a da decadência. Em A bordo, além do uso de recursos que remetem aos painéis de Washington (1941), está presente um estilema recorrente na plástica portinariana: a deformação das mãos erguidas e espalmadas da figura do doido durante o temporal. No artigo de agosto de 1944, Lúcia Miguel Pereira havia apontado para a existência de “íntimas afinidades artísticas, que compensam profundas dessemelhanças de temperamento” entre Portinari e Machado de Assis, localizando um ponto de convergência preciso no uso de um recurso como a deformação. Se as deformações do pintor moderno causavam escândalo, não se podia esquecer que “o clássico romancista também as empregou, a seu jeito, com mais cautela e reserva; que é, por exemplo, O alienista, essa obra-prima, se não uma audaciosa deformação apenas disfarçada pela limpidez da narrativa?”.10 Encomendadas em 1943, provavelmente para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil e inseridas posteriormente numa edição particular de quatrocentos exemplares, custeada por Castro Maya (1948),11 as ilustrações para o conto de Machado de Assis mostram um Portinari francamente deformador. Dando a sua leitura visual um tratamento nervoso e sumário, que afasta qualquer possibilidade de uma notação realista, o pintor propõe antes esboços que imagens definitivas, criando uma equivalência perfeita entre a instantaneidade gráfica da representação e o caráter tenso da narrativa de O alienista. A imagem de Simão Bacamarte, que abre o livro, é uma das mais significativas do 8 Ibid. 9 Ibid. 10 Ibid. 7 PEREIRA, Lúcia Miguel. “Machado de Assis e Portinari”. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 13 ago. 1944. 52 11 Para dados ulteriores sobre a edição do livro, vide: FABRIS, Annateresa. “Portinari leitor”. In: Portinari leitor. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 1996. 53
  • 28. conjunto, marcada que é por uma intensa deformação, bem como pela contraposição cromática e luminosa entre o branco e o preto, passíveis de serem vistos como símbolos da profunda contradição que agitava o alienista, cindido entre razão e desrazão. A interpretação cuidadosa que Portinari oferece do conto pode ser evidenciada por um outro índice significativo. Uma vez que para o doutor Bacamarte os seres humanos não passam de objetos científicos, destituídos de qualquer laivo de individualidade, nada mais acertado do que representá-los de maneira anônima e prototípica para melhor enfatizar o olhar que o alienista lança sobre a humanidade. Embora não realizado por encomenda de Castro Maya, um quarto conjunto de ilustrações de autoria de Portinari encontra-se em sua coleção. Tratase dos vinte e um desenhos de D. Quixote,12 nos quais o artista trabalha entre 1955 e 1956, atendendo a um convite de José Olympio. Não tendo sido entregues à editora por motivos não esclarecidos, os desenhos são adquiridos por Castro Maya pouco depois da morte de Portinari, ocorrida em fevereiro de 1962. Executados com lápis de cor, os desenhos destacam-se por uma intensa saturação cromática, que deita raízes em A primeira missa no Brasil (1948) e se espraia por Guerra e Paz (1952- 12 O conjunto original era formado por vinte e dois desenhos, mas um deles foi roubado em Paris em 1957. 54 Sancho Pança deitado Lápis de cor. C.1956. Sancho Pança servindo de diversão para os aldeões Lápis de cor. C.1956. D Quixote e Sancho Pança prosternados diante de mulheres a cavalo C.1956. Lápis de cor. D. QuixoteQueda de Sancho Pança e D Quixote C.1956. Lápis de cor. Sancho Pança dormindo no cavalo e venerado pelo povo Lápis de cor. C.1956. D Quixote dormindo, aldeões disputando Lápis de cor. C.1956. 