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DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 1
CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”
Departamento de História e Geografia
DIALOGUS
Revista das Graduações em Licenciatura em
História e Geografia
ISSN 1808-4656
DIALOGUS	 Ribeirão Preto	 v.5, n.1	 p.1-367	 2009
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 2
CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”
Chanceler
Prof. Nicolau D. Spinelli
Reitor
Prof. João Alberto de Andrade Velloso
Vice-reitor
Sr. Carlos Cesar Palma Spinelli
Pró-Reitoria de Acompanhamento e Registro Acadêmico
Profa. Dra. Dulce Maria Pamplona Guimarães
Pró - Reitoria de Pós - Graduação, Extensão e Práticas Investigativas
Profa. Dra Joyce Maria W. Gabrielli
Pró- Reitoria Acadêmica
Dr. Valter de Paula
Pró-Reitoria de Ensino
Profa. Ms. Maria Celia Pressinatto
Pró - Reitoria Administrativa
Sr. Paulo Sérgio C. Zucoloto
Diretores de Ensino
Prof. Ms Marcelo Zini e Prof. Dr. Ricardo Miranda Lessa
Diretor Administrativo
Sr. Antônio Augusto Dinamarco
Comissão Pedagógica
Profa. Ms. Dulce Aparecida Trindade do Val e Profa. Sara Maria Campos Soriani
Coordenadora das Graduações em Geografia e História
Profa. Ms. Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa
Comissão Editorial
Prof. Ms. Humberto Perinelli Neto, Prof. Dr. Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula Lopes,
Profª. Ms. Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa, Prof.Ms. Gabriel Vendruscolo de Freitas
Conselho Editorial
Publicação Anual/Publication
Solicita-se permuta/Exchange desired
DIALOGUS
Rua Ramos de Azevedo, n. 423, Jardim Paulista
CEP: 14.090-180 – Ribeirão Preto / SP
DIALOGUS (Departamento de História e Geografia – Centro Universitário “Barão de Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, 2009.
2009, 5 – 1
ISSN 1808-4656
Capa: “Estação Barracão” - Ribeirão Preto - SP - 2009. Arquivo Pessoal de Michelle Cartolano de Castro Ribeiro.
Andrea Lastória Coelho (USP/Ribeirão Preto)
Antônio Carlos Lopes Petean (CEUBM)
Antonio Aparecido de Souza (CEUBM)
Beatriz Ribeiro Soares (UFU)
Cenira Maria Lupinacci Cunha (PUC/MG)
Charlei Aparecido da Silva (UFGD/Dourados)
Cicero Barbosa de Freitas (CEUBM)
Dulce Maria P. Guimarães (UNESP/Franca)
Edvaldo Cesar Moretti (UFGD/Dourados)
Fábio Augusto Pacano (CEUBM)
Fábio Kazuo Ocada (CEUBM/UNESP/Araraquara)
Francisco Sergio B. Ladeira (Unicamp)
Ivan Aparecido Manoel (UNESP/Franca)
Jorge Luis Silva Brito (UFU)
José Luís V. Almeida (UNESP/S.J.Rio Preto)
Lélio Luiz de Oliveira (UNESP/Franca)
Marcos Antônio Silvestre Gomes (UFA/Arapiraca)
Maria Lúcia Lamounier (USP/Ribeirao Preto)
Nainora Maria Barbosa de Freitas (CEUBM)
Robson Mendonça Pereira (UEG/Anápolis)
Ronildo Alves dos Santos (USP/Ribeirao Preto)
Sedoval Nardoque (UFGD)
Silvio Reinod Costa (CEUBM)
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes (CEUBM/CUML)
Taciana Mirna Sandrano (UFMT/Cuiabá)
Vera Lúcia Salazar Pessoa (UFU)
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 3
Apresentação
Apresentar mais um número da revista DIALOGUS é sempre
motivo de satisfação e orgulho para o Centro Universitário Barão de Mauá.
Não só porque continua revelando o trabalho primoroso da coordenação e
dos docentes dos cursos de História e Geografia, capazes de levar a cabo
com eficiência e dedicação esta empreitada como também por fazer circular
novamente um periódico de relevância social e científica.
As entrevistas que abrem a publicação contemplam autores con-
temporâneos consagrados da Geografia e da História.
Os artigos publicados carregam em si temáticas diversas e de
interesse indiscutível para todos nós educadores das Ciências Humanas
e Sociais.
O dossiê de religião e religiosidade discorre sobre questões do
período colonial e da atualidade. A educação é discutida nas dimensões
da imprensa e da família. Questões da epistemologia e da historiografia
são apresentadas por intermédio de dois estudiosos F. A. Von Hayek e
Júlia Lopes de Almeida, em artigos separados. Estudos geográficos e
históricos, regionais e locais se fazem presentes nas abordagens do clima,
propriedade da terra, espaços públicos / espaço urbano, café e indústria,
o caipira e o rural.
Um ensaio sobre literatura e três resenhas (de Antonio Carlos
Lopes Petean, sobre “O racismo explicado aos meus filhos” de Nei Lopes;
de Douglas Macedo sobre “O Atlas da mudança climática: o mapeamento
completo do maior desafio do planeta” de Kistin Down e Thomas Downing
e de Luis Guilherme Maturano e Vera Lúcia Santos Abrão sobre “Para
onde vai o pensamento geográfico? por uma epistemologia crítica de Ruy
Moreira)” encerram esta publicação que esperamos não só trazer um
repertório instigante de trabalhos já concluídos ou em andamento, como
também estimular a reflexão, a curiosidade e a necessidade de ampliar
conhecimentos.
Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 4
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 5
Apresentação do quinto volume
Com enorme satisfação apresentamos mais um número da re-
vista DIALOUS, o quinto, buscando manter a tradição de apresentar uma
gama de trabalhos que versam nas mais variadas temáticas e concepções
teorico-metodológicas.
A revista foi assumindo, de forma gradativa, o caráter em que
se encontra hodiernamente, sempre apresentando como traço definidor
o interesse interdisciplinar e a preocupação com os problemas sociais.
Nesse sentido, no cumprimento de sua vocação, a DIALOGUS continua a
acolher artigos, resenhas e ensaios que delineiem as divisões acadêmicas,
científicas e humanísticas.
Este periódico opta pelo desenvolvimento de cunho social ético,
exigindo assim um exame idôneo da realidade que se deseja transformar.
Daí o cuidado na construção dos dossiês, visando sempre uma temática
relevante, utilizando critérios objetivos na escolha dos mesmos.
Deixamos consignado um agradecimento aos professores José
Willian Vesentini e Pedro Paulo Funari pelas entrevistas concedidas sobre
temáticas polêmicas da sociedade e sua cultura neste começo de século.
A DIALOGUS se prepara para uma reformulação necessária à
adequação aos novos critérios de qualidade estabelecida pela Capes, uma
vez que sempre notabilizamos pela busca incessante de aprimoramento no
intuito de alcançar, para este periódico, a mais alta qualidade.
Comissão Editorial
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 6
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 7
SUMÁRIO/CONTENTS
Entrevista/Interview
Geografia, política e educação: Diálogos contemporâneos com José
Willian Vesentini
Geography , policy & education : dialogs contemporary with Joseph Willian
Vesentini
Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES p.15
Andreza França PIRONI
Um percurso, uma história: entrevista com o Prof. Dr. Pedro Paulo
Funari
A course , a history : interview with the Prof. Dr. Peter Paul Funari
Suzana Barretto RIBEIRO p.35
Ana Carla VANNUCCHI
Dossiê “Religião e Religiosidade”
sacrificium laudis: breve análise do rito de São Pio V e do Novo
Ordo Missæ de Paulo VI (1969-2007)
Sacrificium Laudis: An analysis of the Saint Pius V Rite and the New Ordo Missæ
of Paul VI (1969-2007)
Juliano Alves DIAS p.57
Os fundamentos religiosos da pequena propriedade no pensamento
católico: uma perspectiva histórica
The fundamental religious from small property into the Catholic thought:Ahistorical
perspective
Sérgio Campos Gonçalves p.81
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 8
Música protestante em Ribeirão Preto: a experiência presbiteriana
(1977-1989)
Music protestant in Ribeirao Preto: the presbyterian experience
Sérgio Paulo de Andrade PEREIRA p.95
Pestes e penúrias nos relatos jesuíticos do século XVI
Pestilences in 16th century Jesuit reports
Felipe Ziotti NARITA p.119
Artigos/Articles
Educação/Education
Inserçãosocialpelaeducação:Panoramasócio-históricodaimprensa
negra paulista
Social insertion for the education: Partner-historical panorama of the black press
of São Paulo
Sabrina Rodrigues Garcia BALSALOBRE p.133
Arelaçãofamília-escolanasociedadecontemporânea:Considerações
teóricas
The Family-School Relationship in Contemporaneous Society: Theoretical
Considerations
Taciana Mirna SAMBRANO p. 153
Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES
Epistemologia/Epistemology
Sobre “o caminho da servidão”, de Friedrich August Von Hayek:
uma filosofia da história e da liberdade no pensamento liberal
neoclássico
On “o caminho da servidão”, by Friedrich August Von Hayek: a philosophy of
history and freedom of thought in the liberal neoclassical
Caio Graco Valle COBÉRIO p.175
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 9
Julia Lopes de Almeida: acaso ou descaso da historiografia?
Julia Lopes de Almeida: fortune or carelessness from historiografia
Deivid Aparecido COSTRUBA p.197
Geografia/Geography
Proposta de elaboração do gráfico de eventos climáticos
Proposal of preparation of the graph of climatic events
André Geraldo BEREZUK p.207
João Lima SANT´ANNA NETO
Desmandos e disputas no extremo noroeste paulista: Revisão dos
episódios relevantes na luta pela terra
Malpractice and disputes in the far (extreme) northwest of Saint Paul: review of
relevant episodes in the struggle (fight) for land
Paulo Henrique de SOUZA p.225
Marta Maria Pereira de SOUZA
Ribeirão Preto-SP: A dinâmica dos espaços públicos na produção do
espaço urbano
Ribeirão Preto-SP: the public spaces in the urban space production
Marcos Antônio Silvestre GOMES p.255
História/History
O rural e a nação na república
Rural and Nation In the Brazilian Republic
Marcus DEZEMONE p.277
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 10
Ouniversocaipira:PermanênciasepluralidadesnaregiãodeRibeirão
Preto/SP (1930/1970)
The universe caipira: pluralidades stays in the region of Ribeirão Preto / SP (1930
/ 1970)
Rodrigo de Andrade CALSANI p.299
Tiago Silva GIORGIANNI
Café e indústria em Ribeirão Preto: O caso da electro-metallúrgica
brasileira S.A. (1921 – 1931)
Coffee and industry in Ribeirão Preto e indústria em Ribeirão Preto: the case of
“Electro-Metallúrgica Brasileira S.A.” (1921 – 1931)
Paulo Henrique Vaz Lara p.319
Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA
Ensaio/Analysis
FILHO, Domício Proença. Pós-modernismo e literatura. São Paulo:
Ática, 1995.
Debora Luiza MESQUITA p.339
Resenha/Review
LOPES, Nei. O Racismo Explicado aos meus Filhos. São Paulo: Editora
Agir, 2007.
Antonio Carlos Lopes PETEAN p.345
DOW, Kirstin; DOWNING, Thomas. O Atlas da mudança climática: o
mapeamento completo do maior desafio do planeta. São Paulo: Publifolha,
2007.
Douglas MACEDO p.349
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 11
MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? : por uma
epistemologia crítica. 1ª ed., São Paulo: contexto, 2008.
Luis Guilherme MATURANO p.353
Vera Lúcia Santos ABRÃO
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 12
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 13
Entrevista / Interview
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 14
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 15
GEOGRAFIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO:
DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS COM JOSÉ WILLIAN
VESENTINI.
Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES1*
Andreza França PIRONI2**
Contextualizar o espaço no seu sentido mais amplo, abarcando
seus aspectos político, econômico e social, hodiernamente, torna-se uma
tarefa extremamente complexa, uma vez que, ancorados no processo
de globalização e na efemeridade social, concepções são construídas,
destruídas e reconstruídas em uma velocidade nunca presenciada antes.
Com efeito, para discutir este momento convidamos o professor
José Willian Vesentini a compartilhar suas visões acerca da Ciência
Geográfica, política e dos processos educacionais atuais.
José William Vesentini é Livre Docente em Geografia Política
e Professor de Pesquisador no Departamento de Geografia da FFLCH
da Universidade de São Paulo. É autor de vários livros didáticos (todos
editados pela Ática e que representam uma renovação neste setor) e
acadêmicos (publicados por várias editoras), entre os quais “A Capital da
Geopolítica” (Ática, 1987), “Novas Geopolíticas” (Contexto, 2000), “Nova
Ordem”, “Imperialismo e Geopolítica Global” (Contexto, 2003), “O ensino
da Geografia no século XXI” (coletânea de textos de vários autores, editora
Contexto, 2003).
* Geógrafo, Especialista em Política e Estratégia, Doutor em Educação Escolar pela
UNESP, campus de Araraquara. Professor Titular do Centro Universitário Barão de Mauá.
Pesquisador do GPESPE (Grupo de Pesquisa e Estudo em Estado, Sociedade, Política e
Educação – IE/UFMT).
**Graduanda em Geografia pelo Centro Universitário Barão de Mauá.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 16
DIALOGUS: Estamos diante de um mal-estar em relação ao
(plano) pensamento em geral, mais especificamente, daquele dotado
da razão iluminista enquanto base de fundamentação da dinâmica do
mundo contemporâneo. Tal crítica é comumente denominada de pós-
modernidade. Desse modo, qual a sua visão a respeito desse contexto?
Vesentini: Confesso que não vejo a situação cultural hodierna
como mal-estar. A idéia de um “mal-estar da civilização” [qual? como se
só existisse uma!], foi uma temática muito freqüente no início do século
passado; ela contribuiu para o clima de pessimismo que possibilitou o
advento dos totalitarismos. Tampouco vejo o final da razão iluminista,
que a meu ver prossegue mesmo tendo sido reformulada em pelo menos
dois aspectos. Primeiro, pela enorme presença de outras racionalidades,
que ganharam espaço – ou deixaram de se retrair – no mundo atual:
a religiosidade e no extremo os fundamentalismos, os misticismos
(hipertrofiados pelo cinema e pela mídia) e os dogmatismos de vários
matizes. Elas sempre existiram. Mas ganharam uma maior aceitação com
a crise do marxismo e do socialismo real, com o avançar da globalização
e com o não equacionamento de velhos problemas – tais como a situação
do povo palestino, as desigualdades internacionais e a miséria, que apesar
de ter diminuído na escala mundial em termos absolutos e relativos nas
últimas décadas continua sendo um tema estratégico exatamente pela
globalização e formação embrionária de uma sociedade mundial –, fatos
que engendraram um vazio de ideologias e um clima de pessimismo.
Segundo, pela mudança de telos, de objetivos. O racionalismo atual não
está mais ligado ao mito de um progresso infinito, ao menosprezo pela
natureza.Tampoucoaumidealúnicoparaahumanidade–sejaasociedade
positiva, seja o socialismo mundial. Existe agora a incorporação da questão
dos Outros, de outras racionalidades, outros ideais quanto ao futuro. Ipso
facto, não entendo a pós-modernidade como superação da racionalidade
iluminista e sim como certa continuidade. Não uma continuidade linear,
evidentemente, mas talvez a única possível após a descoberta da biosfera
com os seus limites tangíveis, após a falência da ideologia do progresso,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 17
após os horrores dos totalitarismos (nazista e stalinista) no século
XX. Enfim, após a derrocada daquilo que Hannah Arendt denominou
“substituição da política pela história”, operada tanto por Hegel como
por Marx, ou seja, a crença [o uso deste termo aqui é proposital] numa
lógica da história, numa teleologia consubstanciada seja pela Razão seja
pelo desenvolvimento das forças produtivas. Encaro o pensamento pós-
moderno como pluralista e por esse motivo democrático, ao contrário do
iluminismo clássico, pelo menos em algumas de suas vertentes (as mais
populares), que era unívoco e acreditava numa progressiva “iluminação”
das trevas (religião, ideologias, mitos e até o senso comum) pela ciência
moderna. Era cientificista enfim, algo que o pensamento pós-moderno
não é. Mas isso não significa que a ciência tornou-se secundária e sim
que se deixou de lado aquele mito do “progresso” – ou qualquer tipo de
evolução linear – reproduzida pelo positivismo e também pelo marxismo,
a crença numa cientifização da sociedade e da cultura. Assim sendo,
não compartilho aquela desconfiança – até mesmo denúncia – da razão
iluminista nos moldes da Escola de Frankfurt [embora os seus herdeiros
nos dias de hoje, como Habermas, sejam intransigentes defensores da
racionalidade moderna e da democracia], isto é, daqueles autores que
vivenciaram de perto o totalitarismo e a Segunda Guerra Mundial (Adorno,
Horkheimer, Marcuse). Penso que o ideal kantiano de uma racionalidade
que conduza os indivíduos e a humanidade à autonomia – a idéia de crítica
como realização do Aufklärung, como superação com subsunção e ao
mesmo tempo engajamento num projeto de libertação – continua atual.
Nesse sentido, faço minhas as seguintes palavras do escritor Francis
Wheen:
“A nova batalha será entre o melhor do legado do Iluminismo
(racionalismo, empirismo científico, separação da Igreja e do
Estado) por um lado e, do outro, várias formas de obscurantismo
e relativismo destituído de valores, freqüentemente mascarado
como ‘antiimperialismo’ ou ‘antiuniversalismo’ - para dar um
verniz atraente radical a atitudes profundamente reacionárias”.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 18
DIALOGUS: Nessa linha, acerca dos problemas do mundo
contemporâneo, a crítica pós-moderna também emergiu a concepção de
um “novo paradigma”, uma nova forma de observar a realidade. Desse
modo, em sua opinião, isso afetou a Geografia no que tange aos conceitos
de lugar, região e organização espacial?
Vesentini: Não sei se o pensamento pós-moderno tem ou
pretende constituir um “novo paradigma”. Creio que isso é mais uma
idéia meio jornalística ou de propaganda científica, engendrada no rastro
da história da ciência pensada por Thomas Khun com os seus juízos de
“ciência normal” e rupturas revolucionárias que dão origem a um novo
paradigma. Determinados autores – como Fritjof Capra, por exemplo –
que reproduzem essa idéia de um “novo paradigma” na verdade nem
são de fato pós-modernos, são mais jornalistas científicos, pessoas
preocupadas com a divulgação de uma visão holística da natureza,
do sistema planetário. São importantes sim, com trabalhos relevantes
na área da difusão da ciência – e da necessidade de preservar o meio
ambiente – para o grande público, mas dificilmente poderíamos rotulá-
los de pós-modernos. A pós-modernidade na cultura, na filosofia e nas
ciências humanas [pois só aqui ela tem relevância; isso não existe nas
ciências naturais] é antes de tudo pluralista. Admite múltiplas verdades
– embora, diferentemente do relativismo puro e simples, essas verdades
podem ser confrontadas, podem ser complementares ou opostas, podem
ser falseadas ou confirmadas provisoriamente pelo confronto com a
realidade.
No que toca à questão do lugar, na geografia, existe mesmo
um quase predomínio da fenomenologia, do lugar enquanto espaço de
vivência e de percepção. Isso é relativamente novo e importante, mas
não é necessariamente pós-moderno (a não ser que seja complementado
por outros olhares, outras formas de enxergar o lugar). Por sinal, não
compartilho com aqueles que, na trilha do antropólogo Marc Augé,
enxergam “não-lugares” nos shopping centers, aeroportos, determinados
bairros (superquadras) etc. Uma visão preconceituosa. São lugares sim,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 19
com história e principalmente sociabilidade: basta ver a importância de
determinados shopping centers para os jovens, ou pelo menos para um
determinado tipo deles, e basta ver a importância social dos aeroportos
para quem trabalha por lá.
Quanto à região sem dúvida que existe hoje uma leitura pós-
moderna do tema. Exemplificando com o Nordeste brasileiro, podemos
dizer, simplificando, que existem três leituras. A primeira, tradicional e
lablachiana, encara a região como um “dado” (da natureza e também
da cultura, da interação de uma comunidade com o seu meio, deixando
marcas: obras, estradas, campos de cultivo, cidades, uma certa economia
regional e um certo modo ou gênero de vida). A segunda, eminentemente
moderna, vê a região como produto da divisão territorial do trabalho, uma
economia regional também [a cultura aqui é tão-somente um subproduto]
embora forjada não propriamente por elementos internos e seculares (a
comunidade e seu meio ambiente) e sim pela propagação do capitalismo,
que se expande e reorganiza a região. E a terceira, pós-moderna, entende
que região Nordeste é uma “invenção” ou uma “construção”, não no
sentido de construção econômica ou apenas material e sim como projeto
de dominação. Em suma, é um ponto de vista como diria Hartshorne, mas
não um ponto de vista meramente subjetivo e sim norteado por relações
de poder – daí a influência de Foucault. A pós-modernidade enfatiza mais
a política – ou melhor, as relações de poder – do que a economia, do que
o modo de produção. Ela vem se expandindo na geografia, embora nesta
exista a coexistência do tradicional com o moderno e com o pós-moderno.
Não existe um paradigma único e tampouco apenas um “novo paradigma”.
Existe a meu ver complexidade e não uma dicotomia simplista entre um
velho e um novo paradigma.
DIALOGUS: À medida que adentramos no século XXI, quais os
aspectos mais significativos que você constatou em termos de políticas
educacionais?
Vesentini: De forma bem resumida podemos dizer que vivemos
a transição de uma escola conteudista para outra cujo escopo não é
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 20
reproduzir conteúdos (nem mesmo conceitos) e sim contribuir para
desenvolver nos educandos determinadas competências, inteligências
múltiplas, habilidades e atitudes democráticas. Isso não significa que
os conteúdos (e no seu interior os conceitos) sejam dispensáveis e sim
que eles deixam de ser a finalidade da atividade educativa (o saber isto
ou aquilo, o assimilar este ou aquele conceito ou informação) para se
tornarem um meio, um instrumento. Muitos equivocadamente vêem essa
mudança como a implementação de uma escola construtivista, ou sócio-
construtivista,ouperrenoldiana,ououtracoisaqualquerligadaaalgumautor
ou corrente de pensamento. Puro idealismo. Sem dúvida que educadores
como Piaget, Vygotsky, Gardner ou Perrenoud, dentre outros, são
importantes e deram cada um à sua maneira contribuições para esta nova
escola. Mas ela vai além de suas idéias. Não é rigorosamente piagetiana
(embora incorpore certos ensinamentos deste), nem vygotskiana (idem),
nem gardneriana (idem) e muito menos perrenoldiana (idem), mas algo
que vai além do conjunto deles todos mesmo os subsumindo (ao menos
parcialmente). No fundamental, esta nova concepção de escola deriva
das mudanças históricas da nossa época, das necessidades do nosso
tempo. É a escola para o século XXI. Em outras palavras, é a escola para
a terceira revolução industrial – que reordena de forma radical o mercado
de trabalho, exigindo agora pessoas que saibam pensar por conta própria,
que se reciclem constantemente, que saibam trabalhar em equipe, que
sejam criativas, sendo secundários o diploma e os macetes de uma dada
profissão. É o sistema escolar apropriado ao mundo globalizado, no qual
se expande as idéias de “direito ambiental” e principalmente de “direitos
do homem” – não confundir com “direitos do cidadão” [nacional] –, isto é,
de todos os seres humanos independentemente do lugar onde nasceram.
Também é a escola para o mundo no qual quase todas as sociedades se
tornam cada vez mais multiétnicas e multiculturais (daí a necessidade de
as pessoas aprenderem a conviver com os Outros), advindo disso tudo a
necessidade de uma nova democracia. Talvez a obra que melhor retrate
isso, pelo menos até o momento, é o trabalho coletivo organizado pela
Unesco, Educação, um tesouro a descobrir.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 21
DIALOGUS: Qual é a relação entre cultura, poder e economia na
educação e na sociedade em geral? Existe, em sua opinião, uma relação
entre pobreza e educação?
