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A EDUCAÇÃO DIANTE DA CRISE DO CAPITAL:
              ESTADO, TERCEIRO SETOR E MERCANTILIZAÇÃO DA
                                            ESCOLA.
                                                               Marco Antônio de Oliveira Gomes
                                                              Universidade Federal de Rondônia.
                                                      marcooliveiragomes@yahoo.com.br
Resumo:
Este artigo discute os reflexos da crise do capitalismo e do processo de reestruturação produtiva em um
período histórico marcado pela hegemonia das políticas neoliberais no âmbito da educação escolar.
Neste cenário, a ofensiva do capital apresenta alternativas paliativas para a exclusão social com a
difusão da ideologia do voluntariado e do Terceiro Setor, além de propostas vinculadas ao pós-
modernismo, que na prática, esvaziam a função social da educação e reforçam ao mesmo tempo a
mercantilização do processo escolar. No caso brasileiro, tal projeto confirma uma das características de
nossa cultura política: o moderno se constitui por meio do “arcaico”, recriando nossa herança histórica
ao atualizar aspectos persistentes e, ao mesmo tempo, transformando-os no contexto da globalização.
Por fim, apontamos para a necessidade urgente de proposição de novas estratégias de luta, com vistas à
criação de uma sociedade emancipada, onde será possível a existência de uma educação integral,
segundo a concepção marxiana.

Palavras-chave: Crise estrutural do capital. Educação. Políticas neoliberais. Processo de
reestruturação produtiva.

                     A EDUCAÇÃO DIANTE DA CRISE DO CAPITAL:

         O Manifesto do partido comunista (que, desde 1872, passou a ser conhecido como
Manifesto comunista) foi publicado originalmente em 1848. Em suas primeiras linhas, Marx e
Engels anunciavam: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”. O “fantasma”
do comunismo não se limitou, entretanto, ao “velho continente”. Irrompeu em diferentes pontos
do planeta, como maior ou menor amplitude, incluindo o Brasil nas primeiras décadas da
chamada República Velha.
         Se em um período distante o capitalismo já teve um caráter civilizatório, em seu
embate contra a sociedade feudal, atualmente não mais se sustenta. São mais de cinco séculos
em que nega o direito ao trabalho a milhões de pessoas, destrói o meio ambiente, transforma
homens em mercadorias, e nos torna dependentes da mercadoria.
         No entanto, apesar de seu caráter predatório, o capital ainda continua hegemônico. Já
no crepúsculo do século XX, foi amplamente alardeado o enterro das utopias revolucionárias
através da pena de diferentes intelectuais que procuram legitimar a ordem estabelecida, como é



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o caso do suposto “fim da História” de Fukuyama. Examinando as transformações ocorridas nas
últimas décadas, as mudanças nas relações de forças predominantes parecem sem dúvida
favorecer o capital. Senão vejamos, o colapso do “socialismo real” do bloco soviético, as
mudanças ocorridas na China, a devastação social e ambiental promovida pelas práticas
neoliberais nos últimos anos, a truculência de Estado promovida pelos EUA e de seus aliados no
cenário internacional colaboraram para que uma parcela significativa do debate se limitasse a
alternativas contidas dentro do capitalismo.
         Neste cenário, a exploração da força de trabalho aumenta enquanto avança a
apropriação privada dos bens coletivos, tais como a água, a educação, a saúde, entre outros.
Uma filantropia que virou uma espécie de salvo conduto para a exploração do capital sobre o
trabalho e o discurso das competências empreendedoras atuam freneticamente para amortecer a
consciência social, aliadas ao crescimento da repressão: flexibilização dos direitos, que na
prática implica na redução de garantias ao trabalhador, criminalização dos movimentos sociais,
ausência do Estado nas questões sociais. Nada de novo no reino do capital. Seu princípio de
transformação de tudo em mercadoria, de acumulação, de maximização do lucro e competição
impregna as relações sociais.
         Como observou István Mészáros, em O desafio e o fardo do tempo histórico: “o reino
do capital aproxima-se de seus limites absolutos como resultado de sua crescente incapacidade
de eliminar suas contradições internas, criando uma crise estrutural global do capital.” (p. 15)
Em seu desenvolvimento, o capitalismo ultrapassou os obstáculos mais “sagrados”.
                         A burguesia, onde conquistou o poder, destruiu todas as relações feudais,
                         patriarcais, idílicas. Rasgou sem compunção todos os diversos laços feudais
                         que prendiam o homem aos seus “superiores naturais” e não deixou entre
                         homem e homem outro vínculo que não o do frio interesse, o do insensível
                         “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação
                         religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia sentimental do
                         burguês filisteu nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade
                         pessoal um simples valor de troca e, no lugar de um sem-número de
                         liberdades legítimas e duramente conquistadas, colocou a liberdade única,
                         sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração velada
                         por ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração seca, direta,
                         despudorada, aberta. (MARX e ENGELS, 1998, p. 7)
         O momento histórico em que foram escritas as palavras acima demonstravam os
limites reais do projeto sócio-político conduzido pela burguesia – a liberdade anunciada pelos
“apóstolos” do capital era restrita à liberdade comercial, a bandeira da igualdade se limitava ao
formalismo jurídico e a fraternidade se perdia na retórica do moralismo. A burguesia, enquanto


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classe hegemônica, não possui interesse, e a capacidade de fazer avançar a sociedade para além
dos limites do capital.
         Dessa forma, o espectro anunciado por Marx ainda continua vivo. Porém, nas atuais
circunstâncias, outros fantasmas surgiram: além do comunismo, a barbárie constitui-se em uma
possibilidade real, que atormentam não somente a Europa, mas todo o planeta. A existência
destes espectros tornou-se global, tanto quanto o capital que promove sua existência. Em função
de sua própria natureza auto-expansionista, no sentido de submeter o trabalho aos seus
propósitos com a finalidade de apropriar-se da mais-valia, o capital não acolhe restrições à sua
lógica nem se auto-limita. O ímpeto de destruição, até mesmo nos países que atingiram maior
estabilidade social, tende a crescer.
          No entanto, a transformação radical da ordem não ocorrerá por força do destino. O
desafio não poderia ser maior do que nas circunstâncias atuais. Em vista das contradições
incorrigíveis do capital, somente uma alternativa socialista seria sustentável. Para torná-la
plausível, é urgente fazer um exame crítico do passado, bem como reavaliar algumas estratégias.
Para os propósitos dessa exposição, as palavras de Marx são de imensa valia. Vejamos:
                       “É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas,
                       que o poder material tem que ser derrocado pelo poder material, mas
                       também a teoria transforma-se em poder material logo que se apodera
                       das massas. A teoria é capaz de apoderar-se das massas quando
                       argumenta e demonstra ad hominem, e argumenta e demonstra ad
                       hominem quando se torna radical; ser radical é tomar as coisas pela
                       raiz.” (1997, p. 9).
          Como se percebe, para Marx, a teoria por si só não emancipa a classe trabalhadora. As
armas da teoria crítica atuam na formação da consciência, buscam a unidade necessária entre
teoria e prática. O conhecimento humano apresenta-se como essencial possibilitador de uma
interpretação rigorosa da realidade, condição necessária para a emancipação da classe
trabalhadora. Mesmo porque, a grande maioria dos indivíduos excluídos pelo capital não tem
outro instrumento de comunicação que a língua coloquial. A norma culta do texto continua um
repertório desconhecido para a esmagadora maioria do nosso povo. É neste sentido que o
conhecimento no nosso entendimento, é essencial para a classe trabalhadora. Assim, sem uma
compreensão rigorosa construída através e em consonância com a práxis política, é utópico
pensarmos em emancipação da classe trabalhadora.
          Por isso, torna-se urgente que na luta anticapitalista um posicionamento em favor das
ferramentas teóricas que unifiquem os esforços no sentido de sua superação. Em primeira


                                                                                              3
instância, são os interesses de classe, a mais universal força isolada capaz de unificar lutas
libertadoras diferentes.
          Reflexos da crise estrutural do capital na educação e a luta pela educação pública.
         As alternativas de “redução” da exclusão vieram acompanhadas pela difusão da
ideologia do voluntariado e do Terceiro Setor, e de propostas vinculadas ao pós-modernismo,
que na prática, esvaziam a função social da educação. Por isso, visando ater-me de forma
rigorosa ao tema do artigo, desenvolvo minhas ponderações com algumas palavras sobre o
entendimento da educação escolar em uma sociedade dividida em classes antagônicas. Tal
entendimento é fundamental para a compreensão de propostas aparentemente novas, mas que
trazem em seu âmago a identificação com o conservadorismo e as elites econômicas
dominantes.
         Pode-se perguntar: como falar de educação pública no singular em uma sociedade
divida em classes sociais?
         Pois bem, entendemos que não se pode falar em educação escolar em uma sociedade
divida em classes antagônicas senão no plural: escola de rico, escola de pobre; escola pública,
que se confunde com as escolas mantidas pelo Estado e escola privada. Entendemos que a
dualidade escolar decorre da hierarquização da produção e seu controle pela burguesia. Em
outras palavras, a marca social da educação escolar está no fato de existir um tipo de escola para
cada grupo social.
                           Esse processo de diferenciação comporta contradições e se desenvolve
                           desordenadamente, em decorrência do caráter anárquico da acumulação capitalista,
                           sendo submetido a certos controles, para que não venha por em risco a estabilidade
                           do sistema social. O processo de trabalho capitalista expressa uma forma de
                           organização da produção, o trabalhador coletivo, que significa uma perspectiva de
                           unificação das diferenciações. O funcionamento desta engrenagem demanda a
                           constituição de processos normativos e políticos de regulamentação das diferenças
                           advindas da divisão social do trabalho e com a questão da cidadania. Esta relação da
                           escola com o trabalho não é uma questão puramente técnica e se politiza na medida
                           que, no capitalismo, a regulação da cidadania passa pela hierarquização
                           ocupacional.
                           O capitalismo unifica ao estender ampla e profundamente sua forma de organização
                           da produção, reduzindo a contradições de classe, os vários tipos de contradições
                           sociais (nacionais, culturais, raciais, etc.). A proposta burguesa de unificação escolar
                           pretende realizar a unidade nacional, pelos princípios de universalização do ensino e
                           de supressão das barreiras nacionais, culturais, raciais etc., de acesso à escola. Essas
                           idéias fazem parte da concepção capitalista de civilização, que pressupõe homens
                           com certos conhecimentos e treinamentos necessários à integração à vida urbana e
                           ao processo de trabalho.
                           Para garantir a continuidade da acumulação, o capitalismo precisa tornar a produção
                           cada vez mais socializada. A distribuição social do conhecimento decorre deste
                           processo de socialização, mas como a apropriação dos resultados da produção