1956), pela série Israel (1956) e por algumas experiências com a abstração geométrica ensaiadas naquele mesmo período. O registro adotado por Portinari é bastante diferente das interpretações propostas para os textos de Machado de Assis. Além de recorrer a um colorido vibrante, o artista se vale de um desenho freqüentemente ingênuo e simplificado, que lhe permite dar realce, de maneira eficaz, ao caráter irreal que permeia a narrativa de Cervantes. O exemplo mais significativo da interpretação do pintor reside, sem dúvida, no tratamento dado à figura de D. Quixote. Sintetiza em poucos traços um corpo ossudo, negro e vermelho, que mais parece um inseto, encimado por um rosto de olhos arregalados, com cabelos, barba e bigode em total desalinho, para simbolizar o estado de devaneio em que vivia o fidalgo. *** Diante da variedade de registros estilísticos exibidos pelas obras de Portinari que integram a coleção Castro Maya, cabe uma pergunta: é possível falar numa linguagem portinariana? Afinal, o quê há em comum entre o classicismo do Retrato de Raymundo Ottoni de Castro Maya, a deformação de O sapateiro de Brodósqui, a rarefação de Lavadeiras, a abstração de Morro no 11, o sintetismo das ilustrações para as obras de Machado de Assis, o caráter sumário e grotesco dos desenhos preparatórios para o Purgatório da capela Mayrink (1944), o registro realista de Cena rural (1954) e a notação quase desmaterializada 55
  • 29. à inteligência pura a inteligência do coração, mais impura, porém mais vertical e sensível também”.16 Quanto aos segundos, o crítico refuta a idéia de que exista qualquer “analogia séria entre Portinari e Picasso”. O artista brasileiro, a seu ver, “introduz na solução de composição cubista elementos novos, totalmente seus. A começar por um profundo sentimentalismo a animar o esquema geométrico. E mesmo este esquema se prende mais às construções clássicas do que às de Picasso”.17 de Iemanjá (1959), por exemplo? Uma primeira resposta pode ser buscada em Mário de Andrade, o qual, em 1939, destacava as duas características principais da personalidade do pintor: “a enorme riqueza técnica e a variedade expressional”. “Artista somado a artesão”, Portinari é apresentado como um incansável experimentador de tradições e princípios técnicos, um refazedor de soluções alheias, movido pelo intuito de captar aquelas “partículas de verdade que se despargem no mar da criação humana”. Diante da “multiplicidade de soluções estéticas diversas que a sua obra apresenta”, o escritor descarta a hipótese de que exista nela “qualquer influência que seja fundamental e permanente”. Prefere, ao contrário, bosquejar o perfil de um artista que “refaz a experiência pressentida, conformando-a aos elementos e caracteres que lhe são pessoais, à essencialidade plástica, ao tradicionalismo, ao realismo, ao lirismo, ao nacionalismo tão fortes da sua personalidade. É, como raríssimos, o ambicioso de acertar, o insaciável da verdade plástica, ao mesmo tempo que, orgulhoso da sua arte, é por contraste um antiindividualista dotado de uma psicologia popular e tradicionalista fundamental”.13 Na mesma linha de pensamento insere-se a reflexão crítica de Sérgio Milliet, defensor extremado do virtuosismo portinariano: “O pintor é capaz de produzir um retrato renascentista com a mesma perfeição com que executa uma cabeça expressionista. A censura me parece deslocada, pois não sei como censurar a um artista o conhecimento de seu ofício. Não sei como profligá-lo por dominar seu instrumento de trabalho. E esse domínio é sem dúvida uma característica da arte de Portinari. Não há segredo que ele ignore e de alguns tira efeitos incríveis”.14 O fato de o crítico reconhecer que Portinari “não traz uma originalidade absoluta” não se reveste de aspectos negativos. Se, por vezes, há em suas obras “cacoetes” do “falar moderno”, o que importa de fato é que sua pintura é portadora de “uma sensibilidade diferente da sensibilidade européia. E é pela conciliação de uma forma universal com um fundo especificamente brasileiro que sua personalidade se afirma”.15 O que Milliet entende por “uma sensibilidade diferente da sensibilidade européia” pode ser demonstrado pelo confronto que estabelece entre Portinari e Picasso por ocasião da inauguração da série dos Profetas na Rádio Tupi de São