Vesentini: É óbvio que existe essa relação. Isso nem é mais uma
questãodeopiniãoesimalgojáexaustivamentedemonstradoporinúmeras
pesquisas empíricas. Nada é mais importante para o futuro de uma
sociedade – isto é, para o seu “desenvolvimento” – do que a qualidade do
seu sistema escolar. Vários especialistas de inúmeras áreas da filosofia ou
das ciências asseguraram que o ensino é a chave para o desenvolvimento
econômico e social sustentável. Não cabe aqui uma série de citações para
comprovar essa obviedade. Todavia, não se pode negligenciar que até
mesmo alguns eminentes economistas – sempre estereotipados como
aqueles que só enxergam a produção material independentemente de
suas conseqüências ambientais ou sociais! – concluíram que um ensino
de qualidade amplamente generalizado, direcionado para a formação de
cidadãos ativos, é o elemento essencial para um desenvolvimento efetivo.
Paramencionarapenasdoisexemplos,podemoslembrarqueAmartyaSen,
prêmio Nobel de economia em 1998, reiterou que o desenvolvimento não
apenas pressupõe, como se imaginava, mas “é um processo de expansão
das liberdades” [liberdades democráticas, isto é, cívicas, políticas,
sociais, culturais, ambientais, dentre as quais o direito à educação de
qualidade]. Outro prêmio Nobel de economia (em 1973), Douglass North,
já havia concluído de forma taxativa que “inovação, economias de escala,
educação de qualidade, acumulação de capital, etc., não são causas do
crescimento. Eles são o desenvolvimento”.
Quanto ao poder, é evidente que na sociedade moderna, mesmo
no Brasil atual, ele não decorre apenas – por sinal, nem principalmente –
da riqueza material. Ele decorre do status [é por isso que políticos e outras
autoridades quase sempre se enriquecem e principalmente adquirem
maior poder de influência através da posse de meios de comunicações],
que em grande parte vem da educação no sentido amplo do termo (não
confundir com diploma). Os gregos da antiguidade, que inventaram a
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 22
política, já sabiam que o “saber falar”, o saber se expressar corretamente
– por favor, não confundam isso com regras de gramática –, isto é, saber
convencer, é condição primordial para o exercício do poder.
DIALOGUS: Qual sua opinião acerca dos currículos nacionais
sobretudo o que preconiza a LDB e o proposto pelos PCNs, em especial,
o de Geografia?
Vesentini: Acho que na média – isto é, apesar de determinados
problemas ou lacunas aqui ou acolá – eles são bons, constituem um
avanço. Não podemos nem devemos ser idealistas ou platônicos naquele
sentido – muito comum no Brasil e naAmérica Latina, especialmente entre
os que se autointitulam esquerda – segundo o qual só o perfeito (o ideal)
é que serve, sendo que todo o resto é um retrocesso, é algo execrável
e estereotipado como “capitalista”, “neoliberal”, “reformista” ou qualquer
outro rótulo em voga no momento. Em função da realidade brasileira –
uma sociedade (e não apenas Estado) profundamente autoritária, diga-
se de passagem –, bem ou mal, apesar dos pesares, essas legislações
constituem avanços a serem defendidos e implementados (algo que
ainda não existe de fato). Devem sim ser aperfeiçoadas, mas antes de
tudo colocadas na prática, generalizadas, o que – repito – ainda não
ocorreu. Não existem ainda vários itens que a LDB preconiza, tais como
um mínimo de 12% do orçamento da União e 20% de cada Município
como gastos obrigatórios com educação, ou a generalização do ensino
elementar obrigatório para crianças com até 14 anos de idade. Quanto
aos PCNs, são no fundo quase uma cópia das diretrizes da Unesco para
o ensino do século XXI: preocupações mais com competências e atitudes
do que com conteúdos, interdisciplinaridade, temas transversais etc. São
relativamente semelhantes aos Standards norte-americanos elaborados
durante o governo Clinton, que em parte servia de inspiração para o
governo FHC no Brasil. [O governo Clinton elaborou esses Standards,
ou parâmetros, após alguns anos de discussões “de cima para baixo”,
a partir de escolas, professores, representantes de comunidades locais
e associações de profissionais (geógrafos, matemáticos, historiadores).
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 23
Depois as sugestões locais, através de representantes eleitos, foram
para deliberação em órgãos estaduais e finalmente federal. Apesar disso,
existe uma clara influência de certos escritos da Unesco nos Standards de
geografia, por exemplo, o único que conheço.] A LDB dá mais autonomia
para os Estados em detrimento das diretrizes federais.Aprincípio, levando-
se em conta as diversidades regionais do Brasil, isso é positivo. Mas sem
dúvida que os PCNs federais são muito melhores do que a atual proposta
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por exemplo, que
é extremamente conservadora (e conteudista, embora os conteúdos que
importem de fato sejam apenas os de matemática e português) e, mesmo
de forma talvez inconsciente, uma reprodução grotesca da proposta
educacional do governo George W. Bush nos Estados Unidos. Considero
muito bem feitos os PCNs de geografia para o ensino médio. Eles dão
orientações pertinentes e não trazem aquele rol de conteúdos que eram
usuais em nossas propostas curriculares federais ou estaduais. Já os
PCNs de 5ª à 8ª séries, elaborados por outra equipe, são bem tradicionais
e até mesmo destoam da orientação geral dos PCNs. Eles dão listas e até
detalhes de temas ou conteúdos a serem abordados em cada uma das
séries, algo ridículo frente a um ensino não conteudista e completamente
alheio à nossa realidade com grandes diversidades regionais. Mas já notei,
entrando no site do MEC na net, que deram um jeito de reformular esses
PCNs de geografia, que agora são de 6ª à 9ª séries, tirando aquelas listas
de temas ou conteúdos obrigatórios para esta ou aquela série e colocando
no lugar preocupações com o desenvolvimento do raciocínio geográfico
(algo que inicialmente não existia), com determinadas competências ou
habilidades etc. Ficou bem melhor.
DIALOGUS: Neste sentido, a nova alteração que objetiva
condensar as disciplinas em quatro amplas áreas de conhecimento
significa um avanço ou um retrocesso em relação ao contexto educacional
e à geografia escolar em especial?
Vesentini: No fundo, tudo depende de como isso será
operacionalizado. Existem apenas interrogações sobre essa pretensa
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 24
alteração. Mas vejo essa proposta – pois felizmente não passa disso –
com preocupação. Seriam quatro áreas: matemática, idiomas, ciências
naturais e ciências humanas. Entretanto, na medida em que não existem
nem podem existir cursos superiores de “ciências naturais” ou de “ciências
humanas” ou mesmo de “línguas” em geral (mas apenas de inglês,
português, alemão etc.), os professores são obrigatoriamente formados
em física, biologia, história, geografia, letras (com licenciatura em inglês,
francês ou espanhol), artes e por aí afora. Assim, como vai ocorrer na
prática essa suposta unificação dentro de cada área? O professor de
geografia vai lecionar “ciências humanas”? Ou será que ele vai lecionar
“ciências naturais”? E o professor de história (ou o de sociologia) vai
lecionar algo chamado “ciências humanas” ao invés de história? E como
fica nesse enquadramento esdrúxulo o professor de filosofia, já que esta
não é uma ciência humana e tampouco uma “ciência exata ou biológica”,
para usarmos a polêmica rotulagem oriunda do MEC? E o professor de
artes? E o de educação física? Como se vê, é uma divisão arbitrária que
não corresponde minimamente à complexidade das ciências ou mesmo –
o que é algo diferente – das disciplinas escolares.
Ao invés de uma reunião das disciplinas escolares em quatro
áreas – teoricamente para simplificar e incentivar a interdisciplinaridade
–, o ideal seria nortear o ensino para que ele seja menos conteudista e
mais voltado para desenvolver inteligências múltiplas, competências,
atitudes democráticas. Desenvolver a interdisciplinaridade, minimizar a
compartimentação entre as disciplinas, sem dúvida que é algo necessário.
Mas esse reagrupamento das disciplinas escolares em quatro áreas
não é a melhor forma de se fazer isso. Enfim, não creio que a simples
reorganização curricular em quatro áreas seja um avanço. Nem mesmo
que isso facilite a interdisciplinaridade. É mais uma idéia excêntrica
destinada ao fracasso e a uma vida curta, se é que vai ser implementada,
tal como tantas outras experiências malucas e perniciosas que já foram
tentadas – seja no nível federal ou estadual – nas últimas décadas no
Brasil.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 25
DIALOGUS: Neste contexto, a Geografia, enquanto ciência e,
mais especificamente, no âmbito escolar, poderá desaparecer?
Vesentini: Não creio nisso, pelo menos não no curto prazo. Na
verdade, esse “desaparecimento” – o uso das aspas logo será justificado
– das disciplinas escolares (e não apenas da geografia escolar) é algo
possívelparaumfuturorelativamentedistante,digamosdenomínimoumas
quatro décadas. Mas será um desaparecimento formal e não real, pois os
alunos talvez deixem de ter aulas de disciplinas separadas (matemática,
história, geografia, ciências) e passem a ter atividades interdisciplinares
do tipo “pensem em despoluir o rio que corta a sua cidade”, “reflitam sobre
as causas da criminalidade e as medidas para reduzi-la”, “projetem um
roteiro de férias com viagens pela Europa” etc. Mas para realizarem essas
atividades eles vão contar com a orientação de professores (de geografia,
matemática, história...), com mapas (sejam de papéis ou interativos
nos monitores), com computadores e suas redes, com estudos do meio
programados e com a supervisão de vários professores ao mesmo tempo
etc.
DIALOGUS: O senhor escreveu diversos livros didáticos.
Atualmente, o que pensa sobre os livros didáticos utilizados nas escolas,
em especial o que foi distribuído pelo poder público no Estado de São
Paulo, neste ano de 2009?
Vesentini: Na verdade o que foi distribuído nas escolas no
Estado de São Paulo não foram livros e sim apostilas. Apostilas com o
formato (e o papel) de jornais, que por sinal foram impressas em gráficas
de alguns jornais, digamos, estratégicos. Estratégicos para a futura
campanha eleitoral do atual governador de São Paulo. O Estado pagou
dezenas de milhões de reais para cada um desses jornais – inclusive
um em Minas Gerais, talvez avesso à virtual campanha do candidato à
Presidência da República na medida em que ele poderá ser escolhido no
lugar do atual governador de Minas. (São do mesmo partido e disputam
a indicação deste). Numa época de evidente diminuição de assinantes e
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 26
compradores (nas bancas) dos jornais impressos, que em grande parte
estão endividados, foi uma dádiva para eles. Será que vão agradecer
promovendo o governador?
Entrando agora no mérito didático e científico dessas apostilas,
não há como deixar de notar que são de péssima qualidade, feitas
visivelmente às pressas e por equipes formadas por pessoas que possuem
orientações díspares. Isso por si só não é algo ruim, desde que existisse
um mínimo consenso sobre o tipo de ensino que se quer, para que educar,
que atividades devem ser implementadas etc. O problema é que daí – e
também da pressa – adveio textos atrapalhados e sem coerência, alguns
até com graves equívocos conceituais.Além disso, existe nessas apostilas
–nãosónasdegeografia–umafilosofiaeducacionalneoconservadora,que
lembra bastante – talvez tenha sido a inspiração – a política implementada
desde 2001 nos Estados Unidos pelo catastrófico governo de George W.
Bush com a sua proposta consubstanciada na legislação No Child Left
Behind Act, a partir da qual todas as demais disciplinas escolares foram
relegadas a um segundo plano em prol da supervalorização da matemática
e do inglês. O atual e novo governo norte-americano já está modificando
essa orientação pedagógica neoconservadora – no fundo, voltada somente
para os estudantes se saírem bem em testes nacionais e internacionais de
matemática e escrita –, mas aqui no Brasil, como sempre, vivemos alguns
anos de atraso. Nessas apostilas distribuídas este ano pela Secretaria
Estadual de Educação de São Paulo todas as demais disciplinas
escolares tornaram-se auxiliares para ensinar matemática e língua
portuguesa. Isso foi uma orientação que veio de cima, da Secretaria, e
os professores universitários [sic] convidados para redigirem as apostilas,
vergonhosamente, assumiram essa tarefa sem nenhuma forma de
rebeldia, sem discordarem minimamente dessa orientação deformadora.
Parece que existem certos intelectuais que desde que recebam algum
pagamento fazem ou escrevem qualquer coisa para qualquer finalidade.
Nessas apostilas a disciplina escolar história virou apenas leitura de
textos, ou seja, auxiliar da língua portuguesa. Não importam os raciocínios
históricos (memória, construção dos fatos, processos, lutas sociais) e sim
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 27
a interpretação formal (gramatical e semântica) de um texto. A geografia
virou auxiliar da matemática: os três primeiros meses do ano letivo foram
preenchidos apenas com cálculos de fusos horários e escalas cartográficas
– e isso em todas as séries finais do ensino elementar (5ª à 8ª) e no ensino
médio! E o mesmo ocorreu nas demais disciplinas.Aestrutura conceitual –
os conteúdos e conceitos sugeridos, os temas e o seu encadeamento – da
disciplina escolar geografia nessas apostilas parece o “samba do crioulo
doido” de Sérgio Porto. Uma mistura de fenomenologia (mal entendida)
com marxismo (idem), com geografia tradicional e com uma caricatura
da geografia quantitativa, e tudo isso direcionado fundamentalmente
para tornar a geografia uma auxiliar no aprendizado da matemática (em
primeiro lugar) e da língua portuguesa. Alguns equívocos grosseiros já
foram denunciados pela mídia: por exemplo, mapas absurdos (um da
América do Sul no qual existem dois Paraguais, um no lugar do Uruguai
e o outro no lugar da Bolívia!). Provavelmente quem elaborou esses
mapas nem se importou de fato com a geografia e sim com a escala e
a possibilidade de os alunos fazerem cálculos de distâncias no mapa
(evidentemente que sem a menor preocupação que os cálculos tenham
alguma correspondência com a realidade). Outro é a confusão conceitual.
Só para mencionar um exemplo, existe um tema a ser abordado chamado
“Choque de civilizações” – de nítida inspiração huntingtoniana –, mas o
conteúdo sugerido para ele é “Geografia das religiões”! Ou seja, os autores
sequer sabem a diferença entre civilização (como a Ocidental ou a Sínica)
e religião, algo que faria o finado Huntington se revirar na cova.
DIALOGUS: Uma outra proposta polêmica surge este ano em
relação à forma de ingresso nas instituições públicas de ensino superior,
em especial nas universidades federais, uma vez que se preconiza a
unificação do ENEM aos vestibulares. O que pensa a respeito?
Vesentini: Pode ser uma alternativa melhor do que os atuais
vestibulares. Examinei os exames do Enem durante vários anos e concluí
que indiscutivelmente eles são melhores (ou menos ruins) do que todos os
vestibulares, sejam os da Unicamp, da UFRJ, da USP ou de qualquer outra
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 28
universidade. Em geral, salvo exceções (e infelizmente parece que estas
vêm aumentando nos últimos anos, no governo Lula, com os avaliadores
progressivamente fazendo questões que “cobram” mais conteúdos
populistas, isto é, certo posicionamento ideológico, identificação com o
MST, por exemplo, críticas ao agrobusiness etc.), as questões do Enem
demandammaisraciocínioemenosinformaçõesouconteúdos,aocontrário
dos vestibulares. Além disso, são questões em geral interdisciplinares,
que unem a geografia com a física, com a história, com a matemática
e assim por diante. São muito comuns no Enem questões com mapas,
tabelas ou gráficos nas quais a própria resposta já está implícita neles.
Elas exigem mais raciocínio, atenção, capacidade de interpretar tabelas,
mapas ou gráficos. Mas a imensa maioria dos candidatos erra esse tipo
de questões porque está acostumada com conteúdos, com respostas
prontas que apenas devem ser memorizadas. Por isso considero que
colocar exames como os do Enem, desde que não desvirtuados, no lugar
dos atuais vestibulares massificadores e conteudistas, representa um
avanço educacional. Não é a melhor solução, mas é um passo adiante.
O problema que vejo é que já estão falando em “reformar o Enem para
adaptá-lo à função dos vestibulares”. Uma idiotice. Ou ele fica tal como
foi idealizado – isto é, um exame para avaliar mais competências e
raciocínios (lógica, espírito crítico – que não deve ser confundido com
opiniões panfletárias –, competência na interpretação de gráficos, tabelas
ou mapas, capacidade de tirar conclusões a partir de certos dados etc.) –
ou é melhor manter os vestibulares. Pois se o Enem for reformulado dessa
maneira – isto é, segundo a mídia, para “cobrar conteúdos necessários”
(sic!) para o vestibular –, então ele nada mais será que um novo vestibular
massificador e conteudista. Neste caso, por que mudar? Só para ter um
exame ao invés de vários? Isso seria um retrocesso.
Vamos repisar o óbvio. Qual é o problema dos vestibulares? Um
vestibular (o termo vem de vestíbulo) nada mais é que um exame (seja ele
qual for), ou um complexo de exames, entrevistas, análise de currículos,
provas orais etc., para selecionar os alunos que podem ingressar num
determinado curso. Entendido dessa forma, o vestibular em si – isto é
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 29
o processo de seleção para os candidatos a tal ou qual curso – não é o
problema, mas sim a sua forma atual, os vestibulares que existem hoje em
dia no Brasil. De fato, o atual formato do vestibular para o ensino superior
no Brasil é obsoleto e inclusive inadequado para a finalidade a que se
propõe. É massificador e foi inspirado no fordismo, na linha de montagem
com produção estandardizada. Ele se iniciou no final dos anos 1960, pois
até esse período existiam no país vestibulares com formatos diversos. O
aluno fazia um vestibular no curso que queria ingressar, e os exames eram
diferentes conforme a instituição de ensino. Existiam poucas questões de
múltipla escolha, muitas questões abertas ou discursivas, redações ou
dissertações e até mesmo outras atividades (desenho de um projeto nos
cursos de arquitetura e engenharia, provas orais nos cursos de história,
geografia, sociologia, filosofia etc.). Era um vestibular descentralizado,
inclusive dentro da mesma universidade. Cada departamento da USP, por
exemplo, realizava o seu vestibular com os seus critérios e dando maior ou
menor peso a determinadas disciplinas escolares e a determinados tipos
de provas. No final dos anos 1960, em plena ditadura militar, iniciou-se a
formação de instituições centralizadoras para unificar os vestibulares de
dezenasdefaculdadesdiferentes.Umótimonegócioparaalguns.Opretexto
para isso foi o crescente número de candidatos e também a existência dos
“excedentes” comuns nos anos 1960, ou seja, aqueles que alcançavam a
média mínima – geralmente 5,0 (cinco) – para ingressar num determinado
curso superior, mas não podiam se inscrever porque havia um excesso de
candidatos aprovados em relação ao número de vagas disponíveis. Foram
eliminados os “excedentes” com o final da média mínima: passaram a ser
aprovados apenas aqueles candidatos que tiveram as maiores médias –
mesmo que apenas 1,5 (um e meio), por exemplo – para ingressar num
determinado curso, no número exato da disponibilidade de vagas, e ponto
final. Também ocorreu uma ampliação do número de vagas em geral e
mais ainda do número de vestibulandos, algo concomitante e decorrente
da expansão quantitativa do ensino médio no Brasil. Daí se pensou numa
simplificação – e centralização – dos vestibulares pela via de uma correção
automatizada, feita por computadores [ou por máquinas que rapidamente
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 30
processavam cartões perfurados, antes da expansão dos computadores],
o que implicou numa supervalorização das questões de múltipla escolha
e iguais para todas as carreiras. Mas isso gerou uma perda qualitativa.
No lugar de avaliar as aptidões, as competências dos candidatos para os
cursos X ou Y (que podem ser bastante diferentes), como bem ou mal se
procuravafazeratéentão,foiimplantadoumprocesso únicoecentralizado,
massificador, que trata todas as carreiras e todos os candidatos como se
fossem iguais, como se o aluno N, que tirou a nota mais alta no vestibular
unificado, tivesse habilidades e competências para entrar em qualquer
curso, independentemente das características específicas deste. Um
absurdo na medida em que os indivíduos têm aptidões ou potencialidades
diferentes e cada profissão, cada curso superior demanda competências
e habilidades diversas. Por exemplo, não é porque um candidato obtém
uma média elevada em matemática e português (disciplinas com maior
peso nos vestibulares) que ele está apto para fazer medicina, por exemplo,
curso no qual ele poderá esquecer sem nenhum prejuízo para a profissão
quase tudo que estudou para o vestibular (principalmente daquelas duas
disciplinas) e que na verdade deveria avaliar outras coisas. Imagine esse
indivíduo depois se tornando um cirurgião, atividade que demanda certas
habilidades manuais que a maioria não tem. Há alguns meses uma amiga,
professora de graduação e pós-graduação num curso de odontologia, me
afirmou que tem pena dos pacientes de inúmeros alunos, que estão se
tornando cirurgiões dentistas especializados neste ou naquele ramo, pois
apesar das elevadas notas que tiraram no vestibular não têm sequer uma
mínima habilidade manual e conseguem arruinar os dentes daqueles que
caem sob seus cuidados. Outro exemplo seria o curso de arquitetura,
que exige criatividade por parte dos candidatos, ou de psicologia, que
demanda inteligência social e emocional, competências ou aptidões que
nem de longe são medidas nos exames vestibulares. Poder-se-ia ainda
mencionar vários outros cursos e profissões – direito, por exemplo, que
necessita basicamente raciocínio lógico e inteligência lingüística; ou
geografia, que reclama capacidade de observação e de síntese – que
exigem competências e habilidades específicas que são totalmente
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 31
negligenciadas nesses exames.
Essa aparente digressão que realizamos no parágrafo anterior
serviu para mostrar que o correto seria a existência de vestibulares (no
plural) diferentes de acordo com o curso, com a carreira que o candidato
escolheu. E não de acordo com a universidade, como se todos os cursos
pudessem ter um processo seletivo em comum. Isso é o que existe nos
Estados Unidos, por exemplo, onde cada curso ou departamento tem
autonomia para selecionar os candidatos que vão ser aceitos a cada ano
letivo. E eles usam de diferentes critérios dependendo da carreira e suas
características. No curso de direito, por exemplo, que naquele país só
pode ser feito depois que o candidato tenha completado algum outro curso
superior (geralmente na área de letras ou ciências humanas), é comum nas
melhores universidades existirem apenas provas orais e escritas de lógica
e de inglês. E nada mais, nem matemática, nem química, nem biologia
etc. No curso de medicina (idem: ele só pode ser cursado depois que a
pessoa tenha algum outro curso superior, geralmente de biologia, química
ou física), normalmente existem provas de biologia, principalmente, e de
ciências (bioquímica e biofísica). E assim por diante. Não estou propondo
alguma cópia do modelo norte-americano, mas apenas realçando que
cada curso ou carreira exige aptidões específicas e não podemos ter um
único exame massificador e igual para todos (nem mesmo dando maior
peso a esta ou aquela disciplina de acordo com a área – ciências exatas,
biológicas ou humanas –, algo que só ameniza um pouco essa aberração).
Em todo o caso, o Enem com a sua proposta original, repito, é melhor ou
menos ruim do que os atuais vestibulares conteudistas.
DIALOGUS: Qual o papel da universidade na realidade atual
brasileira? E da Geografia?
