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Caminhos Cruzados foi o segundo romance de Érico Veríssimo a ser publicado,
embora, segundo Moisés Vellinho, não tenha sido o segundo a ser escrito (Música ao
Longe, embora tenha sido publicado posteriormente, teria sido escrito antes). Veio a
público em 1935, tendo ganhado o prêmio literário da Fundação Graça Aranha neste
mesmo ano.
Romance urbano de introspecção psicológica, Caminhos Cruzados é um
interessante painel das diversas camadas que compunham a sociedade brasileira à época
do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que subiu ao poder no bojo da chamada
Revolução de 30. No prefácio que escreveu em 1964, o autor o considerou Caminhos
Cruzados “um livro de protesto que marca a inconformidade do romancista ante as
desigualdades, injustiças e absurdos da sociedade burguesa”, a uma época em que a
grande noite do terror descia sobre a Nação brasileira mais uma vez com a volta dos
militares ao poder.
Érico Veríssimo traça cento e vinte instantâneos de cinco dias - de sábado a
quarta feira - da vida de diversos tipos diferentes: desde a garota pragmática e seu
namorado sonhador até a prostituta meiga e a senhora que imagina ver suas obras
assistenciais nas páginas dos jornais. Uma cidade inteira aparece nas páginas do livro. A
técnica de Veríssimo, nesse momento um autor jovem, mas já com domínio da prática
romanesca é a composição de murais, muitos deles fortemente descritivos que, unidos,
compõem uma trama de misérias, opressão social e hipocrisia. Dessa forma, podem-se
destacar dois aspectos no livro:
a) a aproximação do texto com as artes plásticas, anunciada aliás pelo próprio autor, em
prefácio de 1964;
b) e a proximidade do livro com os outros romancistas da década de 1930, todos
voltados para uma temática de tom social.
A obra é considerada um marco na evolução do romance brasileiro. Nele, Érico
Veríssimo usa a técnica do contraponto, desenvolvida por Aldous Huxley (de quem fora
tradutor) e que consiste mesclar pontos de vista diferentes (do escritor e das
personagens) com a representação fragmentária das situações vividas pelas personagens,
sem que haja no texto um centro catalisador. Em Caminhos Cruzados, Érico aborda a
história não de um grupo de personagens, mas de vários grupos, cujas histórias
acontecem num mesmo período de tempo, durante cinco dias. O romance começa na
manhã de sábado e termina na noite de quarta-feira. As histórias se passam em Porto
Alegre, o que termina por colocar a cidade no mapa da literatura, já que no único
romance anterior em que a cidade aparece, Clarissa, não se sabe deste fato senão pelo
prefácio do autor, que apareceu posteriormente. Estes grupos de personagens
atravessam simultaneamente estes cinco dias. Já que as histórias acontecem no mesmo
espaço de tempo, há a sensação da polifonia, várias vozes sendo reproduzidas ao mesmo
tempo.
Faz-se visível desde a primeira página do romance a pronunciada tendência de
seu autor à caricatura. O livro foge às descrições bizantinas, às sutilezas psicológicas, às
cenas elaboradas. Suas histórias são objetivas e de pura ação (embora quase nunca de
ações puras) -, uma sucessão enfim de quadros movimentados que resultam numa
espécie de corte transversal duma sociedade.
As personagens têm a força e ao mesmo tempo a fraqueza da caricatura. Talvez
ninguém possa ser tão vago e fora deste mundo como Noel ou João Benévolo. É
impossível que D. Dodó não tivesse um lado simpático ou, antes, que sua psicologia
fosse tão simplesmente linear como o livro dá a entender. O mesmo se poderia dizer de
quase todas as outras figuras.
Caminhos Cruzados é evidentemente um livro de protesto que marca a
inconformidade do romancista ante as desigualdades, injustiças e absurdos da sociedade
burguesa. Não é, pois, de admirar que seu autor tenha sido desde logo apontado por
críticos e leitores primários como um agente da propaganda comunista.
Resumo:
É sábado, o professor Clarimundo Roxo, solteirão, solitário, de 48 anos, desperta
às cinco e meia da manhã para começar o dia dando aulas. Sua preocupação é com o
tempo, sabe que o conceito sobre este é algo diferente daquilo que pensa a viúva
Mendonça ou o sapateiro Fiorello. Contudo, a escravidão ao tempo é algo marcante.
Clarimundo vive sob o tique-taque do relógio. Sente culpa quando se atrasa alguns
minutos para as aulas. Pensa no livro que ainda escreverá. Será de cunho científico, nele
pretende colocar toda sua cultura e algumas gotas de fantasia. O protagonista escolhido
é um homem lá da estrela de Sírio. Com um telescópio mágico, olhará a terra e
descobrirá a verdade das coisas. Prepara o café e se senta para os costumeiros 40
minutos de leitura. Às sete da manhã, quem desperta é Honorato Madeira, lembrando-
se, também, de chamar a mulher, Virgínia. Ela desperta, mas se entrega aos
pensamentos. Relembra que tem um filho de 22 anos e um marido obeso, sem graça,
que sempre faz as mesmas coisas, o que lhe causa desgosto. Ele reclama da ida, à noite,
ao baile do Metrópole; bem poderia ficar em casa descansando do trabalho. O filho,
Noel, já está tomando café e recordando os dias de infância, quando a negra Angélica
lhe preparava para ir à escola e levava-o à terceira esquina, onde se encontrava com a
menina Fernanda, sempre limpa, bem arrumada e alegre, num contraste flagrante com
seu estilo taciturno. Volta ao presente, recorda que teve uma infância recheada de
histórias fantásticas, contadas por Angélica. Nunca correu descalço pelas ruas ao sol.