                                                                                                                 4
material é privada, esta distribuição tende a ser regrada e controlada politicamente.
                        Assim, se a unificação escolar mostra-se necessária devido à socialização crescente
                        da produção, ela não deixa de ser diferenciadora, em conseqüência da forma privada
                        de apropriação.
                        Se do ponto de vista da produção, a socialização é necessária, ela também o é
                        politicamente, pois a burguesia, devido à forma contraditória de desenvolvimento do
                        capitalismo, se vê cada vez mais impossibilitada de continuar governando, sem
                        antes buscar negociar e se legitimar. A perspectiva da unificação escolar se
                        apresenta, assim providencial, pois representa a possibilidade de unificação
                        ideológica da nação sob a hegemonia burguesa, que faz desta medida, a sua
                        promessa de democratização educacional, face às segregações culturais do Antigo
                        Regime. (MACHADO, 1989, p. 9-10)
        Diante do problema apresentado, a questão da escola pública adquire significados
diferentes para as diferentes forças políticas que se confrontam na arena social. Temos aqui,
portanto, grandes diferenças de conceitos. Em nosso entendimento, a realidade social do modo
de produção capitalista é totalizante, transformando tudo em mercadoria.
        Procurando ater-nos de forma clara ao tema deste trabalho, bem como esclarecer o
significado da educação pública, propomos as seguintes questões: o que se deve entender pelo
conceito de “educação pública”? O que é “escola pública”? O que é “escola privada”?
        Tornou-se senso comum afirmar que o espaço público indica tudo aquilo pertencente
ao Estado, e, como privado, aquilo pertencente à sociedade civil, ao cidadão comum. Em linhas
gerais, a palavra “público” pode ser definida de duas maneiras. De um lado, “público” como
oposição ao “privado”, sinônimo do patrimônio comum, daquilo que não pode ser objeto da
apropriação de alguns, que é de uso de todos; comum, aberto a quaisquer pessoas. Por outro
lado, um segundo sentido de “público” é o conjunto de pessoas que assistem a um evento
artístico, esportivo, a uma reunião, a uma manifestação. Observa-se, assim, a necessidade de nos
perguntarmos sobre os diferentes significados atribuídos para a expressão “educação pública”.
        Tal empreendimento é tanto mais necessário pelo fato de estarmos diante de um
problema que permanece presente no centro dos debates sobre a educação. Nesta questão,
Sanfelice nos adverte que uma leitura atenta da história não permite tomar o estatal como algo
imediatamente análogo ao público, como de interesse comum (SANFELICE, 2005, p. 95). Em
outras palavras, pode haver uma esfera pública que não pertença ao Estado, como por exemplo
uma escola mantida por imigrantes ou por uma associação de trabalhadores, fato presente em
nossa história de nosso país e que abordamos em nosso trabalho de doutorado.
        Dito de outra forma, a educação escolar mantida pelo Estado, ou pelos agentes
identificados com os interesses do capital, constitui-se historicamente como expressão da
divisão entre o conhecimento científico e o saber prático. E, não por coincidência, o fundamento


                                                                                                           5
material da produção em nossa sociedade é fragmentado. Assim, a educação escolar também é
fragmentada, através de sua organização, métodos e práticas pedagógicas. Com isso, a burguesia
controla também a elaboração do conhecimento. Nesse sentido, cremos que as reflexões de
Mészáros podem auxiliar na elucidação da questão.
                         Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais
                         mais abrangentes estão intimamente ligados. Conseqüentemente, uma
                         reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente
                         transformação social no qual as práticas educacionais da sociedade devem
                         cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança.
                         (MÉSZÁROS, 2007, p. 196)
         Obviamente, nem mesmo os intelectuais “bem intencionados” das elites dominantes
podem adotar uma perspectiva divergente do modo de dominação imposta pelo capital. Dessa
forma, as instituições educacionais foram adaptadas, em que pese todas contradições em seu
interior, de acordo com as determinações reprodutivas do capital.
                         (...) Esperar da sociedade mercantilizada uma sanção ativa – ou mesmo mera
                         tolerância – de um mandato que estimule as instituições de educação formal
                         a abraçar plenamente a grande tarefa histórica do nosso tempo, ou seja, a
                         tarefa de romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência
                         humana, seria um milagre monumental. É por isso que, também no âmbito
                         educacional, as soluções “não podem ser formais; elas devem ser
                         essenciais”. Em outras palavras, elas devem abarcar a totalidade das práticas
                         educacionais da sociedade estabelecida. (MÉSZÁROS, 2007, p. 207) (o
                         grifo é do autor)
         Nessa perspectiva, em tempos de hegemonia do discurso neoliberal, diante de um
processo de reestruturação produtiva em curso, onde se questiona a presença do Estado em
diferentes setores da sociedade, volta-se a atribuir à educação um papel importante na
organização econômica da sociedade. Sob a orientação dos setores identificados com o
pensamento neoliberal a privatização, incluindo a dos direitos sociais, ganha um papel de
destaque no cenário político brasileiro.
         Assim, a educação “pública”, ou melhor, mantida pelo Estado, constitui-se em um
instrumento político nas mãos da classe dominante. Diante das considerações feitas, surge a
questão: o Estado não é o representante do interesse público? A bem da verdade, o “público”
não passa de uma abstração que representa concretamente os interesses da burguesia, uma
representação caótica do conjunto, como se não existissem classes sociais com interesses
divergentes. Diante dos fatos apresentados, cabe-nos perguntar: as políticas educacionais podem
ser entendidas como “neutras”? Elas são livres das proposições da burguesia?




                                                                                                    6
É sempre importante frisar que o Estado é o fruto da manifestação do antagonismo
inconciliável das classes. O Estado surge onde e na medida em que os antagonismos de classes
não podem objetivamente ser conciliados. No entanto, não se trata de destruir a escola, mas
acreditar e acolher passivamente todas as “soluções” oriundas da burocracia do Estado é aliar-se,
de fato, aos grupos dominantes privilegiados pela inércia do status quo. Em outras palavras, a
função pública da educação não deve ser um instrumento do Estado a serviço dos interesses
privados. A respeito do tema, Marx em Crítica ao Programa de Gotha teceu as seguintes
considerações:
                        O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado:
                        1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória
                        para todos. Instrução gratuita.
                        Educação popular igual? Que se entende por isso? Acredita-se que na sociedade
                        atual (que é a de que se trata), a educação pode ser igual para todas as classes? O
                        que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas pela força a conformar-
                        se com a modesta educação dada pela escola pública, a única compatível com a
                        situação econômica, não só do operário assalariado, mas também do camponês?
                        “Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita”. A primeira já existe,
                        inclusive na Alemanha; a segunda na Suíça e nos Estados Unidos, no que se refere
                        às escolas públicas. O fato é que se em alguns Estados deste último país sejam
                        “gratuitos” também os centros de ensino superior, significa tão somente, na
                        realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do
                        fundo dos impostos gerais. (...)
                        O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e
                        práticas) combinadas com as escolas públicas.
                        Isso de “educação popular a cargo do Estado” é completamente inadmissível. Uma
                        coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas,
                        as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino etc. e velar
                        pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se
                        faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado
                        como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola de
                        toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-
                        Alemão (e não vale fugir com o baixo subterfúgio de que se fala de um “estado
                        futuro”; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de
                        receber do povo uma educação muito severa. (MARX, 2004, p. 101-102)
         Pelo exposto, depreende-se que Marx preocupava-se com a luta organizada dos
trabalhadores articuladas nas diferentes frentes de batalha, como é o caso da educação, sem que
isso implicasse, no entanto, perda do horizonte revolucionário. Dessa forma, não basta criticar a
educação burguesa, mas é necessário articular a proposta teórica de educação unitária com as
lutas concretas de superação da ordem capitalista. Esta perspectiva é retomada por Gramsci.
Para o pensador italiano, a noção de escola unitária confere à escola uma dimensão estratégica
na disputa pela hegemonia, no âmbito do “Estado ampliado”. Vejamos seus apontamentos:
                        Um ponto importante, no estudo da organização prática da escola unitária, é o que
                        diz respeito à carreira escolar em seus vários níveis, de acordo com a idade e com o
                        desenvolvimento intelectual-moral dos alunos e com os fins que a própria escola


                                                                                                             7
pretende alcançar. A escola unitária ou de formação humanista (entendido este
                        termo, “humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou
                        de cultura geral deveria propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social,
                        depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à criação
                        intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e iniciativa. A
                        fixação da idade escolar obrigatória depende das condições econômicas gerais, já
                        que estas podem obrigar os jovens a uma certa colaboração produtiva imediata. A
                        escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo
                        da família, no que toca à manutenção dos escolares, isto é, que seja completamente
                        transformado o orçamento da educação nacional, ampliando-o de um modo
                        imprevisto e tornando-o mais complexo: a inteira função da educação e formação
                        das novas gerações torna-se ao invés de privada, pública, pois somente assim pode
                        ela envolver todas as gerações, sem divisões de grupos ou castas. (GRAMSCI,
                        1988, 121) (o grifo é meu)
        Nesse sentido, a transformação educacional demanda uma revolução nas relações
sociais, porém, mesmo diante dos obstáculos impostos pelos antagonismos de classes, a nova
educação deve ser estimulada ao máximo como embrião de uma escola do futuro. A luta pela
escola pública no Brasil, ainda que não tivesse em seus horizontes os pressupostos marxistas, se
insere, portanto, nessa dinâmica. Dessa forma, pode-se afirmar que o conceito de escola pública
não implica necessariamente na escola estatal. Afinal, as experiências educativas dentro do
movimento operário ao longo da história republicana confirmam essa tese.
        Assim sendo, nunca é demais voltar a lembrar que, dentro de uma perspectiva marxista,
o Estado é uma organização burocrática, isto é, um conjunto de instituições, com suas
respectivas ramificações, destinado a representar os interesses das elites dominantes através do
jogo institucional. Em outras palavras, o Estado e suas instituições não representam em última
instância a "sociedade como um todo" e os “interesses nacionais", mas sim as forças
hegemônicas no âmbito da produção material. Vejamos as considerações de Sanfelice sobre o
tema:
                        (...) Até é admissível que a escola estatal seja a forma pela qual se exerce a ação
                        educativa do público, mas não necessariamente para o público. E público, em uma
                        sociedade com antagonismos de classes, escamoteia a existência de vários públicos.
                        Para além do conceito público, oculta-se a associação entre os que controlam o
                        Estado e os que possuem e controlam os meios de produção.(SANFELICE, 2005, p.
                        91)
        Exatamente por isso é que, na apreciação da ação do Estado na educação escolar, é
imperativo levar em conta a natureza de classe da dominação política e as formas concretas
através das quais ela se realiza, ou seja, as lutas travadas no interior da sociedade civil, que
determinam a configuração do projeto educativo. Assim, não é demais supor que, o modus
operandi da empresa privada com fim lucrativo tornou-se o modelo ao qual baliza as ações do
Estado. Diante de tal quadro, as elites econômicas buscam garantir e ampliar seus interesses,


                                                                                                          8
pela força de que dispõem, mas também pela difusão dos conteúdos ideológicos, que lhe servem
de sustentáculos contra os segmentos que contestam a autoridade da ordem estabelecida. Sobre o
tema, Gramsci sabiamente sentenciou:
                        A escola tradicional era oligárquica, pois era destinada à nova geração de grupos
                        dirigentes, destinada por sua vez a tornar-se dirigente: mas não era oligárquica pelo
                        seu modo de ensino. Não é a aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência a
                        formar homens superiores que dá a marca social de uma tipo de escola. A marca
                        social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio,
                        destinado a perpetuar nestes grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou
                        instrumental. Se se quer destruir esta trama, portanto, deve-se evitar a multiplicação
                        e graduação dos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, um tipo único
                        de escola preparatória (elementar-média) que conduza o jovem até os umbrais da
                        escolha profissional, formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de
                        estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (...) Mas a tendência democrática,
                        intrinsecamente, não pode consistir apenas em que um operário manual se torne
                        qualificado, mas em que cada “cidadão” possa se tornar “governante” e que a
                        sociedade o coloque, ainda que “abstratamente”, nas condições gerais de poder fazê-
                        lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados (no
                        sentido de governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada
                        governando a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica geral
                        necessárias ao fim de governar. (GRAMSCI, 1982, p. 136-137)
         Quando elaboramos a dissertação de mestrado, que versou sobre o debate entre o
público e o privado na educação, no período de 1945-1968, percebemos nas pesquisas que, ao
longo da História, em diferentes oportunidades, o Estado financiou iniciativas privadas a que o
“público” não teve acesso. Ora, a educação patrocinada pelo Estado não é um serviço público?
Mas, para qual público? A idéia que pretendemos destacar é a de que a educação, em função do
balizamento jurídico de nossa sociedade, como serviço público, pode ser oferecida tanto pelo
Estado como pela iniciativa privada, como enfatizou Sanfelice (2005, p. 100).
         Ora, não é esse o discurso liberal sobre a educação? Aliás, entre os intelectuais que
levantaram a bandeira da educação privada era comum afirmar que, detrás da educação estatal,
havia o fantasma do totalitarismo, em que o Estado era apresentado como vilão e a sociedade
como vítima indefesa. Em termos amplos, os principais objetivos das políticas neoliberais em
educação são retirar custos e responsabilidades do Estado e, ao mesmo tempo, deixá-las a cargo
da “sociedade civil”, categoria esvaziada pelos discursos das elites econômicas.
         Como já sugerimos em nossa dissertação de mestrado, os assistentes devotados do
capital defenderam, e ainda defendem, o aporte de recursos públicos para a educação privada
por considerarem um serviço público e, em nome da “liberdade” de escolha da família, que não
pode ser penalizada duas vezes, porque paga as mensalidades das escolas onde coloca seus