Vesentini: As principais funções da universidade, em síntese e
tal como aparece nos documentos oficiais delas próprias, são o ensino, a
pesquisaeoapoioàcomunidade.Ensinonosentidodeformarprofissionais
(médicos, engenheiros, geógrafos, historiadores, pedagogos, economistas
etc.) capacitados, atualizados com os conhecimentos – como também com
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 32
as competências, habilidades e atitudes (inclusive éticas) – próprios de sua
carreira.Pesquisanosentidodegerarumconhecimento–etambémoutros
produtos: obras artísticas (por exemplo, nas áreas das comunicações ou
das artes), tecnologias (por exemplo, nas engenharias), obras culturais
etc. – avançado ou de vanguarda, mesmo que eventualmente especulativo
e/ou experimental. E apoio à comunidade ou à sociedade (que afinal
de contas custeia a universidade) no sentido não apenas de formar
profissionais capacitados e futuros líderes, mas também através de seus
serviços (como hospitais universitários ou incubadoras que dão origem
a novas atividades), de seus cursos extra-curriculares e abertos (por
exemplo, para a terceira idade, para as comunidades ou associações que
praticam a autoconstrução, para camponeses ou pequenos proprietários
no sentido de praticarem uma agricultura mais sustentável, e por aí afora),
de seus meios de comunicações (toda universidade que se preze deveria
ter um canal de televisão, um ou mais jornais e rádios, além do portal
na net, informativos, educativos e acessíveis a toda sociedade, tal como
ocorre por exemplo nos Estados Unidos).
Isso é o ideal, ou melhor, a teoria. Na prática e especificamente no
caso brasileiro, entretanto, as coisas não são bem assim. Temos algumas
boas universidade – embora todas elas meio capengas, com maior ou
menor carência de verbas para pesquisas, com maior ou menor carência
de infra-estrutura até mesmo para o ensino – e um enorme número
de universidades e faculdades precárias, algumas delas até mesmo
vergonhosas. Certo número mal cumpre a função do ensino, fabricando
profissionais de baixa qualidade; ao mesmo tempo praticamente não
realiza nenhuma pesquisa a sério e muito menos apoio à comunidade.
Quanto à geografia, ou melhor, aos cursos ou departamentos
de geografia, eles deveriam contribuir para formar bons professores e
bons profissionais (para planejamento, análise ambiental, geocartografia,
sistemas de informações geográficas etc.), pessoas com espírito crítico
bem desenvolvido e que fossem líderes intelectuais, além de gerar
pesquisas avançadas em suas áreas e contribuir ou subsidiar a sociedade
– ou determinadas comunidades específicas – nos setores ambiental,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 33
cartográfico, de moradia, de planejamento urbano ou municipal etc. Assim
como em geral os demais cursos – ou talvez até mais na medida em que
há uma visível distribuição desigual de verbas nas universidades, com as
humanidades (e dentro delas a geografia) ficando apenas com migalhas –
os departamentos de geografia via de regra desempenham precariamente
todas essas funções. Formar bons professores de geografia é algo
raro; quando existem, eles se formaram de fato na prática, em geral até
mesmo contestando ou contrariando muito do que aprenderam nos cursos
superiores. Isso porque a licenciatura normalmente é mal vista nos cursos
de geografia, é tida como a “prima pobre” [e que não necessita de uma
sólida formação] da atividade do geógrafo. Espírito crítico é algo que existe
sim, embora predomine aqui certa mesmice panfletária e pseudocrítica.
Não é incomum em nosso meio a ampla presença das “maria-vai-com-
as-outras”, isto é, pessoas que só repetem clichês ou autores (não lidos)
que estão na moda, que “todo o mundo repete” (como dizem), sem de
fato estarem atualizados com aquele assunto. O setor de pesquisas – em
forma de teses, dissertações, artigos para revistas, livros, contribuições
para congressos e encontros científicos – talvez seja o mais desenvolvido,
pelo menos nos departamentos de geografia das grandes universidades.
É o setor ou o aspecto do qual nossos cursos de geografia em geral
mais podem se orgulhar. Existem excelentes trabalhos [embora também
muitos medíocres], provavelmente o maior cabedal na América Latina e
no chamado Sul geoeconômico. Mesmo assim ele ainda é insuficiente
e até precário em relação tanto às necessidades do Brasil como em
comparação à (inegável) maior produção de outras disciplinas que como
a nossa também carecem de verbas (história, sociologia, ciência política,
filosofia). No que se refere ao apoio à sociedade, infelizmente é também
um dos pontos extremamente falhos e, em grande parte, justificado devido
ao grande número de alunos e disciplinas a serem ministradas a cada
semestre por professor nos departamentos de geografia (ao contrário do
que ocorre nas faculdades de medicina, engenharia, economia etc.).
Todavia, pensando-se numa perspectiva evolutiva, das mudanças
ocorridasnasúltimasdécadas,nãohádúvidasquebemoumal,aostrancos
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 34
e barrancos, a geografia brasileira vem se desenvolvendo bastante. Ela
se encontra numa fase profícua, bem melhor do que anteriormente (os
anos 1970, por exemplo, época em que fui aluno de graduação). Ela
avançou, deixou para trás, pelo menos em grande parte, o tradicionalismo
– o descritivo, os esquemas pré-determinados e invariáveis (“a Terra e o
Homem”), a rígida compartimentação entre geomorfologia e climatologia,
entre geografia urbana e rural (ou da população), entre geografia física
e humana, entre cartografia e geografia – e se tornou mais holística e
integrada (embora não suficientemente), mais pluralista, mais crítica e
muito mais voltada para pensar – e até propor soluções – os grandes
problemas do Brasil e do mundo.
LOPES, P. E. V, PIRONI, A. F, Geography ,Policy & Education : dialogs
contemporary with Joseph Willian. DIALOGUS. Ribeirão Preto, vol.5, n.1,
2009, p 15- 34.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 35
UM PERCURSO, UMA HISTÓRIA: ENTREVISTA COM
O PROF. DR. PEDRO PAULO FUNARI
Suzana Barretto RIBEIRO1*
Ana Carla VANNUCCHI2**
Numa conversa de quase duas horas, em um aconchegante café nos
arredores da Unicamp, Pedro Paulo Funari, Professor Titular daquela Instituição,
falou sobre sua trajetória profissional. Um migrante acadêmico que mostra paixão
e generosidade, pela História e pelo leitor de seus tantos livros, artigos e textos.
Foi com essa intensidade que respondeu às perguntas de uma aluna de primeiro
semestre do Curso de História e uma historiadora experiente, em Abril deste
ano. Ambas fotógrafas, ambas curiosas. Uma aula para historiadores, de agora
e amanhã.
RV – Você é do Paraná?
PPF – Não. Por causa do “r”?
RV – É.
PPF – É porque eu vivi muito tempo na Espanha e o “r” ficou.
*
Cientista Social, fotógrafa e historiadora. Dra. em História Social pela Unicamp. Autora
dos livros “Imagens e memórias dos italianos do Bráz”, Brasiliense, 1994;”Aparecidas: tem-
po D’Imagem”, 2002; “Percursos do olhar”, Annablume/FAPESP, 2006;”Na linha da preser-
vação: o leito férreo Campinas-Jaguariúna, Direção Cultura, 2007;”Jaguariúna no curso da
História”, PMJ, 2008. Parecerista da FAPESP.
**
Graduanda em História, Departamento de Geografia e História – Centro Universitário Ba-
rão de Mauá, Ribeirão Preto – SP, Brasil. Fotógrafa e Articulista de jornais como o “Correio
Popular”, de Campinas. Membro da Associação dos Amigos do Arquivo Público e Histórico
de Riberião Preto – SP. Entrevista feita sob a orientação do Prof. Dr. Wlaumir Donizeti
Souza.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 36
RV – Podemos fazer a primeira pergunta? Podemos começar?
PPF – Vamos lá.
RV – A primeira questão, até numa forma bastante cronológica, lemos que
você fez a graduação em história, o mestrado em antropologia social e na
sequência o doutorado em arqueologia. Ficamos curiosas e gostaríamos
de saber um pouco sobre esse seu percurso. Como você ingressou no
curso de história? Um pouco antes, como surgiu o interesse pela história
e como foi a sua trajetória acadêmica?
PPF –Na verdade eu já tinha interesse por humanidades em geral e, em
particular, pela filosofia. Porém, eu pensei que àquela época, 1975, 1976
não havia filosofia na escola e havia história.Ainda havia história, estavam
querendo tirar, mas ainda havia. Então decidi fazer história porque era
uma coisa sobre a qual eu poderia dar aulas. Se eu fizesse filosofia não
teria perspectivas acadêmicas, de trabalho. Eu fui levado pra a história por
gostar de humanidades.
RV – Você teve alguma influência anterior?
PPF – Sim, dos professores de humanas em geral e de história em
particular. Eu fui aluno do Heródoto Barbeiro, que era um bom professor,
e de outros professores que eram também muito bons. Eu era aluno do
Objetivo.Tinha professores que davam aulas, não naquelas salas grandes,
os vaticanos, mas nas salas menores, que falavam muito de coisas
concretas, da revolução de 64. Eu já tinha muito interesse. Os Professores
de português do Objetivo eram também muito bons nas aulas nas salas
menores. Eu tinha aulas boas no cursinho, mas as aulas melhores eram
as do colégio.
RV – Na Paulista?
PPF – É, na Paulista. Eu tinha um professor de história que era
reacionaríssimo, mas que era ótimo porque falava muito sobre como tinha
participado do golpe de 64. Ele era reacionário, mas pra quem gosta de
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 37
história, era uma maravilha. O professor de português também era muito
bom. Meu pai é professor de português, então eu já gostava. De literatura,
o Professor José Antônio Pasta Jr. Isso me direcionou pra humanas.
Especificamente história porque achei que era mais realista que a filosofia.
Entrei na história, tive aquele choque natural, que acho que você deve
ter.
RV – Estou chocada!
PPF – Na faculdade não é exatamente o que a gente pensava que era
história. Por exemplo, a primeira coisa que me chocou é que havia fontes,
quetinhaqueestudarfontes.Documentose,apesardejágostardehistória,
nunca tinha tido a idéia de que teria que estudar documentos. Então, na
universidade comecei a ter essa idéia de documentos. Tive também bons
professores na universidade, na USP. Fiquei interessado por diversos
temas. Cada disciplina me interessava por causa de uma coisa e o meu
interesse era Brasil, coisas contemporâneas, ditatura, essas coisas.
RV – Era 77?
PPF – Eu entrei em 77 e aí teve uma greve logo em seguida. Então, eu
estava bem mobilizado. Porém, não consegui fazer iniciação científica
nessa área. Tentei também teoria, não deu certo porque não surgiu
oportunidade, mas surgiu oportunidade em história antiga. Com a
professora de antiga. Entrei pra a antiga – não que eu não gostasse de
antiga – eu digo assim, não que eu tenha ido de imediato.
RV – Por acaso?
PPF – Exatamente. Eu fui agarrando as oportunidades que foram
surgindo. Então a professora de antiga me ofereceu uma oportunidade
de trabalhar com a Dácia Romana, ela trabalhava com a Dácia Romana,
que é a Romênia atual e aí me indicou umas pessoas, uns temas, isso na
graduação. Com isso, eu entrei no mestrado, fui na indicação dela. Que
era outro tema, não era sobre a Romênia, era sobre a Espanha, o marido
dela era espanhol. Ela tinha conhecidos na Espanha. Me indicou um tema,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 38
eu fui atrás do tema, o tema era “Azeite no mundoAntigo”.Azeite espanhol.
Ela disse: “Vai, é um tema importante” e era realmente importante, muito
importante naquele momento. Então eu fui atrás disso que ela falou. Entrei
em contato com um professor espanhol que se tornou meu orientador e
meu grande amigo e que estava em Madrid naquela ocasião.
	 Fui pra história antiga assim. Nesse meio tempo, o que
aconteceu? Essa minha professora que se chamava Glória Alves
Portal, teve um câncer fulminante e morreu logo em seguida. Eu estava
no mestrado ainda. Aí eu me trensferi pra uma outra professora que foi
minha orientadora no mestrado e no doutorado que é a Haiganuch Sarian,
que é arqueóloga. Porque a ligação era, pra esse tema que eu estudava
- o azeite -, tinha que estudar arqueologia. Minha primeira orientadora
faleceu e eu me direcionei pra a arqueologia. Aí é que eu passei pra a
antropologia. Porque na USP não havia arqueologia, a arqueologia estava
dentro da antropologia. Entrei em história no mestrado e me transferi
automaticamente pra a antropologia. 	
	 Fiz o mestrado em antropologia, pra mim foi muito bom, embora
na época eu tenha achado muito ruim porque tive que fazer aquelas
disciplinas da antropologia que eu não tinha feito na graduação, ler autores
de antropologia. Então, acho que foi bom pra minha formação.
	 Logo que terminei o mestrado, fiz um concurso na Unesp, em
Assis, como mestre. Eu estava terminando o mestrado, mas já pude fazer
o concurso como mestre. Entrei como professor em 85 e comecei a dar
aulas em 86. Entrei no doutorado sendo professor da Unesp. Fiz 4 anos
de doutorado com a mesma orientadora só que aí mudou o programa.
Criou-se o programa de arqueologia na USP, por isso meu título é em
arqueologia.
RV – Você foi migrando?
PPF – Fui migrando. Creio que o meu doutorado tenha sido o primeiro
em arqueologia pela USP. O programa foi institucionalizado em 90 e
eu optei por ele. Foi quando defendi. Eu já era professor e tive muitas
oportunidades. Eu ia todos os anos pra Europa fazer pesquisa. Era
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 39
professor e então conseguia afastamento remunerado, bolsa CAPES,
FAPESP, enfim, consegui fazer o doutoramento nessa situação. Foi um
formato bastante favorável, porque eu consegui ir pra lá muitas vezes pra
pesquisar. Essa foi minha trejetória até o doutorado.
RV – E depois, 6 pós-doutorado.
PPF – É, fiz o doutorado em 90. Logo depois fiz muita escavação,
trabalho de campo com os espanhóis. Itália, Inglaterra. Meu pós-doc foi
na Inglaterra. Criei muitas relações na Inglaterra. Comecei, a partir daí, na
realidade, continuei a ir pra lá todos os anos em diferentes universidades
da Inglaterra e da Espanha. Entrei na Unicamp em 90, o que foi muito
importante pra mim, porque tive mais oportunidades aqui que na Unesp.
Não que as condições na Unesp não fossem boas, mas eram melhores
aqui por ser uma universidade mais concentrada.
RV – Como era, logo na pós-ditatura, trabalhar numa área nova com
pesquisas completamente desvinculadas da realidade brasileira da época?
Ao mesmo tempo, sabemos que você sempre teve muita preocupação
com a atuação do professor de história, e você já era professor. Era uma
realidade tranquila, conflitante?
PPF – A pesquisa que eu fiz, tanto no mestrado quanto no doutoramento,
era, apesar da grande parte teórica, bastante técnica, arqueológica, mas
vocês têm razão: não tinha uma ligação direta nem com o Brasil ou mesmo
questões políticas. Eu acho importante uma pessoa ter suas pesquisas,
independente de suas conotações políticas, suas implicações. Agora,
desde que eu entrei na Unesp, antes até de ser professor lá, eles me
convidaram pra fazer uma palestra na Semana de História sobre cultura
alternativa.Aí me fiz a pergunta: “O que eu posso falar sobre antiguidade e
cultura alternativa?”. Foi aí que fui levado a estudar os grafites de Pompéia,
que gerou meu primeiro livro “Cultura popular na antiguidade”.
	 Esse livro fala de questões políticas, o que as pessoas
escreviam, se eram analfabetas, se o povo tinha cultura. É de 1986 e era
uma resposta a uma demanda política que me foi posta. Me perguntei,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 40
também, como é que convidam um professor de antiga pra falar de um
tema que é dos anos 60. Alternativo eram os hippies, essas coisas. Essa
foi a primeria demanda. Depois, estando lá como professor, comecei a
orientar os alunos na iniciação científica, porque ainda não podia orientar
mestrandos. Cada ano eu tinha 3 alunos de iniciação pelo CNPQ. Isso foi
me ajudando com essa questão politica da formação do historiador, do
professor de história, mais ampla, sabendo que a antiguidade tem alguma
relevância pra o estudo da história hoje. Essa foi sendo minha trajetória.
	 Agora, quando do meu doutoramento, eu ia todos os anos
pra a Europa, houve lá um série de outras demandas, por exemplo:
“Você é brasileiro e arqueólogo. Venha falar numa mesa-redonda sobre
arqueologia no Brasil”. Eu fui sendo jogado, claro que eu gostava dos
temas. Perguntavam se eu não poderia falar de tais temas e comecei,
gradativamente,afalardetemasdaantiguidade.Escrevisobrearqueologia
durante a ditadura. Em 89 tive um artigo publicado na Inglaterra sobre esse
assunto. Comecei a participar de congressos internacionais na área de
arqueologia, mais da arqueologia como uma ciência social e politica e aí
saí um pouco da antiguidade pra responder o que se fazia na arqueologia
brasileira. Tínhamos o quê? Os índios? Então, vamos lá. Comecei a
estudar, até por essa pressão, outros temas que não são da antiguidade
stricto-senso. Fui caminhando assim, pude resolver essa minha demanda
original em relação à eduação, à politica. E uma coisa importantíssima: me
pareceu, desde sempre, que o estudo da história e da antiga em particular,
é um estudo em si. “Vou estudar antiguidade porque é bonito! É uma coisa
maravilhosa, os gregos viviam tão bem! Eu gostaria de ter nascido na
Grécia!”; então, existe esse idealismo, sim, hoje em dia. Existe muito
isso.
RV – Entre os professores?
PPF – Entre os alunos, seguramente, mas mesmo entre professores existe
isso. A idealização da antiguidade como “uma maravilha, uma coisa linda,
as pessoas filosofavam na rua”.
	 Desde cedo, eu achava que, ao contrário, havia luta de classes,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 41
contradições, conflitos. Essa questão política estava presente desde o
início.
RV – Vamos fazer uma pergunta que estava programada pro final, mas
tem muito a ver com artes visuais, com os grafites de Pompéia, já que
essa questão da contemporaneidade vem desde os seus tempos de
colégio. A gente imagina que essa idealização da história está ainda muito
presente. Como você lida com arte contemporânea? Porque o historiador,
pela própria erudição, acaba não tendo, no geral, uma visão mais real da
arte contemporânea?
PPF – Não tem. Primeiramente, preciso dizer que, do lado estético, não
tive uma formação mínima sobre isso no colégio. O que eu sempre gostei
foi de literatura. Eu gostava de ler. Era meu lado mais artístico, assim
também como a música.Artes plásticas ou visuais, menos. Isso no colégio,
não tinha contato com isso. Quando entrei na faculdade, duas coisas me
chamaram a atenção: a primeira coisa era a questão dos documentos, os
documentos escritos. O estudante, o jovem historiador, ante essa questão
diz “Realmente, é preciso documentos escritos”.
	 Eu tive sorte de ter no curso da graduação professores que
usavam evidências tanto artísticas quanto materiais. Tive um professor
de pré-história, Afonso Bueno de Moraes Passos. Falar de pré-história é
falar de material, de materialidade. O Jonas Batista Neto e a Aline Pereira
de Queiroz de medieval, começaram a usar slides, não existia isso, era
dificílimo. Era revolucionário. Foi a primeria vez que, na vida, eu vi slides
seremusadosemaulasdehistória.Nasaulasdemoderna,contemporânea
não tinha isso. Achei ótimo, era uma grande novidade pra mim. Então,
desde aquela época até hoje, e hoje digo isso como professor, no geral
o historiador não é formado pra ver nada além de documentos escritos. A
não ser aqueles que têm professores, como era no meu caso o Jonas e a
Aline, que usam slides, imagens. São professores que trabalham com isso
e, portanto, vão levar à sala de aula outros tipos de documentos.
	 Boa parte da carreira do historiador aqui é feita de história do
Brasil. De história do Brasil, nunca vi nenhuma ilustração, o que usam é
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 42
coisa chocante. As imagens entraram no Renascimento, basicamente. Na
Idade Média e no Renascimetno.
	 Voltando à pergunta; quando fui levado à cultura alternativa, e
ao grafite, comecei me perguntando o que é cultura alternativa. Hippies?
Só hippies? Pensei na cidade de São Paulo que está cheia de grafites.
Uns grafites artísticos, outros que não são. Comecei a atinar que havia
grafites na antiguidade, que havia diferenças e semelhanças. Fui pela
minha cabeça. Comecei a comprar livros sobre grafites contemporâneos,
comeceialermuitosobreisso.Fuiverdoquesetratava.Depois,oseguinte:
na arqueologia, embora meu objeto de estudo sempre tenham sido as
ânforas e no mestrado tenha feito uma análise semiótica, uma análise das
imagens – o objeto tem uma forma que passa uma mensagem – nele, quis
demonstrar que os antigos conseguiam, pela imagem, diferenciar o que era
uma ânfora de azeite, de vinho ou de salação. Que, dentro delas, o vinho
era vindo de um lugar ou outro. Mostrar que a forma tem uma mensagem.
Isso ficou em mim. No dissertação, em 1986, na última página, coloquei
uma coisa que, na USP, seguramente não gostaram. Minha orientadora
disse que eu não deveria ter colocado. Coloquei a imagem de uma capa
da revista Time da época que mostrava um chinês com uma garrafa de
Coca-cola. Não me lembro se havia alguma mensagem escrita, o que
seria menos importante que a imagem.
RV – Nem precisaria, a forma da garrafa já dizia o que havia lá dentro.
PPF – Exatamente. Já criticaram muito. Voltando à pergunta: acho que
esse problema da relação da imagem com a informação continua na
formação do historiador.
RV–(Ana Carla) Estou no primeiro ano do curso de história, ainda não
tive muito tempo pra ver como as coisas funcionam, mas acredito ter uma
sorte grande com os professores. Não há um só professor que fique preso
aos documentos escritos. Todos fazem questão de tratar da questão das
imagens. Lembra que, outro dia por email, conversamos sobre imagens
do Egito e Mesopotâmia pra um trabalho de antiga? Eu precisava de uma
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 43
imagem que complementasse o conteúdo de um livro didático pra preparar
uma aula completa. A questão era: o que o aluno de história pode fazer
para - usando uma imagem – mudar o conteúdo chato ou tacanha de um
livro didático.
RV – Isso porque melhorou muito a formação das pessoas. Existe hoje
muito mais gente que trabalha com imagens: quadros, fotografias, objetos,
história da arte, arqueologia. Melhorou muito, mas ainda há problemas
porque, muitas vezes, o documento iconográfico entra apenas como
ilustração. Pra quem não tem um conhecimento prévio, fica só como
ilustração.
RV – Há que se saber explorar. O que significa aquele material.
PPF – Qual informação ele dá a mais ou no que é diferente de um
documento escrito. Acho que, ainda, isso nem sempre ocorre.
RV–(Suzana) Usando as minhas indagações enquanto pesquisadora,
queria saber como você trabalha numa pesquisa? Qual a sua metodologia
de trabalho? Quando te encomendam um artigo, um livro .... como você
começa?
PPF - No momento atual, ou seja, depois de uma trajetória longa, pra
algumas coisas, posso começar sem cumprir etapas prévias, como fazia
antes. Atualmente, como faço? Definido o tema de, por exemplo, um livro,
como o que acabei de escrever com um colega pra a Editora Brasiliense,
chama-se “Jesus Histórico”; primeiro defino o que quero pôr no livro e
em qual ordem. Isso depende muito do livro. Nos mais genéricos, pra
divulgação, por exemplo, tem que ser na ordem em que o leitor receba as
informações que ele não conhece e, muitas vezes, em ordem cronológica.
Por exemplo, no caso do “Jesus Histórico”: costumo começar com fontes,
depois uma apresentação da vida de Jesus em ordem cronológica e
depois uma discussão, o que os autores dizem sobre o tema. Quais são as
problematizações que autores dos séculos XIX, XX colocam. Uns dizem
que ele era assim ou assado, outros dizem que ele era um camponês etc.