Seu mundo era dos livros, dos soldadinhos de chumbo e a parede do quarto dos
brinquedos limitava seu mundo. Este cai com a morte da negra Angélica, quando Noel
tinha 15 anos. Sua primeira experiência sexual foi repugnante, viscosa e violenta. Noel
sabe que o horário de refeição em sua casa é o momento menos cordial, de raros
diálogos. A mãe reclama de tudo: da roupa, do marido, das criadas. Diz que já devia
estar trabalhando. Não está estudando Direito? O melhor de sua vida era a amizade com
Fernanda, a amiga de infância. Em outro canto da cidade, Salustiano Rosa acorda às 9
horas com o sol batendo em cheio em seu rosto. Dorme ao lado de uma moça loura,
Cacilda, que encontrou na noite anterior. Pede-lhe que saia logo do seu prédio, sem ser
vista. Veste-se e sai feliz, logo após a moça. Às onze horas, em outro lugar, Chinita
pensa em Salustiano. Recorda-se do rapaz tocando-lhe os bicos do seio por cima do
vestido e acha a sensação deliciosa. Hoje à noite, vai encontrá-lo no chá dançante do
Metrópole. Ela está na casa do pai, Cel. José Maria Pedrosa, onde decoradores
embelezam tudo com enfeites dourados e pintura na parede. D. Maria Luísa, a esposa,
teme pelos gastos, mas o marido quer que a vivenda dos Moinhos de Vento seja o
melhor palacete do bairro. A festa de inauguração será na terça-feira e Chinita redigirá
os convites. D. Maria Luísa conserva sempre o ar de vítima, eternamente triste e
preocupada. A riqueza do Cel. veio com a sorte tirada num bilhete de loteria, comprado
com trezentos mil-réis. A mulher chorou à tarde inteira, quando soube da despesa com
aquele pedaço de papel. Souberam da sorte, na véspera de Natal. Pedrosa e os filhos
ficaram radiantes, apenas D. Maria Luísa estava triste, brigando por seu rico dinheiro,
defendendo-o dos pedintes. O marido resolve se mudar para Porto Alegre e todos da
cidade de Jacarecanga vêm dizer adeus à esposa desconsolada, sempre saudosa da vida
simples de Jacarecanga. Fernanda mora na Travessa das Acácias. Ela descansa,
enquanto espera a hora de ir para o trabalho. Vai pensando na vida dura que tem levado,
na morte do pai. A mãe, D.Eudóxia, lhe chama à realidade, lembrando-lhe que não deve
dormir. A senhora é extremamente pessimista, crendo que tudo vai dar errado. A filha
evita dar muita atenção à mãe, prefere pensar em Noel e chamar o irmão, Pedrinho para
o trabalho. Outro morador da Travessa é João Benévolo, leitor de Os Três
Mosqueteiros. Gosta tanto da leitura que se deixa transportar para a Paris de 1626,
quando deixa de ser o fraco Benévolo, tornando-se ágil e ousado. Sua mulher,
Laurentina, fica furiosa com a distração do marido. Quer saber se ele não vai procurar
emprego; é 1 hora da tarde e lá está ele lendo, já está desempregado há 6 meses! As
contas estão atrasadas, a costura que faz para fora pouco ajuda, não dá nem para o
aluguel. Eles têm um filho, Napoleão, magro, que chora por qualquer coisa. Da janela
da casa, João e a esposa veem um carro luxuoso estacionar e de dentro dele sai D.Dodó,
Doralice Leitão Leiria, esposa do comerciante Teotônio Leitão Leiria, proprietário do
Bazar Continental, onde Benévolo trabalhou. A senhora vem visitar Maximiliano, seu
empregado que está atacado pela tuberculose. Deixa algum dinheiro, prometendo
transferi-lo para um hospital. Parte feliz, certa de que tem seu lugar garantido no céu.