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filhos e paga os impostos que sustentam a escola pública. Segundo esse raciocínio, a liberdade
de escolha em um mercado “livre” é capaz de suprir todas as demandas.
          Chega-se ao ponto de considerar-se que os serviços públicos, em campos como a
educação, devem ser orientados por atuações precisas determinadas a evitar explosões sociais, e
não uma obrigação do Estado. Dessa forma, deve-se preparar trabalhadores “empregáveis”,
“flexíveis”, “adaptáveis” e “competitivos” – o que gera currículos escolares que refletem os
interesses burgueses. De outro lado, as elites econômicas definem o nível de ensino obrigatório:
a escola básica. O Ensino Médio e o Superior serão organizados segundo as exigências do
mercado, principalmente sob a “forma de um mercado educativo desregulamentado”. Em outras
palavras, o sistema educacional deve se ajustar às demandas de seu público, que pagará o preço
determinado pelas leis de mercado. Porém, conforme salienta Gaudêncio Frigotto, a livre
concorrência, em uma sociedade de classes, não passa de uma farsa. Os filhos de diferentes
classes estudam em escolas separadas: segregação educacional. A desigualdade brutal não é
outra coisa senão fruto das relações capitalistas de produção.
          Quando refletimos sobre os efeitos nefastos do neoliberalismo, já nítidos no final do
século XX, no Brasil, por exemplo, não devemos esquecer que ele se apresenta com uma
continuidade de uma enraizada sociabilidade autoritária na nossa sociedade com os processos de
globalização, tão decantado como um movimento recente de organização da economia mundial1.
Porém, isso não implica em ignorar que nas regiões onde tal sociabilidade foi “menos”
autoritária o neoliberalismo não tenha sido o portador de um altíssimo nível de letalidade social.
Nesta perspectiva, é conveniente enfatizar que o autoritarismo é uma linha constitutiva da
formação institucional brasileira e do próprio liberalismo.
          Assim sendo, no centro das propostas convergentes com a ordem burguesa encontra-se
a defesa da democracia em oposição aos movimentos sociais comumente considerados
“contaminados” pelo socialismo. Segundo a perspectiva liberal clássica, a liberdade é a ausência
de intromissão ou, ainda mais especificamente, de coação. Dito de forma simplista, o homem é
livre para fazer aquilo que os outros não o impedem de fazer. Dessa forma, ainda dentro dos
parâmetros liberais, as políticas sociais devem ser reguladas pelas de mercado, ou ainda, pela



1
  A implantação das políticas neoliberais nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento deu-se pela
necessidade de reestruturação do capital, principalmente do capital dos países hegemônicos, de forma a controlar
as economias periféricas, como é o caso do Estado brasileiro.


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“sociedade civil”. O Estado delega aos setores privados um leque de serviços, incluindo, além
da educação, a saúde, moradia, previdência etc.
         A concepção de direito limita-se ao poder de compra do indivíduo que, em última
instância, consagra a opressão sob a bandeira da liberdade. Os que não podem comprar, devem
conformar-se com a ação do Estado, que se limita a oferecer o suficiente para a manutenção da
ordem estabelecida. Acrescente-se a isso o fortalecimento da idéia de que os serviços privados
(pagos) são de condição superior aos que o Estado pode oferecer. Nesse sentido, o discurso
liberal defende a idéia de que o Estado, entendido como uma instituição pública, é o
responsável pela ineficiência, pelo clientelismo, e o mercado e o privado são sinônimos de
qualidade. Porém, cabe perguntar: que critérios definem o que é uma escola de “qualidade”?
Assim sendo, o liberalismo defende a busca da qualidade através da “liberdade de concorrência”
e a democracia como organização de seleção dos mais capacitados. Em outras palavras, trata-se
de um laissez-faire ultra-radical, que propõe a redução do papel do Estado a qualquer preço.
         No entanto, em um país com uma história marcada pela exclusão e opressão, a ênfase
atribuída à sociedade civil pelos agentes do capital, deve no mínimo causar surpresa. Porém, se
dilatarmos os horizontes de nossas análises, identificaremos que as armadilhas promovidas por
essa recente valorização da sociedade civil em nosso país, em realidade, continuam perpetuando
uma tradição histórica autoritária que sustenta o aniquilamento dos parcos direitos dos
trabalhadores. Frente a este cenário, a questão social foi, e é, relegada a um a mero
assistencialismo, exercido muitas vezes dentro do próprio Estado, ou por diferentes empresas
que utilizam o marketing do voluntariado ou das fundações com caráter filantrópico.
         Aos que desconhecem a história, nunca é demais lembrar que tais iniciativas não são
novas. Conforme os apontamentos de Gilberto Dupas, a organização de fundações, uma espécie
de ‘burocracia da virtude cívica’, foi estruturada com base no modus operandi das empresas
privadas, normalmente incluindo um conselho de administração e um presidente. As grandes
fortunas do último quartel do século XIX – como John D. Rockfeller, Andrew Mellon e,
posteriormente, Henry Ford – tiveram que lidar com fortes críticas e revoltas, especialmente
entre 1880 e 1890m contexto no qual a filantropia exerceu um papel fundamental como uma
espécie de ‘alternativa ao socialismo’. (p. 118-119)
         A título de exemplo, poderíamos citar um fato emblemático que simboliza a
materialização da omissão do Estado em favor das elites econômicas: em 1999, a Rede Globo de



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Televisão lançava o Projeto “Amigos da Escola - Todos pela Educação”. De acordo com seus
criadores era, e ainda é, uma ação de incentivo para o desenvolvimento de ações de voluntariado
individual e de parcerias com a escola.
          Projetos como os “Amigos da Escola”, entre outros, utilizam um discurso sedutor,
assumindo uma “causa nobre”, procuram na solidariedade das pessoas a força e o respaldo para
demonstrar que ações individuais podem colaborar com a redução das injustiças sociais. No
entanto, não é de favores ou de caridade que a educação pública e popular necessita, mas sim de
uma defesa vigorosa, bem estruturada e até intransigente do direito à Educação de qualidade
para todos.
          Posto isto, é fundamental denunciar os equívocos conceituais presentes no discurso
liberal sobre a sociedade civil. Desnecessário afirmar que esses desafios têm implicações
fundamentais para o processo de construção e desenvolvimento de uma alternativa hegemônica
aos desmandos do capital. Assim, faz-se urgente reconhecer que atualmente, mais do que em
qualquer outro momento histórico, existe uma acirrada disputa de significados com relação à
sociedade civil, porque há um embate entre projetos políticos, que significam propostas
antagônicas. Entendemos que a forma como o conceito de sociedade civil, que vem se tornando
cada vez mais hegemônica, é mistificadora e superficial, fragmentadora e extremamente
conservadora. Daí a importância de recuperarmos os sentidos estratégicos que esse conceito
possui.
          Estado mínimo, privatização e voluntariado.
          A defesa do “Estado mínimo”, ou melhor, mínimo para as questões sociais, que
legitima a ação privada na resolução das desigualdades sociais, e a admissão da exaustão dos
Estados nacionais em sua incumbência de mediar – pelo exercício da política – as crescentes
tensões sociais oriundas dos efeitos perversos do capitalismo global, levaram as grandes
corporações a redescobrir o espaço da filantropia como instrumento de altos dividendos de suas
respectivas imagens pública e social.
          Diante dessa conjuntura de crise e mudanças derivadas das transformações no mundo
da produção, as políticas do Estado, na área social, acentuam as marcas da omissão e
inoperância, com explícita impotência na universalização do acesso aos direitos constitucionais,
que não passam de letra morta diante da avalanche liberal. Em outras palavras, vivenciamos um
risco de grave regressão de direitos sociais.



                                                                                             12
Marca evidente da regressão característica do processo, é a renovação mais atual da
face da filantropia, com a coloração de um discurso “cívico” do “voluntariado”, que ambiciona
oferecer alternativas às graves questões sociais agravadas com a nova “maré globalizante”.
Trata-se, mais uma vez, de parte das táticas de legitimação do capital, num cenário em que ele é
muitas vezes apontado como responsável pelos graves distúrbios sociais. Nesse sentido, é
preciso enfatizar que, a filantropia se adequa convenientemente às formas de lucro empresarial:
a ausência do Estado é ocupada por atividades filantrópicas ou caritativas, transformando as
pautas assistenciais em uma verdadeira feira de negócios, ao mesmo tempo que promove a
imagem da empresa, com o “selo” do comprometimento com a “responsabilidade social”. No
entanto, independente do valor moral de cada ação, esse caminho é estruturalmente inconsistente
e ineficaz, pois fetichiza a miséria e não questiona as relações materiais que criam a exclusão
social.
          De fato, essa tendência de “responsabilidade social das empresas” e, incluindo as
ONGs, parecem atuar apenas como uma espécie de “curativo” para a fratura exposta da miséria.
Com o crescimento dessas atividades, o que verificamos no Brasil é uma espécie de políticas
pobres para miseráveis, que acaba por despolitizar a questão social, pois pressupõe a
desqualificação das lutas sociais e do poder público. Não por acaso, o discurso, hoje
hegemônico, sobre o chamado Terceiro Setor, omite descaradamente a origem da desigualdade,
além de implicar nos seguintes desdobramentos:
a) a desresponsabilização do Estado na medida em que, por meio da ação voluntária, se transfere
à sociedade a responsabilidade pela resolução das questões sociais, entre as quais, a educação;
b) a criação de um ambiente propício para justificar a redução dos investimentos estatais, uma
vez que existem pessoas com boa vontade para assumirem as obrigações do Estado.
          É importante insistir nestas questões, dado o papel central desempenhado pela
introdução do “voluntariado”, ou ainda, do Terceiro Setor, no projeto de despolitização das
questões sociais, e, em especial, da educação. Senão vejamos:
                         (...) A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, definiu-se o voluntário
                         como ator social e agente de transformação, que presta serviços não
                         remunerados em benefício da comunidade; doando seu tempo e
                         conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso
                         solidário, atendendo tanto às necessidades do próximo ou aos imperativos de
                         uma causa, como às suas próprias motivações pessoais, sejam estas de
                         caráter religioso, cultural, filosófico, político, emocional. <<




                                                                                                  13
http://www.voluntarios.com.br/oque_e_voluntariado.htm >> acesso em
                         27/03/2009
         As considerações acima não constituem-se em isolados. Isto porque as decisões
“inovadoras” de defesa do “voluntariado” são expressões concretas da miséria geradas pelas
reformas neoliberais, mas também representam a alternativa possível de uma classe que não
pretende abrir mão de seus privilégios econômicos. Que transformações podemos esperar dessas
iniciativas? Como esperar transformação onde a filantropia é elevada à política de Estado e onde
a palavra da moda – parceria – significa troca de “iguais”?
         Antes de prosseguirmos, vejamos o posicionamento de Justina Iva, presidenta da
UDIME, no Boletim Amigos da Escola de agosto, de 2008:
                         Estamos vivendo um momento ímpar na sociedade brasileira no que
                         pertence ao tema educação básica. Não só os entes públicos, mas também a
                         sociedade civil despertam para a necessidade e urgência de agendar o tema
                         educacional na discussão contemporêna, sabedores que são de que é urgente
                         a transformação da sociedade brasileira numa perspectiva de construção e
                         resgate da cidadania de cada um e de todos, o que só acontecerá com a oferta
                         e garantia de uma educação pública com qualidade social.(Boletim Amigos
                         da Escola, agosto de 2008)