Uma apresentação do tema, uma discussão e a conclusão dizendo o que
o autor, os autores acham sobre isso.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 44
RV – À mesma maneira de um TCC.
PPF – É e não é! Nas áreas em que eu mais trabalho, arqueologia e
antropologia, e porque escrevo muitas vezes em inglês, pra revistas de
língua inglesa; há uma tradição de se começar com uma parte teórica e
um estudo de caso, depois a conclusão. Então apresenta-se o problema
teórico, o estudo de caso pra se perguntar se a parte teórica está correta
ou não e a conclusão mostrando que está correto. Essa não é a lógica da
história feita no Brasil. Por isso disse que é e não é: depende do ambiente,
da revista, do público. Eu gosto muito de fazer nessa ordem: teoria, caso,
comentário. No caso da história, acredito que muitos colegas acham isso
escolar. Mas acho que isso explica bem sobre o que você está falando, de
qual lugar você está falando, há duas ou três teorias e eu vou defender tal.
Depois o caso: você tem que mostrar que existem documentos e aí você
diz que a análise que está sendo proposta funciona.
RV – Isso é bondade acadêmica. Está sempre presente nos seus textos,
essa fluência, a preocupação com qualquer tipo de leitor entendendo o
que está escrito. Termos técnicos, citações em outras línguas funcionam
pra alguns leitores e ensinam a outros. Essa forma escolar é importante
pra se mergulhar no universo dos textos acadêmicos sem sustos.
PPF – Eu tenho essa preocupação, sim, mas eu aprendi isso. Por exemplo,
no mundo da língua inglesa onde atuei muito no início, se é um artigo
científico, não pode ter coisas obscuras, tem que estar tudo ali. Frase
que não se entende, conceitos que não se sabe o que são. Trabalho na
antiguidade muito com latim ou grego.
	 Quando comecei na Inglaterra, me diziam que poderia colocar
alguma coisa em grego, por exemplo, mas que deveria, no mínimo,
traduzir. Ninguém tem obrigação de saber grego ou latim. Aqui tem muito
esse uso da erudição, colocar uma frase em grego ou latim e não traduzir
de propósito, pra mostrar que se tem conhecimento, que o leitor não vai
ter.Acho que existe um pouco no Brasil, essa tradição francesa que é mais
rebuscada, textos muito mais longos, e que aqui tenha sido levada mais
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 45
seriamente que na França. Lá ja é difícil ler um texto de Foucault, ele não
queria ser fácil, de qualquer maneira. Não se pode supor que os leitores
que estão lendo um texto dele sejam os melhores do mundo. No nosso
caso é pior, uma pessoa que está escrevendo um texto a la Foucault -
a gente desculpa, entre aspas, que Foucault tenha feito isso, mas aqui
não dá. Uma outra pessoa, que não ele, é mais problemático, na minha
avaliação.
RV – Seu pai ter sido professor de português e esse seu vínculo com a
literatura influenciou na sua narrativa?
PPF – Com certeza. Primeiro porque, qualquer literatura sempre me atraiu
por si mesma. Gosto de livros, textos, poesia. É prévio. Me atrem os textos
mais diretos. Gosto de poesia, mas as mais tradicionais, mais abstrusas
- não é que eu não veja beleza, mas ter que olhar no dicionário pra poder
acompanhar, não. Não que eu não leia, mas acho que perde muito do
encanto na leitura. Outro dia estava ajudando minha filha a ler o “Auto da
barca do inferno”. Não se pode ler um só verso sem parar e recorrer ao
dicionário! Como é que uma menina vai gostar de um texto assim?
	 A minha formação literária foi fundamental pra eu pensar em
como escrever. Escrever de maneira clara, fazer um texto curto. Aprendi
muito com os ingleses porque eu tinha uma tendência natural pra escrever
frases longas. Acho que o texto tem que ser curto. Acho importante ler,
incentivo meus filhos, que lêem Harry Potter!
RV – Quando estava preparando a minha parte na entrevista, um de
meus professores, sugeriu que usasse uma visão foucaultiana, mas que
sabia eu de Foucault? Tentei ler um pouco de sua biografia e o que mais
encontrei foram frases atribuídas a ele. Uma delas diz: “Todo sistema de
educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação
dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”.
Acho que muitos dos textos acadêmicos são opressores e por vezes
chegam a ser pedantes. Há muito pedantismo na narrativa, não só na
história, na música etc. Isso é muito forte, afinal de contas, estamos num
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 46
país de maioria analfabeta ou semi-analfabeta.
PPF – Quantas pessoas não devem ter sido afastadas de um livro ou
artigo por coisas assim?
RV – Se salvam quando se encantam por um bom texto ou professor.
PPF – Exatamente.
RV – Essa condição de não saber o que está realmente acontecendo é
bem antiga por aqui. A música erudita, por exemplo, foi “enfiada” no Brasil
goela abaixo, num terreno despreparado culturalmente, sem qualquer
traço de memória social no assunto. No final do XIX, as pessoas iam às
casas de ópera no Brasil, trajadas elegantemente, mas sem saber do que
tratava aquela música, sem saber sobre o compositor, da origem, sem
sentimentos de memória coletiva relacionados àquela música. Hoje, ainda
se faz à mesma meneira. As salas de concerto estão cheias de gente bem
vestida e sem informação musical. Óperas e música erudita são “textos”
que acabam afastando o público em geral.
PPF – O brasileiro adora isso!
RV – Vamos falar sobre instituições de guarda? Queria que você desse
um exemplo de um arquivo histórico modelo e saber como você pensa um
arquivo histórico ideal.
PPF – A minha experiência com arquivos históricos é bastante limitada.
A minha atuação aqui na Unicamp nesse campo é relacionada ao
Arquivo Central da Universidade (SIARQ). Não é um arquivo histórico,
é administrativo. Vamos falar especificamente de arquivos no que se
refere a arquivos administrativos – que são importantíssimos, mas
menos valorizados pelo historiador, que parte do pressuposto que num
arquivo histórico os documentos têm que ser preservados, claro. A minha
preocupação é que a maior parte dos arquivos, antes de serem históricos,
são administrativos que nunca chegaram a ser históricos.
	 O que eu quero dizer com isso? Por exemplo, os arquivos
municipais. A maior parte das cidades no Brasil não têm arquivo histórico,
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 47
têm arquivos administrativos que jamais chegarão a ser históricos. Os
documentos acabam sendo destruidos, não preservados. Há arquivos
históricos só em algumas cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, mas
a maior parte é de arquivos administrativos e que se não forem pensados
como históricos, acabarão destruindo toda a memória. São arquivos vivos,
toda a documentação jurídica, de terrenos, plantas, são documentos
históricos. E isso é pro historiador, pra que ele saiba que não existe só
arquivo histórico, daqueles que sabem que estão lá em Portugal, no
Vaticano. Sabe-se que está tudo lá, guardado. Agora, o que está sendo
produzido, é uma preocupação que, muitas vezes, o historiador não tem.
Outra coisa é que, há quinze anos, a documentação gerada é digital, e já
está perdida em grande parte.
RV – É muita informação num tipo de mídia efêmera.
PPF – Não existe uma preocupação e quando ela aparece, os aparelhos
já não podem mais ler as tais mídias digitais. Lembram do .... como é que
chamava?
RV – Viu? Já esquecemos! Ah! O zip drive!
PPF – É isso. Significa que o que vem sendo produzido há quinze anos ou
menos já está se perdendo. Nós estamos preocupados com a memória,
mas não precisa ser stricto-senso, qualquer pessoa preocupada com a
memória precisa pensar nisso. O que já foi perdido desses quinze anos e
os dez próximos anos vai ser questionado mais tarde. “O que se fazia em
2005? As imagens. Onde é que estão?”. Não há políticas de preservação.
Agora, tem empresas como a Rede Globo, que têm essa preocupação,
essa política de preservação e condições pra reproduzir essas mudanças.
No cotidiano de um departamento qualquer, o que estava no computador
há dez anos, não existe mais. Nunca foi impresso e já não existe mais.
Antes havia o papel. Reuniões de 1950 ainda estão no papel. Isso tudo
em relação a arquivos.
	 À respeito de memória, centros culturais, outras instituições
de memória. Há muitas instituições importantes como museus, centros
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 48
de memória propriamente ditas, mas não há a preocupação de ligá-
las à comunidade. As nossas instituições, até pela tradição do que são
instituições acadêmicas, museus, casas de memória, têm que lutar pra
serem preservadas, pra preservarem seu material, pra não deixarem de
existir. Elas têm que sobreviver. Qual a relação disso com as pessoas da
comunidade? É pequena. O que acontece é que essas pessoas não se
identificam com as instituições. Ao não haver essa identificação entre as
pessoas e as instituições, é criada uma fragilidade na preservação. Vou
dar um exemplo bem violento, bem importante: o Museu Paulista, o Museu
do Ipiranga. É da USP, tem muito dinheiro, tem cargos políticos, tem um
staff grande. É uma maravilha, uma potência. Agora, o que tem lá? Uma
exposição que é dos Bandeirantes, dos Heróis de 1932. Uma realidade
que é completamente diferente das pessoas que vivem em 2009. Devem
se perguntar o que são aqueles quadros, aqueles bandeirantes, as águas
dos rios conquistados por eles. Elas não se identificam com aquilo. O
problema da não identificação é que as pessoas podem até agredir o
monumento, a memória. Nas ruas, martelam, derrubam, modificam.
RV – Como com a estátua na praça Oswaldo Cruz, no bairro do Paraíso
em São Paulo. Tiraram a lança indígena e colocaram uma roda na mão da
estátua e a prederam com uma corrente!
PPF – Pois é. Acho que hoje o grande desafio das pessoas que trabalham
com memória é fazer com que essas instituições tenham não só a
necessária preocupação consigo mesmas – fundamental -, têm que fazer
com que essas instituições sobrevivam e, se possível, progridam. Isto é,
fazer com que essas instituições sejam relevantes pra grupos sociais.
Quero dizer com isso, diversidade da sociedade. Numa cidade como
Campinas, onde há um milhão de habitantes, e isso significa que poucos
são de Campinas, boa parte é de outras partes do estado, do país; então,
como se lida com isso? Com essa diversidade?
	 Aqui em Campinas há uma Associação de Mineiros que é
fortíssima. Tem comunidades de portugueses etc. Outro dia fui colocar a
placa do meu carro e, como tenho um apartamento aqui em Campinas, dei
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 49
o endereço daqui. O camarda perguntou se eu era bambi. Eu disse que
não, e isso porque eu não havia dito uma palavra. Porque estou dizendo
isso? É um exemplo de como as pessoas não se identificam com o lugar
onde vivem. Ele não é daqui, com certeza.
RV – E como vão se interessar em preservar qualquer coisa da cidade?
Não vão.
PPF – É exatamente isso que estou dizendo. Não adianta dizer que tal
coisa é passado, a glória de Campinas. Se as pessoas não se identificam....
Então, o que acontece? A instituição precisa mostrar que o que é de fora
também está lá. “Olha, você que é de Minas também está aqui na cidade,
na nossa instituição”. Se a pessoas tem características próprias, também
têm que estar presente na instituição de memória. A pessoa precisa se
reconhecer.
RV – Como se faz isso?
PPF – Existem experiências internacionias e o grande aconselhamento da
Unescopraessasinstituiçõesdepatrimônioéquesemprefaçam,nagestão
do bem cultural que está nas suas mãos, uma conexão com os grupos
que representam a comunidade do local onde esse museu ou centro de
memória atuam. Isso num sentido amplo, pode ser um bairro, os visitantes.
Depende do lugar. Tem que mostrar que essas pessoas interagem na
gestão do órgão. 	Não é tarefa fácil, porque nossa estrutra administrativa
não dá muito campo pra isso. Por exemplo, eu digo que incluamos os
índios na tal gestão. Isso eu trouxe da vivência na Inglaterra, onde, num
congresso, por exemplo, numa mesa redonda, havia, vamos supor, um
doutor, um mestre, um graduando e um catedrático. Se se vai falar sobre
vestígio arqueológico, precisa ter um índio à mesa que fale o que ele acha
daquele vestígio. Ele pode dizer que a pintura rupestre é do avô dele. Essa
é a visão dele e é importante. Isso está pouco desenvolvido no Brasil.
Tem que incluir pessoas diferentes e perguntar o que é, pra ela, arte e
memória. O que ela gostaria de ver representado ali.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 50
RV – No Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro, tentaram levar o
pessoal do hip-hop pra lá, dar um espaço. Eles foram, tomaram conta
do espaço e ultrapassaram esse espaço. Os representantes de outras
manifestações culturais se sentiram invadidos, incomodados coma
bagunça, a instituição acabou retrocendendo. Foi a tentativa de uma
pessoa, não de uma gestão.
PPF – Vocês têm razão. As politicas estruturais têm que tornar essas
tentativas viáveis, porque senão, qualquer funcionário que não se sinta
parte do negócio pode reclamar. Você tem numa mesma reunião um
representante da comunidade negra, dos mineiros e outras e, se não está
tudo claro e estruturado, os funcionários podem achar que eles é que
devem decidir questões. Isso é natural que ocorra. Tem que haver uma
estrutura de Conselho, por exemplo. Não pode ser uma decisão só da
instituição, porque pode até ajudar, mas também pode não dar certo. Tem
que haver um órgão gestor com pessoas da comunidade. Não pode ser
uma vontade individual, é uma questão de política pública.
	 Nãopossoserpessimsita,achoquejáhouveumamelhoragrande
nessa questão, no mundo e no Brasil. A gente sempre tem a tendência
de ver os problemas do momento, mas em relação há 30 anos atrás, já
melhorou muito. A questão de preservação patrimonial e ambiental, no
mundo, melhorou muitíssimo.
	 Na época da ditadura não havia nenhuma preocupação com
a preservação ambiental nem cultural. Quando o final da ditadura foi
se aproximando, começaram a vigorar as leis que obrigavam a fazer
levantamento ambiental e cultural, que está dentro do ambiental. Por
exemplo, vai ser feita uma estrada. Certo, o que precisa ser feito? Um
levantamento ambiental. Onde vai passar essa estrada? O que vai ser
afetado? É uma política compensatória. Ora, isso não existia aqui! Tanto é
que se pode ver, lá emAngra dos Reis, no Rio de Janeiro, fizeram a estrada
Rio-Santos. Expulsaram pessoas, comunidades indígenas, comunidade
quilombola. Não havia absolutamente nada que os protegesse. Não havia
nenhum tipo de política nesse sentido. Hoje, não. Hoje se vai ser feita
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 51
qualquer estrada, qualquer obra, tem que fazer levantamentos antes,
em nível federal, estadual e municipal. São legislações separadas. Cada
cidade pode decidir as coisas de um jeito ou outro, pode fazer propostas,
sugerir que os órgãos públicos incluam pessoas da comunidade nas
decisões. Isso é possível hoje em dia. Já melhorou muito, mas acho que o
caminho, o grande desafio, é incluir nos órgãos de gestão a diversidade de
grupos sociais. Porque assim, você consegue fazer com que as pessoas
se envolvam e façam as coisas, não é uma só pessoa tomando decisões.
RV – E muitas vezes o próprio gestor discorda da opinião desses
representantes sociais.
PPF – Seguramente. Até por que cada um pensa de uma maneira.
RV – Em Ribeirão, o Arquivo Público e Histórico esta em uma casa
alugada, sem infraestrutura. Precisa pedir cada pasta, cada grampo pra
a prefeitura. Não tem autonomia e não está vinculado a uma instituição,
como, por exemplo, uma Universidade. Parece que a Associação de
Amigos do Arquivo vai ser reativada depois de um período curto de
estagnação. Você sugere então, que convites sejam feitos aos diversos
grupos sociais da cidade pra que haja envolvimetno da comunidade nos
interesses de conservação e preservação do Arquivo. Maravilha! E isso
não gera brigas demais?
PPF – Chamar representantes dos evangélicos, umbandistas, católicos,
negros.
RV – Isso é, à primeira vista, interessante, mas pode ser bem dificil chegar
a um consenso.
PPF – Tem que ser criada uma estrutura com bases legais. Um Arquivo
pode ter um Conselho no lugar de uma Associação. O Brasil tem uma
das sociedades mais desiguais do mundo. Essa desigualdade gera
uma separação. Por exemplo, numa associação de arquivo, pode ser
que só participe uma pequena elite. A classe média não tem condições
econômicas de estar muito preocupada com o assunto. Essa distânica
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 52
faz com que só a elite se preocupe, mas não por serem da elite. Outras
comunidades menores – quilombola, indígena etc -, não partcipam e quem
acaba representanto a comunidade toda são os “donos da cidade”, os
“quatrocentões”, os fazendeiros. É um problema que, no Brasil, é mais
grave que em outros lugares e torna a resolução mais difícil. Se não
houver políticas públicas com mecanismos obrigatórios, a elite não sai
desses lugares de representação.
RV – Falando agora sobre produção de conhecimento técnico, de
pesquisa, feita por parte do corpo de funcionários de casas de guarda,
museus? Isso praticamente não existe, não faz parte dessas instituições
na maior parte das vezes.
PPF – Eu sempre fiquei mais perto da arqueologia, mas o que vejo por ai é
que só algumas têm esse incentivo, essa possibilidade de ter funcionários
com tempo pra, além das tarefas do dia a dia, investigar o material que
está perto dele, na própria instituição. São só as grandes instituições e
que, na maioria das vezes, estão ligadas às Universidades. Na USP, no
Rio de Janeiro, há museus que são estuturas paralelas, mas ao mesmo
tempo, junto das Universidades.
RV – O que mais se vê são pessoas especializadas, poucas, que acabam
fazendo o trabalho braçal, tirando o pó, sem tempo ou incentivo pra a
função primeira pra qual está ali.
PPF – Esse é um ponto, o outro é o seguinte: além de ter que fazer o
trabalho braçal, não ter incentivo pra pesquisar, só em algumas instituições
os funcionários sem especialização são levado a fazer, pelo menos, a
graduação, o mestrado, o que for. Mas tem que ter incentivo, se a pessoa
não ganhar mais por isso ou não tiver o curso pago, não vai ter interesse
em ter menos tempo, mais cansaço e nenhuma mudança prática e rápida
de melhora, vai se perguntar qual a vantagem nesse aprimoramento.
Nenhuma. Não vai querer e essa é a realidade em quase todos os estados.
As instituições de guarda deveriam ter em comum os critérios de produção
de conhecimento sobre seus materiais e com capacitação da mão de obra
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 53
dos próprios funcionários. Só as grandes instituições têm isso.
	 Você pode dizer que esse incentivo é uma idéia irrealista. Eu digo
que não, pelo seguinte: nas instituições públicas, a cada cinco anos, há
um aumento de, por exemplo, 5 por cento. Isso depõe contra o incentivo.
Estão dizendo com isso que o funcinário não precisa ser capacitado,
ampliar seus conhecimentos. Mas isso é reversível, tem que mudar as
políticas. As pessoas precisam perceber que se beneficiarão com essa
capcitação. É difícil, mas não impossível.
RV – Vai dizer pra o funcionário que ele não vai ganhar aqueles 5 por
cento daqui a cinco anos, porque, na verdade, antes, ele precisa estudar.
É uma mudança na mentalidade.
PPF–Nãopodeserumaescolha.Temquevirdaestrutura. Éacapacitação
que vai permitir a mobilidade, não o tempo. Sendo uma questão cultural,
precisa afetar todo mundo, sem excessão.
RV – Tem que ser lei, tem que poder cobrar multa até que a mentalidade
seja mudada e o próprio funcionário queira ser capacitado. Pra isso, vão
anos!
PPF – A administração pública não faz isso porque não vai ser multada!
Lembrei de uma coisa: estive outro dia com aAmanda Tojal, da Pinacoteca
do Estado. Ela trabalha muito com exposições viáveis pra pessoas com
deficiências diferentes. Falou sobre objetos que podem ser tocados, pra
descoberta pelo tato. Isso é nessa instituição. Agora, voltando à questão
de fundo, que é a inclusão das pessoas que não enxergam, que não
andam, essa pessoas também têm que estar incluídas no tal Conselho,
na Associação.
RV – Hoje há dispositivos instalados em certas exposições em alguns
poucos museus que liberam cheiros, umidade, som do vento, a sensação
de vento em corredores, cabinas. As pessoas vivem a sensação da
exposição. Há sistemas foto-sensíveis que acionam um áudio que, quando
alguém para diante de uma obra, pode ouvir uma descrição da obra. Isso
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 54
tem muito em sites, blogs que têm em seu público os deficientes visuais.
PPF – Nos esquecemos das crianças às vezes.Aaltura em que é colocada
uma obra, por exemplo. Se estiver acima do campo de visão das crianças,
elas nem conseguem ver as obras.
RV – Pra cadeirantes, a mesma coisa.
PPF – E não cabe a mim, a vocês decidirem tudo. É colocar pessoas de
cada grupo pra trabalhar essas questões das diferenças, das diferentes
necessidades de acesso, de identificação. A diversidade está lá na
constituição. Não se pode permitir manifestações de intolerância. Admite-
se a diversidade, com quanto não agrida o outro. Esse é o critério.
RV – Pra viabilizar a normalização. Ficamos todos juntos, mas “sem
morder o amiguinho”! É cidadania.
PPF – A antropofagia era boa noutra época! Admitimos a diferença da
antropofagia, mas não aqui!!!
RV – Pode morder, mas não mastiga!
RIBEIRO, Suzana Barreto; VANNUCCHI, Ana Carla. A trajectory, a
history: interview with of Th. Dr. Pedro Paulo Funari. DIALOGUS, v.5,
n.1, 2009, p.57-79.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 55
Dossiê “Religião e Religiosidade”
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 56
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 57
SACRIFICIUM LAUDIS:
BREVE ANÁLISE DO RITO DE SÃO PIO V E DO NOVO
ORDO MISSÆ DE PAULO VI (1969-2007)
Juliano Alves DIAS*
RESUMO: Por este artigo pretende-se lançar luzes sobre a recente ação
do papa Bento XVI que, por meio do Motu Proprio Summorum Pontificum,
deu plena liberdade à forma ritual tridentina que fora sufocada pelas
inovações litúrgicas geradas após o Concílio Vaticano II. Ao longo deste
esboço é traçado, brevemente, a raiz histórica das formas litúrgicas
tridentina e moderna comparando-as de forma a entender os motivos da
publicação deste Motu Proprio.
PALAVRAS-CHAVE:LiturgiaCatólica;RitoTridentino;ConcílioEcumênico
Vaticano II.
No dia 07 de julho de 2007 o papa Bento XVI publicou o Motu
Proprio1
Summorum Pontificum2
sobre a liturgia romana anterior à reforma
de 1970, por meio do qual deu liberdade a todos os padres do mundo,
independente de autorização de seus superiores hierárquicos, para
celebrarem a Missa no chamado rito tridentino. Tal fato foi noticiado pela
1 Motu Proprio é um documento elaborado por uma papa que expressa sua vontade pes-
soal.
2 Summorum Pontificum é o título do referido Motu Proprio, que em latim significa “dos Su-
mos Pontífices”, palavras que iniciam o documento, numa referência a preocupação com a
liturgia (culto divino) que os Sumos Pontífices apresentaram em seus pontificados.
* Mestrando em História pela UNESP - Campus Franca, sob orientação do Prof. Dr. Ivan
Aparecido Manoel.
DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 58
imprensa como um retorno à Missa em latim; no entanto, faltou qualquer
formulação histórica sobre tal ato da Santa Sé e das questões envolvidas
sobre essa temática.
Por meio das linhas que se seguem busca-se fazer um breve
esboço sobre as questões suscitadas diante da atitude do atual Pontífice.
Para tanto, primeiro buscar-se-á as raízes históricas que conduziram Roma
a esta ação; num segundo momento procurar-se-á mostrar a construção
gradual do processo que culminou com o referido Motu Proprio; e por fim,
fazer-se-á uma breve comparação entre o rito tridentino e o atual seguido
pela Igreja Católica Romana.