Honorato e Noel já saíram. Aliviada, Virgínia desce para o chá, aborrecida porque tudo
lhe lembra o marido e o filho. Trata mal as empregadas, fica aborrecida com a
juventude de Querubina, grita, ralha, humilha a empregada. Teotônio Leitão Leiria
despede o motorista e segue a pé, para se encontrar com a moça dos olhos verdes,
Cacilda, que mora na Travessa das Acácias. Teme ser reconhecido, vai cheio de culpa,
porque pensa na caridosa esposa, Dodó. Cacilda não apareceu ainda e Leitão fica
temeroso, pedindo explicações à viúva Mendonça pela demora. Cacilda chega e
entrega-se a Teotônio, pensando no belo rapaz que amou na noite anterior. A volta de
Teotônio Leiria para casa repõe a rotina doméstica nos trilhos. A esposa aguarda o
querido marido para o baile no Metrópole, preparado por ela, para a comemoração das
Damas Piedosas. Depois vai ao quarto da filha, Vera, e pede-lhe para não ler o tipo de
livro que anda lendo: A Questão Sexual, de Forel. No salão do Metrópole, Salustiano
encontra Chinita e a aperta, com certa violência, contra o peito, convidando-a para
darem uma volta lá fora. Dr. Armênio espera que Vera compreenda o sentimento que
lhe devota, mas a moça está interessada mesmo é em Chinita. Honorato Madeira está
louco para voltar para casa, mas tem que esperar a decisão da esposa. O professor
Clarimundo ouve batidas em sua porta. Trata-se da viúva Mendonça, que vem reclamar
a falta de pagamento do aluguel por Benóvolo, desempregado há alguns meses. Conta
que, toda noite, um sujeito mal encarado vem visitar a esposa de Benévolo. Faz várias
reclamações e vai embora. Enquanto isso, às 11 horas da noite, Laurentina, está diante
de Ponciano, o visitante mal-encarado, mencionado pela viúva. Em outros tempos, era o
candidato preferido das tias de Laurentina, com quem a moça morava. Elas queriam vê-
la casada com o moço. Mas João Benévolo apareceu, Ponciano se afastou. Após 10
anos, reaparece e se põe diante dela, todas as noites, esperando um instante de fraqueza
da mulher para pedir-lhe que abandone o marido e o siga. Ela já compreendeu seu
objetivo, mas não tem ânimo para falar. O visitante pede que fique com 20 mil-réis e os
deixa sobre a mesa, sonhando com o dia em que terá Laurentina nos braços. Na casa de
Honorato, a esposa Virgínia desperta, decide tomar umas pílulas rejuvenescedoras.
Olha-se no espelho e vê, lá do outro lado, Virgínia Matos Madeira, mulher de 45 anos,
cabelos meio grisalhos, queixo duplo e princípio de rugas, tão diferente daquela que
sente ser. Recorda-se de sua empregada já falecida, Angélica. Ela criou Noel e dirigiu a
casa até a morte. Quando o Capitão Brutus começou a fazer-lhe galanteios e aparecer
diante de sua janela, Angélica ameaçou contar o fato a Honorato. O tempo passou, o
capitão foi transferido e Virgínia continuou levando a vida. O palacete dos Pedrosa
continua sendo preparado para a inauguração. Chinita se comporta como uma estrela de
Hollywood e o pai paga-lhe todos os luxos que tanto desgostam a mãe, a triste e
desconsolada, Maria Luísa. O filho, João Manuel, não leva vida diferente. Às vezes, não
dorme em casa ou então só retorna de madrugada, para dormir até o meio da tarde. A
família está se acabando, para D. Maria Luísa. Onde irá parar tudo aquilo? O luxo da
casa, a mobília, os gastos desnecessários assustam a dona da casa que prefere ser uma
estranha e não participar dos desmandos. Assim, se voltar à pobreza não sentirá a
diferença. É domingo. Clarimundo está de novo na janela de sua casa, pensando em
como será o livro que vai escrever. Qualquer dia irá começá-lo pelo prefácio. Vê
Fernanda e seu irmão, Pedrinho, sentados para o almoço. A moça avisa a mãe que irá a
Ipanema para se encontrar com Noel. Fernanda deseja modificá-lo. Pensa no duro que
dá no escritório do Senhor Leitão Leiria, na luta com o fatalismo da mãe, enquanto o
rapaz só pensa em literatura, em escrever livros, sem nada fazer para tornar o projeto
realidade. Mais tarde, Pedrinho está no quarto de Cacilda, relutando em deixá-la. Ela diz
que ele deve sair logo, pois tem visitas a receber. O rapaz anda perdidamente
apaixonado por ela. Não consegue trabalhar, só vê sua figura o tempo todo. Lamenta o
tipo de vida que a moça leva. Sonha em lhe dar um colar muito bonito que viu na
Sloper. Cacilda fica aborrecida com as constantes visitas do rapazinho, mas não tem
coragem para magoá-lo. É segunda-feira, na casa de Benévolo a pobreza é gritante.
Almoçam pouco, o filho chora de dor no estômago, a mãe lhe dá elixir paregórico.
Benévolo sonha, lendo o livro, comprado com parte do dinheiro deixado por Ponciano.