         Ora, nada mais abstrato do que a expressão “sociedade brasileira”, que esconde os
antagonismos de classe que atravessam a sociedade. Afinal, de que sociedade a autora fala?
Além desses aspectos, Justiva Iva faz realiza uma separação, no mínimo equivocada: “Não só
os entes públicos, mas também a sociedade civil despertaram para a necessidade e urgência de
agendar o tema educacional (...)”. Seriam os entes públicos as instituições mantidas pelo
Estado? A sociedade civil constitui-se em uma instituição desvinculada do Estado? Quem
patrocina tais atividades? Quais os interesses?
         Diante das questões levantadas, a leitura de Gramsci, e de alguns de seus intérpretes, é
indispensável. Mas, por quê? Ora, Gramsci soube captar a diversidade do real e debruçou-se
com extrema lucidez sobre os diferentes fenômenos sociais, percebendo a sua importância para a
compreensão da sociedade contemporânea, além de captar o cotidiano como o lugar da luta de
classes. Assim, acreditamos que sua leitura ofereça pistas e categorias - sociedade civil,
ideologia, hegemonia, intelectuais tradicionais - que podem auxiliar na compreensão da atuação
política dos intelectuais, não de forma isolada, mas como portadores de interesses de classes.
         Segundo o pensador italiano, é no espaço da “sociedade civil”, concebida como uma
complexa rede de organismos privados, os quais exercem as funções de hegemonia, que as



                                                                                                  14
classes lutam para conquistar a liderança política e cultural da sociedade, o seu consenso
político. Nesses termos, é um equívoco separar a sociedade política e a sociedade civil, pois os
dois se completam. É nesse espaço que operam os chamados “aparelhos privados de
hegemonia”, tais como imprensa, partidos políticos, escola e sindicatos. Em Maquiavel, a
política e o Estado Moderno, Gramsci escreveu:
                         “(...) a ‘sociedade civil’ transformou-se numa estrutura muito complexa e
                         resistente às ‘irrupções’ catastróficas do elemento econômico imediato
                         (crises, depressões, etc.): as superestruturas da sociedade civil são como o
                         sistema de trincheiras da guerra moderna. Da mesma forma que ocorria na
                         guerra, quando um nutrido fogo de artilharia parecia ter destruído todo o
                         sistema defensivo do adversário, mas, na realidade, só o atingira na sua
                         superfície externa, e no momento do ataque os assaltantes defrontavam-se
                         com uma linha defensiva ainda eficiente, assim ocorre na política durante as
                         grandes crises econômicas; nem as tropas atacantes, em virtude da crise,
                         organizam-se rapidamente no tempo e no espaço, nem muito menos
                         adquirem um espirito agressivo; reciprocamente, os atacados não se
                         desmoralizam, nem abandonam as defesas, mesmo em ruínas, nem perdem a
                         confiança na sua força e no futuro.” (GRAMSCI, 1988, p. 73)
         Dessa forma, o Estado não é somente o uso da força, mas fundamenta-se também no
consenso, pois não existe a dominação de um aparelho ideológico específico. É em função do
contexto histórico, das tensões entre as forças sociais que os aparelhos ideológicos se constituem
em “trincheiras” na difusão de seus valores e normas.
         Em nosso entendimento, uma sociedade na qual as relações de produção são marcadas
pela divisão entre o capital e o trabalho, onde o desenvolvimento do capital supõe a exploração
do trabalhador e a exclusão de muitos, a luta de classes é o desenlace inevitável do conflito de
interesses e valores igualmente antagônicos. Porém, a luta política travada em torno dos
interesses de classe ultrapassa os limites estritamente institucionais, ocorrendo também fora das
fronteiras de ação do Estado como, por exemplo, no âmbito da sociedade civil, revelando uma
multiplicidade de estratégias de controle e subordinação social.
         Para Gramsci, como demonstra Semeraro, somente a coerção não é capaz de manter o
poder, é necessário o auxílio dos métodos de persuasão e de conquista das massas (1999, p.27),
uma vez que o Estado não é mais um órgão exclusivo da burguesia, mesmo sendo ainda um
Estado de classe. O Estado não se reduz apenas ao aparato coercitivo, mas se estende a todo o
conjunto de redes e relações de hegemonia. Na perspectiva de Gramsci, é necessário refletir
sobre uma concepção ampliada de Estado (id., ibid.). Ou seja, o Estado, em um sentido mais
amplo, é formado pelo conjunto da sociedade política e da sociedade civil, o qual possui uma



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relativa autonomia em relação ao Estado, estritamente falando. Isso pressupõe a percepção em
conjunto dos meios de direção intelectuais e morais de uma classe sobre o conjunto da sociedade
e a forma pela qual ela realiza sua hegemonia.
          Na construção da hegemonia e da legitimidade, deve-se levar em conta outras vozes e
outros interesses que nem sempre se restringem aos dos grupos dominantes. O poder e a
dominação não se constituem como monopólio do aparelho de Estado, mas estão presentes em
todos os níveis da atividade social, desde as relações de trabalho até as atividades em família, na
escola etc. Segundo as formulações de Gramsci, dentro de um determinado contexto histórico,
cada classe cria, ao mesmo tempo que a si própria, camadas de intelectuais que lhe dão
homogeneidade e consciência de sua própria função. Dessa forma, a construção da hegemonia
não é apenas monopólio das classes dominantes, mas existe a possibilidade de intervenção dos
setores dominados.
          Assim sendo, a existência de diferentes discursos sobre o sistema educacional
representa igualmente diferentes projetos de classes ou frações de classes. Porém, é interessante
notar que o discurso conservador assumiu a “defesa” da educação escolar, bem como, emprestou
as velhas fórmulas defendidas pelos liberais no passado. Nesse quadro, o discurso em “defesa”
da educação escolar ressurge como panacéia para todos os males que afligem a sociedade: a
miséria e as diferenças sociais.
          Porém, isso não significa desconsiderar as correntes e perspectivas diferenciadas no
campo da educação que denunciam o engodo promovido pelos intelectuais comprometidos com
a defesa do capital2. O que ocorre, em virtude da correlação de forças, é a hegemonia do
discurso liberal no âmbito acadêmico e na grande imprensa, que mascara a divisão de classes na
sociedade e justifica as desigualdades sociais, metamorfoseadas em diferenças individuais.
          Segundo muitos intelectuais comprometidos com a defesa do status quo, a difusão do
conhecimento através da escola é um fator de desenvolvimento do “protagonismo” dos
educandos, que possibilitará o incrementando da produção e a solução dos problemas dos
sociais. Em outras palavras, segundo os intelectuais comprometidos com a manutenção da
ordem, trata-se de promover, de forma sistemática, a formação de valores e de “atitudes

2
 O professor Sérgio E. M. Castanho, por exemplo, ao contrário dos “missionários” devotados com a defesa da
ordem estabelecida, denuncia a desmontagem do Estado nacional através da “nova maré globalizante”, além de
propugnar um sistema unitário de educação nacional, que atualmente no Brasil, continua num horizonte distante
diante de uma realidade nacional que não passa de um mosaico de regionalidades dissonantes, consagradora da
dualidade educacional. (2001, p. 13-37)


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cidadãs” que permitam os educandos a conviver de forma “autônoma” com o mundo
contemporâneo. Desta forma, o protagonismo é defendido segundo o princípio da urgência
social e como uma via promissora para a solução dos problemas sociais.
         A dimensão cínica das propostas fragmentárias do mercado concretiza-se, no plano
político prático, nos conceitos de autonomia, individualização, pluralidade, poder local, o que
implica em uma brutal fragmentação do sistema educacional. Nesses termos, o critério de
seleção segundo o liberalismo educacional seria a “natureza individual” que, trabalhada pela
escola, desenvolveria as potencialidades de cada um, e alimentaria o bem estar social através das
ações solidárias. Em outras palavras, cada um possuiria um papel na produção da sociedade,
bem como na solução dos problemas sociais.
         Isso posto, é importante esclarecer ainda que o discurso liberal também se coloca em
defesa da escola privada. Nunca é demais lembrar que em diferentes momentos de nossa
história, levantou-se a necessidade de assegurar a “liberdade de escolha” ou a economia para os
cofres públicos através da expansão da rede privada de ensino. Na verdade, muitos intelectuais,
ligados por laços umbilicais aos interesses das classes dominantes, ao abordarem a questão
educacional como princípio necessário da democracia, reconheceram as vicissitudes do sistema,
mas nunca questionaram a estrutura social. A escola defendida pelos grupos dominantes, em que
pese as diferenças existentes em seu interior, destina-se justamente a adequar os indivíduos a
determinados papéis estratificados no interior de uma sociedade profundamente desigual. Suas
sugestões giravam, e ainda giram, em torno de medidas paliativas.
         Verificamos, dessa forma, que as novas definições proferidas a respeito da sociedade
civil não são inocentes, pelo contrário, fazem parte de uma disputa política sustentada na
necessidade burguesa de gerar uma profunda redefinição do papel do Estado, otimizando o
processo de acumulação de capital em favor das elites econômicas. Com isso, estimula-se ao
máximo uma série de ações “solidárias” delegadas à “sociedade civil”, consagra-se o discurso
oficial acerca das virtudes das parcerias entre o “público e o privado”, incentivam-se atividades
filantrópicas destinadas a substituir o papel do Estado.
         Em outras palavras, tudo passa a ser regido em nome da sacralidade do mercado, ou
ainda, da sociedade civil organizada, entendida como instância democrática por excelência,
solução para o enfrentamento das grandes vicissitudes com os quais o Brasil se defronta. As
graves carências, as profundas contradições de classes do atual estágio do capitalismo põem em



                                                                                              17
relevo a necessidade de denunciar suas mazelas não somente no estrito mundo da produção, mas
em todas as instâncias da sociedade, inclusive a instituição educacional. Sabemos que uma
grande massa dos excluídos, sob a batuta do capitalismo, não é necessária ao funcionamento da
produção, à exploração dos instrumentos do lucro, e para o pequeno número que detém os
poderes econômicos. No entanto, é possível verificar ainda hoje a transformação da escola em
um mito: instituição de “correção” das desigualdades. Não bastasse esse engodo, a educação foi
transformada em um serviço que é oferecido pelo mercado, como um grande negócio rentável e
de alto interesse. Aos olhos de quem entende a educação como um direito isso parece
assustador.
         Pelo que foi dito até aqui, ganha sentido a defesa da escola pública e a luta pela não
abdicação do Estado de seu papel de provedor de bens públicos. Educação não é um serviço
prestado, mas um direito que deve ser assegurado. Como indivíduos, seremos incapazes de
transformar profundamente as estruturas vigentes. Por isso, diante dos desafios colocados pela
história, num momento em que necessitamos criar novas formas de intervenção nas lutas
políticas, torna-se urgente inverter as ações que legitimam as práticas focalistas, o
assistencialismo, a filantropia e a defesa das medidas definidas como compensatórias, para o
enfrentamento da questão social. Nesse sentido, a obra de Gramsci torna-se ainda mais
importante. Sua trajetória está atravessada pela certeza de que não há situação histórica que não
possa ser modificada pela livre e consciente ação de homens organizados.
         Os direitos sociais e a transformação social em direção a uma sociedade
qualitativamente superior não é uma dádiva dos céus, nem tampouco algo definitivo. Também
não virá de cima para baixo como uma concessão das elites econômicas, mas será fruto de
batalhas permanentes, travadas sempre a partir dos interesses dos trabalhadores, das classes
subalternas. Por isso, sua conquista implica em um projeto histórico alternativo.
         Dessa forma, é de fundamental importância denunciarmos a tese do voluntariado, que,
veste-se de roupagem farsante da responsabilidade social. Mais do que nunca é importante
reafirmar a centralidade da formação de professores e seu caráter insubstituível na relação
ensino-aprendizagem. É o momento de nos posicionarmos em defesa de trabalhador qualificado
em educação, senhor de um saber de ofício, um mestre nas artes de ensinar e educar,
insubstituível, resistindo às ameaças de sua descaracterização.