As raízes históricas
O ritual de adoração a Deus foi, desde os tempos primitivos do
cristianismo, o ponto culminante da vida cristã. Ao fluir da História o culto
se configurou em um Sacrificium laudis3
, formou-se a Missa.Além de servir
ao propósito de agradar a divindade, a Missa serviu, ao longo dos séculos,
como fator de unidade e identidade para o catolicismo; mas é também em
torno dela que grandes e significantes cismas surgiram no seio da Igreja
Católica Apostólica Romana.
	 Herdeiro do Templo e das Sinagogas4
o culto cristão primitivo
tinha já em seu centro a oferta de um sacrifício a Deus (JUNGMANN,
1962)5
. Tal sacrifício era feito em diversos ritos regionais durante a Idade
Média; fato que foi suplantado com o advento do Concílio de Trento
3 Sacrifício de louvor
4 O Templo e as Sinagogas eram, respectivamente, os locais de oferecimento de Sacrifício
de animais a Deus e de meditação das Escrituras na religião judaica.
5 Em seu livro “A liturgia da Igreja”, Jungmann, padre jesuíta, traça um histórico da liturgia
romana explorando suas mudanças ao longo do tempo, permitindo assim, a abertura de
caminhos para certas inovações que se dariam no Concílio Ecumênico do Vaticano II ini-
ciado no ano de publicação de seu livro, 1962.
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Revista DIALOGUS apresenta diversos trabalhos acadêmicos

  • 1. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 1 CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” Departamento de História e Geografia DIALOGUS Revista das Graduações em Licenciatura em História e Geografia ISSN 1808-4656 DIALOGUS Ribeirão Preto v.5, n.1 p.1-367 2009
  • 2. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 2 CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” Chanceler Prof. Nicolau D. Spinelli Reitor Prof. João Alberto de Andrade Velloso Vice-reitor Sr. Carlos Cesar Palma Spinelli Pró-Reitoria de Acompanhamento e Registro Acadêmico Profa. Dra. Dulce Maria Pamplona Guimarães Pró - Reitoria de Pós - Graduação, Extensão e Práticas Investigativas Profa. Dra Joyce Maria W. Gabrielli Pró- Reitoria Acadêmica Dr. Valter de Paula Pró-Reitoria de Ensino Profa. Ms. Maria Celia Pressinatto Pró - Reitoria Administrativa Sr. Paulo Sérgio C. Zucoloto Diretores de Ensino Prof. Ms Marcelo Zini e Prof. Dr. Ricardo Miranda Lessa Diretor Administrativo Sr. Antônio Augusto Dinamarco Comissão Pedagógica Profa. Ms. Dulce Aparecida Trindade do Val e Profa. Sara Maria Campos Soriani Coordenadora das Graduações em Geografia e História Profa. Ms. Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa Comissão Editorial Prof. Ms. Humberto Perinelli Neto, Prof. Dr. Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula Lopes, Profª. Ms. Lílian Rodrigues de Oliveira Rosa, Prof.Ms. Gabriel Vendruscolo de Freitas Conselho Editorial Publicação Anual/Publication Solicita-se permuta/Exchange desired DIALOGUS Rua Ramos de Azevedo, n. 423, Jardim Paulista CEP: 14.090-180 – Ribeirão Preto / SP DIALOGUS (Departamento de História e Geografia – Centro Universitário “Barão de Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, 2009. 2009, 5 – 1 ISSN 1808-4656 Capa: “Estação Barracão” - Ribeirão Preto - SP - 2009. Arquivo Pessoal de Michelle Cartolano de Castro Ribeiro. Andrea Lastória Coelho (USP/Ribeirão Preto) Antônio Carlos Lopes Petean (CEUBM) Antonio Aparecido de Souza (CEUBM) Beatriz Ribeiro Soares (UFU) Cenira Maria Lupinacci Cunha (PUC/MG) Charlei Aparecido da Silva (UFGD/Dourados) Cicero Barbosa de Freitas (CEUBM) Dulce Maria P. Guimarães (UNESP/Franca) Edvaldo Cesar Moretti (UFGD/Dourados) Fábio Augusto Pacano (CEUBM) Fábio Kazuo Ocada (CEUBM/UNESP/Araraquara) Francisco Sergio B. Ladeira (Unicamp) Ivan Aparecido Manoel (UNESP/Franca) Jorge Luis Silva Brito (UFU) José Luís V. Almeida (UNESP/S.J.Rio Preto) Lélio Luiz de Oliveira (UNESP/Franca) Marcos Antônio Silvestre Gomes (UFA/Arapiraca) Maria Lúcia Lamounier (USP/Ribeirao Preto) Nainora Maria Barbosa de Freitas (CEUBM) Robson Mendonça Pereira (UEG/Anápolis) Ronildo Alves dos Santos (USP/Ribeirao Preto) Sedoval Nardoque (UFGD) Silvio Reinod Costa (CEUBM) Silvia Aparecida de Sousa Fernandes (CEUBM/CUML) Taciana Mirna Sandrano (UFMT/Cuiabá) Vera Lúcia Salazar Pessoa (UFU)
  • 3. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 3 Apresentação Apresentar mais um número da revista DIALOGUS é sempre motivo de satisfação e orgulho para o Centro Universitário Barão de Mauá. Não só porque continua revelando o trabalho primoroso da coordenação e dos docentes dos cursos de História e Geografia, capazes de levar a cabo com eficiência e dedicação esta empreitada como também por fazer circular novamente um periódico de relevância social e científica. As entrevistas que abrem a publicação contemplam autores con- temporâneos consagrados da Geografia e da História. Os artigos publicados carregam em si temáticas diversas e de interesse indiscutível para todos nós educadores das Ciências Humanas e Sociais. O dossiê de religião e religiosidade discorre sobre questões do período colonial e da atualidade. A educação é discutida nas dimensões da imprensa e da família. Questões da epistemologia e da historiografia são apresentadas por intermédio de dois estudiosos F. A. Von Hayek e Júlia Lopes de Almeida, em artigos separados. Estudos geográficos e históricos, regionais e locais se fazem presentes nas abordagens do clima, propriedade da terra, espaços públicos / espaço urbano, café e indústria, o caipira e o rural. Um ensaio sobre literatura e três resenhas (de Antonio Carlos Lopes Petean, sobre “O racismo explicado aos meus filhos” de Nei Lopes; de Douglas Macedo sobre “O Atlas da mudança climática: o mapeamento completo do maior desafio do planeta” de Kistin Down e Thomas Downing e de Luis Guilherme Maturano e Vera Lúcia Santos Abrão sobre “Para onde vai o pensamento geográfico? por uma epistemologia crítica de Ruy Moreira)” encerram esta publicação que esperamos não só trazer um repertório instigante de trabalhos já concluídos ou em andamento, como também estimular a reflexão, a curiosidade e a necessidade de ampliar conhecimentos. Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá
  • 4. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 4
  • 5. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 5 Apresentação do quinto volume Com enorme satisfação apresentamos mais um número da re- vista DIALOUS, o quinto, buscando manter a tradição de apresentar uma gama de trabalhos que versam nas mais variadas temáticas e concepções teorico-metodológicas. A revista foi assumindo, de forma gradativa, o caráter em que se encontra hodiernamente, sempre apresentando como traço definidor o interesse interdisciplinar e a preocupação com os problemas sociais. Nesse sentido, no cumprimento de sua vocação, a DIALOGUS continua a acolher artigos, resenhas e ensaios que delineiem as divisões acadêmicas, científicas e humanísticas. Este periódico opta pelo desenvolvimento de cunho social ético, exigindo assim um exame idôneo da realidade que se deseja transformar. Daí o cuidado na construção dos dossiês, visando sempre uma temática relevante, utilizando critérios objetivos na escolha dos mesmos. Deixamos consignado um agradecimento aos professores José Willian Vesentini e Pedro Paulo Funari pelas entrevistas concedidas sobre temáticas polêmicas da sociedade e sua cultura neste começo de século. A DIALOGUS se prepara para uma reformulação necessária à adequação aos novos critérios de qualidade estabelecida pela Capes, uma vez que sempre notabilizamos pela busca incessante de aprimoramento no intuito de alcançar, para este periódico, a mais alta qualidade. Comissão Editorial
  • 6. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 6
  • 7. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 7 SUMÁRIO/CONTENTS Entrevista/Interview Geografia, política e educação: Diálogos contemporâneos com José Willian Vesentini Geography , policy & education : dialogs contemporary with Joseph Willian Vesentini Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES p.15 Andreza França PIRONI Um percurso, uma história: entrevista com o Prof. Dr. Pedro Paulo Funari A course , a history : interview with the Prof. Dr. Peter Paul Funari Suzana Barretto RIBEIRO p.35 Ana Carla VANNUCCHI Dossiê “Religião e Religiosidade” sacrificium laudis: breve análise do rito de São Pio V e do Novo Ordo Missæ de Paulo VI (1969-2007) Sacrificium Laudis: An analysis of the Saint Pius V Rite and the New Ordo Missæ of Paul VI (1969-2007) Juliano Alves DIAS p.57 Os fundamentos religiosos da pequena propriedade no pensamento católico: uma perspectiva histórica The fundamental religious from small property into the Catholic thought:Ahistorical perspective Sérgio Campos Gonçalves p.81
  • 8. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 8 Música protestante em Ribeirão Preto: a experiência presbiteriana (1977-1989) Music protestant in Ribeirao Preto: the presbyterian experience Sérgio Paulo de Andrade PEREIRA p.95 Pestes e penúrias nos relatos jesuíticos do século XVI Pestilences in 16th century Jesuit reports Felipe Ziotti NARITA p.119 Artigos/Articles Educação/Education Inserçãosocialpelaeducação:Panoramasócio-históricodaimprensa negra paulista Social insertion for the education: Partner-historical panorama of the black press of São Paulo Sabrina Rodrigues Garcia BALSALOBRE p.133 Arelaçãofamília-escolanasociedadecontemporânea:Considerações teóricas The Family-School Relationship in Contemporaneous Society: Theoretical Considerations Taciana Mirna SAMBRANO p. 153 Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES Epistemologia/Epistemology Sobre “o caminho da servidão”, de Friedrich August Von Hayek: uma filosofia da história e da liberdade no pensamento liberal neoclássico On “o caminho da servidão”, by Friedrich August Von Hayek: a philosophy of history and freedom of thought in the liberal neoclassical Caio Graco Valle COBÉRIO p.175
  • 9. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 9 Julia Lopes de Almeida: acaso ou descaso da historiografia? Julia Lopes de Almeida: fortune or carelessness from historiografia Deivid Aparecido COSTRUBA p.197 Geografia/Geography Proposta de elaboração do gráfico de eventos climáticos Proposal of preparation of the graph of climatic events André Geraldo BEREZUK p.207 João Lima SANT´ANNA NETO Desmandos e disputas no extremo noroeste paulista: Revisão dos episódios relevantes na luta pela terra Malpractice and disputes in the far (extreme) northwest of Saint Paul: review of relevant episodes in the struggle (fight) for land Paulo Henrique de SOUZA p.225 Marta Maria Pereira de SOUZA Ribeirão Preto-SP: A dinâmica dos espaços públicos na produção do espaço urbano Ribeirão Preto-SP: the public spaces in the urban space production Marcos Antônio Silvestre GOMES p.255 História/History O rural e a nação na república Rural and Nation In the Brazilian Republic Marcus DEZEMONE p.277
  • 10. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 10 Ouniversocaipira:PermanênciasepluralidadesnaregiãodeRibeirão Preto/SP (1930/1970) The universe caipira: pluralidades stays in the region of Ribeirão Preto / SP (1930 / 1970) Rodrigo de Andrade CALSANI p.299 Tiago Silva GIORGIANNI Café e indústria em Ribeirão Preto: O caso da electro-metallúrgica brasileira S.A. (1921 – 1931) Coffee and industry in Ribeirão Preto e indústria em Ribeirão Preto: the case of “Electro-Metallúrgica Brasileira S.A.” (1921 – 1931) Paulo Henrique Vaz Lara p.319 Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA Ensaio/Analysis FILHO, Domício Proença. Pós-modernismo e literatura. São Paulo: Ática, 1995. Debora Luiza MESQUITA p.339 Resenha/Review LOPES, Nei. O Racismo Explicado aos meus Filhos. São Paulo: Editora Agir, 2007. Antonio Carlos Lopes PETEAN p.345 DOW, Kirstin; DOWNING, Thomas. O Atlas da mudança climática: o mapeamento completo do maior desafio do planeta. São Paulo: Publifolha, 2007. Douglas MACEDO p.349
  • 11. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 11 MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? : por uma epistemologia crítica. 1ª ed., São Paulo: contexto, 2008. Luis Guilherme MATURANO p.353 Vera Lúcia Santos ABRÃO
  • 12. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 12
  • 13. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 13 Entrevista / Interview
  • 14. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 14
  • 15. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 15 GEOGRAFIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS COM JOSÉ WILLIAN VESENTINI. Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES1* Andreza França PIRONI2** Contextualizar o espaço no seu sentido mais amplo, abarcando seus aspectos político, econômico e social, hodiernamente, torna-se uma tarefa extremamente complexa, uma vez que, ancorados no processo de globalização e na efemeridade social, concepções são construídas, destruídas e reconstruídas em uma velocidade nunca presenciada antes. Com efeito, para discutir este momento convidamos o professor José Willian Vesentini a compartilhar suas visões acerca da Ciência Geográfica, política e dos processos educacionais atuais. José William Vesentini é Livre Docente em Geografia Política e Professor de Pesquisador no Departamento de Geografia da FFLCH da Universidade de São Paulo. É autor de vários livros didáticos (todos editados pela Ática e que representam uma renovação neste setor) e acadêmicos (publicados por várias editoras), entre os quais “A Capital da Geopolítica” (Ática, 1987), “Novas Geopolíticas” (Contexto, 2000), “Nova Ordem”, “Imperialismo e Geopolítica Global” (Contexto, 2003), “O ensino da Geografia no século XXI” (coletânea de textos de vários autores, editora Contexto, 2003). * Geógrafo, Especialista em Política e Estratégia, Doutor em Educação Escolar pela UNESP, campus de Araraquara. Professor Titular do Centro Universitário Barão de Mauá. Pesquisador do GPESPE (Grupo de Pesquisa e Estudo em Estado, Sociedade, Política e Educação – IE/UFMT). **Graduanda em Geografia pelo Centro Universitário Barão de Mauá.
  • 16. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 16 DIALOGUS: Estamos diante de um mal-estar em relação ao (plano) pensamento em geral, mais especificamente, daquele dotado da razão iluminista enquanto base de fundamentação da dinâmica do mundo contemporâneo. Tal crítica é comumente denominada de pós- modernidade. Desse modo, qual a sua visão a respeito desse contexto? Vesentini: Confesso que não vejo a situação cultural hodierna como mal-estar. A idéia de um “mal-estar da civilização” [qual? como se só existisse uma!], foi uma temática muito freqüente no início do século passado; ela contribuiu para o clima de pessimismo que possibilitou o advento dos totalitarismos. Tampouco vejo o final da razão iluminista, que a meu ver prossegue mesmo tendo sido reformulada em pelo menos dois aspectos. Primeiro, pela enorme presença de outras racionalidades, que ganharam espaço – ou deixaram de se retrair – no mundo atual: a religiosidade e no extremo os fundamentalismos, os misticismos (hipertrofiados pelo cinema e pela mídia) e os dogmatismos de vários matizes. Elas sempre existiram. Mas ganharam uma maior aceitação com a crise do marxismo e do socialismo real, com o avançar da globalização e com o não equacionamento de velhos problemas – tais como a situação do povo palestino, as desigualdades internacionais e a miséria, que apesar de ter diminuído na escala mundial em termos absolutos e relativos nas últimas décadas continua sendo um tema estratégico exatamente pela globalização e formação embrionária de uma sociedade mundial –, fatos que engendraram um vazio de ideologias e um clima de pessimismo. Segundo, pela mudança de telos, de objetivos. O racionalismo atual não está mais ligado ao mito de um progresso infinito, ao menosprezo pela natureza.Tampoucoaumidealúnicoparaahumanidade–sejaasociedade positiva, seja o socialismo mundial. Existe agora a incorporação da questão dos Outros, de outras racionalidades, outros ideais quanto ao futuro. Ipso facto, não entendo a pós-modernidade como superação da racionalidade iluminista e sim como certa continuidade. Não uma continuidade linear, evidentemente, mas talvez a única possível após a descoberta da biosfera com os seus limites tangíveis, após a falência da ideologia do progresso,
  • 17. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 17 após os horrores dos totalitarismos (nazista e stalinista) no século XX. Enfim, após a derrocada daquilo que Hannah Arendt denominou “substituição da política pela história”, operada tanto por Hegel como por Marx, ou seja, a crença [o uso deste termo aqui é proposital] numa lógica da história, numa teleologia consubstanciada seja pela Razão seja pelo desenvolvimento das forças produtivas. Encaro o pensamento pós- moderno como pluralista e por esse motivo democrático, ao contrário do iluminismo clássico, pelo menos em algumas de suas vertentes (as mais populares), que era unívoco e acreditava numa progressiva “iluminação” das trevas (religião, ideologias, mitos e até o senso comum) pela ciência moderna. Era cientificista enfim, algo que o pensamento pós-moderno não é. Mas isso não significa que a ciência tornou-se secundária e sim que se deixou de lado aquele mito do “progresso” – ou qualquer tipo de evolução linear – reproduzida pelo positivismo e também pelo marxismo, a crença numa cientifização da sociedade e da cultura. Assim sendo, não compartilho aquela desconfiança – até mesmo denúncia – da razão iluminista nos moldes da Escola de Frankfurt [embora os seus herdeiros nos dias de hoje, como Habermas, sejam intransigentes defensores da racionalidade moderna e da democracia], isto é, daqueles autores que vivenciaram de perto o totalitarismo e a Segunda Guerra Mundial (Adorno, Horkheimer, Marcuse). Penso que o ideal kantiano de uma racionalidade que conduza os indivíduos e a humanidade à autonomia – a idéia de crítica como realização do Aufklärung, como superação com subsunção e ao mesmo tempo engajamento num projeto de libertação – continua atual. Nesse sentido, faço minhas as seguintes palavras do escritor Francis Wheen: “A nova batalha será entre o melhor do legado do Iluminismo (racionalismo, empirismo científico, separação da Igreja e do Estado) por um lado e, do outro, várias formas de obscurantismo e relativismo destituído de valores, freqüentemente mascarado como ‘antiimperialismo’ ou ‘antiuniversalismo’ - para dar um verniz atraente radical a atitudes profundamente reacionárias”.
  • 18. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 18 DIALOGUS: Nessa linha, acerca dos problemas do mundo contemporâneo, a crítica pós-moderna também emergiu a concepção de um “novo paradigma”, uma nova forma de observar a realidade. Desse modo, em sua opinião, isso afetou a Geografia no que tange aos conceitos de lugar, região e organização espacial? Vesentini: Não sei se o pensamento pós-moderno tem ou pretende constituir um “novo paradigma”. Creio que isso é mais uma idéia meio jornalística ou de propaganda científica, engendrada no rastro da história da ciência pensada por Thomas Khun com os seus juízos de “ciência normal” e rupturas revolucionárias que dão origem a um novo paradigma. Determinados autores – como Fritjof Capra, por exemplo – que reproduzem essa idéia de um “novo paradigma” na verdade nem são de fato pós-modernos, são mais jornalistas científicos, pessoas preocupadas com a divulgação de uma visão holística da natureza, do sistema planetário. São importantes sim, com trabalhos relevantes na área da difusão da ciência – e da necessidade de preservar o meio ambiente – para o grande público, mas dificilmente poderíamos rotulá- los de pós-modernos. A pós-modernidade na cultura, na filosofia e nas ciências humanas [pois só aqui ela tem relevância; isso não existe nas ciências naturais] é antes de tudo pluralista. Admite múltiplas verdades – embora, diferentemente do relativismo puro e simples, essas verdades podem ser confrontadas, podem ser complementares ou opostas, podem ser falseadas ou confirmadas provisoriamente pelo confronto com a realidade. No que toca à questão do lugar, na geografia, existe mesmo um quase predomínio da fenomenologia, do lugar enquanto espaço de vivência e de percepção. Isso é relativamente novo e importante, mas não é necessariamente pós-moderno (a não ser que seja complementado por outros olhares, outras formas de enxergar o lugar). Por sinal, não compartilho com aqueles que, na trilha do antropólogo Marc Augé, enxergam “não-lugares” nos shopping centers, aeroportos, determinados bairros (superquadras) etc. Uma visão preconceituosa. São lugares sim,
  • 19. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 19 com história e principalmente sociabilidade: basta ver a importância de determinados shopping centers para os jovens, ou pelo menos para um determinado tipo deles, e basta ver a importância social dos aeroportos para quem trabalha por lá. Quanto à região sem dúvida que existe hoje uma leitura pós- moderna do tema. Exemplificando com o Nordeste brasileiro, podemos dizer, simplificando, que existem três leituras. A primeira, tradicional e lablachiana, encara a região como um “dado” (da natureza e também da cultura, da interação de uma comunidade com o seu meio, deixando marcas: obras, estradas, campos de cultivo, cidades, uma certa economia regional e um certo modo ou gênero de vida). A segunda, eminentemente moderna, vê a região como produto da divisão territorial do trabalho, uma economia regional também [a cultura aqui é tão-somente um subproduto] embora forjada não propriamente por elementos internos e seculares (a comunidade e seu meio ambiente) e sim pela propagação do capitalismo, que se expande e reorganiza a região. E a terceira, pós-moderna, entende que região Nordeste é uma “invenção” ou uma “construção”, não no sentido de construção econômica ou apenas material e sim como projeto de dominação. Em suma, é um ponto de vista como diria Hartshorne, mas não um ponto de vista meramente subjetivo e sim norteado por relações de poder – daí a influência de Foucault. A pós-modernidade enfatiza mais a política – ou melhor, as relações de poder – do que a economia, do que o modo de produção. Ela vem se expandindo na geografia, embora nesta exista a coexistência do tradicional com o moderno e com o pós-moderno. Não existe um paradigma único e tampouco apenas um “novo paradigma”. Existe a meu ver complexidade e não uma dicotomia simplista entre um velho e um novo paradigma. DIALOGUS: À medida que adentramos no século XXI, quais os aspectos mais significativos que você constatou em termos de políticas educacionais? Vesentini: De forma bem resumida podemos dizer que vivemos a transição de uma escola conteudista para outra cujo escopo não é
  • 20. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 20 reproduzir conteúdos (nem mesmo conceitos) e sim contribuir para desenvolver nos educandos determinadas competências, inteligências múltiplas, habilidades e atitudes democráticas. Isso não significa que os conteúdos (e no seu interior os conceitos) sejam dispensáveis e sim que eles deixam de ser a finalidade da atividade educativa (o saber isto ou aquilo, o assimilar este ou aquele conceito ou informação) para se tornarem um meio, um instrumento. Muitos equivocadamente vêem essa mudança como a implementação de uma escola construtivista, ou sócio- construtivista,ouperrenoldiana,ououtracoisaqualquerligadaaalgumautor ou corrente de pensamento. Puro idealismo. Sem dúvida que educadores como Piaget, Vygotsky, Gardner ou Perrenoud, dentre outros, são importantes e deram cada um à sua maneira contribuições para esta nova escola. Mas ela vai além de suas idéias. Não é rigorosamente piagetiana (embora incorpore certos ensinamentos deste), nem vygotskiana (idem), nem gardneriana (idem) e muito menos perrenoldiana (idem), mas algo que vai além do conjunto deles todos mesmo os subsumindo (ao menos parcialmente). No fundamental, esta nova concepção de escola deriva das mudanças históricas da nossa época, das necessidades do nosso tempo. É a escola para o século XXI. Em outras palavras, é a escola para a terceira revolução industrial – que reordena de forma radical o mercado de trabalho, exigindo agora pessoas que saibam pensar por conta própria, que se reciclem constantemente, que saibam trabalhar em equipe, que sejam criativas, sendo secundários o diploma e os macetes de uma dada profissão. É o sistema escolar apropriado ao mundo globalizado, no qual se expande as idéias de “direito ambiental” e principalmente de “direitos do homem” – não confundir com “direitos do cidadão” [nacional] –, isto é, de todos os seres humanos independentemente do lugar onde nasceram. Também é a escola para o mundo no qual quase todas as sociedades se tornam cada vez mais multiétnicas e multiculturais (daí a necessidade de as pessoas aprenderem a conviver com os Outros), advindo disso tudo a necessidade de uma nova democracia. Talvez a obra que melhor retrate isso, pelo menos até o momento, é o trabalho coletivo organizado pela Unesco, Educação, um tesouro a descobrir.