Quando a esposa o irrita ou alguma coisa o aborrece, Benévolo assobia o Carnaval de
Veneza. É o que faz, ao ouvir Laurentina lhe mandar procurar emprego. Na casa de
Chinita, o vai-e-vem é constante. Todos estão envolvidos com a preparação para a festa
inaugural, exceto D. Maria Luísa. Vera beija Chinita, loucamente, no quarto e a moça se
entrega às carícias da amiga. Depois, descem para o chá. Noel, trancado em seu quarto,
tenta escrever seu romance, segundo o desafio de Fernanda. Enquanto isso, João
Benévolo vai ao escritório de Leitão Leiria, tentando ser recontratado. Fernanda o
recebe e diz que vai falar com o patrão. Leiria lhe dá uma carta de recomendação,
encaminhando-o a um amigo, dono de uma fábrica de mosaicos. Assim que Benévolo se
despede, Leiria telefona para a fábrica e pede desculpas por ter envolvido o amigo
naquele problema, mas foi forçado, pede-lhe para não se preocupar com o
desempregado. Virgínia está em sua janela, esperando por um novo galanteador:
Alcides, postado do outro lado da calçada, e vem cortejá-la todos os dias. A cada ruído,
no interior da casa ou barulho do bonde, sobressalta-se, deliciada por tudo estar
ocorrendo como no tempo de moça. Terça-feira, festa no palacete do Cel. Pedrosa. A
orquestra toca no hall. Há doces e salgados sobre as mesas. O proprietário está
felicíssimo, vem-lhe à lembrança a imagem do amigo de Jacarecanga, o Madruga, com
quem fazia apostas e resmungava. Fica imaginando a cara do amigo, se pudesse ver
todo seu sucesso. Toda vez que algo extraordinário lhe acontece sempre pensa na cara
do amigo. Salu dança agarrado com Chinita, que sonha que a festa é na casa de Joan
Crawford. O namorado lhe diz frases cheias de insinuações e a convida para ir até o
parque. Num recanto oculto, junto à piscina, Salu derruba Chinita, entregue
definitivamente às suas carícias. Chove forte. Salu desperta, o corpo dói, a cabeça está
zonza. Logo recorda da noite com Chinita, da pergunta da moça sobre seu interesse por
ela. Vai ao telefone e em surdina, Chinita marca um novo encontro. Está chocada,
aturdida com o acontecimento da noite anterior. Teme ficar grávida e ao mesmo tempo,
sente vontade de ficar para sempre com Salustiano. Leiria fica enciumado com a festa
dada pelo novo rico, Cel. Pedrosa. Pensa numa forma de derrotá-lo sem levantar a
menor suspeita. Talvez, uma carta anônima resolva o problema. Recorda-se que o
Monsenhor Gross lhe pediu emprego para uma moça, decide despedir Fernanda.
Pedrosa está com a amante, Nanette Thibault que lhe pede um automóvel de presente,
enquanto, sete andares acima, a filha Chinita faz amor com Salu. Virgínia, desgostosa
com a vida de casada, espera na janela por Alcides, mas ele não aparece. D. Maria Luísa
recebe uma carta anônima, dizendo que o marido, Cel. Pedrosa, tem uma amante no
Edifício Colombo. Ela analisa toda sua vida até ali; o filho vive entre prostitutas e
bebidas, a filha parece ter perdido o respeito, solta pela cidade e, agora, o marido tem
uma amante. Quarta-feira, 6 horas da manhã, Clarimundo lê Einstein, enquanto
Maximiliano, o tuberculoso, morre sob os olhos da mulher, filhos e vizinhos. Chinita só
pensa em Salu e João Benévolo vaga pela rua, sentindo fome e frio; o dinheiro acabou,
não há alimento em casa. Cai de fraqueza com o estômago doendo. O carro da
assistência o apanha e o coloca numa ambulância. Laurentina chorou o dia inteiro,
esperando pelo marido. Os vizinhos dão o que comer a ela e ao filho. Ponciano já está
ali sentado, olhando-a e dizendo que nada aconteceu a Benévolo, ele é que não presta
mesmo. Laurentina chora. Recorda-lhe que a avisou. Por que não vem morar com ele?
Laurentina sabia, há muito, que o convite ia ser feito, mas o que responder, não tem
coragem nem para se revoltar. O homem continua insistindo, mostra-lhe a carteira cheia
de dinheiro, afirmando que tudo será dela. Pode esperar mais um pouco, afinal, diz
Ponciano, já esperou por ela há dez anos. Virgínia já está na janela, mas sabe que
Alcides não vai passar. Apanha o jornal e tem um sobressalto, o retrato do rapaz está ali,
estampado no jornal, morto por um marido enciumado. Noel, finalmente, consegue
fazer Fernanda entender que está apaixonado por ela. Não precisou dizer tudo
claramente, mas a moça, como sempre, adivinhou o sentimento do amigo. D. Dodó
comemora feliz seu aniversário e a filha Vera, indiferente não consegue tirar Chinita do
pensamento. Telefona para a casa da amiga, D. Maria Luísa lhe diz que a filha saiu duas
horas atrás para ir visitá-la. Vera desliga e D. Maria fica pensando que o marido está
com a amante e a filha? Clarimundo chega em casa, depois de dar aulas, e resolve
aproveitar o silêncio da noite para começar a escrever o livro que pretende sobre o
homem da estrela de Sírio. Na introdução coloca que, após observar de sua janela a
vizinhança, resolveu escrever sobre um observador, colocado num ângulo especial que,
certamente, terá uma visão diferente do mundo; termina, dizendo: "Pois eu te vou
contar, leitor amigo, o que meu observador de Sírio viu na Terra". De repente lembra-se
da chaleira fervendo, levanta-se para fazer o café.