                                                                                              18
É primordial fortalecer os agentes comprometidos com a escola popular no âmbito da
sociedade civil, com o objetivo de exercer/ampliar o controle sobre o Estado. O fortalecimento
das organizações de professores, dos movimentos estudantis e outras entidades afins, são
fundamentais para a construção de uma nova sociedade. Assim, em lugar da defesa da
privatização, o que se torna imprescindível é a necessidade de denunciar as práticas que ajudam
a manter os privilégios presentes em nossa sociedade, sem nos esquercemos que a instituição
escolar é reflexo das relações materiais de produção.
         Por outro lado, é necessário ter clareza que a omissão do Estado nas questões sociais
não será extinta por decreto. Tal fenômeno social é uma manifestação concreta da correlação de
forças entre as diferentes classes e frações de classes que ocultaram, e ainda ocultam, através do
discurso ideológico, tanto os interesses do capital. Dessa forma, fica para os setores
progressistas a tarefa de conquistar trincheiras dentro da sociedade civil na luta pela escola
pública e popular, que negue a seletividade e o rebaixamento do ensino das camadas populares.
         Não seriam nossos propósitos utópicos? Na verdade, entendemos que utopia é desejar
consertar a educação pública dentro dos princípios ditados pelo capital. Afinal, o capitalismo é o
sistema sociometabólico da miséria. No entanto, a miséria, assim como o próprio homem
possuem uma história, que pode e deve ser transformada.



     REFERÊNCIAS:
     Endereços eletrônicos
     << http://www.voluntarios.com.br/oque_e_voluntariado.htm >> acesso em 27/03/2009
     Boletim Amigos da Escola, agosto de 2008 << http://amigosdaescola.globo.com/TVGlobo/
Amigosdaescola/download/0,,4112-1,00.pdf>> acesso em 27/03/2009.

     BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


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  • 1. A EDUCAÇÃO DIANTE DA CRISE DO CAPITAL: ESTADO, TERCEIRO SETOR E MERCANTILIZAÇÃO DA ESCOLA. Marco Antônio de Oliveira Gomes Universidade Federal de Rondônia. marcooliveiragomes@yahoo.com.br Resumo: Este artigo discute os reflexos da crise do capitalismo e do processo de reestruturação produtiva em um período histórico marcado pela hegemonia das políticas neoliberais no âmbito da educação escolar. Neste cenário, a ofensiva do capital apresenta alternativas paliativas para a exclusão social com a difusão da ideologia do voluntariado e do Terceiro Setor, além de propostas vinculadas ao pós- modernismo, que na prática, esvaziam a função social da educação e reforçam ao mesmo tempo a mercantilização do processo escolar. No caso brasileiro, tal projeto confirma uma das características de nossa cultura política: o moderno se constitui por meio do “arcaico”, recriando nossa herança histórica ao atualizar aspectos persistentes e, ao mesmo tempo, transformando-os no contexto da globalização. Por fim, apontamos para a necessidade urgente de proposição de novas estratégias de luta, com vistas à criação de uma sociedade emancipada, onde será possível a existência de uma educação integral, segundo a concepção marxiana. Palavras-chave: Crise estrutural do capital. Educação. Políticas neoliberais. Processo de reestruturação produtiva. A EDUCAÇÃO DIANTE DA CRISE DO CAPITAL: O Manifesto do partido comunista (que, desde 1872, passou a ser conhecido como Manifesto comunista) foi publicado originalmente em 1848. Em suas primeiras linhas, Marx e Engels anunciavam: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”. O “fantasma” do comunismo não se limitou, entretanto, ao “velho continente”. Irrompeu em diferentes pontos do planeta, como maior ou menor amplitude, incluindo o Brasil nas primeiras décadas da chamada República Velha. Se em um período distante o capitalismo já teve um caráter civilizatório, em seu embate contra a sociedade feudal, atualmente não mais se sustenta. São mais de cinco séculos em que nega o direito ao trabalho a milhões de pessoas, destrói o meio ambiente, transforma homens em mercadorias, e nos torna dependentes da mercadoria. No entanto, apesar de seu caráter predatório, o capital ainda continua hegemônico. Já no crepúsculo do século XX, foi amplamente alardeado o enterro das utopias revolucionárias através da pena de diferentes intelectuais que procuram legitimar a ordem estabelecida, como é 1
  • 2. o caso do suposto “fim da História” de Fukuyama. Examinando as transformações ocorridas nas últimas décadas, as mudanças nas relações de forças predominantes parecem sem dúvida favorecer o capital. Senão vejamos, o colapso do “socialismo real” do bloco soviético, as mudanças ocorridas na China, a devastação social e ambiental promovida pelas práticas neoliberais nos últimos anos, a truculência de Estado promovida pelos EUA e de seus aliados no cenário internacional colaboraram para que uma parcela significativa do debate se limitasse a alternativas contidas dentro do capitalismo. Neste cenário, a exploração da força de trabalho aumenta enquanto avança a apropriação privada dos bens coletivos, tais como a água, a educação, a saúde, entre outros. Uma filantropia que virou uma espécie de salvo conduto para a exploração do capital sobre o trabalho e o discurso das competências empreendedoras atuam freneticamente para amortecer a consciência social, aliadas ao crescimento da repressão: flexibilização dos direitos, que na prática implica na redução de garantias ao trabalhador, criminalização dos movimentos sociais, ausência do Estado nas questões sociais. Nada de novo no reino do capital. Seu princípio de transformação de tudo em mercadoria, de acumulação, de maximização do lucro e competição impregna as relações sociais. Como observou István Mészáros, em O desafio e o fardo do tempo histórico: “o reino do capital aproxima-se de seus limites absolutos como resultado de sua crescente incapacidade de eliminar suas contradições internas, criando uma crise estrutural global do capital.” (p. 15) Em seu desenvolvimento, o capitalismo ultrapassou os obstáculos mais “sagrados”. A burguesia, onde conquistou o poder, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem compunção todos os diversos laços feudais que prendiam o homem aos seus “superiores naturais” e não deixou entre homem e homem outro vínculo que não o do frio interesse, o do insensível “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês filisteu nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e, no lugar de um sem-número de liberdades legítimas e duramente conquistadas, colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração velada por ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração seca, direta, despudorada, aberta. (MARX e ENGELS, 1998, p. 7) O momento histórico em que foram escritas as palavras acima demonstravam os limites reais do projeto sócio-político conduzido pela burguesia – a liberdade anunciada pelos “apóstolos” do capital era restrita à liberdade comercial, a bandeira da igualdade se limitava ao formalismo jurídico e a fraternidade se perdia na retórica do moralismo. A burguesia, enquanto 2
  • 3. classe hegemônica, não possui interesse, e a capacidade de fazer avançar a sociedade para além dos limites do capital. Dessa forma, o espectro anunciado por Marx ainda continua vivo. Porém, nas atuais circunstâncias, outros fantasmas surgiram: além do comunismo, a barbárie constitui-se em uma possibilidade real, que atormentam não somente a Europa, mas todo o planeta. A existência destes espectros tornou-se global, tanto quanto o capital que promove sua existência. Em função de sua própria natureza auto-expansionista, no sentido de submeter o trabalho aos seus propósitos com a finalidade de apropriar-se da mais-valia, o capital não acolhe restrições à sua lógica nem se auto-limita. O ímpeto de destruição, até mesmo nos países que atingiram maior estabilidade social, tende a crescer. No entanto, a transformação radical da ordem não ocorrerá por força do destino. O desafio não poderia ser maior do que nas circunstâncias atuais. Em vista das contradições incorrigíveis do capital, somente uma alternativa socialista seria sustentável. Para torná-la plausível, é urgente fazer um exame crítico do passado, bem como reavaliar algumas estratégias. Para os propósitos dessa exposição, as palavras de Marx são de imensa valia. Vejamos: “É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, que o poder material tem que ser derrocado pelo poder material, mas também a teoria transforma-se em poder material logo que se apodera das massas. A teoria é capaz de apoderar-se das massas quando argumenta e demonstra ad hominem, e argumenta e demonstra ad hominem quando se torna radical; ser radical é tomar as coisas pela raiz.” (1997, p. 9). Como se percebe, para Marx, a teoria por si só não emancipa a classe trabalhadora. As armas da teoria crítica atuam na formação da consciência, buscam a unidade necessária entre teoria e prática. O conhecimento humano apresenta-se como essencial possibilitador de uma interpretação rigorosa da realidade, condição necessária para a emancipação da classe trabalhadora. Mesmo porque, a grande maioria dos indivíduos excluídos pelo capital não tem outro instrumento de comunicação que a língua coloquial. A norma culta do texto continua um repertório desconhecido para a esmagadora maioria do nosso povo. É neste sentido que o conhecimento no nosso entendimento, é essencial para a classe trabalhadora. Assim, sem uma compreensão rigorosa construída através e em consonância com a práxis política, é utópico pensarmos em emancipação da classe trabalhadora. Por isso, torna-se urgente que na luta anticapitalista um posicionamento em favor das ferramentas teóricas que unifiquem os esforços no sentido de sua superação. Em primeira 3
  • 4. instância, são os interesses de classe, a mais universal força isolada capaz de unificar lutas libertadoras diferentes. Reflexos da crise estrutural do capital na educação e a luta pela educação pública. As alternativas de “redução” da exclusão vieram acompanhadas pela difusão da ideologia do voluntariado e do Terceiro Setor, e de propostas vinculadas ao pós-modernismo, que na prática, esvaziam a função social da educação. Por isso, visando ater-me de forma rigorosa ao tema do artigo, desenvolvo minhas ponderações com algumas palavras sobre o entendimento da educação escolar em uma sociedade dividida em classes antagônicas. Tal entendimento é fundamental para a compreensão de propostas aparentemente novas, mas que trazem em seu âmago a identificação com o conservadorismo e as elites econômicas dominantes. Pode-se perguntar: como falar de educação pública no singular em uma sociedade divida em classes sociais? Pois bem, entendemos que não se pode falar em educação escolar em uma sociedade divida em classes antagônicas senão no plural: escola de rico, escola de pobre; escola pública, que se confunde com as escolas mantidas pelo Estado e escola privada. Entendemos que a dualidade escolar decorre da hierarquização da produção e seu controle pela burguesia. Em outras palavras, a marca social da educação escolar está no fato de existir um tipo de escola para cada grupo social. Esse processo de diferenciação comporta contradições e se desenvolve desordenadamente, em decorrência do caráter anárquico da acumulação capitalista, sendo submetido a certos controles, para que não venha por em risco a estabilidade do sistema social. O processo de trabalho capitalista expressa uma forma de organização da produção, o trabalhador coletivo, que significa uma perspectiva de unificação das diferenciações. O funcionamento desta engrenagem demanda a constituição de processos normativos e políticos de regulamentação das diferenças advindas da divisão social do trabalho e com a questão da cidadania. Esta relação da escola com o trabalho não é uma questão puramente técnica e se politiza na medida que, no capitalismo, a regulação da cidadania passa pela hierarquização ocupacional. O capitalismo unifica ao estender ampla e profundamente sua forma de organização da produção, reduzindo a contradições de classe, os vários tipos de contradições sociais (nacionais, culturais, raciais, etc.). A proposta burguesa de unificação escolar pretende realizar a unidade nacional, pelos princípios de universalização do ensino e de supressão das barreiras nacionais, culturais, raciais etc., de acesso à escola. Essas idéias fazem parte da concepção capitalista de civilização, que pressupõe homens com certos conhecimentos e treinamentos necessários à integração à vida urbana e ao processo de trabalho. Para garantir a continuidade da acumulação, o capitalismo precisa tornar a produção cada vez mais socializada. A distribuição social do conhecimento decorre deste processo de socialização, mas como a apropriação dos resultados da produção 4
  • 5. material é privada, esta distribuição tende a ser regrada e controlada politicamente. Assim, se a unificação escolar mostra-se necessária devido à socialização crescente da produção, ela não deixa de ser diferenciadora, em conseqüência da forma privada de apropriação. Se do ponto de vista da produção, a socialização é necessária, ela também o é politicamente, pois a burguesia, devido à forma contraditória de desenvolvimento do capitalismo, se vê cada vez mais impossibilitada de continuar governando, sem antes buscar negociar e se legitimar. A perspectiva da unificação escolar se apresenta, assim providencial, pois representa a possibilidade de unificação ideológica da nação sob a hegemonia burguesa, que faz desta medida, a sua promessa de democratização educacional, face às segregações culturais do Antigo Regime. (MACHADO, 1989, p. 9-10) Diante do problema apresentado, a questão da escola pública adquire significados diferentes para as diferentes forças políticas que se confrontam na arena social. Temos aqui, portanto, grandes diferenças de conceitos. Em nosso entendimento, a realidade social do modo de produção capitalista é totalizante, transformando tudo em mercadoria. Procurando ater-nos de forma clara ao tema deste trabalho, bem como esclarecer o significado da educação pública, propomos as seguintes questões: o que se deve entender pelo conceito de “educação pública”? O que é “escola pública”? O que é “escola privada”? Tornou-se senso comum afirmar que o espaço público indica tudo aquilo pertencente ao Estado, e, como privado, aquilo pertencente à sociedade civil, ao cidadão comum. Em linhas gerais, a palavra “público” pode ser definida de duas maneiras. De um lado, “público” como oposição ao “privado”, sinônimo do patrimônio comum, daquilo que não pode ser objeto da apropriação de alguns, que é de uso de todos; comum, aberto a quaisquer pessoas. Por outro lado, um segundo sentido de “público” é o conjunto de pessoas que assistem a um evento artístico, esportivo, a uma reunião, a uma manifestação. Observa-se, assim, a necessidade de nos perguntarmos sobre os diferentes significados atribuídos para a expressão “educação pública”. Tal empreendimento é tanto mais necessário pelo fato de estarmos diante de um problema que permanece presente no centro dos debates sobre a educação. Nesta questão, Sanfelice nos adverte que uma leitura atenta da história não permite tomar o estatal como algo imediatamente análogo ao público, como de interesse comum (SANFELICE, 2005, p. 95). Em outras palavras, pode haver uma esfera pública que não pertença ao Estado, como por exemplo uma escola mantida por imigrantes ou por uma associação de trabalhadores, fato presente em nossa história de nosso país e que abordamos em nosso trabalho de doutorado. Dito de outra forma, a educação escolar mantida pelo Estado, ou pelos agentes identificados com os interesses do capital, constitui-se historicamente como expressão da divisão entre o conhecimento científico e o saber prático. E, não por coincidência, o fundamento 5
  • 6. material da produção em nossa sociedade é fragmentado. Assim, a educação escolar também é fragmentada, através de sua organização, métodos e práticas pedagógicas. Com isso, a burguesia controla também a elaboração do conhecimento. Nesse sentido, cremos que as reflexões de Mészáros podem auxiliar na elucidação da questão. Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes estão intimamente ligados. Conseqüentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. (MÉSZÁROS, 2007, p. 196) Obviamente, nem mesmo os intelectuais “bem intencionados” das elites dominantes podem adotar uma perspectiva divergente do modo de dominação imposta pelo capital. Dessa forma, as instituições educacionais foram adaptadas, em que pese todas contradições em seu interior, de acordo com as determinações reprodutivas do capital. (...) Esperar da sociedade mercantilizada uma sanção ativa – ou mesmo mera tolerância – de um mandato que estimule as instituições de educação formal a abraçar plenamente a grande tarefa histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência humana, seria um milagre monumental. É por isso que, também no âmbito educacional, as soluções “não podem ser formais; elas devem ser essenciais”. Em outras palavras, elas devem abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida. (MÉSZÁROS, 2007, p. 207) (o grifo é do autor) Nessa perspectiva, em tempos de hegemonia do discurso neoliberal, diante de um processo de reestruturação produtiva em curso, onde se questiona a presença do Estado em diferentes setores da sociedade, volta-se a atribuir à educação um papel importante na organização econômica da sociedade. Sob a orientação dos setores identificados com o pensamento neoliberal a privatização, incluindo a dos direitos sociais, ganha um papel de destaque no cenário político brasileiro. Assim, a educação “pública”, ou melhor, mantida pelo Estado, constitui-se em um instrumento político nas mãos da classe dominante. Diante das considerações feitas, surge a questão: o Estado não é o representante do interesse público? A bem da verdade, o “público” não passa de uma abstração que representa concretamente os interesses da burguesia, uma representação caótica do conjunto, como se não existissem classes sociais com interesses divergentes. Diante dos fatos apresentados, cabe-nos perguntar: as políticas educacionais podem ser entendidas como “neutras”? Elas são livres das proposições da burguesia? 6