  • 21. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 21 DIALOGUS: Qual é a relação entre cultura, poder e economia na educação e na sociedade em geral? Existe, em sua opinião, uma relação entre pobreza e educação? Vesentini: É óbvio que existe essa relação. Isso nem é mais uma questãodeopiniãoesimalgojáexaustivamentedemonstradoporinúmeras pesquisas empíricas. Nada é mais importante para o futuro de uma sociedade – isto é, para o seu “desenvolvimento” – do que a qualidade do seu sistema escolar. Vários especialistas de inúmeras áreas da filosofia ou das ciências asseguraram que o ensino é a chave para o desenvolvimento econômico e social sustentável. Não cabe aqui uma série de citações para comprovar essa obviedade. Todavia, não se pode negligenciar que até mesmo alguns eminentes economistas – sempre estereotipados como aqueles que só enxergam a produção material independentemente de suas conseqüências ambientais ou sociais! – concluíram que um ensino de qualidade amplamente generalizado, direcionado para a formação de cidadãos ativos, é o elemento essencial para um desenvolvimento efetivo. Paramencionarapenasdoisexemplos,podemoslembrarqueAmartyaSen, prêmio Nobel de economia em 1998, reiterou que o desenvolvimento não apenas pressupõe, como se imaginava, mas “é um processo de expansão das liberdades” [liberdades democráticas, isto é, cívicas, políticas, sociais, culturais, ambientais, dentre as quais o direito à educação de qualidade]. Outro prêmio Nobel de economia (em 1973), Douglass North, já havia concluído de forma taxativa que “inovação, economias de escala, educação de qualidade, acumulação de capital, etc., não são causas do crescimento. Eles são o desenvolvimento”. Quanto ao poder, é evidente que na sociedade moderna, mesmo no Brasil atual, ele não decorre apenas – por sinal, nem principalmente – da riqueza material. Ele decorre do status [é por isso que políticos e outras autoridades quase sempre se enriquecem e principalmente adquirem maior poder de influência através da posse de meios de comunicações], que em grande parte vem da educação no sentido amplo do termo (não confundir com diploma). Os gregos da antiguidade, que inventaram a
  • 22. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 22 política, já sabiam que o “saber falar”, o saber se expressar corretamente – por favor, não confundam isso com regras de gramática –, isto é, saber convencer, é condição primordial para o exercício do poder. DIALOGUS: Qual sua opinião acerca dos currículos nacionais sobretudo o que preconiza a LDB e o proposto pelos PCNs, em especial, o de Geografia? Vesentini: Acho que na média – isto é, apesar de determinados problemas ou lacunas aqui ou acolá – eles são bons, constituem um avanço. Não podemos nem devemos ser idealistas ou platônicos naquele sentido – muito comum no Brasil e naAmérica Latina, especialmente entre os que se autointitulam esquerda – segundo o qual só o perfeito (o ideal) é que serve, sendo que todo o resto é um retrocesso, é algo execrável e estereotipado como “capitalista”, “neoliberal”, “reformista” ou qualquer outro rótulo em voga no momento. Em função da realidade brasileira – uma sociedade (e não apenas Estado) profundamente autoritária, diga- se de passagem –, bem ou mal, apesar dos pesares, essas legislações constituem avanços a serem defendidos e implementados (algo que ainda não existe de fato). Devem sim ser aperfeiçoadas, mas antes de tudo colocadas na prática, generalizadas, o que – repito – ainda não ocorreu. Não existem ainda vários itens que a LDB preconiza, tais como um mínimo de 12% do orçamento da União e 20% de cada Município como gastos obrigatórios com educação, ou a generalização do ensino elementar obrigatório para crianças com até 14 anos de idade. Quanto aos PCNs, são no fundo quase uma cópia das diretrizes da Unesco para o ensino do século XXI: preocupações mais com competências e atitudes do que com conteúdos, interdisciplinaridade, temas transversais etc. São relativamente semelhantes aos Standards norte-americanos elaborados durante o governo Clinton, que em parte servia de inspiração para o governo FHC no Brasil. [O governo Clinton elaborou esses Standards, ou parâmetros, após alguns anos de discussões “de cima para baixo”, a partir de escolas, professores, representantes de comunidades locais e associações de profissionais (geógrafos, matemáticos, historiadores).
  • 23. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 23 Depois as sugestões locais, através de representantes eleitos, foram para deliberação em órgãos estaduais e finalmente federal. Apesar disso, existe uma clara influência de certos escritos da Unesco nos Standards de geografia, por exemplo, o único que conheço.] A LDB dá mais autonomia para os Estados em detrimento das diretrizes federais.Aprincípio, levando- se em conta as diversidades regionais do Brasil, isso é positivo. Mas sem dúvida que os PCNs federais são muito melhores do que a atual proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por exemplo, que é extremamente conservadora (e conteudista, embora os conteúdos que importem de fato sejam apenas os de matemática e português) e, mesmo de forma talvez inconsciente, uma reprodução grotesca da proposta educacional do governo George W. Bush nos Estados Unidos. Considero muito bem feitos os PCNs de geografia para o ensino médio. Eles dão orientações pertinentes e não trazem aquele rol de conteúdos que eram usuais em nossas propostas curriculares federais ou estaduais. Já os PCNs de 5ª à 8ª séries, elaborados por outra equipe, são bem tradicionais e até mesmo destoam da orientação geral dos PCNs. Eles dão listas e até detalhes de temas ou conteúdos a serem abordados em cada uma das séries, algo ridículo frente a um ensino não conteudista e completamente alheio à nossa realidade com grandes diversidades regionais. Mas já notei, entrando no site do MEC na net, que deram um jeito de reformular esses PCNs de geografia, que agora são de 6ª à 9ª séries, tirando aquelas listas de temas ou conteúdos obrigatórios para esta ou aquela série e colocando no lugar preocupações com o desenvolvimento do raciocínio geográfico (algo que inicialmente não existia), com determinadas competências ou habilidades etc. Ficou bem melhor. DIALOGUS: Neste sentido, a nova alteração que objetiva condensar as disciplinas em quatro amplas áreas de conhecimento significa um avanço ou um retrocesso em relação ao contexto educacional e à geografia escolar em especial? Vesentini: No fundo, tudo depende de como isso será operacionalizado. Existem apenas interrogações sobre essa pretensa
  • 24. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 24 alteração. Mas vejo essa proposta – pois felizmente não passa disso – com preocupação. Seriam quatro áreas: matemática, idiomas, ciências naturais e ciências humanas. Entretanto, na medida em que não existem nem podem existir cursos superiores de “ciências naturais” ou de “ciências humanas” ou mesmo de “línguas” em geral (mas apenas de inglês, português, alemão etc.), os professores são obrigatoriamente formados em física, biologia, história, geografia, letras (com licenciatura em inglês, francês ou espanhol), artes e por aí afora. Assim, como vai ocorrer na prática essa suposta unificação dentro de cada área? O professor de geografia vai lecionar “ciências humanas”? Ou será que ele vai lecionar “ciências naturais”? E o professor de história (ou o de sociologia) vai lecionar algo chamado “ciências humanas” ao invés de história? E como fica nesse enquadramento esdrúxulo o professor de filosofia, já que esta não é uma ciência humana e tampouco uma “ciência exata ou biológica”, para usarmos a polêmica rotulagem oriunda do MEC? E o professor de artes? E o de educação física? Como se vê, é uma divisão arbitrária que não corresponde minimamente à complexidade das ciências ou mesmo – o que é algo diferente – das disciplinas escolares. Ao invés de uma reunião das disciplinas escolares em quatro áreas – teoricamente para simplificar e incentivar a interdisciplinaridade –, o ideal seria nortear o ensino para que ele seja menos conteudista e mais voltado para desenvolver inteligências múltiplas, competências, atitudes democráticas. Desenvolver a interdisciplinaridade, minimizar a compartimentação entre as disciplinas, sem dúvida que é algo necessário. Mas esse reagrupamento das disciplinas escolares em quatro áreas não é a melhor forma de se fazer isso. Enfim, não creio que a simples reorganização curricular em quatro áreas seja um avanço. Nem mesmo que isso facilite a interdisciplinaridade. É mais uma idéia excêntrica destinada ao fracasso e a uma vida curta, se é que vai ser implementada, tal como tantas outras experiências malucas e perniciosas que já foram tentadas – seja no nível federal ou estadual – nas últimas décadas no Brasil.
  • 25. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 25 DIALOGUS: Neste contexto, a Geografia, enquanto ciência e, mais especificamente, no âmbito escolar, poderá desaparecer? Vesentini: Não creio nisso, pelo menos não no curto prazo. Na verdade, esse “desaparecimento” – o uso das aspas logo será justificado – das disciplinas escolares (e não apenas da geografia escolar) é algo possívelparaumfuturorelativamentedistante,digamosdenomínimoumas quatro décadas. Mas será um desaparecimento formal e não real, pois os alunos talvez deixem de ter aulas de disciplinas separadas (matemática, história, geografia, ciências) e passem a ter atividades interdisciplinares do tipo “pensem em despoluir o rio que corta a sua cidade”, “reflitam sobre as causas da criminalidade e as medidas para reduzi-la”, “projetem um roteiro de férias com viagens pela Europa” etc. Mas para realizarem essas atividades eles vão contar com a orientação de professores (de geografia, matemática, história...), com mapas (sejam de papéis ou interativos nos monitores), com computadores e suas redes, com estudos do meio programados e com a supervisão de vários professores ao mesmo tempo etc. DIALOGUS: O senhor escreveu diversos livros didáticos. Atualmente, o que pensa sobre os livros didáticos utilizados nas escolas, em especial o que foi distribuído pelo poder público no Estado de São Paulo, neste ano de 2009? Vesentini: Na verdade o que foi distribuído nas escolas no Estado de São Paulo não foram livros e sim apostilas. Apostilas com o formato (e o papel) de jornais, que por sinal foram impressas em gráficas de alguns jornais, digamos, estratégicos. Estratégicos para a futura campanha eleitoral do atual governador de São Paulo. O Estado pagou dezenas de milhões de reais para cada um desses jornais – inclusive um em Minas Gerais, talvez avesso à virtual campanha do candidato à Presidência da República na medida em que ele poderá ser escolhido no lugar do atual governador de Minas. (São do mesmo partido e disputam a indicação deste). Numa época de evidente diminuição de assinantes e
  • 26. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 26 compradores (nas bancas) dos jornais impressos, que em grande parte estão endividados, foi uma dádiva para eles. Será que vão agradecer promovendo o governador? Entrando agora no mérito didático e científico dessas apostilas, não há como deixar de notar que são de péssima qualidade, feitas visivelmente às pressas e por equipes formadas por pessoas que possuem orientações díspares. Isso por si só não é algo ruim, desde que existisse um mínimo consenso sobre o tipo de ensino que se quer, para que educar, que atividades devem ser implementadas etc. O problema é que daí – e também da pressa – adveio textos atrapalhados e sem coerência, alguns até com graves equívocos conceituais.Além disso, existe nessas apostilas –nãosónasdegeografia–umafilosofiaeducacionalneoconservadora,que lembra bastante – talvez tenha sido a inspiração – a política implementada desde 2001 nos Estados Unidos pelo catastrófico governo de George W. Bush com a sua proposta consubstanciada na legislação No Child Left Behind Act, a partir da qual todas as demais disciplinas escolares foram relegadas a um segundo plano em prol da supervalorização da matemática e do inglês. O atual e novo governo norte-americano já está modificando essa orientação pedagógica neoconservadora – no fundo, voltada somente para os estudantes se saírem bem em testes nacionais e internacionais de matemática e escrita –, mas aqui no Brasil, como sempre, vivemos alguns anos de atraso. Nessas apostilas distribuídas este ano pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo todas as demais disciplinas escolares tornaram-se auxiliares para ensinar matemática e língua portuguesa. Isso foi uma orientação que veio de cima, da Secretaria, e os professores universitários [sic] convidados para redigirem as apostilas, vergonhosamente, assumiram essa tarefa sem nenhuma forma de rebeldia, sem discordarem minimamente dessa orientação deformadora. Parece que existem certos intelectuais que desde que recebam algum pagamento fazem ou escrevem qualquer coisa para qualquer finalidade. Nessas apostilas a disciplina escolar história virou apenas leitura de textos, ou seja, auxiliar da língua portuguesa. Não importam os raciocínios históricos (memória, construção dos fatos, processos, lutas sociais) e sim
  • 27. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 27 a interpretação formal (gramatical e semântica) de um texto. A geografia virou auxiliar da matemática: os três primeiros meses do ano letivo foram preenchidos apenas com cálculos de fusos horários e escalas cartográficas – e isso em todas as séries finais do ensino elementar (5ª à 8ª) e no ensino médio! E o mesmo ocorreu nas demais disciplinas.Aestrutura conceitual – os conteúdos e conceitos sugeridos, os temas e o seu encadeamento – da disciplina escolar geografia nessas apostilas parece o “samba do crioulo doido” de Sérgio Porto. Uma mistura de fenomenologia (mal entendida) com marxismo (idem), com geografia tradicional e com uma caricatura da geografia quantitativa, e tudo isso direcionado fundamentalmente para tornar a geografia uma auxiliar no aprendizado da matemática (em primeiro lugar) e da língua portuguesa. Alguns equívocos grosseiros já foram denunciados pela mídia: por exemplo, mapas absurdos (um da América do Sul no qual existem dois Paraguais, um no lugar do Uruguai e o outro no lugar da Bolívia!). Provavelmente quem elaborou esses mapas nem se importou de fato com a geografia e sim com a escala e a possibilidade de os alunos fazerem cálculos de distâncias no mapa (evidentemente que sem a menor preocupação que os cálculos tenham alguma correspondência com a realidade). Outro é a confusão conceitual. Só para mencionar um exemplo, existe um tema a ser abordado chamado “Choque de civilizações” – de nítida inspiração huntingtoniana –, mas o conteúdo sugerido para ele é “Geografia das religiões”! Ou seja, os autores sequer sabem a diferença entre civilização (como a Ocidental ou a Sínica) e religião, algo que faria o finado Huntington se revirar na cova. DIALOGUS: Uma outra proposta polêmica surge este ano em relação à forma de ingresso nas instituições públicas de ensino superior, em especial nas universidades federais, uma vez que se preconiza a unificação do ENEM aos vestibulares. O que pensa a respeito? Vesentini: Pode ser uma alternativa melhor do que os atuais vestibulares. Examinei os exames do Enem durante vários anos e concluí que indiscutivelmente eles são melhores (ou menos ruins) do que todos os vestibulares, sejam os da Unicamp, da UFRJ, da USP ou de qualquer outra
  • 28. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 28 universidade. Em geral, salvo exceções (e infelizmente parece que estas vêm aumentando nos últimos anos, no governo Lula, com os avaliadores progressivamente fazendo questões que “cobram” mais conteúdos populistas, isto é, certo posicionamento ideológico, identificação com o MST, por exemplo, críticas ao agrobusiness etc.), as questões do Enem demandammaisraciocínioemenosinformaçõesouconteúdos,aocontrário dos vestibulares. Além disso, são questões em geral interdisciplinares, que unem a geografia com a física, com a história, com a matemática e assim por diante. São muito comuns no Enem questões com mapas, tabelas ou gráficos nas quais a própria resposta já está implícita neles. Elas exigem mais raciocínio, atenção, capacidade de interpretar tabelas, mapas ou gráficos. Mas a imensa maioria dos candidatos erra esse tipo de questões porque está acostumada com conteúdos, com respostas prontas que apenas devem ser memorizadas. Por isso considero que colocar exames como os do Enem, desde que não desvirtuados, no lugar dos atuais vestibulares massificadores e conteudistas, representa um avanço educacional. Não é a melhor solução, mas é um passo adiante. O problema que vejo é que já estão falando em “reformar o Enem para adaptá-lo à função dos vestibulares”. Uma idiotice. Ou ele fica tal como foi idealizado – isto é, um exame para avaliar mais competências e raciocínios (lógica, espírito crítico – que não deve ser confundido com opiniões panfletárias –, competência na interpretação de gráficos, tabelas ou mapas, capacidade de tirar conclusões a partir de certos dados etc.) – ou é melhor manter os vestibulares. Pois se o Enem for reformulado dessa maneira – isto é, segundo a mídia, para “cobrar conteúdos necessários” (sic!) para o vestibular –, então ele nada mais será que um novo vestibular massificador e conteudista. Neste caso, por que mudar? Só para ter um exame ao invés de vários? Isso seria um retrocesso. Vamos repisar o óbvio. Qual é o problema dos vestibulares? Um vestibular (o termo vem de vestíbulo) nada mais é que um exame (seja ele qual for), ou um complexo de exames, entrevistas, análise de currículos, provas orais etc., para selecionar os alunos que podem ingressar num determinado curso. Entendido dessa forma, o vestibular em si – isto é
  • 29. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 29 o processo de seleção para os candidatos a tal ou qual curso – não é o problema, mas sim a sua forma atual, os vestibulares que existem hoje em dia no Brasil. De fato, o atual formato do vestibular para o ensino superior no Brasil é obsoleto e inclusive inadequado para a finalidade a que se propõe. É massificador e foi inspirado no fordismo, na linha de montagem com produção estandardizada. Ele se iniciou no final dos anos 1960, pois até esse período existiam no país vestibulares com formatos diversos. O aluno fazia um vestibular no curso que queria ingressar, e os exames eram diferentes conforme a instituição de ensino. Existiam poucas questões de múltipla escolha, muitas questões abertas ou discursivas, redações ou dissertações e até mesmo outras atividades (desenho de um projeto nos cursos de arquitetura e engenharia, provas orais nos cursos de história, geografia, sociologia, filosofia etc.). Era um vestibular descentralizado, inclusive dentro da mesma universidade. Cada departamento da USP, por exemplo, realizava o seu vestibular com os seus critérios e dando maior ou menor peso a determinadas disciplinas escolares e a determinados tipos de provas. No final dos anos 1960, em plena ditadura militar, iniciou-se a formação de instituições centralizadoras para unificar os vestibulares de dezenasdefaculdadesdiferentes.Umótimonegócioparaalguns.Opretexto para isso foi o crescente número de candidatos e também a existência dos “excedentes” comuns nos anos 1960, ou seja, aqueles que alcançavam a média mínima – geralmente 5,0 (cinco) – para ingressar num determinado curso superior, mas não podiam se inscrever porque havia um excesso de candidatos aprovados em relação ao número de vagas disponíveis. Foram eliminados os “excedentes” com o final da média mínima: passaram a ser aprovados apenas aqueles candidatos que tiveram as maiores médias – mesmo que apenas 1,5 (um e meio), por exemplo – para ingressar num determinado curso, no número exato da disponibilidade de vagas, e ponto final. Também ocorreu uma ampliação do número de vagas em geral e mais ainda do número de vestibulandos, algo concomitante e decorrente da expansão quantitativa do ensino médio no Brasil. Daí se pensou numa simplificação – e centralização – dos vestibulares pela via de uma correção automatizada, feita por computadores [ou por máquinas que rapidamente
  • 30. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 30 processavam cartões perfurados, antes da expansão dos computadores], o que implicou numa supervalorização das questões de múltipla escolha e iguais para todas as carreiras. Mas isso gerou uma perda qualitativa. No lugar de avaliar as aptidões, as competências dos candidatos para os cursos X ou Y (que podem ser bastante diferentes), como bem ou mal se procuravafazeratéentão,foiimplantadoumprocesso únicoecentralizado, massificador, que trata todas as carreiras e todos os candidatos como se fossem iguais, como se o aluno N, que tirou a nota mais alta no vestibular unificado, tivesse habilidades e competências para entrar em qualquer curso, independentemente das características específicas deste. Um absurdo na medida em que os indivíduos têm aptidões ou potencialidades diferentes e cada profissão, cada curso superior demanda competências e habilidades diversas. Por exemplo, não é porque um candidato obtém uma média elevada em matemática e português (disciplinas com maior peso nos vestibulares) que ele está apto para fazer medicina, por exemplo, curso no qual ele poderá esquecer sem nenhum prejuízo para a profissão quase tudo que estudou para o vestibular (principalmente daquelas duas disciplinas) e que na verdade deveria avaliar outras coisas. Imagine esse indivíduo depois se tornando um cirurgião, atividade que demanda certas habilidades manuais que a maioria não tem. Há alguns meses uma amiga, professora de graduação e pós-graduação num curso de odontologia, me afirmou que tem pena dos pacientes de inúmeros alunos, que estão se tornando cirurgiões dentistas especializados neste ou naquele ramo, pois apesar das elevadas notas que tiraram no vestibular não têm sequer uma mínima habilidade manual e conseguem arruinar os dentes daqueles que caem sob seus cuidados. Outro exemplo seria o curso de arquitetura, que exige criatividade por parte dos candidatos, ou de psicologia, que demanda inteligência social e emocional, competências ou aptidões que nem de longe são medidas nos exames vestibulares. Poder-se-ia ainda mencionar vários outros cursos e profissões – direito, por exemplo, que necessita basicamente raciocínio lógico e inteligência lingüística; ou geografia, que reclama capacidade de observação e de síntese – que exigem competências e habilidades específicas que são totalmente
  • 31. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 31 negligenciadas nesses exames. Essa aparente digressão que realizamos no parágrafo anterior serviu para mostrar que o correto seria a existência de vestibulares (no plural) diferentes de acordo com o curso, com a carreira que o candidato escolheu. E não de acordo com a universidade, como se todos os cursos pudessem ter um processo seletivo em comum. Isso é o que existe nos Estados Unidos, por exemplo, onde cada curso ou departamento tem autonomia para selecionar os candidatos que vão ser aceitos a cada ano letivo. E eles usam de diferentes critérios dependendo da carreira e suas características. No curso de direito, por exemplo, que naquele país só pode ser feito depois que o candidato tenha completado algum outro curso superior (geralmente na área de letras ou ciências humanas), é comum nas melhores universidades existirem apenas provas orais e escritas de lógica e de inglês. E nada mais, nem matemática, nem química, nem biologia etc. No curso de medicina (idem: ele só pode ser cursado depois que a pessoa tenha algum outro curso superior, geralmente de biologia, química ou física), normalmente existem provas de biologia, principalmente, e de ciências (bioquímica e biofísica). E assim por diante. Não estou propondo alguma cópia do modelo norte-americano, mas apenas realçando que cada curso ou carreira exige aptidões específicas e não podemos ter um único exame massificador e igual para todos (nem mesmo dando maior peso a esta ou aquela disciplina de acordo com a área – ciências exatas, biológicas ou humanas –, algo que só ameniza um pouco essa aberração). Em todo o caso, o Enem com a sua proposta original, repito, é melhor ou menos ruim do que os atuais vestibulares conteudistas. DIALOGUS: Qual o papel da universidade na realidade atual brasileira? E da Geografia? Vesentini: As principais funções da universidade, em síntese e tal como aparece nos documentos oficiais delas próprias, são o ensino, a pesquisaeoapoioàcomunidade.Ensinonosentidodeformarprofissionais (médicos, engenheiros, geógrafos, historiadores, pedagogos, economistas etc.) capacitados, atualizados com os conhecimentos – como também com
  • 32. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 32 as competências, habilidades e atitudes (inclusive éticas) – próprios de sua carreira.Pesquisanosentidodegerarumconhecimento–etambémoutros produtos: obras artísticas (por exemplo, nas áreas das comunicações ou das artes), tecnologias (por exemplo, nas engenharias), obras culturais etc. – avançado ou de vanguarda, mesmo que eventualmente especulativo e/ou experimental. E apoio à comunidade ou à sociedade (que afinal de contas custeia a universidade) no sentido não apenas de formar profissionais capacitados e futuros líderes, mas também através de seus serviços (como hospitais universitários ou incubadoras que dão origem a novas atividades), de seus cursos extra-curriculares e abertos (por exemplo, para a terceira idade, para as comunidades ou associações que praticam a autoconstrução, para camponeses ou pequenos proprietários no sentido de praticarem uma agricultura mais sustentável, e por aí afora), de seus meios de comunicações (toda universidade que se preze deveria ter um canal de televisão, um ou mais jornais e rádios, além do portal na net, informativos, educativos e acessíveis a toda sociedade, tal como ocorre por exemplo nos Estados Unidos). Isso é o ideal, ou melhor, a teoria. Na prática e especificamente no caso brasileiro, entretanto, as coisas não são bem assim. Temos algumas boas universidade – embora todas elas meio capengas, com maior ou menor carência de verbas para pesquisas, com maior ou menor carência de infra-estrutura até mesmo para o ensino – e um enorme número de universidades e faculdades precárias, algumas delas até mesmo vergonhosas. Certo número mal cumpre a função do ensino, fabricando profissionais de baixa qualidade; ao mesmo tempo praticamente não realiza nenhuma pesquisa a sério e muito menos apoio à comunidade. Quanto à geografia, ou melhor, aos cursos ou departamentos de geografia, eles deveriam contribuir para formar bons professores e bons profissionais (para planejamento, análise ambiental, geocartografia, sistemas de informações geográficas etc.), pessoas com espírito crítico bem desenvolvido e que fossem líderes intelectuais, além de gerar pesquisas avançadas em suas áreas e contribuir ou subsidiar a sociedade – ou determinadas comunidades específicas – nos setores ambiental,
  • 33. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 33 cartográfico, de moradia, de planejamento urbano ou municipal etc. Assim como em geral os demais cursos – ou talvez até mais na medida em que há uma visível distribuição desigual de verbas nas universidades, com as humanidades (e dentro delas a geografia) ficando apenas com migalhas – os departamentos de geografia via de regra desempenham precariamente todas essas funções. Formar bons professores de geografia é algo raro; quando existem, eles se formaram de fato na prática, em geral até mesmo contestando ou contrariando muito do que aprenderam nos cursos superiores. Isso porque a licenciatura normalmente é mal vista nos cursos de geografia, é tida como a “prima pobre” [e que não necessita de uma sólida formação] da atividade do geógrafo. Espírito crítico é algo que existe sim, embora predomine aqui certa mesmice panfletária e pseudocrítica. Não é incomum em nosso meio a ampla presença das “maria-vai-com- as-outras”, isto é, pessoas que só repetem clichês ou autores (não lidos) que estão na moda, que “todo o mundo repete” (como dizem), sem de fato estarem atualizados com aquele assunto. O setor de pesquisas – em forma de teses, dissertações, artigos para revistas, livros, contribuições para congressos e encontros científicos – talvez seja o mais desenvolvido, pelo menos nos departamentos de geografia das grandes universidades. É o setor ou o aspecto do qual nossos cursos de geografia em geral mais podem se orgulhar. Existem excelentes trabalhos [embora também muitos medíocres], provavelmente o maior cabedal na América Latina e no chamado Sul geoeconômico. Mesmo assim ele ainda é insuficiente e até precário em relação tanto às necessidades do Brasil como em comparação à (inegável) maior produção de outras disciplinas que como a nossa também carecem de verbas (história, sociologia, ciência política, filosofia). No que se refere ao apoio à sociedade, infelizmente é também um dos pontos extremamente falhos e, em grande parte, justificado devido ao grande número de alunos e disciplinas a serem ministradas a cada semestre por professor nos departamentos de geografia (ao contrário do que ocorre nas faculdades de medicina, engenharia, economia etc.). Todavia, pensando-se numa perspectiva evolutiva, das mudanças ocorridasnasúltimasdécadas,nãohádúvidasquebemoumal,aostrancos
  • 34. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 34 e barrancos, a geografia brasileira vem se desenvolvendo bastante. Ela se encontra numa fase profícua, bem melhor do que anteriormente (os anos 1970, por exemplo, época em que fui aluno de graduação). Ela avançou, deixou para trás, pelo menos em grande parte, o tradicionalismo – o descritivo, os esquemas pré-determinados e invariáveis (“a Terra e o Homem”), a rígida compartimentação entre geomorfologia e climatologia, entre geografia urbana e rural (ou da população), entre geografia física e humana, entre cartografia e geografia – e se tornou mais holística e integrada (embora não suficientemente), mais pluralista, mais crítica e muito mais voltada para pensar – e até propor soluções – os grandes problemas do Brasil e do mundo. LOPES, P. E. V, PIRONI, A. F, Geography ,Policy & Education : dialogs contemporary with Joseph Willian. DIALOGUS. Ribeirão Preto, vol.5, n.1, 2009, p 15- 34.