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"Caminhos Cruzados", de Érico Veríssimo

  • 1. Caminhos Cruzados foi o segundo romance de Érico Veríssimo a ser publicado, embora, segundo Moisés Vellinho, não tenha sido o segundo a ser escrito (Música ao Longe, embora tenha sido publicado posteriormente, teria sido escrito antes). Veio a público em 1935, tendo ganhado o prêmio literário da Fundação Graça Aranha neste mesmo ano. Romance urbano de introspecção psicológica, Caminhos Cruzados é um interessante painel das diversas camadas que compunham a sociedade brasileira à época do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que subiu ao poder no bojo da chamada Revolução de 30. No prefácio que escreveu em 1964, o autor o considerou Caminhos Cruzados “um livro de protesto que marca a inconformidade do romancista ante as desigualdades, injustiças e absurdos da sociedade burguesa”, a uma época em que a grande noite do terror descia sobre a Nação brasileira mais uma vez com a volta dos militares ao poder. Érico Veríssimo traça cento e vinte instantâneos de cinco dias - de sábado a quarta feira - da vida de diversos tipos diferentes: desde a garota pragmática e seu namorado sonhador até a prostituta meiga e a senhora que imagina ver suas obras assistenciais nas páginas dos jornais. Uma cidade inteira aparece nas páginas do livro. A técnica de Veríssimo, nesse momento um autor jovem, mas já com domínio da prática romanesca é a composição de murais, muitos deles fortemente descritivos que, unidos, compõem uma trama de misérias, opressão social e hipocrisia. Dessa forma, podem-se destacar dois aspectos no livro: a) a aproximação do texto com as artes plásticas, anunciada aliás pelo próprio autor, em prefácio de 1964; b) e a proximidade do livro com os outros romancistas da década de 1930, todos voltados para uma temática de tom social. A obra é considerada um marco na evolução do romance brasileiro. Nele, Érico Veríssimo usa a técnica do contraponto, desenvolvida por Aldous Huxley (de quem fora tradutor) e que consiste mesclar pontos de vista diferentes (do escritor e das personagens) com a representação fragmentária das situações vividas pelas personagens, sem que haja no texto um centro catalisador. Em Caminhos Cruzados, Érico aborda a história não de um grupo de personagens, mas de vários grupos, cujas histórias acontecem num mesmo período de tempo, durante cinco dias. O romance começa na manhã de sábado e termina na noite de quarta-feira. As histórias se passam em Porto Alegre, o que termina por colocar a cidade no mapa da literatura, já que no único romance anterior em que a cidade aparece, Clarissa, não se sabe deste fato senão pelo prefácio do autor, que apareceu posteriormente. Estes grupos de personagens atravessam simultaneamente estes cinco dias. Já que as histórias acontecem no mesmo espaço de tempo, há a sensação da polifonia, várias vozes sendo reproduzidas ao mesmo tempo. Faz-se visível desde a primeira página do romance a pronunciada tendência de seu autor à caricatura. O livro foge às descrições bizantinas, às sutilezas psicológicas, às
  • 2. cenas elaboradas. Suas histórias são objetivas e de pura ação (embora quase nunca de ações puras) -, uma sucessão enfim de quadros movimentados que resultam numa espécie de corte transversal duma sociedade. As personagens têm a força e ao mesmo tempo a fraqueza da caricatura. Talvez ninguém possa ser tão vago e fora deste mundo como Noel ou João Benévolo. É impossível que D. Dodó não tivesse um lado simpático ou, antes, que sua psicologia fosse tão simplesmente linear como o livro dá a entender. O mesmo se poderia dizer de quase todas as outras figuras. Caminhos Cruzados é evidentemente um livro de protesto que marca a inconformidade do romancista ante as desigualdades, injustiças e absurdos da sociedade burguesa. Não é, pois, de admirar que seu autor tenha sido desde logo apontado por críticos e leitores primários como um agente da propaganda comunista. Resumo: É sábado, o professor Clarimundo Roxo, solteirão, solitário, de 48 anos, desperta às cinco e meia da manhã para começar o dia dando aulas. Sua preocupação é com o tempo, sabe que o conceito sobre este é algo diferente daquilo que pensa a viúva Mendonça ou o sapateiro Fiorello. Contudo, a escravidão ao tempo é algo marcante. Clarimundo vive sob o tique-taque do relógio. Sente culpa quando se atrasa alguns minutos para as aulas. Pensa no livro que ainda escreverá. Será de cunho científico, nele pretende colocar toda sua cultura e algumas gotas de fantasia. O protagonista escolhido é um homem lá da estrela de Sírio. Com um telescópio mágico, olhará a terra e descobrirá