Paulo (1944) e ao analisar in loco os afrescos do Ministério da Educação e Saúde (1946). A inegável sugestão de Guernica (1937), no caso dos painéis bíblicos, não impede que sejam “muito mais humanos e de inspiração mais possante. O artista conseguiu introduzir nos hieróglifos picassianos e na geometria cubista uma essência poética que apenas se vislumbra no pintor espanhol. Seria mesmo possível afirmar que Portinari substituiu 13 14 MILLIET, Sérgio. Diário crítico. São Paulo: Martins/EDUSP 1981, v. VI, p. 247. , 15 56 ANDRADE, Mário de. Op. cit., p. 123-25. Id., p. 246. Iemanjá. Bico-de-pena. 1959. Pintor cuja linguagem é uma síntese das soluções propostas por cubistas e expressionistas, às quais acrescentou “um sotaque brasileiro bem acentuado”, Portinari está dentro do estilo de sua época, o que explica a opção por “cortes, composições, deformações e sínteses comuns a Picasso, Braque, Rouault e outros grandes mestres europeus. Estranhar essa coincidência formal fora o mesmo que se surpreender com o parentesco existente entre os pintores do Renascimento. Os homens de uma época falam naturalmente a linguagem de sua época. Onde se diversificam é na sua refração particular”.18 No cerne das análises de Mário de Andrade e Sérgio Milliet reside uma concepção de arte moderna que 16 MILLIET, Sérgio. Op. cit., v. I, p. 203. 17 MILLIET, Sérgio. Op. cit., v. IV, p. 37-38. 18 247. MILLIET, Sérgio. Op. cit., v. VI, p. 246- 57
  • 30. a história do fauvismo e aquela do cubismo revolucionário, dos primórdios às experiências com os papiers collés.21 Não é, portanto, com a arte moderna que Portinari irá defrontar-se em Paris, mas com uma arte de caráter realista, profundamente ancorada numa expressão nacional (pouco importa quão falsa), que privilegiava o desenho em detrimento da sensualidade da cor. Se, a partir desse quadro de referências, é possível compreender por que Mário de Andrade e Sérgio Milliet não se mostram partidários do mito de uma arte original e por que o primeiro faz referência ao antiindividualismo de Portinari, é igualmente possível perceber como as principais diretrizes do Modernismo pictórico acabam por convergir com os postulados da volta à ordem, alicerçada num código realista e na defesa de uma linguagem nacional. não pode ser reportada à ideologia das vanguardas históricas e sim ao trabalho de normalização e de reafirmação de uma visualidade de caráter realista, empreendido por aquele complexo fenômeno denominado volta à ordem. A Paris, para a qual Portinari se dirige em 1929, é uma cidade profundamente penetrada de uma concepção de arte nacional e realista e voltada para a defesa de uma “ordem clássica” cujos avatares são Rafael, Ingres e Cézanne. Se bem que alguns questionamentos dos alcances das vanguardas tivessem se manifestado antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial por parte de artistas como Picasso, Severini ou Matisse, em 1917 começa a perfilar-se uma atitude de defesa da “verdadeira e profunda tradição pictórica” nacional, com a conseqüente desqualificação do cubismo como uma “escola artificial de origem estrangeira”, que havia fingido dar continuidade ao trabalho de Cézanne.19 Em nome da ordem clássica, que se confunde com o espírito criador francês, são colocados sob suspeita todos aqueles artistas que, desde o impressionismo, haviam abdicado do contorno e, portanto, do desenho: Monet, Renoir, Bonnard, Matisse, entre outros. A recuperação de Rafael e do Ingres acadêmico é acompanhada pela divulgação, em 1919, do cubismo clássico de Braque, que acaba por ser considerado a expressão francesa moderna por excelência. O que Braque mostra na exposição de março de 1919 são quadros que retomam aquele que Pierre Daix denomina cubismo decorativo anterior a 1914, caracterizado pelo intimismo e pelo refinamento técnico, praticamente desconhecido do público em virtude do seqüestro das propriedades de seu galerista, Daniel Kahnweiler.20 Esses elementos devem servir de instrumental