  • 35. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 35 UM PERCURSO, UMA HISTÓRIA: ENTREVISTA COM O PROF. DR. PEDRO PAULO FUNARI Suzana Barretto RIBEIRO1* Ana Carla VANNUCCHI2** Numa conversa de quase duas horas, em um aconchegante café nos arredores da Unicamp, Pedro Paulo Funari, Professor Titular daquela Instituição, falou sobre sua trajetória profissional. Um migrante acadêmico que mostra paixão e generosidade, pela História e pelo leitor de seus tantos livros, artigos e textos. Foi com essa intensidade que respondeu às perguntas de uma aluna de primeiro semestre do Curso de História e uma historiadora experiente, em Abril deste ano. Ambas fotógrafas, ambas curiosas. Uma aula para historiadores, de agora e amanhã. RV – Você é do Paraná? PPF – Não. Por causa do “r”? RV – É. PPF – É porque eu vivi muito tempo na Espanha e o “r” ficou. * Cientista Social, fotógrafa e historiadora. Dra. em História Social pela Unicamp. Autora dos livros “Imagens e memórias dos italianos do Bráz”, Brasiliense, 1994;”Aparecidas: tem- po D’Imagem”, 2002; “Percursos do olhar”, Annablume/FAPESP, 2006;”Na linha da preser- vação: o leito férreo Campinas-Jaguariúna, Direção Cultura, 2007;”Jaguariúna no curso da História”, PMJ, 2008. Parecerista da FAPESP. ** Graduanda em História, Departamento de Geografia e História – Centro Universitário Ba- rão de Mauá, Ribeirão Preto – SP, Brasil. Fotógrafa e Articulista de jornais como o “Correio Popular”, de Campinas. Membro da Associação dos Amigos do Arquivo Público e Histórico de Riberião Preto – SP. Entrevista feita sob a orientação do Prof. Dr. Wlaumir Donizeti Souza.
  • 36. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 36 RV – Podemos fazer a primeira pergunta? Podemos começar? PPF – Vamos lá. RV – A primeira questão, até numa forma bastante cronológica, lemos que você fez a graduação em história, o mestrado em antropologia social e na sequência o doutorado em arqueologia. Ficamos curiosas e gostaríamos de saber um pouco sobre esse seu percurso. Como você ingressou no curso de história? Um pouco antes, como surgiu o interesse pela história e como foi a sua trajetória acadêmica? PPF –Na verdade eu já tinha interesse por humanidades em geral e, em particular, pela filosofia. Porém, eu pensei que àquela época, 1975, 1976 não havia filosofia na escola e havia história.Ainda havia história, estavam querendo tirar, mas ainda havia. Então decidi fazer história porque era uma coisa sobre a qual eu poderia dar aulas. Se eu fizesse filosofia não teria perspectivas acadêmicas, de trabalho. Eu fui levado pra a história por gostar de humanidades. RV – Você teve alguma influência anterior? PPF – Sim, dos professores de humanas em geral e de história em particular. Eu fui aluno do Heródoto Barbeiro, que era um bom professor, e de outros professores que eram também muito bons. Eu era aluno do Objetivo.Tinha professores que davam aulas, não naquelas salas grandes, os vaticanos, mas nas salas menores, que falavam muito de coisas concretas, da revolução de 64. Eu já tinha muito interesse. Os Professores de português do Objetivo eram também muito bons nas aulas nas salas menores. Eu tinha aulas boas no cursinho, mas as aulas melhores eram as do colégio. RV – Na Paulista? PPF – É, na Paulista. Eu tinha um professor de história que era reacionaríssimo, mas que era ótimo porque falava muito sobre como tinha participado do golpe de 64. Ele era reacionário, mas pra quem gosta de
  • 37. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 37 história, era uma maravilha. O professor de português também era muito bom. Meu pai é professor de português, então eu já gostava. De literatura, o Professor José Antônio Pasta Jr. Isso me direcionou pra humanas. Especificamente história porque achei que era mais realista que a filosofia. Entrei na história, tive aquele choque natural, que acho que você deve ter. RV – Estou chocada! PPF – Na faculdade não é exatamente o que a gente pensava que era história. Por exemplo, a primeira coisa que me chocou é que havia fontes, quetinhaqueestudarfontes.Documentose,apesardejágostardehistória, nunca tinha tido a idéia de que teria que estudar documentos. Então, na universidade comecei a ter essa idéia de documentos. Tive também bons professores na universidade, na USP. Fiquei interessado por diversos temas. Cada disciplina me interessava por causa de uma coisa e o meu interesse era Brasil, coisas contemporâneas, ditatura, essas coisas. RV – Era 77? PPF – Eu entrei em 77 e aí teve uma greve logo em seguida. Então, eu estava bem mobilizado. Porém, não consegui fazer iniciação científica nessa área. Tentei também teoria, não deu certo porque não surgiu oportunidade, mas surgiu oportunidade em história antiga. Com a professora de antiga. Entrei pra a antiga – não que eu não gostasse de antiga – eu digo assim, não que eu tenha ido de imediato. RV – Por acaso? PPF – Exatamente. Eu fui agarrando as oportunidades que foram surgindo. Então a professora de antiga me ofereceu uma oportunidade de trabalhar com a Dácia Romana, ela trabalhava com a Dácia Romana, que é a Romênia atual e aí me indicou umas pessoas, uns temas, isso na graduação. Com isso, eu entrei no mestrado, fui na indicação dela. Que era outro tema, não era sobre a Romênia, era sobre a Espanha, o marido dela era espanhol. Ela tinha conhecidos na Espanha. Me indicou um tema,
  • 38. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 38 eu fui atrás do tema, o tema era “Azeite no mundoAntigo”.Azeite espanhol. Ela disse: “Vai, é um tema importante” e era realmente importante, muito importante naquele momento. Então eu fui atrás disso que ela falou. Entrei em contato com um professor espanhol que se tornou meu orientador e meu grande amigo e que estava em Madrid naquela ocasião. Fui pra história antiga assim. Nesse meio tempo, o que aconteceu? Essa minha professora que se chamava Glória Alves Portal, teve um câncer fulminante e morreu logo em seguida. Eu estava no mestrado ainda. Aí eu me trensferi pra uma outra professora que foi minha orientadora no mestrado e no doutorado que é a Haiganuch Sarian, que é arqueóloga. Porque a ligação era, pra esse tema que eu estudava - o azeite -, tinha que estudar arqueologia. Minha primeira orientadora faleceu e eu me direcionei pra a arqueologia. Aí é que eu passei pra a antropologia. Porque na USP não havia arqueologia, a arqueologia estava dentro da antropologia. Entrei em história no mestrado e me transferi automaticamente pra a antropologia. Fiz o mestrado em antropologia, pra mim foi muito bom, embora na época eu tenha achado muito ruim porque tive que fazer aquelas disciplinas da antropologia que eu não tinha feito na graduação, ler autores de antropologia. Então, acho que foi bom pra minha formação. Logo que terminei o mestrado, fiz um concurso na Unesp, em Assis, como mestre. Eu estava terminando o mestrado, mas já pude fazer o concurso como mestre. Entrei como professor em 85 e comecei a dar aulas em 86. Entrei no doutorado sendo professor da Unesp. Fiz 4 anos de doutorado com a mesma orientadora só que aí mudou o programa. Criou-se o programa de arqueologia na USP, por isso meu título é em arqueologia. RV – Você foi migrando? PPF – Fui migrando. Creio que o meu doutorado tenha sido o primeiro em arqueologia pela USP. O programa foi institucionalizado em 90 e eu optei por ele. Foi quando defendi. Eu já era professor e tive muitas oportunidades. Eu ia todos os anos pra Europa fazer pesquisa. Era
  • 39. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 39 professor e então conseguia afastamento remunerado, bolsa CAPES, FAPESP, enfim, consegui fazer o doutoramento nessa situação. Foi um formato bastante favorável, porque eu consegui ir pra lá muitas vezes pra pesquisar. Essa foi minha trejetória até o doutorado. RV – E depois, 6 pós-doutorado. PPF – É, fiz o doutorado em 90. Logo depois fiz muita escavação, trabalho de campo com os espanhóis. Itália, Inglaterra. Meu pós-doc foi na Inglaterra. Criei muitas relações na Inglaterra. Comecei, a partir daí, na realidade, continuei a ir pra lá todos os anos em diferentes universidades da Inglaterra e da Espanha. Entrei na Unicamp em 90, o que foi muito importante pra mim, porque tive mais oportunidades aqui que na Unesp. Não que as condições na Unesp não fossem boas, mas eram melhores aqui por ser uma universidade mais concentrada. RV – Como era, logo na pós-ditatura, trabalhar numa área nova com pesquisas completamente desvinculadas da realidade brasileira da época? Ao mesmo tempo, sabemos que você sempre teve muita preocupação com a atuação do professor de história, e você já era professor. Era uma realidade tranquila, conflitante? PPF – A pesquisa que eu fiz, tanto no mestrado quanto no doutoramento, era, apesar da grande parte teórica, bastante técnica, arqueológica, mas vocês têm razão: não tinha uma ligação direta nem com o Brasil ou mesmo questões políticas. Eu acho importante uma pessoa ter suas pesquisas, independente de suas conotações políticas, suas implicações. Agora, desde que eu entrei na Unesp, antes até de ser professor lá, eles me convidaram pra fazer uma palestra na Semana de História sobre cultura alternativa.Aí me fiz a pergunta: “O que eu posso falar sobre antiguidade e cultura alternativa?”. Foi aí que fui levado a estudar os grafites de Pompéia, que gerou meu primeiro livro “Cultura popular na antiguidade”. Esse livro fala de questões políticas, o que as pessoas escreviam, se eram analfabetas, se o povo tinha cultura. É de 1986 e era uma resposta a uma demanda política que me foi posta. Me perguntei,
  • 40. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 40 também, como é que convidam um professor de antiga pra falar de um tema que é dos anos 60. Alternativo eram os hippies, essas coisas. Essa foi a primeria demanda. Depois, estando lá como professor, comecei a orientar os alunos na iniciação científica, porque ainda não podia orientar mestrandos. Cada ano eu tinha 3 alunos de iniciação pelo CNPQ. Isso foi me ajudando com essa questão politica da formação do historiador, do professor de história, mais ampla, sabendo que a antiguidade tem alguma relevância pra o estudo da história hoje. Essa foi sendo minha trajetória. Agora, quando do meu doutoramento, eu ia todos os anos pra a Europa, houve lá um série de outras demandas, por exemplo: “Você é brasileiro e arqueólogo. Venha falar numa mesa-redonda sobre arqueologia no Brasil”. Eu fui sendo jogado, claro que eu gostava dos temas. Perguntavam se eu não poderia falar de tais temas e comecei, gradativamente,afalardetemasdaantiguidade.Escrevisobrearqueologia durante a ditadura. Em 89 tive um artigo publicado na Inglaterra sobre esse assunto. Comecei a participar de congressos internacionais na área de arqueologia, mais da arqueologia como uma ciência social e politica e aí saí um pouco da antiguidade pra responder o que se fazia na arqueologia brasileira. Tínhamos o quê? Os índios? Então, vamos lá. Comecei a estudar, até por essa pressão, outros temas que não são da antiguidade stricto-senso. Fui caminhando assim, pude resolver essa minha demanda original em relação à eduação, à politica. E uma coisa importantíssima: me pareceu, desde sempre, que o estudo da história e da antiga em particular, é um estudo em si. “Vou estudar antiguidade porque é bonito! É uma coisa maravilhosa, os gregos viviam tão bem! Eu gostaria de ter nascido na Grécia!”; então, existe esse idealismo, sim, hoje em dia. Existe muito isso. RV – Entre os professores? PPF – Entre os alunos, seguramente, mas mesmo entre professores existe isso. A idealização da antiguidade como “uma maravilha, uma coisa linda, as pessoas filosofavam na rua”. Desde cedo, eu achava que, ao contrário, havia luta de classes,
  • 41. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 41 contradições, conflitos. Essa questão política estava presente desde o início. RV – Vamos fazer uma pergunta que estava programada pro final, mas tem muito a ver com artes visuais, com os grafites de Pompéia, já que essa questão da contemporaneidade vem desde os seus tempos de colégio. A gente imagina que essa idealização da história está ainda muito presente. Como você lida com arte contemporânea? Porque o historiador, pela própria erudição, acaba não tendo, no geral, uma visão mais real da arte contemporânea? PPF – Não tem. Primeiramente, preciso dizer que, do lado estético, não tive uma formação mínima sobre isso no colégio. O que eu sempre gostei foi de literatura. Eu gostava de ler. Era meu lado mais artístico, assim também como a música.Artes plásticas ou visuais, menos. Isso no colégio, não tinha contato com isso. Quando entrei na faculdade, duas coisas me chamaram a atenção: a primeira coisa era a questão dos documentos, os documentos escritos. O estudante, o jovem historiador, ante essa questão diz “Realmente, é preciso documentos escritos”. Eu tive sorte de ter no curso da graduação professores que usavam evidências tanto artísticas quanto materiais. Tive um professor de pré-história, Afonso Bueno de Moraes Passos. Falar de pré-história é falar de material, de materialidade. O Jonas Batista Neto e a Aline Pereira de Queiroz de medieval, começaram a usar slides, não existia isso, era dificílimo. Era revolucionário. Foi a primeria vez que, na vida, eu vi slides seremusadosemaulasdehistória.Nasaulasdemoderna,contemporânea não tinha isso. Achei ótimo, era uma grande novidade pra mim. Então, desde aquela época até hoje, e hoje digo isso como professor, no geral o historiador não é formado pra ver nada além de documentos escritos. A não ser aqueles que têm professores, como era no meu caso o Jonas e a Aline, que usam slides, imagens. São professores que trabalham com isso e, portanto, vão levar à sala de aula outros tipos de documentos. Boa parte da carreira do historiador aqui é feita de história do Brasil. De história do Brasil, nunca vi nenhuma ilustração, o que usam é
  • 42. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 42 coisa chocante. As imagens entraram no Renascimento, basicamente. Na Idade Média e no Renascimetno. Voltando à pergunta; quando fui levado à cultura alternativa, e ao grafite, comecei me perguntando o que é cultura alternativa. Hippies? Só hippies? Pensei na cidade de São Paulo que está cheia de grafites. Uns grafites artísticos, outros que não são. Comecei a atinar que havia grafites na antiguidade, que havia diferenças e semelhanças. Fui pela minha cabeça. Comecei a comprar livros sobre grafites contemporâneos, comeceialermuitosobreisso.Fuiverdoquesetratava.Depois,oseguinte: na arqueologia, embora meu objeto de estudo sempre tenham sido as ânforas e no mestrado tenha feito uma análise semiótica, uma análise das imagens – o objeto tem uma forma que passa uma mensagem – nele, quis demonstrar que os antigos conseguiam, pela imagem, diferenciar o que era uma ânfora de azeite, de vinho ou de salação. Que, dentro delas, o vinho era vindo de um lugar ou outro. Mostrar que a forma tem uma mensagem. Isso ficou em mim. No dissertação, em 1986, na última página, coloquei uma coisa que, na USP, seguramente não gostaram. Minha orientadora disse que eu não deveria ter colocado. Coloquei a imagem de uma capa da revista Time da época que mostrava um chinês com uma garrafa de Coca-cola. Não me lembro se havia alguma mensagem escrita, o que seria menos importante que a imagem. RV – Nem precisaria, a forma da garrafa já dizia o que havia lá dentro. PPF – Exatamente. Já criticaram muito. Voltando à pergunta: acho que esse problema da relação da imagem com a informação continua na formação do historiador. RV–(Ana Carla) Estou no primeiro ano do curso de história, ainda não tive muito tempo pra ver como as coisas funcionam, mas acredito ter uma sorte grande com os professores. Não há um só professor que fique preso aos documentos escritos. Todos fazem questão de tratar da questão das imagens. Lembra que, outro dia por email, conversamos sobre imagens do Egito e Mesopotâmia pra um trabalho de antiga? Eu precisava de uma
  • 43. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 43 imagem que complementasse o conteúdo de um livro didático pra preparar uma aula completa. A questão era: o que o aluno de história pode fazer para - usando uma imagem – mudar o conteúdo chato ou tacanha de um livro didático. RV – Isso porque melhorou muito a formação das pessoas. Existe hoje muito mais gente que trabalha com imagens: quadros, fotografias, objetos, história da arte, arqueologia. Melhorou muito, mas ainda há problemas porque, muitas vezes, o documento iconográfico entra apenas como ilustração. Pra quem não tem um conhecimento prévio, fica só como ilustração. RV – Há que se saber explorar. O que significa aquele material. PPF – Qual informação ele dá a mais ou no que é diferente de um documento escrito. Acho que, ainda, isso nem sempre ocorre. RV–(Suzana) Usando as minhas indagações enquanto pesquisadora, queria saber como você trabalha numa pesquisa? Qual a sua metodologia de trabalho? Quando te encomendam um artigo, um livro .... como você começa? PPF - No momento atual, ou seja, depois de uma trajetória longa, pra algumas coisas, posso começar sem cumprir etapas prévias, como fazia antes. Atualmente, como faço? Definido o tema de, por exemplo, um livro, como o que acabei de escrever com um colega pra a Editora Brasiliense, chama-se “Jesus Histórico”; primeiro defino o que quero pôr no livro e em qual ordem. Isso depende muito do livro. Nos mais genéricos, pra divulgação, por exemplo, tem que ser na ordem em que o leitor receba as informações que ele não conhece e, muitas vezes, em ordem cronológica. Por exemplo, no caso do “Jesus Histórico”: costumo começar com fontes, depois uma apresentação da vida de Jesus em ordem cronológica e depois uma discussão, o que os autores dizem sobre o tema. Quais são as problematizações que autores dos séculos XIX, XX colocam. Uns dizem que ele era assim ou assado, outros dizem que ele era um camponês etc. Uma apresentação do tema, uma discussão e a conclusão dizendo o que o autor, os autores acham sobre isso.