  • 7. É sempre importante frisar que o Estado é o fruto da manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado surge onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados. No entanto, não se trata de destruir a escola, mas acreditar e acolher passivamente todas as “soluções” oriundas da burocracia do Estado é aliar-se, de fato, aos grupos dominantes privilegiados pela inércia do status quo. Em outras palavras, a função pública da educação não deve ser um instrumento do Estado a serviço dos interesses privados. A respeito do tema, Marx em Crítica ao Programa de Gotha teceu as seguintes considerações: O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado: 1. Educação popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita. Educação popular igual? Que se entende por isso? Acredita-se que na sociedade atual (que é a de que se trata), a educação pode ser igual para todas as classes? O que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas pela força a conformar- se com a modesta educação dada pela escola pública, a única compatível com a situação econômica, não só do operário assalariado, mas também do camponês? “Assistência escolar obrigatória para todos. Instrução gratuita”. A primeira já existe, inclusive na Alemanha; a segunda na Suíça e nos Estados Unidos, no que se refere às escolas públicas. O fato é que se em alguns Estados deste último país sejam “gratuitos” também os centros de ensino superior, significa tão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundo dos impostos gerais. (...) O parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e práticas) combinadas com as escolas públicas. Isso de “educação popular a cargo do Estado” é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino etc. e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado, como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola de toda influência por parte do governo e da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano- Alemão (e não vale fugir com o baixo subterfúgio de que se fala de um “estado futuro”; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado quem necessita de receber do povo uma educação muito severa. (MARX, 2004, p. 101-102) Pelo exposto, depreende-se que Marx preocupava-se com a luta organizada dos trabalhadores articuladas nas diferentes frentes de batalha, como é o caso da educação, sem que isso implicasse, no entanto, perda do horizonte revolucionário. Dessa forma, não basta criticar a educação burguesa, mas é necessário articular a proposta teórica de educação unitária com as lutas concretas de superação da ordem capitalista. Esta perspectiva é retomada por Gramsci. Para o pensador italiano, a noção de escola unitária confere à escola uma dimensão estratégica na disputa pela hegemonia, no âmbito do “Estado ampliado”. Vejamos seus apontamentos: Um ponto importante, no estudo da organização prática da escola unitária, é o que diz respeito à carreira escolar em seus vários níveis, de acordo com a idade e com o desenvolvimento intelectual-moral dos alunos e com os fins que a própria escola 7
  • 8. pretende alcançar. A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, “humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou de cultura geral deveria propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e iniciativa. A fixação da idade escolar obrigatória depende das condições econômicas gerais, já que estas podem obrigar os jovens a uma certa colaboração produtiva imediata. A escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família, no que toca à manutenção dos escolares, isto é, que seja completamente transformado o orçamento da educação nacional, ampliando-o de um modo imprevisto e tornando-o mais complexo: a inteira função da educação e formação das novas gerações torna-se ao invés de privada, pública, pois somente assim pode ela envolver todas as gerações, sem divisões de grupos ou castas. (GRAMSCI, 1988, 121) (o grifo é meu) Nesse sentido, a transformação educacional demanda uma revolução nas relações sociais, porém, mesmo diante dos obstáculos impostos pelos antagonismos de classes, a nova educação deve ser estimulada ao máximo como embrião de uma escola do futuro. A luta pela escola pública no Brasil, ainda que não tivesse em seus horizontes os pressupostos marxistas, se insere, portanto, nessa dinâmica. Dessa forma, pode-se afirmar que o conceito de escola pública não implica necessariamente na escola estatal. Afinal, as experiências educativas dentro do movimento operário ao longo da história republicana confirmam essa tese. Assim sendo, nunca é demais voltar a lembrar que, dentro de uma perspectiva marxista, o Estado é uma organização burocrática, isto é, um conjunto de instituições, com suas respectivas ramificações, destinado a representar os interesses das elites dominantes através do jogo institucional. Em outras palavras, o Estado e suas instituições não representam em última instância a "sociedade como um todo" e os “interesses nacionais", mas sim as forças hegemônicas no âmbito da produção material. Vejamos as considerações de Sanfelice sobre o tema: (...) Até é admissível que a escola estatal seja a forma pela qual se exerce a ação educativa do público, mas não necessariamente para o público. E público, em uma sociedade com antagonismos de classes, escamoteia a existência de vários públicos. Para além do conceito público, oculta-se a associação entre os que controlam o Estado e os que possuem e controlam os meios de produção.(SANFELICE, 2005, p. 91) Exatamente por isso é que, na apreciação da ação do Estado na educação escolar, é imperativo levar em conta a natureza de classe da dominação política e as formas concretas através das quais ela se realiza, ou seja, as lutas travadas no interior da sociedade civil, que determinam a configuração do projeto educativo. Assim, não é demais supor que, o modus operandi da empresa privada com fim lucrativo tornou-se o modelo ao qual baliza as ações do Estado. Diante de tal quadro, as elites econômicas buscam garantir e ampliar seus interesses, 8
  • 9. pela força de que dispõem, mas também pela difusão dos conteúdos ideológicos, que lhe servem de sustentáculos contra os segmentos que contestam a autoridade da ordem estabelecida. Sobre o tema, Gramsci sabiamente sentenciou: A escola tradicional era oligárquica, pois era destinada à nova geração de grupos dirigentes, destinada por sua vez a tornar-se dirigente: mas não era oligárquica pelo seu modo de ensino. Não é a aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social de uma tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental. Se se quer destruir esta trama, portanto, deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (...) Mas a tendência democrática, intrinsecamente, não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada “cidadão” possa se tornar “governante” e que a sociedade o coloque, ainda que “abstratamente”, nas condições gerais de poder fazê- lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados (no sentido de governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada governando a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica geral necessárias ao fim de governar. (GRAMSCI, 1982, p. 136-137) Quando elaboramos a dissertação de mestrado, que versou sobre o debate entre o público e o privado na educação, no período de 1945-1968, percebemos nas pesquisas que, ao longo da História, em diferentes oportunidades, o Estado financiou iniciativas privadas a que o “público” não teve acesso. Ora, a educação patrocinada pelo Estado não é um serviço público? Mas, para qual público? A idéia que pretendemos destacar é a de que a educação, em função do balizamento jurídico de nossa sociedade, como serviço público, pode ser oferecida tanto pelo Estado como pela iniciativa privada, como enfatizou Sanfelice (2005, p. 100). Ora, não é esse o discurso liberal sobre a educação? Aliás, entre os intelectuais que levantaram a bandeira da educação privada era comum afirmar que, detrás da educação estatal, havia o fantasma do totalitarismo, em que o Estado era apresentado como vilão e a sociedade como vítima indefesa. Em termos amplos, os principais objetivos das políticas neoliberais em educação são retirar custos e responsabilidades do Estado e, ao mesmo tempo, deixá-las a cargo da “sociedade civil”, categoria esvaziada pelos discursos das elites econômicas. Como já sugerimos em nossa dissertação de mestrado, os assistentes devotados do capital defenderam, e ainda defendem, o aporte de recursos públicos para a educação privada por considerarem um serviço público e, em nome da “liberdade” de escolha da família, que não pode ser penalizada duas vezes, porque paga as mensalidades das escolas onde coloca seus 9
  • 10. filhos e paga os impostos que sustentam a escola pública. Segundo esse raciocínio, a liberdade de escolha em um mercado “livre” é capaz de suprir todas as demandas. Chega-se ao ponto de considerar-se que os serviços públicos, em campos como a educação, devem ser orientados por atuações precisas determinadas a evitar explosões sociais, e não uma obrigação do Estado. Dessa forma, deve-se preparar trabalhadores “empregáveis”, “flexíveis”, “adaptáveis” e “competitivos” – o que gera currículos escolares que refletem os interesses burgueses. De outro lado, as elites econômicas definem o nível de ensino obrigatório: a escola básica. O Ensino Médio e o Superior serão organizados segundo as exigências do mercado, principalmente sob a “forma de um mercado educativo desregulamentado”. Em outras palavras, o sistema educacional deve se ajustar às demandas de seu público, que pagará o preço determinado pelas leis de mercado. Porém, conforme salienta Gaudêncio Frigotto, a livre concorrência, em uma sociedade de classes, não passa de uma farsa. Os filhos de diferentes classes estudam em escolas separadas: segregação educacional. A desigualdade brutal não é outra coisa senão fruto das relações capitalistas de produção. Quando refletimos sobre os efeitos nefastos do neoliberalismo, já nítidos no final do século XX, no Brasil, por exemplo, não devemos esquecer que ele se apresenta com uma continuidade de uma enraizada sociabilidade autoritária na nossa sociedade com os processos de globalização, tão decantado como um movimento recente de organização da economia mundial1. Porém, isso não implica em ignorar que nas regiões onde tal sociabilidade foi “menos” autoritária o neoliberalismo não tenha sido o portador de um altíssimo nível de letalidade social. Nesta perspectiva, é conveniente enfatizar que o autoritarismo é uma linha constitutiva da formação institucional brasileira e do próprio liberalismo. Assim sendo, no centro das propostas convergentes com a ordem burguesa encontra-se a defesa da democracia em oposição aos movimentos sociais comumente considerados “contaminados” pelo socialismo. Segundo a perspectiva liberal clássica, a liberdade é a ausência de intromissão ou, ainda mais especificamente, de coação. Dito de forma simplista, o homem é livre para fazer aquilo que os outros não o impedem de fazer. Dessa forma, ainda dentro dos parâmetros liberais, as políticas sociais devem ser reguladas pelas de mercado, ou ainda, pela 1 A implantação das políticas neoliberais nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento deu-se pela necessidade de reestruturação do capital, principalmente do capital dos países hegemônicos, de forma a controlar as economias periféricas, como é o caso do Estado brasileiro. 10
  • 11. “sociedade civil”. O Estado delega aos setores privados um leque de serviços, incluindo, além da educação, a saúde, moradia, previdência etc. A concepção de direito limita-se ao poder de compra do indivíduo que, em última instância, consagra a opressão sob a bandeira da liberdade. Os que não podem comprar, devem conformar-se com a ação do Estado, que se limita a oferecer o suficiente para a manutenção da ordem estabelecida. Acrescente-se a isso o fortalecimento da idéia de que os serviços privados (pagos) são de condição superior aos que o Estado pode oferecer. Nesse sentido, o discurso liberal defende a idéia de que o Estado, entendido como uma instituição pública, é o responsável pela ineficiência, pelo clientelismo, e o mercado e o privado são sinônimos de qualidade. Porém, cabe perguntar: que critérios definem o que é uma escola de “qualidade”? Assim sendo, o liberalismo defende a busca da qualidade através da “liberdade de concorrência” e a democracia como organização de seleção dos mais capacitados. Em outras palavras, trata-se de um laissez-faire ultra-radical, que propõe a redução do papel do Estado a qualquer preço. No entanto, em um país com uma história marcada pela exclusão e opressão, a ênfase atribuída à sociedade civil pelos agentes do capital, deve no mínimo causar surpresa. Porém, se dilatarmos os horizontes de nossas análises, identificaremos que as armadilhas promovidas por essa recente valorização da sociedade civil em nosso país, em realidade, continuam perpetuando uma tradição histórica autoritária que sustenta o aniquilamento dos parcos direitos dos trabalhadores. Frente a este cenário, a questão social foi, e é, relegada a um a mero assistencialismo, exercido muitas vezes dentro do próprio Estado, ou por diferentes empresas que utilizam o marketing do voluntariado ou das fundações com caráter filantrópico. Aos que desconhecem a história, nunca é demais lembrar que tais iniciativas não são novas. Conforme os apontamentos de Gilberto Dupas, a organização de fundações, uma espécie de ‘burocracia da virtude cívica’, foi estruturada com base no modus operandi das empresas privadas, normalmente incluindo um conselho de administração e um presidente. As grandes fortunas do último quartel do século XIX – como John D. Rockfeller, Andrew Mellon e, posteriormente, Henry Ford – tiveram que lidar com fortes críticas e revoltas, especialmente entre 1880 e 1890m contexto no qual a filantropia exerceu um papel fundamental como uma espécie de ‘alternativa ao socialismo’. (p. 118-119) A título de exemplo, poderíamos citar um fato emblemático que simboliza a materialização da omissão do Estado em favor das elites econômicas: em 1999, a Rede Globo de 11
  • 12. Televisão lançava o Projeto “Amigos da Escola - Todos pela Educação”. De acordo com seus criadores era, e ainda é, uma ação de incentivo para o desenvolvimento de ações de voluntariado individual e de parcerias com a escola. Projetos como os “Amigos da Escola”, entre outros, utilizam um discurso sedutor, assumindo uma “causa nobre”, procuram na solidariedade das pessoas a força e o respaldo para demonstrar que ações individuais podem colaborar com a redução das injustiças sociais. No entanto, não é de favores ou de caridade que a educação pública e popular necessita, mas sim de uma defesa vigorosa, bem estruturada e até intransigente do direito à Educação de qualidade para todos. Posto isto, é fundamental denunciar os equívocos conceituais presentes no discurso liberal sobre a sociedade civil. Desnecessário afirmar que esses desafios têm implicações fundamentais para o processo de construção e desenvolvimento de uma alternativa hegemônica aos desmandos do capital. Assim, faz-se urgente reconhecer que atualmente, mais do que em qualquer outro momento histórico, existe uma acirrada disputa de significados com relação à sociedade civil, porque há um embate entre projetos políticos, que significam propostas antagônicas. Entendemos que a forma como o conceito de sociedade civil, que vem se tornando cada vez mais hegemônica, é mistificadora e superficial, fragmentadora e extremamente conservadora. Daí a importância de recuperarmos os sentidos estratégicos que esse conceito possui. Estado mínimo, privatização e voluntariado. A defesa do “Estado mínimo”, ou melhor, mínimo para as questões sociais, que legitima a ação privada na resolução das desigualdades sociais, e a admissão da exaustão dos Estados nacionais em sua incumbência de mediar – pelo exercício da política – as crescentes tensões sociais oriundas dos efeitos perversos do capitalismo global, levaram as grandes corporações a redescobrir o espaço da filantropia como instrumento de altos dividendos de suas respectivas imagens pública e social. Diante dessa conjuntura de crise e mudanças derivadas das transformações no mundo da produção, as políticas do Estado, na área social, acentuam as marcas da omissão e inoperância, com explícita impotência na universalização do acesso aos direitos constitucionais, que não passam de letra morta diante da avalanche liberal. Em outras palavras, vivenciamos um risco de grave regressão de direitos sociais. 12