crítico na análise não só de Portinari, mas de toda a primeira geração modernista que busca sua formação em Paris, pois apontam para um quadro cultural dominado por um debate totalmente avesso à problemática suscitada pela modernidade estética, desde a negação do referente até a proclamação da autonomia da arte. Como pretender, como faz uma certa crítica contemporânea de viés formalista, a compreensão, por parte dos artistas brasileiros, dos postulados de um código estético que era contestado e cujas obras não tinham À transformação do classicismo cubista em negação de todas as conquistas modernas é paralela a construção mítica de uma linha artística francesa, na qual são incluídos os nomes de Fouquet, Poussin, Le Nain, Chardin, David, Ingres, Corot e Cézanne, da qual Braque era um legítimo herdeiro naquele momento. O clima nacionalista que imperava na França do primeiro pós-guerra está também na base da liqüidação das obras de arte moderna confiscadas a Kahnweiler e Wilhelm Uhde, entre 1921 e 1923. Mais de novecentos quadros de Braque, Derain, Léger, Van Dongen, Vlaminck, Picasso, Gris, Friesz são colocados à venda, por preços freqüentemente irrisórios, provocando uma crise no mercado de arte e abalando as cotações de diversos artistas ativos entre 1906 e 1914. Desse modo, a revolução da arte moderna, que havia tido lugar na França no começo do século XX, é colocada entre parênteses e expurgada das apresentações públicas, sonegando-se às novas gerações 19 120. 20 58 DAIX, Pierre. L’ordre et l’aventure: peinture, modernité, repression totalitaire. Paris: Arthaud, 1984, p. Id., p. 121, 123. D Quixote Cavaleiro Andante Lápis de cor. C.1956. 21 Id., p. 127-129. 59
  • 31. visibilidade pública? GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO JORNAL A GAZETA Governador Renato Casagrande Diretor Geral Carlos Fernando Lindenberg Neto Vice-Governador Givaldo Vieira Diretor Executivo de Mídia Impressa Álvaro Moura Secretário de Estado do Governo Tyago Hoffmann Assessora de Relações Institucionais Maria Alice Paoliello Lindenberg Secretário de Estado da Educação Klinger Marcos Barbosa Alves Gerente de Comunicação Empresarial Letícia Paoliello Lindenberg de Azevedo Um outro elemento deve ser levado em consideração para compreender as várias escolhas estilísticas de Portinari, uma vez que sem ele o quadro referencial proposto resultaria incompleto. Trata-se de sua relação com a história da arte, numa atitude que não remete à sua formação acadêmica, e sim ao interesse despertado pelo comportamento livre e declarado de Picasso em relação às fontes do passado. Ao recorrer à citação de obras do passado, ou ao refazer telas famosas de Velázquez, Poussin, Courbet, Manet, o pintor espanhol opera uma tradução para o próprio estilo, que não pode ser considerada nem interpretação nem cópia. Como demonstra Argan, Picasso acredita que toda obra de arte é dotada de um núcleo vital que não se modifica, mesmo se é mudada a maneira ou a linguagem com a qual é expresso. Por isso, não é o passado que condiciona sua obra, mas justamente o inverso: é Picasso quem “subtrai a obra de Velázquez do imóvel so-sein do passado e a apresenta numa versão atual, que comprova sua inextinta vitalidade”.23 Secretário de Estado da Cultura Mauricio José da Silva PREMIUM MARKETING PROMOCIONAL Subscretário de Estado da Cultura Joelson Humberto Fernandes Diretora Executiva Roberta Moura Espaço Cultural Palácio Anchieta Áurea Lígia Miranda Gerente Comercial Bruno Bourguignon INSTITUTO SINCADES Gerente de Conteúdo Ana Isabella Almeida Faria Presidente Idalberto Moro Coordenadora de Comunicação Mariana Ribeiro Gerente Executivo Dorval Uliana Atendimento Marcella Moysés O mesmo pode ser dito do pintor brasileiro, cuja multiplicidade de registros, apesar da descontinuidade e do hibridismo das soluções, alicerça-se num substrato claramente definido. Embora o ilustrador de Machado de Assis pareça buscar, em vários momentos, um registro anti-realista, não