  • 44. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 44 RV – À mesma maneira de um TCC. PPF – É e não é! Nas áreas em que eu mais trabalho, arqueologia e antropologia, e porque escrevo muitas vezes em inglês, pra revistas de língua inglesa; há uma tradição de se começar com uma parte teórica e um estudo de caso, depois a conclusão. Então apresenta-se o problema teórico, o estudo de caso pra se perguntar se a parte teórica está correta ou não e a conclusão mostrando que está correto. Essa não é a lógica da história feita no Brasil. Por isso disse que é e não é: depende do ambiente, da revista, do público. Eu gosto muito de fazer nessa ordem: teoria, caso, comentário. No caso da história, acredito que muitos colegas acham isso escolar. Mas acho que isso explica bem sobre o que você está falando, de qual lugar você está falando, há duas ou três teorias e eu vou defender tal. Depois o caso: você tem que mostrar que existem documentos e aí você diz que a análise que está sendo proposta funciona. RV – Isso é bondade acadêmica. Está sempre presente nos seus textos, essa fluência, a preocupação com qualquer tipo de leitor entendendo o que está escrito. Termos técnicos, citações em outras línguas funcionam pra alguns leitores e ensinam a outros. Essa forma escolar é importante pra se mergulhar no universo dos textos acadêmicos sem sustos. PPF – Eu tenho essa preocupação, sim, mas eu aprendi isso. Por exemplo, no mundo da língua inglesa onde atuei muito no início, se é um artigo científico, não pode ter coisas obscuras, tem que estar tudo ali. Frase que não se entende, conceitos que não se sabe o que são. Trabalho na antiguidade muito com latim ou grego. Quando comecei na Inglaterra, me diziam que poderia colocar alguma coisa em grego, por exemplo, mas que deveria, no mínimo, traduzir. Ninguém tem obrigação de saber grego ou latim. Aqui tem muito esse uso da erudição, colocar uma frase em grego ou latim e não traduzir de propósito, pra mostrar que se tem conhecimento, que o leitor não vai ter.Acho que existe um pouco no Brasil, essa tradição francesa que é mais rebuscada, textos muito mais longos, e que aqui tenha sido levada mais
  • 45. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 45 seriamente que na França. Lá ja é difícil ler um texto de Foucault, ele não queria ser fácil, de qualquer maneira. Não se pode supor que os leitores que estão lendo um texto dele sejam os melhores do mundo. No nosso caso é pior, uma pessoa que está escrevendo um texto a la Foucault - a gente desculpa, entre aspas, que Foucault tenha feito isso, mas aqui não dá. Uma outra pessoa, que não ele, é mais problemático, na minha avaliação. RV – Seu pai ter sido professor de português e esse seu vínculo com a literatura influenciou na sua narrativa? PPF – Com certeza. Primeiro porque, qualquer literatura sempre me atraiu por si mesma. Gosto de livros, textos, poesia. É prévio. Me atrem os textos mais diretos. Gosto de poesia, mas as mais tradicionais, mais abstrusas - não é que eu não veja beleza, mas ter que olhar no dicionário pra poder acompanhar, não. Não que eu não leia, mas acho que perde muito do encanto na leitura. Outro dia estava ajudando minha filha a ler o “Auto da barca do inferno”. Não se pode ler um só verso sem parar e recorrer ao dicionário! Como é que uma menina vai gostar de um texto assim? A minha formação literária foi fundamental pra eu pensar em como escrever. Escrever de maneira clara, fazer um texto curto. Aprendi muito com os ingleses porque eu tinha uma tendência natural pra escrever frases longas. Acho que o texto tem que ser curto. Acho importante ler, incentivo meus filhos, que lêem Harry Potter! RV – Quando estava preparando a minha parte na entrevista, um de meus professores, sugeriu que usasse uma visão foucaultiana, mas que sabia eu de Foucault? Tentei ler um pouco de sua biografia e o que mais encontrei foram frases atribuídas a ele. Uma delas diz: “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”. Acho que muitos dos textos acadêmicos são opressores e por vezes chegam a ser pedantes. Há muito pedantismo na narrativa, não só na história, na música etc. Isso é muito forte, afinal de contas, estamos num
  • 46. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 46 país de maioria analfabeta ou semi-analfabeta. PPF – Quantas pessoas não devem ter sido afastadas de um livro ou artigo por coisas assim? RV – Se salvam quando se encantam por um bom texto ou professor. PPF – Exatamente. RV – Essa condição de não saber o que está realmente acontecendo é bem antiga por aqui. A música erudita, por exemplo, foi “enfiada” no Brasil goela abaixo, num terreno despreparado culturalmente, sem qualquer traço de memória social no assunto. No final do XIX, as pessoas iam às casas de ópera no Brasil, trajadas elegantemente, mas sem saber do que tratava aquela música, sem saber sobre o compositor, da origem, sem sentimentos de memória coletiva relacionados àquela música. Hoje, ainda se faz à mesma meneira. As salas de concerto estão cheias de gente bem vestida e sem informação musical. Óperas e música erudita são “textos” que acabam afastando o público em geral. PPF – O brasileiro adora isso! RV – Vamos falar sobre instituições de guarda? Queria que você desse um exemplo de um arquivo histórico modelo e saber como você pensa um arquivo histórico ideal. PPF – A minha experiência com arquivos históricos é bastante limitada. A minha atuação aqui na Unicamp nesse campo é relacionada ao Arquivo Central da Universidade (SIARQ). Não é um arquivo histórico, é administrativo. Vamos falar especificamente de arquivos no que se refere a arquivos administrativos – que são importantíssimos, mas menos valorizados pelo historiador, que parte do pressuposto que num arquivo histórico os documentos têm que ser preservados, claro. A minha preocupação é que a maior parte dos arquivos, antes de serem históricos, são administrativos que nunca chegaram a ser históricos. O que eu quero dizer com isso? Por exemplo, os arquivos municipais. A maior parte das cidades no Brasil não têm arquivo histórico,
  • 47. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 47 têm arquivos administrativos que jamais chegarão a ser históricos. Os documentos acabam sendo destruidos, não preservados. Há arquivos históricos só em algumas cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, mas a maior parte é de arquivos administrativos e que se não forem pensados como históricos, acabarão destruindo toda a memória. São arquivos vivos, toda a documentação jurídica, de terrenos, plantas, são documentos históricos. E isso é pro historiador, pra que ele saiba que não existe só arquivo histórico, daqueles que sabem que estão lá em Portugal, no Vaticano. Sabe-se que está tudo lá, guardado. Agora, o que está sendo produzido, é uma preocupação que, muitas vezes, o historiador não tem. Outra coisa é que, há quinze anos, a documentação gerada é digital, e já está perdida em grande parte. RV – É muita informação num tipo de mídia efêmera. PPF – Não existe uma preocupação e quando ela aparece, os aparelhos já não podem mais ler as tais mídias digitais. Lembram do .... como é que chamava? RV – Viu? Já esquecemos! Ah! O zip drive! PPF – É isso. Significa que o que vem sendo produzido há quinze anos ou menos já está se perdendo. Nós estamos preocupados com a memória, mas não precisa ser stricto-senso, qualquer pessoa preocupada com a memória precisa pensar nisso. O que já foi perdido desses quinze anos e os dez próximos anos vai ser questionado mais tarde. “O que se fazia em 2005? As imagens. Onde é que estão?”. Não há políticas de preservação. Agora, tem empresas como a Rede Globo, que têm essa preocupação, essa política de preservação e condições pra reproduzir essas mudanças. No cotidiano de um departamento qualquer, o que estava no computador há dez anos, não existe mais. Nunca foi impresso e já não existe mais. Antes havia o papel. Reuniões de 1950 ainda estão no papel. Isso tudo em relação a arquivos. À respeito de memória, centros culturais, outras instituições de memória. Há muitas instituições importantes como museus, centros
  • 48. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 48 de memória propriamente ditas, mas não há a preocupação de ligá- las à comunidade. As nossas instituições, até pela tradição do que são instituições acadêmicas, museus, casas de memória, têm que lutar pra serem preservadas, pra preservarem seu material, pra não deixarem de existir. Elas têm que sobreviver. Qual a relação disso com as pessoas da comunidade? É pequena. O que acontece é que essas pessoas não se identificam com as instituições. Ao não haver essa identificação entre as pessoas e as instituições, é criada uma fragilidade na preservação. Vou dar um exemplo bem violento, bem importante: o Museu Paulista, o Museu do Ipiranga. É da USP, tem muito dinheiro, tem cargos políticos, tem um staff grande. É uma maravilha, uma potência. Agora, o que tem lá? Uma exposição que é dos Bandeirantes, dos Heróis de 1932. Uma realidade que é completamente diferente das pessoas que vivem em 2009. Devem se perguntar o que são aqueles quadros, aqueles bandeirantes, as águas dos rios conquistados por eles. Elas não se identificam com aquilo. O problema da não identificação é que as pessoas podem até agredir o monumento, a memória. Nas ruas, martelam, derrubam, modificam. RV – Como com a estátua na praça Oswaldo Cruz, no bairro do Paraíso em São Paulo. Tiraram a lança indígena e colocaram uma roda na mão da estátua e a prederam com uma corrente! PPF – Pois é. Acho que hoje o grande desafio das pessoas que trabalham com memória é fazer com que essas instituições tenham não só a necessária preocupação consigo mesmas – fundamental -, têm que fazer com que essas instituições sobrevivam e, se possível, progridam. Isto é, fazer com que essas instituições sejam relevantes pra grupos sociais. Quero dizer com isso, diversidade da sociedade. Numa cidade como Campinas, onde há um milhão de habitantes, e isso significa que poucos são de Campinas, boa parte é de outras partes do estado, do país; então, como se lida com isso? Com essa diversidade? Aqui em Campinas há uma Associação de Mineiros que é fortíssima. Tem comunidades de portugueses etc. Outro dia fui colocar a placa do meu carro e, como tenho um apartamento aqui em Campinas, dei
  • 49. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 49 o endereço daqui. O camarda perguntou se eu era bambi. Eu disse que não, e isso porque eu não havia dito uma palavra. Porque estou dizendo isso? É um exemplo de como as pessoas não se identificam com o lugar onde vivem. Ele não é daqui, com certeza. RV – E como vão se interessar em preservar qualquer coisa da cidade? Não vão. PPF – É exatamente isso que estou dizendo. Não adianta dizer que tal coisa é passado, a glória de Campinas. Se as pessoas não se identificam.... Então, o que acontece? A instituição precisa mostrar que o que é de fora também está lá. “Olha, você que é de Minas também está aqui na cidade, na nossa instituição”. Se a pessoas tem características próprias, também têm que estar presente na instituição de memória. A pessoa precisa se reconhecer. RV – Como se faz isso? PPF – Existem experiências internacionias e o grande aconselhamento da Unescopraessasinstituiçõesdepatrimônioéquesemprefaçam,nagestão do bem cultural que está nas suas mãos, uma conexão com os grupos que representam a comunidade do local onde esse museu ou centro de memória atuam. Isso num sentido amplo, pode ser um bairro, os visitantes. Depende do lugar. Tem que mostrar que essas pessoas interagem na gestão do órgão. Não é tarefa fácil, porque nossa estrutra administrativa não dá muito campo pra isso. Por exemplo, eu digo que incluamos os índios na tal gestão. Isso eu trouxe da vivência na Inglaterra, onde, num congresso, por exemplo, numa mesa redonda, havia, vamos supor, um doutor, um mestre, um graduando e um catedrático. Se se vai falar sobre vestígio arqueológico, precisa ter um índio à mesa que fale o que ele acha daquele vestígio. Ele pode dizer que a pintura rupestre é do avô dele. Essa é a visão dele e é importante. Isso está pouco desenvolvido no Brasil. Tem que incluir pessoas diferentes e perguntar o que é, pra ela, arte e memória. O que ela gostaria de ver representado ali.
  • 50. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 50 RV – No Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro, tentaram levar o pessoal do hip-hop pra lá, dar um espaço. Eles foram, tomaram conta do espaço e ultrapassaram esse espaço. Os representantes de outras manifestações culturais se sentiram invadidos, incomodados coma bagunça, a instituição acabou retrocendendo. Foi a tentativa de uma pessoa, não de uma gestão. PPF – Vocês têm razão. As politicas estruturais têm que tornar essas tentativas viáveis, porque senão, qualquer funcionário que não se sinta parte do negócio pode reclamar. Você tem numa mesma reunião um representante da comunidade negra, dos mineiros e outras e, se não está tudo claro e estruturado, os funcionários podem achar que eles é que devem decidir questões. Isso é natural que ocorra. Tem que haver uma estrutura de Conselho, por exemplo. Não pode ser uma decisão só da instituição, porque pode até ajudar, mas também pode não dar certo. Tem que haver um órgão gestor com pessoas da comunidade. Não pode ser uma vontade individual, é uma questão de política pública. Nãopossoserpessimsita,achoquejáhouveumamelhoragrande nessa questão, no mundo e no Brasil. A gente sempre tem a tendência de ver os problemas do momento, mas em relação há 30 anos atrás, já melhorou muito. A questão de preservação patrimonial e ambiental, no mundo, melhorou muitíssimo. Na época da ditadura não havia nenhuma preocupação com a preservação ambiental nem cultural. Quando o final da ditadura foi se aproximando, começaram a vigorar as leis que obrigavam a fazer levantamento ambiental e cultural, que está dentro do ambiental. Por exemplo, vai ser feita uma estrada. Certo, o que precisa ser feito? Um levantamento ambiental. Onde vai passar essa estrada? O que vai ser afetado? É uma política compensatória. Ora, isso não existia aqui! Tanto é que se pode ver, lá emAngra dos Reis, no Rio de Janeiro, fizeram a estrada Rio-Santos. Expulsaram pessoas, comunidades indígenas, comunidade quilombola. Não havia absolutamente nada que os protegesse. Não havia nenhum tipo de política nesse sentido. Hoje, não. Hoje se vai ser feita
  • 51. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 51 qualquer estrada, qualquer obra, tem que fazer levantamentos antes, em nível federal, estadual e municipal. São legislações separadas. Cada cidade pode decidir as coisas de um jeito ou outro, pode fazer propostas, sugerir que os órgãos públicos incluam pessoas da comunidade nas decisões. Isso é possível hoje em dia. Já melhorou muito, mas acho que o caminho, o grande desafio, é incluir nos órgãos de gestão a diversidade de grupos sociais. Porque assim, você consegue fazer com que as pessoas se envolvam e façam as coisas, não é uma só pessoa tomando decisões. RV – E muitas vezes o próprio gestor discorda da opinião desses representantes sociais. PPF – Seguramente. Até por que cada um pensa de uma maneira. RV – Em Ribeirão, o Arquivo Público e Histórico esta em uma casa alugada, sem infraestrutura. Precisa pedir cada pasta, cada grampo pra a prefeitura. Não tem autonomia e não está vinculado a uma instituição, como, por exemplo, uma Universidade. Parece que a Associação de Amigos do Arquivo vai ser reativada depois de um período curto de estagnação. Você sugere então, que convites sejam feitos aos diversos grupos sociais da cidade pra que haja envolvimetno da comunidade nos interesses de conservação e preservação do Arquivo. Maravilha! E isso não gera brigas demais? PPF – Chamar representantes dos evangélicos, umbandistas, católicos, negros. RV – Isso é, à primeira vista, interessante, mas pode ser bem dificil chegar a um consenso. PPF – Tem que ser criada uma estrutura com bases legais. Um Arquivo pode ter um Conselho no lugar de uma Associação. O Brasil tem uma das sociedades mais desiguais do mundo. Essa desigualdade gera uma separação. Por exemplo, numa associação de arquivo, pode ser que só participe uma pequena elite. A classe média não tem condições econômicas de estar muito preocupada com o assunto. Essa distânica
  • 52. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 52 faz com que só a elite se preocupe, mas não por serem da elite. Outras comunidades menores – quilombola, indígena etc -, não partcipam e quem acaba representanto a comunidade toda são os “donos da cidade”, os “quatrocentões”, os fazendeiros. É um problema que, no Brasil, é mais grave que em outros lugares e torna a resolução mais difícil. Se não houver políticas públicas com mecanismos obrigatórios, a elite não sai desses lugares de representação. RV – Falando agora sobre produção de conhecimento técnico, de pesquisa, feita por parte do corpo de funcionários de casas de guarda, museus? Isso praticamente não existe, não faz parte dessas instituições na maior parte das vezes. PPF – Eu sempre fiquei mais perto da arqueologia, mas o que vejo por ai é que só algumas têm esse incentivo, essa possibilidade de ter funcionários com tempo pra, além das tarefas do dia a dia, investigar o material que está perto dele, na própria instituição. São só as grandes instituições e que, na maioria das vezes, estão ligadas às Universidades. Na USP, no Rio de Janeiro, há museus que são estuturas paralelas, mas ao mesmo tempo, junto das Universidades. RV – O que mais se vê são pessoas especializadas, poucas, que acabam fazendo o trabalho braçal, tirando o pó, sem tempo ou incentivo pra a função primeira pra qual está ali. PPF – Esse é um ponto, o outro é o seguinte: além de ter que fazer o trabalho braçal, não ter incentivo pra pesquisar, só em algumas instituições os funcionários sem especialização são levado a fazer, pelo menos, a graduação, o mestrado, o que for. Mas tem que ter incentivo, se a pessoa não ganhar mais por isso ou não tiver o curso pago, não vai ter interesse em ter menos tempo, mais cansaço e nenhuma mudança prática e rápida de melhora, vai se perguntar qual a vantagem nesse aprimoramento. Nenhuma. Não vai querer e essa é a realidade em quase todos os estados. As instituições de guarda deveriam ter em comum os critérios de produção de conhecimento sobre seus materiais e com capacitação da mão de obra
  • 53. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 53 dos próprios funcionários. Só as grandes instituições têm isso. Você pode dizer que esse incentivo é uma idéia irrealista. Eu digo que não, pelo seguinte: nas instituições públicas, a cada cinco anos, há um aumento de, por exemplo, 5 por cento. Isso depõe contra o incentivo. Estão dizendo com isso que o funcinário não precisa ser capacitado, ampliar seus conhecimentos. Mas isso é reversível, tem que mudar as políticas. As pessoas precisam perceber que se beneficiarão com essa capcitação. É difícil, mas não impossível. RV – Vai dizer pra o funcionário que ele não vai ganhar aqueles 5 por cento daqui a cinco anos, porque, na verdade, antes, ele precisa estudar. É uma mudança na mentalidade. PPF–Nãopodeserumaescolha.Temquevirdaestrutura. Éacapacitação que vai permitir a mobilidade, não o tempo. Sendo uma questão cultural, precisa afetar todo mundo, sem excessão. RV – Tem que ser lei, tem que poder cobrar multa até que a mentalidade seja mudada e o próprio funcionário queira ser capacitado. Pra isso, vão anos! PPF – A administração pública não faz isso porque não vai ser multada! Lembrei de uma coisa: estive outro dia com aAmanda Tojal, da Pinacoteca do Estado. Ela trabalha muito com exposições viáveis pra pessoas com deficiências diferentes. Falou sobre objetos que podem ser tocados, pra descoberta pelo tato. Isso é nessa instituição. Agora, voltando à questão de fundo, que é a inclusão das pessoas que não enxergam, que não andam, essa pessoas também têm que estar incluídas no tal Conselho, na Associação. RV – Hoje há dispositivos instalados em certas exposições em alguns poucos museus que liberam cheiros, umidade, som do vento, a sensação de vento em corredores, cabinas. As pessoas vivem a sensação da exposição. Há sistemas foto-sensíveis que acionam um áudio que, quando alguém para diante de uma obra, pode ouvir uma descrição da obra. Isso
  • 54. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 54 tem muito em sites, blogs que têm em seu público os deficientes visuais. PPF – Nos esquecemos das crianças às vezes.Aaltura em que é colocada uma obra, por exemplo. Se estiver acima do campo de visão das crianças, elas nem conseguem ver as obras. RV – Pra cadeirantes, a mesma coisa. PPF – E não cabe a mim, a vocês decidirem tudo. É colocar pessoas de cada grupo pra trabalhar essas questões das diferenças, das diferentes necessidades de acesso, de identificação. A diversidade está lá na constituição. Não se pode permitir manifestações de intolerância. Admite- se a diversidade, com quanto não agrida o outro. Esse é o critério. RV – Pra viabilizar a normalização. Ficamos todos juntos, mas “sem morder o amiguinho”! É cidadania. PPF – A antropofagia era boa noutra época! Admitimos a diferença da antropofagia, mas não aqui!!! RV – Pode morder, mas não mastiga! RIBEIRO, Suzana Barreto; VANNUCCHI, Ana Carla. A trajectory, a history: interview with of Th. Dr. Pedro Paulo Funari. DIALOGUS, v.5, n.1, 2009, p.57-79.
  • 55. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 55 Dossiê “Religião e Religiosidade”
  • 56. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 56
  • 57. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 57 SACRIFICIUM LAUDIS: BREVE ANÁLISE DO RITO DE SÃO PIO V E DO NOVO ORDO MISSÆ DE PAULO VI (1969-2007) Juliano Alves DIAS* RESUMO: Por este artigo pretende-se lançar luzes sobre a recente ação do papa Bento XVI que, por meio do Motu Proprio Summorum Pontificum, deu plena liberdade à forma ritual tridentina que fora sufocada pelas inovações litúrgicas geradas após o Concílio Vaticano II. Ao longo deste esboço é traçado, brevemente, a raiz histórica das formas litúrgicas tridentina e moderna comparando-as de forma a entender os motivos da publicação deste Motu Proprio. PALAVRAS-CHAVE:LiturgiaCatólica;RitoTridentino;ConcílioEcumênico Vaticano II. No dia 07 de julho de 2007 o papa Bento XVI publicou o Motu Proprio1 Summorum Pontificum2 sobre a liturgia romana anterior à reforma de 1970, por meio do qual deu liberdade a todos os padres do mundo, independente de autorização de seus superiores hierárquicos, para celebrarem a Missa no chamado rito tridentino. Tal fato foi noticiado pela 1 Motu Proprio é um documento elaborado por uma papa que expressa sua vontade pes- soal. 2 Summorum Pontificum é o título do referido Motu Proprio, que em latim significa “dos Su- mos Pontífices”, palavras que iniciam o documento, numa referência a preocupação com a liturgia (culto divino) que os Sumos Pontífices apresentaram em seus pontificados. * Mestrando em História pela UNESP - Campus Franca, sob orientação do Prof. Dr. Ivan Aparecido Manoel.
  • 58. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.5, n.1, 2009. 58 imprensa como um retorno à Missa em latim; no entanto, faltou qualquer formulação histórica sobre tal ato da Santa Sé e das questões envolvidas sobre essa temática. Por meio das linhas que se seguem busca-se fazer um breve esboço sobre as questões suscitadas diante da atitude do atual Pontífice. Para tanto, primeiro buscar-se-á as raízes históricas que conduziram Roma a esta ação; num segundo momento procurar-se-á mostrar a construção gradual do processo que culminou com o referido Motu Proprio; e por fim, fazer-se-á uma breve comparação entre o rito tridentino e o atual seguido pela Igreja Católica Romana. As raízes históricas O ritual de adoração a Deus foi, desde os tempos primitivos do cristianismo, o ponto culminante da vida cristã. Ao fluir da História o culto se configurou em um Sacrificium laudis3 , formou-se a Missa.Além de servir ao propósito de agradar a divindade, a Missa serviu, ao longo dos séculos, como fator de unidade e identidade para o catolicismo; mas é também em torno dela que grandes e significantes cismas surgiram no seio da Igreja Católica Apostólica Romana. Herdeiro do Templo e das Sinagogas4 o culto cristão primitivo tinha já em seu centro a oferta de um sacrifício a Deus (JUNGMANN, 1962)5 . Tal sacrifício era feito em diversos ritos regionais durante a Idade Média; fato que foi suplantado com o advento do Concílio de Trento 3 Sacrifício de louvor 4 O Templo e as Sinagogas eram, respectivamente, os locais de oferecimento de Sacrifício de animais a Deus e de meditação das Escrituras na religião judaica. 5 Em seu livro “A liturgia da Igreja”, Jungmann, padre jesuíta, traça um histórico da liturgia romana explorando suas mudanças ao longo do tempo, permitindo assim, a abertura de caminhos para certas inovações que se dariam no Concílio Ecumênico do Vaticano II ini- ciado no ano de publicação de seu livro, 1962.