  • 13. Marca evidente da regressão característica do processo, é a renovação mais atual da face da filantropia, com a coloração de um discurso “cívico” do “voluntariado”, que ambiciona oferecer alternativas às graves questões sociais agravadas com a nova “maré globalizante”. Trata-se, mais uma vez, de parte das táticas de legitimação do capital, num cenário em que ele é muitas vezes apontado como responsável pelos graves distúrbios sociais. Nesse sentido, é preciso enfatizar que, a filantropia se adequa convenientemente às formas de lucro empresarial: a ausência do Estado é ocupada por atividades filantrópicas ou caritativas, transformando as pautas assistenciais em uma verdadeira feira de negócios, ao mesmo tempo que promove a imagem da empresa, com o “selo” do comprometimento com a “responsabilidade social”. No entanto, independente do valor moral de cada ação, esse caminho é estruturalmente inconsistente e ineficaz, pois fetichiza a miséria e não questiona as relações materiais que criam a exclusão social. De fato, essa tendência de “responsabilidade social das empresas” e, incluindo as ONGs, parecem atuar apenas como uma espécie de “curativo” para a fratura exposta da miséria. Com o crescimento dessas atividades, o que verificamos no Brasil é uma espécie de políticas pobres para miseráveis, que acaba por despolitizar a questão social, pois pressupõe a desqualificação das lutas sociais e do poder público. Não por acaso, o discurso, hoje hegemônico, sobre o chamado Terceiro Setor, omite descaradamente a origem da desigualdade, além de implicar nos seguintes desdobramentos: a) a desresponsabilização do Estado na medida em que, por meio da ação voluntária, se transfere à sociedade a responsabilidade pela resolução das questões sociais, entre as quais, a educação; b) a criação de um ambiente propício para justificar a redução dos investimentos estatais, uma vez que existem pessoas com boa vontade para assumirem as obrigações do Estado. É importante insistir nestas questões, dado o papel central desempenhado pela introdução do “voluntariado”, ou ainda, do Terceiro Setor, no projeto de despolitização das questões sociais, e, em especial, da educação. Senão vejamos: (...) A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, definiu-se o voluntário como ator social e agente de transformação, que presta serviços não remunerados em benefício da comunidade; doando seu tempo e conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso solidário, atendendo tanto às necessidades do próximo ou aos imperativos de uma causa, como às suas próprias motivações pessoais, sejam estas de caráter religioso, cultural, filosófico, político, emocional. << 13
  • 14. http://www.voluntarios.com.br/oque_e_voluntariado.htm >> acesso em 27/03/2009 As considerações acima não constituem-se em isolados. Isto porque as decisões “inovadoras” de defesa do “voluntariado” são expressões concretas da miséria geradas pelas reformas neoliberais, mas também representam a alternativa possível de uma classe que não pretende abrir mão de seus privilégios econômicos. Que transformações podemos esperar dessas iniciativas? Como esperar transformação onde a filantropia é elevada à política de Estado e onde a palavra da moda – parceria – significa troca de “iguais”? Antes de prosseguirmos, vejamos o posicionamento de Justina Iva, presidenta da UDIME, no Boletim Amigos da Escola de agosto, de 2008: Estamos vivendo um momento ímpar na sociedade brasileira no que pertence ao tema educação básica. Não só os entes públicos, mas também a sociedade civil despertam para a necessidade e urgência de agendar o tema educacional na discussão contemporêna, sabedores que são de que é urgente a transformação da sociedade brasileira numa perspectiva de construção e resgate da cidadania de cada um e de todos, o que só acontecerá com a oferta e garantia de uma educação pública com qualidade social.(Boletim Amigos da Escola, agosto de 2008) Ora, nada mais abstrato do que a expressão “sociedade brasileira”, que esconde os antagonismos de classe que atravessam a sociedade. Afinal, de que sociedade a autora fala? Além desses aspectos, Justiva Iva faz realiza uma separação, no mínimo equivocada: “Não só os entes públicos, mas também a sociedade civil despertaram para a necessidade e urgência de agendar o tema educacional (...)”. Seriam os entes públicos as instituições mantidas pelo Estado? A sociedade civil constitui-se em uma instituição desvinculada do Estado? Quem patrocina tais atividades? Quais os interesses? Diante das questões levantadas, a leitura de Gramsci, e de alguns de seus intérpretes, é indispensável. Mas, por quê? Ora, Gramsci soube captar a diversidade do real e debruçou-se com extrema lucidez sobre os diferentes fenômenos sociais, percebendo a sua importância para a compreensão da sociedade contemporânea, além de captar o cotidiano como o lugar da luta de classes. Assim, acreditamos que sua leitura ofereça pistas e categorias - sociedade civil, ideologia, hegemonia, intelectuais tradicionais - que podem auxiliar na compreensão da atuação política dos intelectuais, não de forma isolada, mas como portadores de interesses de classes. Segundo o pensador italiano, é no espaço da “sociedade civil”, concebida como uma complexa rede de organismos privados, os quais exercem as funções de hegemonia, que as 14
  • 15. classes lutam para conquistar a liderança política e cultural da sociedade, o seu consenso político. Nesses termos, é um equívoco separar a sociedade política e a sociedade civil, pois os dois se completam. É nesse espaço que operam os chamados “aparelhos privados de hegemonia”, tais como imprensa, partidos políticos, escola e sindicatos. Em Maquiavel, a política e o Estado Moderno, Gramsci escreveu: “(...) a ‘sociedade civil’ transformou-se numa estrutura muito complexa e resistente às ‘irrupções’ catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões, etc.): as superestruturas da sociedade civil são como o sistema de trincheiras da guerra moderna. Da mesma forma que ocorria na guerra, quando um nutrido fogo de artilharia parecia ter destruído todo o sistema defensivo do adversário, mas, na realidade, só o atingira na sua superfície externa, e no momento do ataque os assaltantes defrontavam-se com uma linha defensiva ainda eficiente, assim ocorre na política durante as grandes crises econômicas; nem as tropas atacantes, em virtude da crise, organizam-se rapidamente no tempo e no espaço, nem muito menos adquirem um espirito agressivo; reciprocamente, os atacados não se desmoralizam, nem abandonam as defesas, mesmo em ruínas, nem perdem a confiança na sua força e no futuro.” (GRAMSCI, 1988, p. 73) Dessa forma, o Estado não é somente o uso da força, mas fundamenta-se também no consenso, pois não existe a dominação de um aparelho ideológico específico. É em função do contexto histórico, das tensões entre as forças sociais que os aparelhos ideológicos se constituem em “trincheiras” na difusão de seus valores e normas. Em nosso entendimento, uma sociedade na qual as relações de produção são marcadas pela divisão entre o capital e o trabalho, onde o desenvolvimento do capital supõe a exploração do trabalhador e a exclusão de muitos, a luta de classes é o desenlace inevitável do conflito de interesses e valores igualmente antagônicos. Porém, a luta política travada em torno dos interesses de classe ultrapassa os limites estritamente institucionais, ocorrendo também fora das fronteiras de ação do Estado como, por exemplo, no âmbito da sociedade civil, revelando uma multiplicidade de estratégias de controle e subordinação social. Para Gramsci, como demonstra Semeraro, somente a coerção não é capaz de manter o poder, é necessário o auxílio dos métodos de persuasão e de conquista das massas (1999, p.27), uma vez que o Estado não é mais um órgão exclusivo da burguesia, mesmo sendo ainda um Estado de classe. O Estado não se reduz apenas ao aparato coercitivo, mas se estende a todo o conjunto de redes e relações de hegemonia. Na perspectiva de Gramsci, é necessário refletir sobre uma concepção ampliada de Estado (id., ibid.). Ou seja, o Estado, em um sentido mais amplo, é formado pelo conjunto da sociedade política e da sociedade civil, o qual possui uma 15
  • 16. relativa autonomia em relação ao Estado, estritamente falando. Isso pressupõe a percepção em conjunto dos meios de direção intelectuais e morais de uma classe sobre o conjunto da sociedade e a forma pela qual ela realiza sua hegemonia. Na construção da hegemonia e da legitimidade, deve-se levar em conta outras vozes e outros interesses que nem sempre se restringem aos dos grupos dominantes. O poder e a dominação não se constituem como monopólio do aparelho de Estado, mas estão presentes em todos os níveis da atividade social, desde as relações de trabalho até as atividades em família, na escola etc. Segundo as formulações de Gramsci, dentro de um determinado contexto histórico, cada classe cria, ao mesmo tempo que a si própria, camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência de sua própria função. Dessa forma, a construção da hegemonia não é apenas monopólio das classes dominantes, mas existe a possibilidade de intervenção dos setores dominados. Assim sendo, a existência de diferentes discursos sobre o sistema educacional representa igualmente diferentes projetos de classes ou frações de classes. Porém, é interessante notar que o discurso conservador assumiu a “defesa” da educação escolar, bem como, emprestou as velhas fórmulas defendidas pelos liberais no passado. Nesse quadro, o discurso em “defesa” da educação escolar ressurge como panacéia para todos os males que afligem a sociedade: a miséria e as diferenças sociais. Porém, isso não significa desconsiderar as correntes e perspectivas diferenciadas no campo da educação que denunciam o engodo promovido pelos intelectuais comprometidos com a defesa do capital2. O que ocorre, em virtude da correlação de forças, é a hegemonia do discurso liberal no âmbito acadêmico e na grande imprensa, que mascara a divisão de classes na sociedade e justifica as desigualdades sociais, metamorfoseadas em diferenças individuais. Segundo muitos intelectuais comprometidos com a defesa do status quo, a difusão do conhecimento através da escola é um fator de desenvolvimento do “protagonismo” dos educandos, que possibilitará o incrementando da produção e a solução dos problemas dos sociais. Em outras palavras, segundo os intelectuais comprometidos com a manutenção da ordem, trata-se de promover, de forma sistemática, a formação de valores e de “atitudes 2 O professor Sérgio E. M. Castanho, por exemplo, ao contrário dos “missionários” devotados com a defesa da ordem estabelecida, denuncia a desmontagem do Estado nacional através da “nova maré globalizante”, além de propugnar um sistema unitário de educação nacional, que atualmente no Brasil, continua num horizonte distante diante de uma realidade nacional que não passa de um mosaico de regionalidades dissonantes, consagradora da dualidade educacional. (2001, p. 13-37) 16
  • 17. cidadãs” que permitam os educandos a conviver de forma “autônoma” com o mundo contemporâneo. Desta forma, o protagonismo é defendido segundo o princípio da urgência social e como uma via promissora para a solução dos problemas sociais. A dimensão cínica das propostas fragmentárias do mercado concretiza-se, no plano político prático, nos conceitos de autonomia, individualização, pluralidade, poder local, o que implica em uma brutal fragmentação do sistema educacional. Nesses termos, o critério de seleção segundo o liberalismo educacional seria a “natureza individual” que, trabalhada pela escola, desenvolveria as potencialidades de cada um, e alimentaria o bem estar social através das ações solidárias. Em outras palavras, cada um possuiria um papel na produção da sociedade, bem como na solução dos problemas sociais. Isso posto, é importante esclarecer ainda que o discurso liberal também se coloca em defesa da escola privada. Nunca é demais lembrar que em diferentes momentos de nossa história, levantou-se a necessidade de assegurar a “liberdade de escolha” ou a economia para os cofres públicos através da expansão da rede privada de ensino. Na verdade, muitos intelectuais, ligados por laços umbilicais aos interesses das classes dominantes, ao abordarem a questão educacional como princípio necessário da democracia, reconheceram as vicissitudes do sistema, mas nunca questionaram a estrutura social. A escola defendida pelos grupos dominantes, em que pese as diferenças existentes em seu interior, destina-se justamente a adequar os indivíduos a determinados papéis estratificados no interior de uma sociedade profundamente desigual. Suas sugestões giravam, e ainda giram, em torno de medidas paliativas. Verificamos, dessa forma, que as novas definições proferidas a respeito da sociedade civil não são inocentes, pelo contrário, fazem parte de uma disputa política sustentada na necessidade burguesa de gerar uma profunda redefinição do papel do Estado, otimizando o processo de acumulação de capital em favor das elites econômicas. Com isso, estimula-se ao máximo uma série de ações “solidárias” delegadas à “sociedade civil”, consagra-se o discurso oficial acerca das virtudes das parcerias entre o “público e o privado”, incentivam-se atividades filantrópicas destinadas a substituir o papel do Estado. Em outras palavras, tudo passa a ser regido em nome da sacralidade do mercado, ou ainda, da sociedade civil organizada, entendida como instância democrática por excelência, solução para o enfrentamento das grandes vicissitudes com os quais o Brasil se defronta. As graves carências, as profundas contradições de classes do atual estágio do capitalismo põem em 17
  • 18. relevo a necessidade de denunciar suas mazelas não somente no estrito mundo da produção, mas em todas as instâncias da sociedade, inclusive a instituição educacional. Sabemos que uma grande massa dos excluídos, sob a batuta do capitalismo, não é necessária ao funcionamento da produção, à exploração dos instrumentos do lucro, e para o pequeno número que detém os poderes econômicos. No entanto, é possível verificar ainda hoje a transformação da escola em um mito: instituição de “correção” das desigualdades. Não bastasse esse engodo, a educação foi transformada em um serviço que é oferecido pelo mercado, como um grande negócio rentável e de alto interesse. Aos olhos de quem entende a educação como um direito isso parece assustador. Pelo que foi dito até aqui, ganha sentido a defesa da escola pública e a luta pela não abdicação do Estado de seu papel de provedor de bens públicos. Educação não é um serviço prestado, mas um direito que deve ser assegurado. Como indivíduos, seremos incapazes de transformar profundamente as estruturas vigentes. Por isso, diante dos desafios colocados pela história, num momento em que necessitamos criar novas formas de intervenção nas lutas políticas, torna-se urgente inverter as ações que legitimam as práticas focalistas, o assistencialismo, a filantropia e a defesa das medidas definidas como compensatórias, para o enfrentamento da questão social. Nesse sentido, a obra de Gramsci torna-se ainda mais importante. Sua trajetória está atravessada pela certeza de que não há situação histórica que não possa ser modificada pela livre e consciente ação de homens organizados. Os direitos sociais e a transformação social em direção a uma sociedade qualitativamente superior não é uma dádiva dos céus, nem tampouco algo definitivo. Também não virá de cima para baixo como uma concessão das elites econômicas, mas será fruto de batalhas permanentes, travadas sempre a partir dos interesses dos trabalhadores, das classes subalternas. Por isso, sua conquista implica em um projeto histórico alternativo. Dessa forma, é de fundamental importância denunciarmos a tese do voluntariado, que, veste-se de roupagem farsante da responsabilidade social. Mais do que nunca é importante reafirmar a centralidade da formação de professores e seu caráter insubstituível na relação ensino-aprendizagem. É o momento de nos posicionarmos em defesa de trabalhador qualificado em educação, senhor de um saber de ofício, um mestre nas artes de ensinar e educar, insubstituível, resistindo às ameaças de sua descaracterização. 18
  • 19. É primordial fortalecer os agentes comprometidos com a escola popular no âmbito da sociedade civil, com o objetivo de exercer/ampliar o controle sobre o Estado. O fortalecimento das organizações de professores, dos movimentos estudantis e outras entidades afins, são fundamentais para a construção de uma nova sociedade. Assim, em lugar da defesa da privatização, o que se torna imprescindível é a necessidade de denunciar as práticas que ajudam a manter os privilégios presentes em nossa sociedade, sem nos esquercemos que a instituição escolar é reflexo das relações materiais de produção. Por outro lado, é necessário ter clareza que a omissão do Estado nas questões sociais não será extinta por decreto. Tal fenômeno social é uma manifestação concreta da correlação de forças entre as diferentes classes e frações de classes que ocultaram, e ainda ocultam, através do discurso ideológico, tanto os interesses do capital. Dessa forma, fica para os setores progressistas a tarefa de conquistar trincheiras dentro da sociedade civil na luta pela escola pública e popular, que negue a seletividade e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Não seriam nossos propósitos utópicos? Na verdade, entendemos que utopia é desejar consertar a educação pública dentro dos princípios ditados pelo capital. Afinal, o capitalismo é o sistema sociometabólico da miséria. No entanto, a miséria, assim como o próprio homem possuem uma história, que pode e deve ser transformada. REFERÊNCIAS: Endereços eletrônicos << http://www.voluntarios.com.br/oque_e_voluntariado.htm >> acesso em 27/03/2009 Boletim Amigos da Escola, agosto de 2008 << http://amigosdaescola.globo.com/TVGlobo/ Amigosdaescola/download/0,,4112-1,00.pdf>> acesso em 27/03/2009. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999. ARNS, Paulo Evaristo. O que é Igreja. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985. BARROS, Edgar Luiz e FARIA, Antônio Augusto da Costa. O Estado e a industrialização: 1937-43) In: MENDES JR., Antônio e MARANHÃO, Ricardo. Brasil História – texto e consulta: era Vargas. São Paulo, Hucitec, 1989. 19
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