a verdade das coisas. Prepara o café e se senta para os costumeiros 40 minutos de leitura. Às sete da manhã, quem desperta é Honorato Madeira, lembrando- se, também, de chamar a mulher, Virgínia. Ela desperta, mas se entrega aos pensamentos. Relembra que tem um filho de 22 anos e um marido obeso, sem graça, que sempre faz as mesmas coisas, o que lhe causa desgosto. Ele reclama da ida, à noite, ao baile do Metrópole; bem poderia ficar em casa descansando do trabalho. O filho, Noel, já está tomando café e recordando os dias de infância, quando a negra Angélica lhe preparava para ir à escola e levava-o à terceira esquina, onde se encontrava com a menina Fernanda, sempre limpa, bem arrumada e alegre, num contraste flagrante com seu estilo taciturno. Volta ao presente, recorda que teve uma infância recheada de histórias fantásticas, contadas por Angélica. Nunca correu descalço pelas ruas ao sol. Seu mundo era dos livros, dos soldadinhos de chumbo e a parede do quarto dos brinquedos limitava seu mundo. Este cai com a morte da negra Angélica, quando Noel tinha 15 anos. Sua primeira experiência sexual foi repugnante, viscosa e violenta. Noel sabe que o horário de refeição em sua casa é o momento menos cordial, de raros diálogos. A mãe reclama de tudo: da roupa, do marido, das criadas. Diz que já devia estar trabalhando. Não está estudando Direito? O melhor de sua vida era a amizade com Fernanda, a amiga de infância. Em outro canto da cidade, Salustiano Rosa acorda às 9 horas com o sol batendo em cheio em seu rosto. Dorme ao lado de uma moça loura, Cacilda, que encontrou na noite anterior. Pede-lhe que saia logo do seu prédio, sem ser vista. Veste-se e sai feliz, logo após a moça. Às onze horas, em outro lugar, Chinita
  • 3. pensa em Salustiano. Recorda-se do rapaz tocando-lhe os bicos do seio por cima do vestido e acha a sensação deliciosa. Hoje à noite, vai encontrá-lo no chá dançante do Metrópole. Ela está na casa do pai, Cel. José Maria Pedrosa, onde decoradores embelezam tudo com enfeites dourados e pintura na parede. D. Maria Luísa, a esposa, teme pelos gastos, mas o marido quer que a vivenda dos Moinhos de Vento seja o melhor palacete do bairro. A festa de inauguração será na terça-feira e Chinita redigirá os convites. D. Maria Luísa conserva sempre o ar de vítima, eternamente triste e preocupada. A riqueza do Cel. veio com a sorte tirada num bilhete de loteria, comprado com trezentos mil-réis. A mulher chorou à tarde inteira, quando soube da despesa com aquele pedaço de papel. Souberam da sorte, na véspera de Natal. Pedrosa e os filhos ficaram radiantes, apenas D. Maria Luísa estava triste, brigando por seu rico dinheiro, defendendo-o dos pedintes. O marido resolve se mudar para Porto Alegre e todos da cidade de Jacarecanga vêm dizer adeus à esposa desconsolada, sempre saudosa da vida simples de Jacarecanga. Fernanda mora na Travessa das Acácias. Ela descansa, enquanto espera a hora de ir para o trabalho. Vai pensando na vida dura que tem levado, na morte do pai. A mãe, D.Eudóxia, lhe chama à realidade, lembrando-lhe que não deve dormir. A senhora é extremamente pessimista, crendo que tudo vai dar errado. A filha evita dar muita atenção à mãe, prefere pensar em Noel e chamar o irmão, Pedrinho para o trabalho. Outro morador da Travessa é João Benévolo, leitor de Os Três Mosqueteiros. Gosta tanto da leitura que se deixa transportar para a Paris de 1626, quando deixa de ser o fraco Benévolo, tornando-se ágil e ousado. Sua mulher, Laurentina, fica furiosa com a distração do marido. Quer saber se ele não vai procurar emprego; é 1 hora da tarde e lá está ele lendo, já está desempregado há 6 meses! As contas estão atrasadas, a costura que faz para fora pouco ajuda, não dá nem para o aluguel. Eles têm um filho, Napoleão, magro, que chora por qualquer coisa. Da janela da casa, João e a esposa veem um carro luxuoso estacionar e de dentro dele sai D.Dodó, Doralice Leitão Leiria, esposa do comerciante Teotônio Leitão Leiria, proprietário do Bazar Continental, onde Benévolo trabalhou. A senhora vem visitar Maximiliano, seu empregado que está atacado pela tuberculose. Deixa algum dinheiro, prometendo transferi-lo para um hospital. Parte feliz, certa de que tem seu lugar garantido no céu. Honorato e Noel já saíram. Aliviada, Virgínia desce para o chá, aborrecida porque tudo lhe lembra o marido e o filho. Trata mal as empregadas, fica aborrecida com a juventude de Querubina, grita, ralha, humilha a empregada. Teotônio Leitão Leiria despede o motorista e segue a pé, para se encontrar com a moça dos olhos verdes, Cacilda, que mora na Travessa das Acácias. Teme ser reconhecido, vai cheio de