se pode esquecer que Portinari é um artista fundamentalmente realista, interessado na configuração de uma iconografia nacional, havendo uma relação íntima entre os temas escolhidos e suas concepções pictóricas. A coleção Castro Maya pode ser considerada uma síntese bastante expressiva dessa linha dominante de Portinari, pois permite perceber o que é de fato determinante em sua linguagem: o domínio da estrutura plástica da composição. Coordenadora de Programas e Projetos Ivete Paganini Produção e Logística Leda Almada Coordenador de Projetos Danilo Pacheco Direção de Arte Iana Effgen Costa Jornalista Silvana Sarmento Costa Redação Natália Ton Alves Analista de Projetos Lívia Caetano Brunoro Assessoria de Imprensa Alessandra Barbosa Assistente de Projetos Patrícia Soares Mídia Thiago Moraes No caso específico do Brasil, deve-se ainda levar em consideração o caráter precípuo de seu processo de modernização, feito à revelia da Revolução Industrial, da qual se originam, em grande parte, as principais características da arte moderna: desestruturação do objeto, desinteresse ou abandono do motivo exterior, busca do transitório e do instável. Sem viver de perto esse fenômeno fundador, a sociedade brasileira acaba por aderir de maneira problemática à modernidade, gerando, no campo artístico, um fenômeno que Sergio Miceli denomina “um híbrido com feição toda sua, misto de deglutição do alheio e antena da sociabilidade nativa”.22 22 23 60 MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 194. ARGAN, Giulio Carlo. “L’arte e la storia”. In: Arte e critica d’arte. Roma-Bari: Laterza, 1984, p. 83-84. 61
  • 32. Presidência da República Dilma Rousseff Cristina Maria de Almeida Pfaltzgraff Rita de Cássia Braga Bispo Ministra da Cultura Marta Suplicy Ficha técnica da exposição no Palácio Anchieta – Vitoria - ES Curadoria Anna Paola Baptista Presidente do Instituto Brasileiro de Museus Angelo Oswaldo MUSEUS CASTRO MAYA Diretora Vera Maria Abreu de Alencar Assessora Técnica Denise Grinspum Assessor Administrativo Roberto de Almeida Bispo Acervos Coordenadora - Vivian Horta Denise Maria da Silva Batista Denise Taveira Couto Norma Marotti Fairbanks Virgílio Luiz Gonzaga Junior Administração (Museu da Chácara do Céu) Adalberto Carlos Porto Carlos Henrique Prestes Falcão Joel Marinho de Oliveira Marco Antonio da Silva Correia Vera Lúcia Palmeira Ramos Adilson Alves Paes Gladstone Mendes Rodrigues Isaias José Martins Jorge Luiz Ferreira Guimarães José Angelo Rodrigues de Almeida José Carlos Baptista da Silva Manoel Martins Rezende Maria de Fátima Jacuru Penedo Melquides Latino da Silva Paulo Roberto Alves da Silva Sinval do Carmo Santos Produção Executiva Roberto Padilla Coordenação Geral Regina Rosa de Godoy e Bruno Lopes Produção Executiva Regina Rosa de Godoy e Roberto Padilla Consultoria Artística Cézar Prestes Museologia Coordenação de Acervos Museus Castro Maya Projeto Museográfico Luciano Cavalcanti de Albuquerque Iluminação Antonio Mendel Execução Cenográfica e Montagem da Exposição Fabricio Coradello e equipe Assessoria de Imprensa MCAtrês Assessoria de Comunicação e Marketing Administração Celeste Bartoletti Assistente de produção Patrick de Oliveira Correa e Flavia Godoy Assistente de Projeto Thiago Gonçalves Transporte das obras Art Quality Administração (Museu do Açude) Coordenador - Cláudio Ferreira Marques Ana Lucia Menezes Fernandes de Souza Antonio Carlos dos Santos Fabíola Lemos d’Angelo Leonardo Gomes de Almeida Luiz Salviano da Silva Comunicação Social (Museu da Chácara do Céu) Coordenadora - Anna Paola Pacheco Baptista Fernanda Santana Rabello de Castro Luciano Cavalcanti de Albuquerque Ozias de Jesus Soares Comunicação Social (Museu do Açude) Coordenador - Paulo Sérgio Moraes de Sá 62 Seguro das obras Affinité/ACE Produção R. Godoy Marketing e Cultura e Artepadilla Catálogo Coordenação Editorial Anna Paola Baptista Fotos Jaime Aciolli, Vicente de Mello Produção R. Godoy Marketing e Cultura e Artepadilla