culpa, porque pensa na caridosa esposa, Dodó. Cacilda não apareceu ainda e Leitão fica temeroso, pedindo explicações à viúva Mendonça pela demora. Cacilda chega e entrega-se a Teotônio, pensando no belo rapaz que amou na noite anterior. A volta de Teotônio Leiria para casa repõe a rotina doméstica nos trilhos. A esposa aguarda o querido marido para o baile no Metrópole, preparado por ela, para a comemoração das Damas Piedosas. Depois vai ao quarto da filha, Vera, e pede-lhe para não ler o tipo de livro que anda lendo: A Questão Sexual, de Forel. No salão do Metrópole, Salustiano encontra Chinita e a aperta, com certa violência, contra o peito, convidando-a para darem uma volta lá fora. Dr. Armênio espera que Vera compreenda o sentimento que lhe devota, mas a moça está interessada mesmo é em Chinita. Honorato Madeira está louco para voltar para casa, mas tem que esperar a decisão da esposa. O professor
  • 4. Clarimundo ouve batidas em sua porta. Trata-se da viúva Mendonça, que vem reclamar a falta de pagamento do aluguel por Benóvolo, desempregado há alguns meses. Conta que, toda noite, um sujeito mal encarado vem visitar a esposa de Benévolo. Faz várias reclamações e vai embora. Enquanto isso, às 11 horas da noite, Laurentina, está diante de Ponciano, o visitante mal-encarado, mencionado pela viúva. Em outros tempos, era o candidato preferido das tias de Laurentina, com quem a moça morava. Elas queriam vê- la casada com o moço. Mas João Benévolo apareceu, Ponciano se afastou. Após 10 anos, reaparece e se põe diante dela, todas as noites, esperando um instante de fraqueza da mulher para pedir-lhe que abandone o marido e o siga. Ela já compreendeu seu objetivo, mas não tem ânimo para falar. O visitante pede que fique com 20 mil-réis e os deixa sobre a mesa, sonhando com o dia em que terá Laurentina nos braços. Na casa de Honorato, a esposa Virgínia desperta, decide tomar umas pílulas rejuvenescedoras. Olha-se no espelho e vê, lá do outro lado, Virgínia Matos Madeira, mulher de 45 anos, cabelos meio grisalhos, queixo duplo e princípio de rugas, tão diferente daquela que sente ser. Recorda-se de sua empregada já falecida, Angélica. Ela criou Noel e dirigiu a casa até a morte. Quando o Capitão Brutus começou a fazer-lhe galanteios e aparecer diante de sua janela, Angélica ameaçou contar o fato a Honorato. O tempo passou, o capitão foi transferido e Virgínia continuou levando a vida. O palacete dos Pedrosa continua sendo preparado para a inauguração. Chinita se comporta como uma estrela de Hollywood e o pai paga-lhe todos os luxos que tanto desgostam a mãe, a triste e desconsolada, Maria Luísa. O filho, João Manuel, não leva vida diferente. Às vezes, não dorme em casa ou então só retorna de madrugada, para dormir até o meio da tarde. A família está se acabando, para D. Maria Luísa. Onde irá parar tudo aquilo? O luxo da casa, a mobília, os gastos desnecessários assustam a dona da casa que prefere ser uma estranha e não participar dos desmandos. Assim, se voltar à pobreza não sentirá a diferença. É domingo. Clarimundo está de novo na janela de sua casa, pensando em como será o livro que vai escrever. Qualquer dia irá começá-lo pelo prefácio. Vê Fernanda e seu irmão, Pedrinho, sentados para o almoço. A moça avisa a mãe que irá a Ipanema para se encontrar com Noel. Fernanda deseja modificá-lo. Pensa no duro que dá no escritório do Senhor Leitão Leiria, na luta com o fatalismo da mãe, enquanto o rapaz só pensa em literatura, em escrever livros, sem nada fazer para tornar o projeto realidade. Mais tarde, Pedrinho está no quarto de Cacilda, relutando em deixá-la. Ela diz que ele deve sair logo, pois tem visitas a receber. O rapaz anda perdidamente apaixonado por ela. Não consegue trabalhar, só vê sua figura o tempo todo. Lamenta o tipo de vida que a moça leva. Sonha em lhe dar um colar muito bonito que viu na Sloper. Cacilda fica aborrecida com as constantes visitas do rapazinho, mas não tem coragem para magoá-lo. É segunda-feira, na casa de Benévolo a pobreza é gritante. Almoçam pouco, o filho chora de dor no estômago, a mãe lhe dá elixir paregórico. Benévolo sonha, lendo o livro, comprado com parte do dinheiro deixado por Ponciano. Quando a esposa o irrita ou alguma coisa o aborrece, Benévolo assobia o Carnaval de Veneza. É o que faz, ao ouvir Laurentina lhe mandar procurar emprego. Na casa de Chinita, o vai-e-vem é constante. Todos estão envolvidos com a preparação para a festa inaugural, exceto D. Maria Luísa. Vera beija Chinita, loucamente, no quarto e a moça se entrega às carícias da amiga. Depois, descem para o chá. Noel, trancado em seu quarto, tenta escrever seu romance, segundo o desafio de Fernanda. Enquanto isso, João Benévolo vai ao escritório de Leitão Leiria, tentando ser recontratado. Fernanda o
  • 5. recebe e diz que vai falar com o patrão. Leiria lhe dá uma carta de recomendação, encaminhando-o a um amigo, dono de uma fábrica de mosaicos. Assim que Benévolo se despede, Leiria telefona para a fábrica e pede desculpas por ter envolvido o amigo naquele problema, mas foi forçado, pede-lhe para não se preocupar com o desempregado. Virgínia está em sua janela, esperando por um novo galanteador: Alcides, postado do outro lado da calçada, e vem cortejá-la todos os dias. A cada ruído, no interior da casa ou barulho do bonde, sobressalta-se, deliciada por tudo estar ocorrendo como no tempo de moça. Terça-feira, festa no palacete do Cel. Pedrosa. A orquestra toca no hall. Há doces e salgados sobre as mesas. O proprietário está felicíssimo, vem-lhe à lembrança a imagem do amigo de Jacarecanga, o Madruga, com quem fazia apostas e resmungava. Fica imaginando a cara do amigo, se pudesse ver todo seu sucesso. Toda vez que algo extraordinário lhe acontece sempre pensa na cara do amigo. Salu dança agarrado com Chinita, que sonha que a festa é na casa de Joan Crawford. O namorado lhe diz frases cheias de insinuações e a convida para ir até o parque. Num recanto oculto, junto à piscina, Salu derruba Chinita, entregue definitivamente às suas carícias. Chove forte. Salu desperta, o corpo dói, a cabeça está zonza. Logo recorda da noite com Chinita, da pergunta da moça sobre seu interesse por ela. Vai ao telefone e em surdina, Chinita marca um novo encontro. Está chocada, aturdida com o acontecimento da noite anterior. Teme ficar grávida e ao mesmo tempo, sente vontade de ficar para sempre com Salustiano. Leiria fica enciumado com a festa dada pelo novo rico, Cel. Pedrosa. Pensa numa forma de derrotá-lo sem levantar a menor suspeita. Talvez, uma carta anônima resolva o problema. Recorda-se que o Monsenhor Gross lhe pediu emprego para uma moça, decide despedir Fernanda. Pedrosa está com a amante, Nanette Thibault que lhe pede um automóvel de presente, enquanto, sete andares acima, a filha Chinita faz amor com Salu. Virgínia, desgostosa com a vida de casada, espera na janela por Alcides, mas ele não aparece. D. Maria Luísa recebe uma carta anônima, dizendo que o marido, Cel. Pedrosa, tem uma amante no Edifício Colombo. Ela analisa toda sua vida até ali; o filho vive entre prostitutas e bebidas, a filha parece ter perdido o respeito, solta pela cidade e, agora, o marido tem uma amante. Quarta-feira, 6 horas da manhã, Clarimundo lê Einstein, enquanto Maximiliano, o tuberculoso, morre sob os olhos da mulher, filhos e vizinhos. Chinita só pensa em Salu e João Benévolo vaga pela rua, sentindo fome e frio; o dinheiro acabou, não há alimento em casa. Cai de fraqueza com o estômago doendo. O carro da assistência o apanha e o coloca numa ambulância. Laurentina chorou o dia inteiro, esperando pelo marido. Os vizinhos dão o que comer a ela e ao filho. Ponciano já está ali sentado, olhando-a e dizendo que nada aconteceu a Benévolo, ele é que não presta mesmo. Laurentina chora. Recorda-lhe que a avisou. Por que não vem morar com ele? Laurentina sabia, há muito, que o convite ia ser feito, mas o que responder, não tem coragem nem para se revoltar. O homem continua insistindo, mostra-lhe a carteira cheia de dinheiro, afirmando que tudo será dela. Pode esperar mais um pouco, afinal, diz Ponciano, já esperou por ela há dez anos. Virgínia já está na janela, mas sabe que Alcides não vai passar. Apanha o jornal e tem um sobressalto, o retrato do rapaz está ali, estampado no jornal, morto por um marido enciumado. Noel, finalmente, consegue fazer Fernanda entender que está apaixonado por ela. Não precisou dizer tudo claramente, mas a moça, como sempre, adivinhou o sentimento do amigo. D. Dodó comemora feliz seu aniversário e a filha Vera, indiferente não consegue tirar Chinita do
  • 6. pensamento. Telefona para a casa da amiga, D. Maria Luísa lhe diz que a filha saiu duas horas atrás para ir visitá-la. Vera desliga e D. Maria fica pensando que o marido está com a amante e a filha? Clarimundo chega em casa, depois de dar aulas, e resolve aproveitar o silêncio da noite para começar a escrever o livro que pretende sobre o homem da estrela de Sírio. Na introdução coloca que, após observar de sua janela a vizinhança, resolveu escrever sobre um observador, colocado num ângulo especial que, certamente, terá uma visão diferente do mundo; termina, dizendo: "Pois eu te vou contar, leitor amigo, o que meu observador de Sírio viu na Terra". De repente lembra-se da chaleira fervendo, levanta-se para fazer o café.